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Reflexões do poeta
N’Os Lusíadas, mais de uma vez [e sobretudo em final de canto] […]
esquecemos os heróis e é no poeta que atentamos, [aconselhando-se] a si
próprio, lamentando-se, ou com desassombro fustigando os epígones 1 dos
heróis. […] Tudo isto nos permite, no poema, conviver, a espaços, não apenas
com o espírito altíssimo do poeta, senão também com a concreta realidade do
homem, do cristão e do português, nos seus momentos de confiança exaltante
e de profunda depressão melancólica, no orgulho do passado, na evocação de
cujas glórias encontrava o estímulo, não tanto para a evasão da austera,
apagada e vil tristeza do presente, como para a forte, oportuna, desassombrada
lição com que escarmenta2 os descendentes dos heróis.
Hernâni Cidade, Luís de Camões – O épico, 2ª edição, Lisboa,
Editorial Presença, 1995, pp. 170 e 172 (texto adaptado)
Maria Vitalina Leal de Matos, «Os Lusíadas», in Vítor Aguiar e Silva (coord.),
op.cit., pp. 495-497 (texto adaptado e com supressões)
Toda a epopeia camoniana pode ser lida como a defesa de um valor que o
poeta não se cansa de apontar: a conciliação das armas e das letras, topos
que vinha da mais recuada Antiguidade, mas que ganhava especial atualidade,
num momento em que a grande e a pequena aristocracia, absorvida com o
comércio resultante da expansão, e desejosa de enriquecer rapidamente,
manifestava desinteresse por se cultivar e por apoiar as artes [...].
[…] Trata-se de um discurso de grande vigor oratório, que pretende
justamente envergonhar os destinatários, estabelecendo um paralelismo
antitético entre os portugueses e os outros povos, que prezam o paradigma do
herói letrado, personificado por César. […] Mas a cultura, o amor das artes
exigem tempo, comunidade e gerações.