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Os Lusíadas – Reflexões do poeta

10.º ano

«Camões apresenta-se nas suas reflexões como guerreiro e poeta a quem não “falta na vida honesto estudo, / Com
longa experiência misturado, / Nem engenho” (C. X, est. 154). Um poeta que, ainda que perseguido pela sorte e desprezado
pelos seus contemporâneos, assume o papel humanista de intervir, de forma pedagógica, na vida con temporânea. Por isso
critica a ignorância e o desprezo pela cultura dos homens de armas (C. V); denuncia o desprezo pelo bem comum, a
ambição desmedida, o poder exercido com tirania, a hipocrisia dos aduladores do Rei, a exploração dos pobres (C. VII);
denuncia o poder corruptor do ouro (C. VIII) e propõe um modelo humano ideal de "Heróis esclarecidos" que terão ganho
o direito de ser na "Ilha de Vénus recebidos" (C. IX, est.95).
Mas o poema, acima de tudo, evidencia a grandeza do passado de Portugal: um pequeno povo que cumpriu ao longo
da sua História a missão de dilatar a Cristandade, que abriu novos rumos ao conhecimento, que mostrou a capacidade do
Homem de concretizar o sonho.
Ao cantar a gesta heróica do passado, o poeta pretende mostrar aos seus contemporâneos a falta de grandeza do
Portugal presente, metido "No gosto da cobiça e na rudeza/Dhua austera, apagada e vil tristeza." (C. X, est.145) e incentivar
o Rei a conduzir os portugueses para um futuro glorioso, para uma nova era de orgulho nacional.» (In Plural, Lisboa Editora)
O Poeta tece, ao longo de Os Lusíadas, diversas considerações, no início (Canto I – Dedicatória) e no fim dos Cantos
da sua epopeia, criticando e aconselhando os Portugueses.
Por um lado, refere os «grandes e gravíssimos perigos», a tormenta e o dano no mar, a guerra e o engano em terra;
por outro lado, faz a apologia da expansão territorial para divulgar a Fé cristã, manifesta o seu patriotismo e exorta D.
Sebastião a dar continuidade à obra grandiosa do povo português.
Nas suas reflexões, que assumem uma feição didática, moral e severamente crítica, há não só louvores, mas também
o lamento e o queixume de quem sente amargamente a ingratidão, ou os desconcertos do mundo. Por um lado, realça o
valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio, mas, por outro lado lamenta, por exemplo, que os Portugueses
nem sempre saibam aliar a força e a coragem ao saber e à eloquência, destacando a importância das Letras. Se critica os
povos que não seguem o exemplo do povo português que, com atrevimento, chegou a todos os cantos do Mundo, não deixa
de se queixar de todos aqueles, particularmente os Portugueses, que pretendem alcançar a imortalidade, dizendo-lhes que
a cobiça, a ambição e a tirania são honras vãs que não dão verdadeiro valor ao homem. Daí, também, lamentar a
importância atribuída ao dinheiro, fonte de corrupção e de traições.
Lembrando o seu «honesto estudo», «longa experiência» e «engenho», «Cousas que juntas se acham raramente»,
confessa estar cansado de «cantar a gente surda e endurecida» que não reconhecia nem incentivava as suas qualidades
artísticas.

Canto I (est. 103 – 106)

Acontecimento motivador das reflexões - chegada a Mombaça, cujo rei fora avisado por Baco para receber os
portugueses e os destruir.

Reflexões do poeta
Depois de ter contado as traições e os perigos a que os navegadores estiveram sujeitos – ciladas, hostilidade
disfarçada que reduz as defesas e cria esperanças – o poeta interrompe a Narração para expor as suas reflexões sobre a
insegurança da vida e a impotência do homem «um bicho da terra tão pequeno» exposto a todos os perigos e incertezas e
vítima indefesa do «Céu sereno». São palavras-chave: veneno, engano, gravíssimos perigos, nunca certo, pouca segurança,
mar, tormenta, dano, morte, guerra, engano.
Não será por acaso que esta reflexão surge no final do Canto I, quando o herói ainda tem um longo e penoso percurso
a percorrer. Ver-se-á, no Canto X, até onde a ousadia, a coragem e o desejo de ir sempre mais além pode levar o "bicho da
terra tão pequeno", tão dependente da fragilidade da sua condição humana.
Os perigos que espreitam o ser humano (o herói), tão pequeno diante das forças poderosas da natureza
(tempestades, o mar, o vento...), do poder da guerra e dos traiçoeiros enganos dos inimigos.

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Principais recursos expressivos
• Metáfora - «Mas debaxo o veneno vem coberto» - traduz a falsidade e a cobardia dos traidores; • Interjeições e frases
exclamativas - «Oh! Grandes e gravíssimos perigos, /Oh! Caminho de vida nunca certo» - acentuam a visão angustiada e
expressiva do poeta face às traições e à precariedade da vida humana assinalada através da metáfora «Caminho de vida».
Através desta exclamação sentenciosa, o poeta apresenta uma síntese do negrume trágico que dá a medida da grandeza
épica da história da gente lusitana.
• Anáfora - «Onde», «Onde» a personificação, «Céu sereno», e a interrogação retórica «Onde….bicho da terra tão
pequeno?» acentuam a visão pessimista e profundamente angustiada da condição humana marcada pelo sentimento
de impotência de um ser que, perante o «Céu sereno», não passa de «um bicho da terra da terra tão pequeno».
• Antítese e paralelismo de construção - «No mar tanta tormenta e tanto dano, (…) /Na terra tanta guerra, tanto engano.»
- Estes dois recursos destacam a insegurança e os perigos que surgem em qualquer lugar. O homem, e em particular a
gente lusa, não tem um lugar onde se possa sentir segura o que, mais uma vez, contribui para a glorificação deste «bicho
da terra tão pequeno» que, apesar de todas as adversidades, vai alcançar o seu objetivo conquistando terra e
ultrapassando todos os limites que lhe são impostos pelo mar.

Canto V (est. 92 – 100)

Acontecimento motivador das reflexões – final da narração de Vasco da Gama (História de Portugal e a Viagem de
Belém a Melinde) e elogio do Rei de Melinde à bravura, à lealdade e à nobreza dos portugueses.

Reflexões do poeta
Ao longo destas estâncias, Camões apresenta uma invetiva contra os portugueses seus contemporâneos que
desprezavam a poesia. O poeta começa por mostrar como o canto, o louvor, incita à realização dos feitos; dá em seguida
exemplos do apreço dos Antigos pelos seus poetas, bem como da importância dada ao conhecimento e à cultura, que levava
a que as armas não fossem incompatíveis com o saber.
Não é, infelizmente, o que se passa com os portugueses: não se pode amar o que não se conhece, e a falta de cultura
dos heróis nacionais é responsável pela indiferença que manifestam pela divulgação dos seus feitos. Apesar disso, o poeta,
movido pelo amor da pátria, reitera o seu propósito de continuar a engrandecer, com os seus versos, as "grandes obras"
realizadas. Manifesta, desta forma, a vertente pedagógica da sua epopeia, na defesa da realização plena do Homem, em
todas as suas capacidades.

Est. 92 – O poeta começa por manifestar a ideia de que o canto, o louvor incita à realização dos feitos. Considera nobre a
atitude do homem que tenta igualar ou exceder os feitos dos seus antepassados. Considera, ainda, que tanto o louvor como
as invejas incitam quem procura obras valerosas.

Est. 93 – Camões dá o exemplo de Alexandre Magno que prezava mais o poeta Homero do que os gloriosos feitos guerreiros
de Aquiles. Temístocles, general ateniense, invejava os troféus, os monumentos que homenageiam Milcíades, outro general
ateniense, e diz que nada lhe dava mais deleite do que ouvir cantar os feitos desse herói.

Est. 94 – Vasco da Gama «trabalha» para mostrar que as navegações cantadas pelos antigos poetas não são mais grandiosas
do que a sua. O imperador Augusto ao mostrar com «mercês e favores», a sua estima pelo poeta romano Virgílio, contribuiu
para que Eneias (herói da Eneida) fosse cantado e, desta forma, espalhada a glória de Roma.

Est. 95 – Portugal tem grandes chefes políticos e militares tão ilustres como os estrangeiros (Césares, Alexandros, e
Augustos) porém «não lhe dá contudo aqueles dões/Cuja falta os faz duros e robustos.», a sensibilidade para as letras e, por
isso, tornam-se «duros e robustos» o que os impede de cultivarem e apreciarem o canto dos escritores e poetas portugueses.

Est. 96 – Camões dá o exemplo de Júlio César, grande imperador e escritor romano, («numa mão a pena e noutra a
lança»), que foi um orador tão eloquente como Cícero (orador romano) e um guerreiro da craveira de Cipião (general
romano) que, por sua vez, além de ser um grande general, era também amigo e protetor do comediógrafo Terêncio. O
próprio Alexandre Magno apreciava tanto o poeta Homero que tinha sempre as suas obras «à cabeceira».

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Est. 97 – Utilizando o articulador «Enfim» com valor conclusivo, o poeta afirma que todos os grandes guerreiros (Capitão)
da Antiguidade foram eruditos e sabedores, «douto e ciente», dados às letras e ao conhecimento. Com mágoa e vergonha
constata que em Portugal tal não acontece, os nossos chefes militares não protegem nem prezam «o verso e a rima», porque
«quem não sabe arte» não a pode estimar. O poeta lastima o desdém a que os Portugueses votam as letras. Estes, apesar
de serem da terra de heróis, não reconhecem o valor da arte.
Est. 98 – Assim, como consequência da falta de erudição e de gosto pela poesia, não só não há em Portugal grandes poetas
como Virgílio e Homero como também, «se este costume» continuar nem guerreiros (Eneias e Aquiles) haverá porque não
há quem os cante. «Mas o pior de tudo é que» estes guerreiros são «tão ásperos», «tão austeros» e «tão rudes» que se
tornaram frouxos de espírito o que os impede de prezarem e estimarem a poesia.

Est. 98 – A ironia está presente em toda a estrofe desde o primeiro verso, onde o poeta manda «o nosso Gama» agradecer
«às Musas» «o muito amor da pátria, que as obriga/A dar aos seus, na lira, nome e fama», até ao último onde Camões afirma
que, se fosse pela amizade que tinham a Gama, nunca as Tágides deixariam «As telas de ouro fino» para o cantarem, pois
nunca houve nenhum laço afetivo entre os Gamas e a poesia, ou seja, estes contam-se entre os que a desprezam, logo, são
pelas ninfas desprezados.

Est. 100 – O poeta explica que o único objetivo das Tágides é louvar os feitos lusitanos. O amor à pátria e o apreço pelos
grandes feitos, que devem ser perpetuadas, constituem a grande motivação para a escrita do poema.

Principais recursos expressivos


• Exclamação - «Quão doce é o louvor e a justa glória/Dos próprios feitos, quando são soados!» (Est. 92) - traduz a
frustração do poeta por verificar que aquilo que parece tão óbvio aos olhos de todos, não é entendido. • Hipérbole -
«Fazem mil vezes feitos sublimados» (Est. 92) - realça a importância da poesia para espalhar os feitos gloriosos.
• Enumeração de figuras da Antiguidade (Est. 93 a 96) com o objectivo de reforçar as consequências da falta de proteção
aos homens das letras «Alexandro…Augusto…Césares, Alexandros….Cícero…Cipião…» • Paralelismo anafórico «Tão
ásperos…tão austeros/Tão rudos…tão remissos» (est. 98) – insiste na ideia de que os guerreiros portugueses são
ignorantes, rudes e desleixados de espírito.
• Ironia (Est. 99) – (ver explicação acima)

Canto VI (est. 95 – 99)

Acontecimento motivador das reflexões – Após Vénus ter acalmado os ventos que deram origem à tempestade
desencadeada por Neptuno, a pedido de Baco, a armada portuguesa, guiada pelo piloto melindano, avista-se Calecut e
Vasco da Gama agradece a Deus.

Reflexões do poeta
Continuando a exercer a sua função pedagógica, o poeta defende um novo conceito de nobreza, espelho do modelo
da virtude renascentista: a fama e a imortalidade, o prestígio e o poder adquirem-se pelo esforço - na batalha ou
enfrentando os elementos, sacrificando o corpo e sofrendo pela perda dos companheiros; não se é nobre por herança,
permanecendo no luxo e na ociosidade, nem pela concessão de favores se deve alcançar lugar de relevo. Nestas
estâncias, o Poeta realça o verdadeiro valor das honras e da glória alcançadas por mérito próprio. O herói faz-se pela sua
coragem e virtude, pela generosidade da sua entrega a causas desinteressadas.

Est. 95 e 96 – É por esforço e árduo trabalho «trabalhos graves e temores» que se alcançam «As honras imortais e graus
maiores», e não por ter herdado a nobreza dos «Troncos nobres de seus antecessores» ou por se viver luxuosamente «Nos
leitos dourados, entre os finos/Animais de Moscóvia zebelinos.», (peles de marta), ou por se comer «manjares esquisitos»,
ou por se dar passeios ociosos ou por se ter vários e infinitos prazeres.

Est. 97 e 98 – Utilizando o articulador «Mas» com valor adversativo, o poeta declara que a fama se alcança por mérito
próprio «…com buscar, co seu esforço braço/ As honras que ele chame próprias suas»), pelo esforço na batalha, «vigiando
e vestindo o forjado aço», sofrendo «tempestades e ondas cruas», vencendo «os torpes frios»

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em regiões inóspitas, passando necessidades «engolindo» alimentos apodrecidos, vencendo o medo que se tem face ao
«pelouro ardente que assovia» e ao ver os companheiros ficarem mutilados, sem «pernas» ou sem «braços», aprendendo a
desprezar as «honras e dinheiro» dadas pela sorte «…que a ventura /Forjou…» e não obtidas pela virtude e valor próprios «
…não vertude justa e dura.».

Est. 99 – Desta forma se cria um entendimento sereno da vida certo de que ela passa «Destarte se esclarece…humano
embaraçado.» e só esse será o caminho justo e certo sem compadrios nem favoritismos «Direito e não de affeitos
ocupado» para se chegar a ilustre mando sem pedidos.
Nota – Estas estâncias, particularmente a 98 e a 99, contêm a afirmação, única na obra de Camões, de que o Homem
pode escolher o seu percurso de vida e determinar-se impondo a sua própria vontade.

Principais recursos expressivos


• Sinédoque – Moscóvia- toma-se a parte, principado de Moscovo, pelo todo que é a Rússia do Norte famosa pelas martas,
animal valioso pela pele que fornece.
• Adjetivação – hórridos, graves – realça o esforço gigantesco que o Homem tem de fazer para se ultrapassar a si próprio e
alcançar a imortalidade. A anteposição do adjetivo hórrido em relação ao nome reforça a sua carga semântica e
evidencia a sua forte sonoridade.
• Paralelismo anafórico e anáfora - «Não encostados… Não nos leitos… Não cós…» -traduzem a ideia do poeta da
necessidade do Homem recusar a fama imerecida. Insiste na ideia de que o Homem pode escolher o seu percurso de
vida e autodeterminar-se.
• Metáforas - «calo honroso» e «corrupto mantimento» - intensificam a ideia de sofrimento necessário para se alcançar a
fama.
Uso da conjunção adversativa - Mas (est. 97) – Nas estrofes anteriores o poeta enumerou uma série de vícios que não
conduzem à fama. Usando este articulador com valor de oposição o poeta passa a enumerar as virtudes que
conduzem o Homem à fama e à imortalidade.

Canto VII (est. 78 – 87)

Acontecimento motivador das reflexões – Após o desembarque de Vasco da Gama o Catual visita a nau capitaina,
onde é recebido por Paulo da Gama, a quem pergunta o significado das figuras presentes nas bandeiras desenhada.

Reflexões do poeta
Nesta reflexão Camões queixa-se da ingratidão de que é vítima. Ele que sonhava com a coroa de louros dos poetas,
vê-se votado ao esquecimento e à sorte mais mesquinha, não lhe reconhecendo, os que detêm o poder, o serviço que presta
à Pátria.
Usando um texto de tom marcadamente autobiográfico Camões faz referência a várias etapas da sua vida. O poeta
exprime um estado de espírito bem diferente do que caracterizava, no Canto I, a Invocação às Tágides - «cego, … insano e
temerário», percorre um caminho «árduo, longo e vário», e precisa de auxílio porque, segundo diz, teme que o barco da sua
vida e da sua obra não chegue a bom porto. Uma vida que tem sido cheio de adversidades, que enumera: a pobreza, a
desilusão, perigos do mar e da guerra, «Nua mão sempre a espada e noutra a pena», Como não ver neste retrato a intenção
de espelhar o modelo de virtude enunciado em momentos anteriores? Em retribuição, recebe novas contrariedades - de
novo a crítica aos contemporâneos, e o alerta, para a inevitável inibição do surgimento de outros poetas, em consequência
de tais exemplos.
Mas a crítica aumenta de tom na parte final, quando são enumerados aqueles que nunca cantará e que,
implicitamente, denuncia abundarem na sociedade do seu tempo: os ambiciosos que sobrepõem os seus interesses aos do
«bem comum e do seu Rei», os dissimulados, os exploradores do povo que não defendam "que se pague o suor da servil
gente".
No final, retoma a definição do seu herói - o que arrisca a vida «por seu Deus, por seu Rei».

Est. 78 – O poeta invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego primeiro porque vai dar início, através da voz de Paulo da Gama,
à narrativa da História de Portugal e para isso precisa de ajuda sobrenatural; em segundo lugar, porque percorre um caminho
«árduo, longo e vário» e, segundo diz, teme que o barco da sua vida e da sua obra não chegue

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a bom porto. São tantas as adversidades que ao longo da vida lhe têm surgido, que receia não conseguir alcançar os seus
objectivos: terminar o poema e imortalizar os portugueses e a História de Portugal.

Est. 79 – O poeta realça a sua persistência no cumprimento da sua missão como poeta «…cantando/O vosso Tejo e os vossos
Lusitanos», como viajante «Agora o mar…» e como guerreiro «…agora exprimentando/Os perigos Mavórcios inumanos.»,
em suma, como um verdadeiro humanista «Nua mão sempre a espada e noutra a pena.

Est. 80 e 81– O poeta faz referência aos seguintes aspetos da sua vida:
• à pobreza, à errância e ao desterro (est.80 vv.1,2);
• às desilusões (est. 80 vv.3,4);
• ao naufrágio sofrido na foz do rio Mecon, do qual escapou com vida e salvou o manuscrito do poema (est. 80 vv.5 a
8);
• às expectativas frustradas pelo facto daqueles que detêm o poder não reconhecerem a grandiosidade da sua obra
(est. 81, vv. 1 a 4);
• ao sofrimento causado pela insensibilidade dos detentores do poder que, para além de não lhe darem as «capelas
de louro» em sinal de reconhecimento ainda «lhe inventaram mais trabalhos».

Est. 82 – Recorrendo à ironia, o poeta chama a atenção das Ninfas para estes «engenhos de senhores» que o «Tejo cria
valerosos», denunciando o menosprezo destes pelos escritores e alertando para as consequências futuras da separação
entre escritores e senhores.

Est. 83 – O poeta pede inspiração às Ninfas «vosso favor …. /Dai-mo vós, sós» para continuar a cantar os portugueses que
o mereçam «que eu tenho já jurado/Que não no empregue em quem o não mereça».

Est. 84 a 86 – O poeta enumera aqueles que considera como seus preteridos e indignos do seu canto: •
quem antepuser o seu próprio interesse ao do bem comum e ao do rei (84, vv. 1,2);
• os ambiciosos que pretendem subir a «grandes cargos» com o objetivo de «com torpes exercícios»
satisfazerem os seus vícios;
• os egoístas, hipócritas e falsos que mudam de acordo com os seus interesses (85, vv. 1 a 4); • os que para ficarem
bem vistos pelo Rei não hesitam em explorar, «despir e roubar o pobre povo»; • os que são muito diligentes e
severos no cumprimento da lei do Rei, mas exploram o povo (86, vv.1 a 4); • os exploradores que se empenham em
aplicar impostos e não pagam com justiça os «trabalhos» dos outros (86, vv. 5 a 8).

Est. 87 – O poeta termina o seu discurso afirmando que cantará somente os heróis que arriscam a vida «por seu Deus» e
«por seu Rei».

Principais recursos expressivos


• Metáfora - «Por alto mar … que meu batel se alague cedo…» - remete para as adversidades que surgem quer na
realização da sua obra quer na sua vida.
• Adjetivação múltipla - «caminho tão árduo, longo e vário…» - reforça as dificuldades da vida do poeta. • Anáfora -
«Agora….Agora…» - realça a variedade de situações e estados de alma do sujeito poético e cria um efeito de
simultaneidade de vivências.
• Anáfora – «Nenhum» (pronome) e «Nem» (conjunção) – estes dois elementos linguísticos apresentam uma carga
negativa e servem para o sujeito poético enumerar e destacar os que considera indignos do seu canto. • Ironia (est 82) –
Recorrendo às frases exclamativas e ao valor conotativo do adjectivo «valerosas», o sujeito poético critica o menosprezo
dos poderosos pelos escritores e alerta para as consequências futuras desse divórcio entre escritores e senhores que
levará à estagnação artística.

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Canto VIII (est. 96 – 99)

Acontecimento motivador das reflexões – Traição e suborno do Catual. Regresso de Gama às naus.

Reflexões do poeta
Nesta reflexão o poeta retoma a função pedagógica do seu canto e, apontando para um dos males da sociedade sua
contemporânea, orientada por valores materialistas faz uma severa crítica: o alvo é o poder corruptor do dinheiro e do
«ouro».
A propósito da narração do suborno do Catual e das suas exigências aos navegadores, são agora enumerados os efeitos
perniciosos do ouro - provoca derrotas, faz dos amigos traidores, mancha o que há de mais puro, deturpa o conhecimento
e a consciência; os textos e as leis são por ele condicionados; está na origem de difamações, da tirania de Reis, corrompe
até os sacerdotes, sob a aparência da virtude.
Est. 96 – Os primeiros quatro versos pertencem ao plano narrativo da viagem: Gama regressa às naus e espera para ver o
que acontece.
No verso cinco o poeta inicia a sua reflexão sobre a corrupção, «…o vil interesse e sede immiga/ Do dinheiro que a tudo
nos obriga», tanto «no rico assi como no pobre».

Est. 97 – O poeta exemplifica o seu ponto de vista através de exemplos míticos: o Rei Treício, exemplo de um senhor rico,
apodera-se do ouro que Polidoro levava e mata-o; Tarpeia, a mulher romana que deveria abrir as portas da cidade, exemplo
de um ser pobre, também morre.

Est. 98 a 99 – O poeta enumera os seguintes atos de corrupção, mostrando que eles percorrem todas as classes sociais e
em particular as elites:
• Entregam-se bem fortificadas «fortalezas» (98,v.1);
• Atraiçoam-se os amigos (98,v.2);
• Os nobres cometem baixezas, atraiçoando os capitães (98,vv. 3,4);
• Corrompem-se as virgens (98,vv. 5,6);
• Mistifica-se a ciência (98,vv. 7,8);
• Interpretam-se os textos de acordo com as conveniências (99, vv.2,3);
• Alteram-se as leis (99, v.3)
• Fazem-se difamações (99, v. 4);
• Os Reis tornam-se «mil vezes tiranos» (99,v.5)
• Corrompem-se os sacerdotes que, apesar de hipocritamente terem uma aparência de grande virtude, se deixam
seduzir pelo ouro. (99,vv. 6 a 8).

Principais recursos expressivos


• Antítese – «rico… pobre» (est.96) – evidencia que o poder corruptor do dinheiro surge em todas as classes sociais.
• Adjetivação - «metal luzente e louro » (est. 97) – realça o poder do vil metal especialmente através da sensação visual
que provoca.
• Anáfora - «Este…» - a repetição do pronome demonstrativo insiste no poder corruptor do dinheiro, salientando que a
maior parte dos desvios em relação aos valores que o Homem devia preservar se devem à ganância e à cobiça motivada
pelo ouro.
• Oxímoro - «faz e desfaz» (est. 99) – através da contradição com o mesmo radical da palavra realça-se a facilidade com
que as leis são alteradas.
• Hipérboles - «mil vezes Reis… mil vezes ourives» (est. 99) – através deste exagero prova-se que ninguém está imune ao
valor vil do dinheiro: nem os Reis que já são ricos, nem os sacerdotes que, segundo os valores cristãos, não se deviam
interessar por questões materiais.

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Canto IX (est. 51- 87 – Ilha dos Amores; est. 88 – 92,v.4 – Significado da ilha; est. 92, v. 5 – 95 Exortação do
poeta dirigida aos que suspiram por imortalizar o seu nome).

Estando os navegantes na viagem de regresso a Portugal, Vénus prepara-lhes, com a ajuda das ninfas e de seu
filho, Cupido, uma recompensa pelos perigos e tormentas que enfrentaram vitoriosos. Fá-los aportar a uma ilha paradisíaca,
povoada de ninfas amorosas que lhes deleitam os sentidos. Numa atitude estudada de sedução, as divindades fingem
assustar-se com a presença dos marinheiros, mas logo se rendem aos prazeres do amor.
Esta ilha não existe na realidade, mas na imaginação, no sonho que dá sentido à vida. O sonho que permite
atingir a plenitude da Beleza, do Amor, da Realização.
A grandeza dos Descobrimentos também se mede pela grandeza do prémio, e esse foi o da imortalidade,
simbolicamente representada na união homens-deusas o que faz com que os Portugueses deixem de ser simples mortais,
transcendam a condição humana e recebam os dotes de uma experiência divina – são heróis - por isso poderão regressar à
Pátria sem perigo. Através deste contacto deusas-heróis, estes tornam-se imortais bem como a História de Portugal.
O poeta não perde o ensejo, no final do Canto, de esboçar o perfil dos que podem ser "nesta ilha de Vénus
recebidos", reiterando valores como a justiça, a coragem, o amor à Pátria, a lealdade ao Rei. No canto X, no banquete com
que homenageiam os navegantes (est. 1-4), uma ninfa profetiza futuras vitórias dos portugueses (est.5-7). Tétis, a ninfa
com cujo amor Vasco da Gama fora premiado, condu-lo agora ao cume de um monte para lhe mostrar a "Máquina do
Mundo" (est. 74-90) e lhe dar a noção do que será o Império Português. É o auge da glorificação - Vasco da Gama vê o que
só aos deuses é dado ver. É a glorificação simbólica do conhecimento, do saber proporcionado pelo sonho da descoberta.
O "bicho da terra tão pequeno" venceu as suas próprias limitações e foi além "do que prometia a força humana".
Ao nível da estrutura do poema, significativamente, os três planos sobrepõem-se: os viajantes
confraternizam com as entidades mitológicas e ouvem a História de Portugal futura.

Est. 51 – Viagem de regresso e avistamento da «Ilha namorada».

Est. 52 – Aparecimento e início da descrição da ilha feita através de uma gradação decrescente, do geral «De longe a Ilha
viram, fresca e bela/ Que Vénus pelas ondas lha levava» para o particular.

A descrição da Ilha obedece a um rigor na apresentação dos elementos que a constituem seguindo as regras
usadas para a descrição de uma paisagem real como se pode verificar:

Est. 53 a 55 Elementos Adjetivos ou expressões Sensações


Aspeto geral adjetivas

• enseada curva e quieta • Visuais


- «branca areia»
• areia Branca - «ruivas conchas»
- «claras fontes e límpidas»
• conchas Ruivas - «…verdura tem viçosa»
- «pedras alvas»
• três outeiros fermosos… com soberba
- «Arvoredo»
graciosa…de gramíneo esmalte
• Auditivas
se adornavam
- «sonorosa linfa»

• fontes claras … límpidas -

• verdura Viçosa

• pedras Alvas

• ribeiros de águas claras

• vale Ameno

• arvoredo Gentil

Est. 56 a 57 Elementos Adjetivos ou expressões Sensações


Árvores adjetivas

• laranjeira • Visuais
- «a cor que tinha Dafne nos
• cidreira cabelos» - «..pesos amarelos»
• Olfativas
• árvores - «pomos odoríferos»
agrestes
- «limões ali, cheirando»
Laranjeira, cidreira, loureiros
• álamos

• loureiros
• mirtos

• pinheiros

• ciprestes Agudo

Est. 58 a 59 • cerejas purpúreas • Visuais


Frutos - «cerejas purpúreas»
• pêssegos - «a romã … rubicunda cor»
- «cachos roxos e verdes»
• amoras - «peras piramidais»
• Gustativas
• romã rubicunda - «Os dões…diferentes nos sabores»;
as diversas frutas
• uvas jucunda, roxas, verdes

• peras piramidais

Est. 60 a 62 • narcisos • Visuais


(até ao v.6) - «... e na terra as mesmas
Flores • anémonas cores…» - «as violetas»
- «o lírio roxo»
• violetas da cor dos amadores • Olfativas
- «violetas»
• lírio roxo - «manjeronas »

• rosa fresca, bela

• açucena cândida

• manjeronas

• jacintos agudo

• boninas

Est. 62 e 63 • cisne níveo • Visuais


(est.62 desde - «níveo cisne»
v.7)
• rouxinol -«água cristalina»
Animais
• Auditivas
• veado - «aves no ar cantando voam»
- «níveo cisne canta»
• lebre fugace

• gazela tímida

• passarinho leve
Est. 64 e 65 • deusas incautas … belo corpo … • Visuais
Habitantes - «belas Deusas»
da Ilha -«arcos de ouro»
• Auditivas
- «doces cítaras tocavam»
- «harpas e sonoras flautas»
- «o lírio roxo»

Nota – Não há dúvida que a Ilha dos Amores apresenta uma das mais belas descrições da nossa literatura clássica: o Poeta,
utilizando uma gradação decrescente, partindo do geral para o particular, apresenta esse locus amoenos seguindo as regras da
descrição duma paisagem real.

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Est. 64 – Os marinheiros desembarcam na Ilha Namorada onde as «belas Deusas» se deixam andar como incautas.
Argonauta foi o nome dado aos navegantes que, a bordo da nau Argos, fizeram a primeira viagem marítima, percorrendo o
mar Negro.
Est. 65 – As Ninfas mostram-se
Est. 66 e 67 – Os marinheiros colocam os pés em terra e perseguem as Ninfas.
Est. 68 – Descobrem-se as Ninfas.
Est. 69 e 70 (v. 2) – Exortação de Veloso «Senhores (…) /Sigamos estas Deusas, e vejamos/Se fantásticas são, se
verdadeiras.» e início da perseguição das Ninfas
Est. 70 (vv. 3 a 8) a 74 – perseguição das Ninfas «Isto dito, velozes mais que gamos, /Se lançam a correr pelas ribeiras.
/Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos…».
Est. 75 a 82 – Aventura de Lionardo, marinheiro sem sorte aos amores, é o único que terá de correr durante mais tempo
atrás da sua Ninfa.
Est. 83 e 84 – Casamentos entre Ninfas e Navegantes.
Est. 85 e 86 – Tethis, divindade marinha e a mais célebre de todas as Nereidas, dá a Vasco da Gama a razão deste
maravilhoso encontro.
Est. 87 – Tethis toma Gama pela mão e leva-o até ao seu palácio.
Est. 88 a 92 (v.4) – Sentido alegórico da ilha.
Est.88 – Este repouso é a compensação de «trabalhos tão longos» e «o prémio bem merecido» Est. 89 - As Ninfas, Tethis e
a «Ilha angélica pintada» constituem as «deleitosas honras, os triunfos, a coroa de louros (símbolo de honra, de vitória, de
glorificação).
Est. 90, 91 92 (vv. 1 a 4) - Afinal também os deuses inventados na Antiguidade «…imortalidade que fingia a antiguidade»)
eram deuses porque os homens os tinham transposto a esse estado glorioso, pelas grandes façanhas, «obras valerosas»,
pelo «trabalho imenso que se chama/Caminho da virtude, alto e fragoso» (pedregoso) que tinham realizado enquanto
homens «O mundo cos varões que esforço e arte/Divinos os fizeram sendo humanos;/Que Júpiter,
Mercúrio, Febo e Marte…/Todos foram de fraca carne humana». Este percurso de árduo trabalho tornou-se «no fim, doce,
alegre e deleitoso» porque estes deuses, anteriormente humanos, receberam como «prémio» e recompensa o Olimpo (a
glória) e a Fama exaltando-lhes tais «obras» contribuiu para quepassassem a ser chamados de «Deuses», de heróis, de
Magnos.
Imagem retirada do manual Ser Em Português, Areal
Editores

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Acontecimento motivador das reflexões –
Encontro dos marinheiros com as Deusas - Ilha dos
Amores.

Exortação e reflexão do poeta - exortação


dirigida aos que aspiram a imortalizar o seu nome. O
poeta retoma a função pedagógica do seu canto e
apontando para um dos males da sociedade sua
contemporânea, dá conselhos e reitera valores como
a justiça, a coragem, o amor à Pátria e a lealdade ao
Rei.
Est. 92 a 95 - O poeta dirige-se a todos os que
aspiram a ser heróis exortando-os a:
• despertar «já do sono ignavo», fugindo da
indolência deprimente que torna as almas escravas
(est.92, vv.5 a 8);
• refrear a cobiça, a ambição, o «torpe (desonesto) e
escuro/Vício da tirania» porque não acrescentam
valor a ninguém: a recompensa deve ser alcançada
através de esforço árduo, de honestidade de retidão
e não de forma desonesta. Por isso, o Poeta afirma
que é preferível merecer os prémios (honras e
riquezas) e nunca ser recompensado, do que não
merecer esses prémios e, de forma desonesta, sórdida e desprezível, ser recompensado. (est. 93, vv. 4 a 8);
• fazer leis equitativas (justas) que não deem aos «grandes» o que é dos «pequenos» (est. 94, vv. 1,2) • lutar
contra os «Sarracenos» (Mouros)

Seguindo estes conselhos, todos os que quiserem alcançar a glória e a fama, sairão vencedores: • os
reinos tornar-se-ão mais fortes e todos ganham (est. 94 vv.5 e 6);
• as riquezas serão atribuídas àqueles que por mérito próprio as merecerem (est. vv. 7,8); • o Rei sairá
glorificado através dos conselhos e da ajuda na militar que os tornará dignos dos seus antepassados (est. 95,
vv. 1 a 4);
Assim, seguindo estes conselhos e guiando-se por valores como a justiça, a coragem, o amor à Pátria e a lealdade ao
Rei, serão inscritos «numerados» (est. 95, v.6) «entre os heróis esclarecidos» e acolhidos na Ilha de Vénus.

Principais recursos expressivos


• Antítese – «livre… escravo» (est.92) – evidencia a ideia de que a liberdade se pode tornar numa derrota, se estes que
aspiram a heróis não despertarem da apatia em que se encontram.
• Hipérbole - «Tomais mil vezes» (est. 93, v.3) - permite uma crítica mais acutilante.
• Quiasmo – «Melhor é merecê-los (1) sem os ter (2) /Que possuí-los (3) sem os merecer (4)» (est. 93). Emprego de
palavras ou expressões agrupadas duas a duas, cuja ordem se inverte, num esquema de paralelos que faz lembrar o X
(o 1º elemento corresponde ao 4º e o 2º elemento ao 3º). Com este recurso o Poeta destaca um dos valores
essenciais do humanismo – o homem só pode obter o prémio se o tiver merecido. Daí que é um desprestígio obter
honras sem as merecer.

Canto X (est. 144 – 156)

Acontecimento motivador das reflexões – Após o banquete oferecido por Tethys, esta mostra a Gama uma
miniatura do Universo, descobrindo, no globo terrestre, os lugares, onde os Portugueses vão praticar altos feitos e
despede-se dos marinheiros que embarcam. Chegada à Pátria.
Est. 144 – A viagem de regresso corre com tranquilidade como se pode verificar pelos adjetivos e advérbios usados
«mar sereno (…) /Com vento sempre manso e nunca irado», bem como pelo uso da conjugação perifrástica «foram
cortando o mar». A armada entra «no Tejo ameno» e entregam os prémios à Pátria e ao Rei, concedendo-he novos títulos
«E com títulos novos se ilustrou».

Est. 145 – O Poeta invoca a Musa «No mais, Musa, no mais...» e desabafando, mostra-lhe o seu cansaço e o seu desânimo
«que a Lira tenho/ Destemperada e a voz enrouquecida,», por verificar que canta «a gente surda e endurecida» e que a
Pátria não reconhece o seu trabalho, não o aplaude «o favor com que mais se acende o engenho», pois está cega pela
cobiça «que está metida/No gosto da cobiça e da rudeza…».

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Est. 146 – O Poeta refere que não sabe por que a Pátria se encontra assim, por isso, dirige-se ao Rei, dizendo-lhe que os
seus vassalos são excelentes, mesmo quando comparados com outros povos «e vede as outras gentes».

Est. 147 – Continuando com um discurso apelativo, pede ao Rei que veja como os seus vassalos são corajosos e bravos
como «leões e touros» tanto na terra como no mar: na guerra, nas conquistas de «quentes regiões a plagas frias», na
expansão da fé cristã e no espírito de cruzada «A golpes de Idolatras e de Mouros», e nas navegações «A naufrágios, a
pexes, ao profundo».

Est. 148 – Estes vassalos estão sempre preparados «aparelhados» para servir o Rei, mostrando obediência e lealdade
«sempre obedientes/A quaisquer vossos ásperos mandados, /sem dar resposta, prontos e contentes», coragem para
enfrentarem «Demónios infernais, negros e ardentes», o que fará com que D. Sebastião seja um vencedor e nunca um
vencido «Que vencedor vos façam, não vencido».

Est. 149 – Atendendo à excelência que D. Sebastião tem no seu reino, o Poeta pede-lhe que os favoreça com a sua presença
e que os liberte de leis rigorosas. Aconselha-o ainda a prestar especial atenção aos mais velhos «os mais experimentados
levantai-os» porque estes possuem um saber de experiência feito e, por isso, «sabem O como, o quando, e onde as cousas
cabem».

Est. 150 – Pede-lhe que seja justo e que reconheça a competência, o «talento» dos seus vassalos nos «ofícios»
(profissão/trabalho) que desempenham. Assim deve reconhecer o trabalho do «bom religioso» que cumpre com as suas
obrigações e não se deixa levar pela «Glória vã» nem pelo «dinheiro».

Est. 151 – Pede-lhe que respeite que tenha «em muita estima» os Cavaleiros que de forma corajosa espalham «não
somente a Lei de cima» (a Fé), mas também o «Império», «vencendo» dois inimigos: «os vivos» e «os trabalhos excessivos».

Est. 152 – Por tudo isso, o Rei não poderá permitir que os outros povos «Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses» possam alguma
vez dizer que os Portugueses foram feitos para serem «mandados». Pede-lhe que «só» ouça os mais velhos, «Que viram
largos anos, largos meses» pois têm uma saber de experiência feito e, por isso, são os que melhor o podem aconselhar.

Est. 153 – Para reforçar a importância do saber de experiência feito, refere como Aníbal, general cartaginês, «escarnecia»
de Formião, filósofo grego, por este falar teoricamente da guerra «das artes bélicas», quando estas só se «aprendem»
através da experiência «vendo, tratando e pelejando».

Est. 154 – O Poeta volta o discurso para si «Mas eu», questionando-se sobre quem é. Mostrando que temconsciência do
seu valor, refere que não lhe «falta na vida honesto estudo, /Com longa experiência misturado», conhecimentos teóricos
e muita experiência, nem «engenho» (talento), «Coisas que juntas se acham raramente». O estudo, a experiência e o
engenho constituem os princípios fundamentais do Humanismo e, por conseguinte, do Homem Humanista.

Est. 155 – 156 – O Poeta coloca-se à disposição do Rei: como guerreiro «braço às armas feito»; como poeta e com o seu
engenho para o exaltar «Pera cantar-vos, mente às Musas dada», cantando as proezas futuras «como a pressaga mente o
vaticina», quer de D. Sebastião, quer dos Portugueses. Falta-lhe, no entanto, ser por ele reconhecido «Só me falece ser a
vós aceito». Se «isto» o «Céu» lhe conceder ou se D. Sebastião e os Portugueses fizerem tremer de horror o monte
Atlante, vencendo os Mouros promete «que em todo o mundo de vós cante», de tal forma que Alexandre «em vós se veja»
(se reveja em D. Sebastião), sem ter «inveja à dita (glória) de Aquiles.

Principais recursos expressivos

• Perífrase «vista do terreno/Em que naceram» (est. 144) – significa a Pátria/Portugal.

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• Adjetivação - «Dua austera, apagada e vil tristeza» (est. 145) – a tripla adjetivação com uma carga negativa intensa e
usada para caracterizar um substantivo também ele com um valor negativo, destacam o estado lastimoso em que a
Pátria se encontra, pois está cega pela cobiça, e intensificam a dura crítica do Poeta por não lhe reconhecerem o seu
trabalho e o seu valor.
• Antíteses – «quentes regiões, a plagas frias» (est.147) – evidencia que estes súbditos são excelentes em locais díspares
e inóspitos;
- «Que vencedor vos façam, não vencido» (est.148) – jogando com uma palavra com a mesma raiz e com o
advérbio de negação, reforça a certeza de que D. Sebastião será um vencedor.
• Sinédoque - «monte Atlante…campos de Amplusa…Trudante…» (est. 156) através de algumas partes designa- se o todo
– Norte de África (atualmente Marrocos) - território extenso e dominado por Mouros, o que realça o espírito de
cruzada sempre presente em todo o poema.
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