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As considerações pessoais do poeta

            O poema épico de Camões destina-se a celebrar e a glorificar o povo português, em especial os heróis que
tornaram a Pátria grande, a partir da viagem de Vasco da Gama à Índia. No entanto, o poeta, homem lúcido e
experiente, demonstra, em diversos momentos, o seu desencanto e o seu pessimismo face a uma pátria em crise,
“mergulhada numa austera, apagada e vil tristeza”. Este facto justifica-se se tivermos presente que Os Lusíadas foram
publicados 74 anos após a viagem de Vasco da Gama, num momento em que o Império português se encontrava já em
decadência e pressagiava um futuro negro.
            As reflexões apresentam uma estrutura semelhante, resultante do facto de surgirem, regra geral, no final dos
cantos e após um acontecimento que os motiva. Para além disso, a linguagem é característica de um discurso judicativo
(expressão de juízos de valor) e valorativo (expressão de juízos críticos e subjetivos) que se traduz no uso de
adjetivação valorativa, frases exclamativas e apelativas, interrogações retóricas, interjeições, construções negativas,
anáforas, apóstrofes e enumerações.
            Nas palavras de Zaida Braga e Auxilia Ramos, «Estes momentos constituem não só um reflexo da
mentalidade do homem renascentista (pela sagacidade e análise crítica evidenciada), mas também contêm (pela
intemporalidade que veiculam) uma intenção didática e interventiva.
            Com efeito, o espírito humanista de Camões não podia subestimar uma meditação sobre os valores,
baseada nas suas experiências de vida e nas suas preocupações. É assim que, num texto de natureza épica, somos
regularmente confrontados com momentos de reflexão e intervenção que desinstalam o leitor.»
            Resumindo, o poema procura cantar a grandeza do passado de Portugal e dos portugueses, um pequeno povo
que “deu novos mundos ao mundo”, que dilatou a fé cristã, que abriu novos rumos ao conhecimento, mas fá-lo
estabelecendo um contraste com o presente. De facto, ao cantar os feitos e os heróis do passado, Camões procura
mostrar aos portugueses do seu tempo a sua falta de grandeza e, em simultâneo, procura incentivar D. Sebastião a
conduzir o reino a um futuro de novas glórias, que se oferece para cantar.

            As reflexões são as seguintes:

. Canto I (105-106) – Reflexão sobre a fragilidade da condição humana:


. Acontecimento motivador da reflexão: a chegada da armada portuguesa a Mombaça, após a superação das armadilhas
preparadas por Baco;
. Camões alude aos perigos que os portugueses enfrentarão durante a viagem, provenientes de enganos, ciladas e traições,
bem como de guerras e tempestades;
. Reflete sobre a insegurança e a fragilidade da vida / condição humana;
. Note-se que esta reflexão surge no final do canto I, isto é, num momento em que os navegadores ainda têm um longo e
difícil caminho a percorrer.

. Canto V (92-100) – Crítica à falta de cultura e de apreço pelos poetas por parte dos portugueses:
. Acontecimento motivador: o fim da narrativa de Vasco da Gama ao rei de Melinde;
. Camões mostra como o canto dos heróis e dos seus feitos incita à realização de novos feitos;
. De seguida, dá exemplos do apreço que os antigos heróis gregos e romanos tinham pelos seus poetas e da importância
que atribuíam à cultura e à poesia, compatibilizando as armas e o saber;
. Lamenta a falta de interesse pelas artes e pelas letras por parte dos seus contemporâneos;
. Adverte para a necessidade de imortalizar os feitos dos portugueses através da arte;
. Reitera, movido pelo amor à pátria, o seu propósito de continuar a cantar os feitos e os heróis portugueses.

. Canto VII (78-87) – Crítica aos contemporâneos:


. Acontecimento motivador: pedido do Catual a Paulo da Gama para que lhe explique o significado das figuras
desenhadas nas bandeiras da nau;
. Num discurso marcadamente autobiográfico, alude à sua vida cheia de adversidades (a pobreza, os perigos do mar e da
terra, etc.);
. Lamenta-se da ingratidão dos que tem cantado em verso e dos grandes senhores de Portugal por não prezarem as artes,
por não reconhecerem o seu talento e por não o saberem prezar e recompensar;
. Alerta para a inibição do surgimento de outros poetas para cantarem os feitos do futuro em consequência da ingratidão;
. Manifesta a sua recusa em cantar os ambiciosos, os que sobrepõem os seus interesses ao bem comum e do Rei, os
dissimulados e os que exploram o povo;
. Alude ao herói como aquele que arrisca a vida por Deus e pelo Rei.

. Canto VIII /96-99) – Crítica ao poder do dinheiro:


. Acontecimento motivador: as traições sofridas por Vasco da Gama em Calecute (o seu sequestro, do qual é libertado
graças à entrega de valores materiais);
. Camões reflete sobre o poder do dinheiro e enumera os seus efeitos perniciosos: leva à corrupção e à traição, deturpa o
conhecimento e as consciências, condiciona as leis e a justiça, ocasiona difamações e a tirania.

. Canto IX (90-95) – Reflexão sobre o caminho para a fama:


. Acontecimento motivador: a explicação a Vasco da Gama, por parte de Tétis, do significado alegórico da Ilha dos
Amores;
. O poeta adverte os portugueses relativamente à ambição desmedida e à tirania, vícios que quem quer alcançar o estatuto
de herói tem de desprezar;
. Exorta os portugueses a despertar do adormecimento e do ócio, a abandonar a cobiça e a tirania, a serem justos e a
lutarem pela Pátria e pelo Rei.

. Canto X (145-156) – Nova crítica do poeta aos seus contemporâneos:


. Acontecimento motivador: a chegada da armada de Vasco da Gama a Portugal;
. O poeta lamenta a decadência da Pátria, submersa no “gosto da cobiça” e que não reconhece o seu talento artístico nem
o seu “honesto estudo” nem a sua experiência, daí o seu desalento, o seu desânimo e o seu cansaço e a recusa de
prosseguir o seu canto;
. Porém, enaltece os que são leais ao Rei (“os vassalos excelentes”), símbolo coletivo dos portugueses valorosos;
. Exorta o rei D. Sebastião a dar continuidade à glorificação do “peito ilustre lusitano” e a dar matéria a novo canto.

(Retirado e adaptado do manual e de Passeiweb.com)

A Professora,
Teresa Moura Pereira

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