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Fernando Pessoa versus Alberto Caeiro

Sobre a tensão entre o Sentir e o Pensar – Como lidam com ela Pessoa ortónimo e Alberto Caeiro, o Mestre.

Fernando Pessoa nunca conseguiu evitar o incómodo de pensar.


Tentou sair, sem o conseguir, do drama do seu “eu” para quem “pensar era sentir dor”.  
Assim, transferiu a sua alma para um poeta bucólico que olha e sente o mundo com simplicidade. Mas nem deste modo o poeta
consegue fugir à inteligência que tolda a simples alegria de ver. Fernando Pessoa, um novelo enrolado para dentro ou drama de um
“eu” que não se consegue harmonizar com o exterior. Formalmente, são recorrentes na poesia ortónima as orações subordinadas que
indiciam a necessidade psicológica deste “eu” de se explicar, justificar.
Pelo contrário, Caeiro vive em perfeito equilíbrio com a Natureza, com o exterior ou mundo real, de forma direta (expressa-se,
sobretudo, através de orações coordenadas com recorrência à copulativa [e] e à disjuntiva [ou]).
Caeiro escreve e pensa versos a passear, atividades simultâneas sugeridas pela presença das formas no gerúndio, base da
originalidade da sua poesia, caracterizada pela calma e pelo movimento das imagens.
Não será pois difícil perceber que, com Caeiro, nos encontramos nos antípodas da poesia ortónima. Enquanto Pessoa é “Um novelo
embrulhado para o lado de dentro”, Alberto Caeiro desembrulha-se em sensações, desembrulhando ao mesmo tempo tudo na sua
“realidade imediata”. Por esta razão, Caeiro não sofre o que leva Pessoa ortónimo a considerá-lo o “mestre” porque consegue o que
para ele é inatingível.
E, se a poesia do “Mestre” se caracteriza pela utilização de um vocabulário simples e prosaico, pela calma e movimento de um
caminhar sem rumo que nos surge lado a lado com um “sentar-se”, já na poesia do ortónimo não existe progressão.
Caeiro é um ser natural que vive no seio da Natureza (daí o seu vocabulário e imagística simples, do campo semântico da própria
Natureza: rebanhos, pastor, vento, sol e pôr-do-sol) e que tem “pensamentos contentes” embora lamente que estes sejam contentes
porque “pensar incomoda como andar à chuva”. Ora, facilmente se reconhece neste processo um modo de pensamento que derruba a
teoria de um Caeiro “ser-não-pensante”. 
A própria ideia da recusa de pensar, obriga a pensar nisso.
Caeiro não ambiciona nada, nem o ser poeta mas, e apesar de não querer fazer literatura, há literatura, há expressividade literária
neste texto – falo de “O Guardador de Rebanhos”.
Alberto Caeiro vê as coisas apenas com os olhos, não com a mente. Quando olha para uma flor, não permite que isso provoque
quaisquer pensamentos ou, tomando o exemplo da pedra: a única coisa que uma pedra lhe diz é que nada tem para lhe dizer.
“A sua poesia é, de facto, “sensacionista”. A sua base é a substituição do pensamento pela sensação, não só como base de inspiração
(…)  mas como meio de expressão (…).”
Por sensação entende Caeiro a sensação das coisas tal como são, sem acrescentar qualquer elemento do pensamento pessoal,
convenção, sentimento ou qualquer outro lugar da alma. É a “eterna novidade do mundo”.

Poemas Inconjuntos
(excerto) 
Fui feliz porque não pedi coisa nenhuma.
Nem procurei achar nada.
Nem achei que houvesse mais explicação.
Que a palavra explicação não tem sentido nenhum.

A melhor forma de descobrirmos Pessoa será ler toda a sua obra uma vez que tudo está lá, nas explicações do Poeta, nas palavras que
são a obra, afinal, essa teoria praticamente desconhecida que é o conjunto dos seus textos em Prosa (realço Páginas Íntimas e de
Auto Interpretação).

            Eis aqui alguns versos de Caeiro que o explicam:

            (sobre as coisas)

            Eu nem por reais as devia tratar


            Eu não as devia tratar por nada
            Eu devia vê-las apenas;
            Vê-las até não poder pensar nada.
            O que nós vemos das coisas são as coisas.
            Porque veríamos nós uma coisa se houvesse outra?
            Vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la.
            Porque conhecer é nunca ter visto pela primeira vez
            E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.
            A minha poesia é natural como levantar-se o vento.
            Eu nem sequer sou poeta: vejo.
            Eu não tenho filosofia, tenho sentidos.

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