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Português – 12º ano

Características da poesia de Alberto Caeiro

A. Plano semântico:

➢ A defesa da objetividade
Nada existe para além daquilo que, de facto, é percetível para o ser humano, para além daquilo que
percebemos através dos órgãos dos sentidos. Caeiro é o poeta do real e do objetivo.
➢ O predomínio da sensação sobre o pensamento
O Homem deve renunciar ao pensamento, pois este implica que se deturpe o significado das coisas
que existem, sem que seja necessário pensarmos nelas. Para Caeiro, só os sentidos contam,
principalmente o olhar. Ele só se interessa por aquilo que capta pelas sensações. Nesta medida, é
um sensacionista. Vive aderindo espontaneamente às coisas, tais como são, e procura gozá-las com
despreocupada e alegre sensualidade.
➢ A comunhão total entre o Homem e a Natureza
Caeiro identifica-se com a Natureza, vive segundo o seu ritmo, deseja nela se diluir, integrando-se nas
leis do Universo. Considera que o ser humano deve submeter-se às leis naturais e não deve racionalizar
processos que existem naturalmente (por exemplo, as ideias de vida ou de morte, que existem enquanto
verdades absolutas).
➢ O paganismo
Da ideia de comunhão absoluta com a Natureza resulta uma visão pagã da existência, que consiste na
descrença total na transcendência; a única verdade é a sensação.

B. Plano formal:

➢ Linguagem simples, que se aproxima do falar quotidiano, coloquial e natural.


➢ Léxico familiar, pobre e reduzido.
➢ Adjetivação quase ausente. Predomínio de substantivos concretos.
➢ Quase ausência de metáforas, metonímias ou sinestesias. Uso de comparações simples, que
permitem a transformação do abstrato no concreto.
➢ Polissíndetos.
➢ Predominância das formas verbais no Presente do Indicativo e no Gerúndio (sugerindo
simultaneidade e arrastamento).
➢ Predomínio da coordenação.
➢ Irregularidade estrófica.
➢ Verso livre.
➢ Ausência de rima.
➢ Aproximação à prosa.
➢ Ausência (aparente) de preocupações estilísticas.

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Alberto Caeiro representa a antítese de Fernando Pessoa ortónimo, o “remédio” para a sua
ansiedade e para a sua angústia perante o mistério da existência, inacessível ao Homem. Para este
heterónimo, a única via para atingir a felicidade é não pensar, é recusar a essência, para acreditar que
apenas existe a aparência. Alberto Caeiro propõe uma “desculturalização”, na medida em que nega a visão
da realidade, sujeita à análise do pensamento, defendendo que existir é, afinal, estar de acordo com as leis
naturais.

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Caeiro olhava “com uma formidável infância” (diz Fernando Pessoa). E por esta busca da infância
podemos ver, desde já, neste heterónimo de Pessoa, uma intenção de renascer, de lutar contra o
elaborado, o artificial, o falso, e um apelo ao reencontro da ingenuidade das crianças.
Uma afirmação atribuída por Álvaro de Campos a Alberto Caeiro foi esta: “Toda a coisa que vemos,
devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos”. E acrescenta
ainda Campos: “O meu Mestre Caeiro não era pagão: era o paganismo (...). Em Caeiro não havia explicação
para o paganismo; havia consubstanciação.”
Ao definir o seu mestre Caeiro como o paganismo, Fernando Pessoa / Álvaro de Campos queria(m)
significar um regresso às origens, em que a oposição sentir / pensar não existisse, e tudo quanto fosse fruto
da razão e do pensamento fosse recusado.
Ora, como por aqui se vê (numa primeira leitura, direta e mais elementar), o mestre Caeiro aparece-
nos como um ingénuo, um amante da simplicidade e da inocência, da natureza sem metafísica, da vida
simples do campo. Não tendo mais que a instrução primária e escrevendo mal o português, entregava-se às
sensações desprovidas de pensamento (a sensação é tudo – é saúde –, o pensamento é doença). É nisso
que Caeiro se aproxima do guardador de rebanhos, integrando-se como ele na natureza, vagabundeando
passivamente pelos espaços, fruindo a felicidade de cada coisa.
Apaixonado pelo presente (aceitar o passado ou o futuro seria atraiçoar a natureza), pelo concreto,
pelo imediato, pela anulação da subjetividade, sempre preocupado com o olhar (sensações visuais), ele diz
aceitar as coisas tal como se lhe apresentam, admirando a sua originalidade, diversidade e mobilidade –
que é o que constitui, segundo ele, o seu signo de existir. E neste ponto reside toda a sua sabedoria.
Foi a dor de pensar, a mágoa do viver consciente, que levou Pessoa a admitir como mestre de si
próprio e dos seus heterónimos a figura do instintivo Caeiro. Para este, pensar não é compreender, pensar
anula a felicidade, é o instrumento da divisão do ser, da sua desintegração; pensar é sofrer, é virar as costas
ao mundo e às sensações. A visão total perante o mundo, a desejada unificação só se obterá com a
anulação do pensamento.
Caeiro propõe um regresso à inconsciência, ao pasmo essencial – gesto que, apesar da sua
complexidade, se tende imediatamente a relacionar com essa espécie de paraíso-perdido que é o tempo da
infância, encarado como tempo de uma pré-consciência feliz.
Mas esse regresso constitui um impossível para Pessoa, pelo que o heterónimo manifesta apenas
uma intenção, um desejo de que assim seja – mas nunca poderá ser. A superação do problema que
preocupa Pessoa não encontrará também através de Caeiro a solução ansiada.
A simplicidade de Caeiro é apenas aparente. Ele não é efetivamente o que afirma ser, mas antes
alguém que aspira a ser a realidade que enuncia – o que constitui uma contradição mal disfarçada. Tudo
com quanto depara é marcado pela argúcia (subtileza, agudeza de espírito) que o caracteriza, pela sua
capacidade de observação, pela sua inteligência e racionalidade, resultando daí a formulação de constantes
juízos de valor e uma sistematização de pensamento que culmina com afirmações do tipo “o único sentido
íntimo das coisas / É elas não terem sentido íntimo nenhum”.
E é assim que toda a imagem de “grau zero” que esse heterónimo de Pessoa pretende transmitir soa
como um disfarce. Caeiro, em suma, é um filósofo da não filosofia (nas palavras de Jacinto do Prado
Coelho), é alguém que diz nada ter a ver com a metafísica, mas que se mostra, em cada momento,
profundamente comprometido como ela. Ao negar toda a metafísica, já está a raciocinar, já está a construir
uma nova metafísica: uma antimetafísica.
A sua linguagem é sobretudo abstrata, adaptada ao raciocínio, e nunca nela surge a descrição
impressionista da realidade. O seu realismo ingénuo, paradoxalmente, desemboca sempre no raciocínio.
Como poeta bucólico, Caeiro deveria basear a sua poesia na descrição visualista da natureza. Não só não o
faz, mas a sua linguagem é adaptada à exposição de uma teoria antimetafísica. Querendo repudiar
qualquer filosofia, Caeiro transformou-se num poeta filósofo, ou antifilósofo.

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Características da poesia de Ricardo Reis

CARACTERÍSTICAS TEMÁTICAS

• O Epicurismo: busca de uma felicidade relativa, sem desprazer ou dor, através de um estado de
ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a perturbação).
• O Estoicismo: crença de que a felicidade só é possível se atingirmos a apatia, aceitarmos as leis do
Destino e a indiferença face às paixões e aos males. A apatia, ou seja, a indiferença, constitui o
ideal ético, pois, de acordo com o poeta, há necessidade de saber viver com calma e tranquilidade,
abstendo-se de esforços inúteis para obter uma glória ou virtude, que nada acrescentam à vida.
• O paganismo: Reis cultiva a mitologia greco-latina e a crença nos deuses antigos.
• A irreversibilidade do tempo (cuja passagem tudo desgasta e corrói).
• A fugacidade da vida e a fatalidade da morte (ela deverá ser aceite com tranquilidade: não sofre a
morte quem nada tem que o prenda à vida, disse Epicuro).
• O gozo dos prazeres com grande moderação (já que são efémeros e, como diz Epicuro, se devem
caracterizar sobretudo pela ausência de dor, pois quando terminam, só deixam sofrimento).
• As ameaças do Fado (entidade implacável que oprime deuses e homens), da velhice e da morte.
• O elogio da vida rústica (“aurea mediocritas” de Horácio): em que a sua felicidade só é possível no
sossego do campo e em ambientes bucólicos (comparável a Caeiro). A “aurea mediocritas”
representa uma vida calma, fora da cidade, em contacto com a natureza e no conforto dos
honestos prazeres quotidianos e domésticos, a fim de que o espírito, liberto das inquietações da
vida pública, possa dedicar-se às letras, às artes e à filosofia.
• O sentimento de gozo pelo momento presente , o “carpe diem” horaciano (com a consequente
despreocupação de tudo quanto se relacione com o futuro).
• O autodomínio e a contenção dos sentimentos.
• O recurso ao vinho, ao sorriso, às flores, como forma de superar os imprevistos e as amarguras do
quotidiano e esquecer a irreversibilidade do tempo, a precariedade da vida e a fatalidade da morte.
• A intelectualização das emoções.
• A intemporalidade das preocupações, onde a angústia do homem perante a brevidade da vida, a
inevitável morte, a interminável busca de estratégias de limitação do sofrimento caracterizam a
vida humana.

CARACTERÍSTICAS ESTILÍSTICAS

• A complexidade da sintaxe alatinada (influência de Horácio), com predomínio da subordinação.


• O uso de latinismos.
• A frequência da inversão (hipérbato, anástrofe).
• O estilo denso e rigorosamente elaborado.
• A preferência pela ode (influência de Horácio), com estrofes regulares, nas quais predominam os
versos decassilábicos e hexassílabos.
• O uso frequente do gerúndio e do imperativo.
• A cuidada seleção de fonemas ou vocábulos sugestivos das ideias que pretende exprimir.
• O verso branco ou solto.
• O uso de metáforas, comparações, eufemismos...

Ricardo Reis manifesta-se nitidamente marcado pelo neoclassicismo, alicerçado na cultura clássica, de
direta inspiração horaciana. Recebe influências do escritor latino Horácio (68-8 a. C.), tanto a nível da
expressão como do conteúdo. A nível da expressão, Reis segue Horácio no verso rigoroso, na forma da ode,
no estilo latinizante, na sintaxe apurada, na atenção aos mínimos pormenores de organização. A nível do

conteúdo, são visíveis abundantes marcas do pensamento clássico e horaciano, do epicurismo e do


estoicismo.
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Ricardo Reis vai seguir a mesma linha de Alberto Caeiro no que se refere ao amor demonstrado pela vida
rústica e ligada à Natureza. Pretende ser um homem menos complicado, franco, alegre, que sofre e vive
intensamente o drama da transição, com o desprezo que os deuses lhe conferem. Teme a morte
antecipada e a dureza do Fado (destino). Procura o refúgio de forma lúcida e cautelosa, construindo para si
próprio uma felicidade relativa, mista de resignação e um moderado gozo de prazeres que nunca põem em
causa a sua liberdade interior.

O vocabulário usado por Ricardo Reis é muito latinizado, com um estilo densamente trabalhado,
recorrendo à tradição clássica no uso de estrofes regulares, quase sempre em decassílabos, com
referências a fatores mitológicos.

Na poesia de Ricardo Reis, encontramos uma constante desconfiança perante a Fortuna, os sentimentos
fortes e o prazer. Segundo o saber dos antigos, a Fortuna é insidiosa e nunca devemos esperar nada que
não provenha de nós próprios. A felicidade consiste em buscar o mínimo de dor.

Ricardo Reis, na sua poesia, acusa uma influência que provém de Horácio. Ambos são moralistas e
fundam a sua filosofia na reflexão sobre o fluir do tempo, os enganos da Fortuna e a morte.
Ambos descrevem a breve passagem da vida humana, a necessidade de não desvendar o futuro; pregam a
moderação nos desejos e nos prazeres, as delícias e vantagens de viver em contacto com a Natureza e toda
a sua beleza. Têm consciência que, mesmo assim, não se encontra a felicidade plena, mas que, tendo
consciência do infortúnio, devemos encarar a vida com um sorriso.

Para Ricardo Reis, o pensamento está na base de tudo, é o ponto de partida para tudo. Será ao
pensamento – ao conteúdo, ao significado – que terá que submeter-se a expressão. O pensamento e a
expressão deverão ligar-se naturalmente de modo que, se a ideia for elevada, também a expressão que a
veicula o será.

ÁLVARO DE CAMPOS

Sendo o heterónimo pessoano que o poeta mais publicou, Álvaro de Campos é também aquele que
apresenta uma evolução mais nítida, podendo na sua obra distinguir-se três fases. Assim, os seus primeiros
poemas, escritos durante a viagem ao Oriente, aproximam-se de outros poetas da viragem do século, os
decadentistas; mas o seu verdadeiro génio vanguardista revela-se na sua fase futurista, quando escreve
poemas como a Ode Triunfal e a Ode Marítima; finalmente, numa terceira fase, escreve uma poesia mais
intimista.
A grande viragem na poesia de Álvaro de Campos aconteceu, de acordo com um relato seu, depois de
ter conhecido Alberto Caeiro, numa viagem que fez ao Ribatejo. Em Caeiro reconheceu imediatamente o
seu Mestre, aquele que o introduziu no universo do sensacionismo. Mas enquanto Caeiro acolhe
tranquilamente as sensações, Campos experimenta-as febrilmente, excessivamente. Tão excessivamente
que, querendo “sentir tudo, de todas as maneiras”, parece esgotar-se a seguir, caindo numa espécie de
apatia melancólica, abúlica, ou num devaneio nostálgico que o aproxima de Fernando Pessoa ortónimo
com quem partilha o ceticismo, a dor de pensar, a procura do sentido no que está para além da realidade, a
fragmentação do “eu”, a nostalgia da infância irremediavelmente morta.

A fase decadentista

O poema característico desta fase é Opiário, motivado por uma viagem de Campos ao Oriente. Foi
escrito para o número 1 da revista Orpheu. Neste poema, a nostalgia e a expressão do tédio, do cansaço e
da saturação da civilização provocam a necessidade de novas sensações, muitas vezes tentadas na
embriaguez do ópio. Os estupefacientes surgem aqui como escape à monotonia e a um certo horror à vida.
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São um estimulante que, no entanto, nada resolve. Como o próprio reconhece no poema, “A vida sabe-me
a tabaco louro. / Nunca fiz mais do que fumar a vida”. Por isso, resta-lhe o desejo da calma para “não ter
estas sensações confusas”.
O decadentismo surge como uma atitude estética finissecular que exprime o tédio, o enfado, a náusea,
o cansaço, o abatimento e a necessidade de novas sensações. Traduz a falta de um sentido para a vida e a
necessidade de fuga à monotonia. Com rebuscamento, preciosismo, símbolos e imagens, apresenta-se
marcado pelo romantismo e pelo simbolismo.

A fase futurista

A segunda fase da obra de Campos designa-se por futurista e é marcada pela inspiração em Walt
Whitman e no futurismo de Marinetti através do sensacionismo.
Nesta fase, Álvaro de Campos celebra o triunfo das máquinas, da energia mecânica e da civilização
moderna. Apresenta a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da máquina por oposição à beleza
tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa “nova revelação metálica e dinâmica de
Deus”. Sente-se nos seus poemas uma atração quase erótica pelas máquinas, símbolo da vida moderna. Há
no poeta uma paixão visceral pela civilização moderna industrial: “Ah, poder exprimir-me todo como um
motor se exprime! Ser completo como uma máquina!” (“Ode Triunfal”). A Ode Triunfal ou a Ode Marítima
são bem o exemplo desta intensidade e totalização das sensações. Mas, a par desta paixão, há a náusea
provocada pela poluição física e moral da vida moderna: “À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da
fábrica / Tenho febre e escrevo. / Escrevo rangendo os dentes...” (Ode Triunfal). Álvaro de Campos canta a
civilização moderna sem deixar de referir o seu lado negativo, onde a máquina e as conquistas da
civilização mecânica lhe causam uma dolorosa impressão.
A sua procura da chave do ser e da inteligência do mundo torna-se desesperante. Tanto a Ode Triunfal
como a Ode Marítima são uma epopeia do mundo mecânico, do mundo do futuro que caminha para o
absurdo. Concretamente, na Ode Triunfal, Álvaro de Campos canta a fraternidade de todas as dinâmicas.
Canta a civilização e a corrupção na política, os progressos, todas as coisas modernas; canta a raiva
mecânica em contraste com o desejo de sossego e de serenidade. Mas é já aqui na Ode Triunfal e também
na Ode Marítima que Álvaro de Campos nos dá a sensação de uma frustração radical – é na máquina,
irracional e exterior, que se projetam os sonhos e os desejos do poeta: “Ah poder exprimir-me todo como
um motor se exprime! / Ser completo como uma máquina”.
Futurista, canta a civilização industrial e, estilisticamente, introduz na linguagem poética a terminologia
desse mundo mecânico citadino e cosmopolita, contemporâneo das máquinas e da luz elétrica.
O futurismo caracteriza-se pela exaltação da energia, de “todas as dinâmicas”, da velocidade e da força
até situações de paroxismo. Procura um corte e mesmo o aniquilamento do passado para exaltar a
necessidade de uma nova vida futura, onde se tenha a consciência da sensação do poder e do triunfo.
Álvaro de Campos adere ao futurismo ao negar a arte aristotélica ou ao procurar de forma vigorosa a
inovação estética e ideológica da arte.

A segunda fase de Álvaro de Campos está marcada pela intelectualização das sensações ou pela sua
desordem, pela integração na civilização da máquina, pela pressa mecanicista e pela inquietude. Campos,
nesta exaltação do paroxismo, da velocidade e da força, mostra-se impaciente, sente a força da realidade
que lhe faz vibrar todo o corpo. Sente “uma sinfonia de sensações / incompatíveis e análogas”. Cativo dos
sentidos, procura dar largas às possibilidades sensoriais. Verdadeiro sensacionista, procura o excesso
violento de sensações (à maneira de Walt Whitman).

O sensacionismo de Campos começa com a premissa de que a única realidade é a sensação. Mas a nova
tecnologia na fábrica e nas ruas da metrópole moderna provocam-lhe a vontade de ultrapassar os limites
das próprias sensações, numa vertigem insaciável.
Álvaro de Campos aprende de Caeiro a urgência de sentir, mas não lhe basta a “sensação das coisas
como são”. Ele não se contenta senão com “sensações brutais”. O seu sensacionismo distingue-se do de
Alberto Caeiro na medida em que este heterónimo considera as sensações captadas pelos sentidos como a
única realidade, mas rejeita o pensamento, que para ele é uma doença. Por sensação entende Caeiro a
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sensação das coisas tais como são, sem acrescentar quaisquer elementos do pensamento pessoal,
convenção, sentimento ou qualquer outro lugar da alma. Para Campos, a sensação é tudo, sim, mas não
necessariamente a sensação das coisas como são, antes das coisas conforme sentidas. De modo que vê a
sensação subjetivamente e faz esforços, uma vez que assim pensa, não para desenvolver em si a sensação
das coisas como são, mas toda a espécie de sensações de coisas, e até da mesma coisa. Sentir é tudo: é
lógico concluir que o melhor é sentir toda a espécie de coisas de todas as maneiras, ou, como diz o próprio
Álvaro de Campos, “sentir tudo de todas as maneiras”. Assim, aplica-se a sentir a cidade na mesma medida
em que sente o campo, o normal como sente o anormal, o mal como sente o bem, o mórbido como sente o
saudável. Nunca interroga, sente. É o filho indisciplinado da sensação.
Este desmedido sensacionismo de Campos vai dar origem ao seu estilo desmedido que constitui a maior
rutura na literatura portuguesa e o ponto mais alto do Modernismo (Futurismo) em Portugal. Campos
busca, na linguagem poética, exprimir a energia ou a força que se manifesta na vida. Daí o surgimento de
versos livres, vigorosos, submetidos à expressão da sensibilidade, dos impulsos, das emoções. Numa
linguagem em estilo torrencial, nervoso e exuberante, com marcas da oralidade, expressa o mundo do
progresso técnico. Recorrendo à mistura de níveis de língua, apresenta desvios sintáticos, construções
nominais, infinitivas e gerundivas, exclamações, apóstrofes, interjeições e pontuação emotiva. Os versos
livres, muitas vezes longos, surgem cheios de onomatopeias, aliterações, anáforas, enumerações excessivas
e recursos variados, como metáforas ousadas, oxímoros, personificações, hipérboles e comparações.

A fase intimista ou abúlica

A terceira fase em Álvaro de Campos designa-se por intimista ou da abulia. Nela se revela a desilusão, a
revolta, a inadaptação, o cansaço, a abulia e uma grande angústia. Após a exaltação heroica e a obsessão
dos “maquinismos em fúria”, cai no desânimo e na frustração. Face à incapacidade das realizações, sente-
se abatido.
Este abatimento, que provoca em Álvaro de Campos “um supremíssimo cansaço, / íssimo, íssimo, íssimo,
/ Cansaço...” lembra o decadentismo, mas esta decadência não possui o mesmo sentido literário e histórico
post-simbolista, antes traduz a reflexão intimista e angustiada de quem apenas sente o vazio depois da
caminhada heroica.
Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, um incompreendido. Sofre fechado em si mesmo,
angustiado e cansado.

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