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Fernando Pessoa
DOR DE PENSAR
Fernando Pessoa é um homem que vive e pensa simultaneamente, e que, pensando no que
vive, pensa que a vida só vale a pena ser vivida quando vivida sem pensamento, uma vez que
o próprio pensamento corrompe a inconsciência, inerente à felicidade de viver. De facto, mais
feliz é aquele que vive na ignorância, alheio à realidade da vida, do que aquele que baseia a
sua existência na lucidez. No que toca à obsessão pela análise, o seu sofrimento advém da
sua constante auto-análise, não se permitindo sentir a felicidade, restando-lhe o sofrimento,
uma vez que não abdica do saber doloroso.
Em suma, tanto a dor de pensar como a obsessão pela análise, são factores que invadem a
mente do poeta e o impedem de viver plenamente a vida, ou seja, a extensão dos seus
sentimentos é constantemente diminuída pela vastidão do seu pensamento e auto-análise.
FRAGMENTAÇÃO DO “EU”
A fragmentação do “eu” de Fernando Pessoa resulta da constante procura de resposta para o
enigma do ser, aliada à perda de identidade.
Na verdade, Pessoa vê-se confrontado com a sua pluralidade, ou seja, com diferentes “eus”,
sem saber quem é nem se realmente existe. Contudo, a negação do “eu” como um todo, leva-
nos à forma como os heterónimos foram criados, que nos demonstra a angústia da procura
pelo desvendo da vida e da morte, da perfeição e da tristeza, da humanidade e da divindade,
expressa, por exemplo, no verso “Para poder nunca esgotar os meus desejos de identidade”
de Álvaro de Campos. Por vezes, o próprio "eu" lírico contradiz-se, tentando entender o seu
desajustamento, a exemplo no verso “Multipliquei-me, para me sentir”.
Por outro lado, Pessoa viveu a aurora do tempo em que Deus estava morto, tendo
encontrado a salvação na fragmentação, na vida inventada, em que cada um dos seus
heterónimos exprime um novo modo de ser e uma visão própria do mundo. Pode dizer-se
que Fernando Pessoa é o poeta do não ser imaginário, sendo a heteronímia a busca de outros
sentidos para a vida.
Sonho e Realidade
Pessoa faz contrastar o sonho e a realidade. O eu lírico não encontra a felicidade na
realidade do quotidiano, porque é dominado pela frustração, pelo vazio ou pelo tédio
existencial. Então, idealiza o sonho, onde acredita conseguir realizar-se e atingir a plenitude,
a felicidade ou o equilíbrio. Na sua poesia, o mundo do sonho (o espaço onírico) não
funciona como forma de evasão ou escape, mas como um lugar onde o eu acredita que pode
recuperar uma experiência perdida (a da infância) ou ser o que não se é no mundo “real”.
O eu sonhado não é uma outra pessoa; é, sim, uma outra faceta do eu lírico: “Não sei se é
sonho, se realidade”. O sujeito sente-se, pois, dividido entre o que é “realmente” e o que
desejava ser. Está simultaneamente presente nestes dois mundos: nós somos, de facto, a
realidade e sonho que sonhamos; ou, recorrendo às palavras de Shakespeare, “Nós sonhos a
matéria de que são feitos os sonhos”. Assim sendo, o sonho não resolve as insatisfações e
as ansiedades do eu lírico. Isso sucede porque o sonho é uma ilusão ou porque não é
resposta para os problemas que se geraram: o tédio, o vazio existencial, as saudades da
infância perdida. Por outro lado, o sonho pode ser, muitas vezes, uma forma de evasão para
um eu poético que se sente prisioneiro no interior de si mesmo. No final, o eu poético
conclui que não é no sonho, de facto, que podemos encontrar a felicidade, mas no íntimo,
no interior de cada ser humano.
Ser consciente inconscientemente
O pensamento permite ao homem ter consciência da sua existência (logo, na perspetiva de
Fernando Pessoa ortónimo, aqueles que pensam são superiores aos inconscientes). A dor
de pensar – de ser lúcido – é a consequência da constante racionalização das emoções, da
análise, da abstração. A intelectualização excessiva causa sofrimento, dor, angústia e
frustração. De facto, o poeta sofre, porque é incapaz de se libertar da razão / do pensamento
permanente e omnipresente, que o leva sistematicamente a refletir sobre a realidade e a
intelectualizar as suas emoções. Assim sendo, torna-se impossível desfrutar da sua vida e
vivências. No entanto, o eu acredita que aquele que não pensa, que é inconsciente, não
pode ser verdadeiramente feliz, visto que não tem consciência da sua suposta felicidade.
Assim sendo, a tentativa do poeta de ser libertar da dor de pensar acaba por redundar em
fracasso. Em “Ela canta, pobre ceifeira”, manifesta, de facto, o desejo de ser
inconsciente (como o gatou ou a ceifeira), mas tendo consciência disso. Porém, este
desejo é um paradoxo, é impossível de concretizar, o que mostra que é impossível
libertar-se da dor de pensar e, consequentemente, que a tentativa de alcançar a
felicidade é igualmente impossível de se concretizar.
. Adjetivação expressiva