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O fingimento artístico
Para Fernando Pessoa, um poema “é produto intelectual”, e por isso, não acontece “no momento da
emoção”, mas resulta da sua recordação. A emoção precisa de “existir intelectualmente”, o que só na
recordação é possível.
Há uma necessidade da intelectualização do sentimento para exprimir a arte. Ao não ser um produto
direto da emoção, mas uma construção mental, a elaboração do poema confunde-se com um
“fingimento”.
O ato poético apenas pode comunicar uma dor fingida, simulada, inventada, pois a dor real (sentida)
continua apenas com o sujeito, que, através da sua racionalização, a exprime através de palavras,
construindo o poema.
A dor do pensar
Fernando Pessoa não consegue desfrutar instintivamente a vida por ser consciente e pela própria
efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da
consciência.
O poeta inveja aqueles que são inconscientes e que não se despertam para a atividade de pensar, como
uma “pobre ceifeira”, que “canta como se tivesse mais razões para cantar que avida”, ou como “gato
que brinca na rua” e apenas segue o seu instinto. Assim, o poeta inveja a felicidade alheia, porque esta é
inatingível para ele, uma vez que é baseada em princípios que sente que nunca pode alcançar (a
inconsciência e a irracionalidade), uma vez que o pensamento é atividade que se apodera de forma
persistente Pessoa, condicionando a sua felicidade e causando sofrimento. Contudo, apesar de desejar
ser inconsciente, não abdica da sua consciência, manifestando a sua vontade de conciliar ideias
inconciliáveis “poder ser tu, sendo eu! / Ter a tua alegre inconsciência / E a consciência disso!”. Em
suma, esta “dor de pensar” provém da intelectualização das sensações à qual o poeta não pode escapar,
como ser consciente e lúcido que é.
Sonho e realidade
O eu lírico não encontra a felicidade na realidade do quotidiano, porque é dominado pela frustração,
pelo vazio ou pelo tédio existencial. Então, idealiza o sonho, onde acredita conseguir realizar-se e atingir
a plenitude, a felicidade ou o equilíbrio.
Na sua poesia, o mundo onírico não funciona como forma de refúgio ou escape, mas como um lugar
onde o eu acredita que pode recuperar uma experiência perdida (a de infância) ou ser o que não é no
mundo “real”. No sonho, o eu lírico começa por se imaginar outro, um eu idealizado, onde tudo parece
perfeito e ele acredita ter encontrado a felicidade e a harmonia. No entanto, num segundo momento,
após uma reflexão mais atenta, o sujeito lírico constata que esse estado de perfeição é ilusório e que o
sonho não é solução para os problemas existenciais que o minam.
Assim sendo, o sonho não resolve as insatisfações e as ansiedades do eu lírico. Isso sucede porque o
sonho é uma ilusão ou porque não é resposta para os problemas que se geraram: o tédio, o vazio
existencial, as saudades da infância perdida. Por outro lado, pode até ser uma forma de evasão para um
eu poético que se sente prisioneiro no interior de si mesmo. Concluindo, o poeta, dominado pela
reflexão incessante, admite que a existência sonhada traz um estado de perfeição ilusório, mas não a
verdadeira felicidade, esta encontra-se, na verdade, no interior de cada ser humano.
A nostalgia da infância
O tempo apaga tudo. Ao mesmo tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a
saudade de uma ternura que lhe passou ao lado. A infância surge, então, como um período evocado e
idealizado, tornando-se num símbolo que representa a identidade fragmentada, a inconsciência.
Frequentemente, para Fernando Pessoa, o passado é um sonho inútil, pois nada se concretizou, antes se
traduziu numa desilusão. Por isso, a constante descrença perante a vida real e do sonho. Daí, também,
uma nostalgia do bem perdido, do mundo fantástico da infância, único momento possível de felicidade.
No entanto, evocar a infância não foi a solução para os problemas do presente e essa idealização não
existiu, tendo resultado de uma tentativa ilusória de reconstruir o passado.
Fernando Pessoa tinha o seu laboratório de linguagem. Era realmente dentro dele que se produzia a
obra, que se acelerava, os mecanismos que acompanham a produção de palavras, de metáforas, de
versos, de poemas. Numa quantidade enorme de poemas, o questionamento acerca do sentir, acerca do
movimento de construção da linguagem poética, acerca do ato de escrever quando este se desencadeia,
acerca do pensamento e da experiência, acerca da realidade “esculpida” e criada pela palavra poética e
acerca da realidade dita por certa sensação, não traça apenas os contornos dos “temas”, mas oferece-se
também como matéria sensível da língua trabalhada.
Alberto Caeiro
Na obra de Caeiro, há um objetivismo absoluto. Não lhe interessa o que se encontra por trás das
coisas. Recusa o pensamento, sobretudo o pensamento metafísico, afirmando que “pensar é estar
doente dos olhos”.
Caeiro, poeta de olhar, procura ver as coisas como elas são, sem lhes atribuir significados
ou sentimentos humanos. Considera que as coisas são como são.
Constrói uma poesia das sensações, apreciando-as como boas por serem naturais. Para ele, o
pensamento apenas falsifica as coisas.
Numa clara oposição entre sensação e pensamento, o mundo de Caeiro é aquele que se percebe
pelos sentidos, que se apreende por ter existência, forma e cor. O mundo existe e, por isso, basta senti-
lo, basta experimentá-lo através dos sentidos, nomeadamente através do ver.
Ver é compreender. Tentar compreender pelo pensamento, pela razão, é não saber ver. Alberto
Caeiro vê com os olhos, mas não com a mente. Considera, no entanto, que é necessário saber estar
atento à “eterna novidade do mundo”.
Condena o excesso de sensações, pois a partir de um certo grau as sensações passam de alegres a
tristes.
Optando pela vida no campo, acredita na Natureza, defendendo a necessidade de estar de acordo
com ela, de fazer parte dela. Pela crença na Natureza, o Mestre revela-se um poeta pagão, que sabe
ver o mundo dos sentidos, ou melhor, sabe ver o mundo onde se revela o divino, em que não precisa de
pensar.
Ao procurar ver as coisas como elas realmente são, sublima o real, numa atitude panteísta de
divinização das coisas da natureza.
Nesta atitude panteísta de que as coisas são divinas, desvaloriza a categoria conceptual “tempo”.
O poeta confessa não ter “ambições nem desejos”. Ser poeta é a sua “maneira de estar sozinho”.