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Poesia Pessoana

No ortónimo há poemas mais tradicionais com influência da lírica de Garrett ou


de sebastianismo e do saudosismo; mas a maior parte abre caminho a

experimentações modernistas com a procura de


intelectualização das sensações e dos sentimentos.
A principal obra em seu nome é Cancioneiro, onde constam as principais
poesias. A versificação que usa na sua obra é muito tradicional (quadras e quintilhas,
versos curtos, redondilhas), encontramos uma regularidade estrófica, métrica e
rimática. O vocabulário é geralmente simples e natural, a pontuação é emotiva, que
em conjunto com a rima e a presença de aliterações, dão uma musicalidade à obra.
Na poesia pessoana, é constante, também, o conflito entre o pensar e sentir,
que em boa parte revela a dificuldade em conciliar o que idealiza com o que consegue
realizar, com a sequente frustração que a consciência de tudo isto implica. Revela-se
aí o drama da personalidade que o leva à dispersão, em relação ao real e a si mesmo.
A voz do poeta fingidor é a voz do poeta da modernidade, despersonalizado,
que tenta encontrar a unidade entre experiência do sensível e a inteligência e, assim,
atingir a finalidade da Arte, aumentando a autoconsciência humana.

Rutura e continuidade
Fernando Pessoa ortónimo
 Escrever poemas da lírica simples e tradicional, muitas vezes marcada pelo
desencanto e pela melancolia;
 Fez um aproveitamento cuidado do impressionismo e do simbolismo, abrindo
caminho com o texto-programa do paulismo (em impressões do crepúsculo), onde
põe em destaque o vago, subtileza e a complexidade;
 Desenvolveu outras experimentações modernistas com intersecionismo e com
sensacionismo;
 Construiu a Mensagem, marcada pelo ocultismo;
 Revelou-se dialéctico procurando a intelectualização das sensações e dos
sentimentos.

A poesia do ortónimo é uma tentativa de resposta a várias inquietações que perturbam


o poeta. A realidade por si percecionada custa-lhe uma atitude de estranheza e,
consequentemente, condu-lo a uma situação de negação face ao que as suas perceções
lhe transmitem.
Assim, Fernando Pessoa recusa o mundo sensível, privilegiando o mundo inteligível
(platónico), aquele a que ele não tem acesso.
(“Essa coisa é que é linda”, em “Isto”)
Esta inquietação dá origem a uma poesia que abrange várias tendências que vão
desde a nostalgia de um bem perdido até ao intersecionismo impressionista.

Em Fernando Pessoa coexistem duas vertentes:


Tradicional:
Algumas das suas composições seguem na continuidade do lirismo português,
com marcas do saudosismo- poemas de métrica curta, manifestando preferência pela
quadra e quintilha.

Modernista:
Outras iniciam o processo de rutura, que se concretiza nos heterónimos
modernistas que vão desde o simbolismo ao paulismo e intersecionismo, no Pessoa
ortónimo.

Fernando Pessoa

CARATERÍSTICAS DA POESIA DO ORTÓNIMO:


Dor de pensar (uma das principais caraterísticas de Pessoa Ortónimo)
Fernando Pessoa sente-se condenado a ser lúcido, a ter de pensar.
Gostava, muitas vezes, de ter a inconsciência das coisas ou dos seres comuns
(como uma pobre ceifeira ou como o gato que brinca na rua, cumprindo apenas as leis do
instinto).
Com uma inteligência analítica e imaginativa a interferir em toda a sua relação com
o mundo e com a vida, o “eu” poético tanto aceita a consciência como sente uma
verdadeira dor de pensar, que traduz insatisfação e dúvida sobre a utilidade do
pensamento.
Impedido de ser feliz, devido à lucidez, procura a realização do paradoxo de ter
uma consciência inconsciente. Mas ao pensar sobre o pensamento, percebe o vazio que
não permite conciliar a consciência e a inconsciência.
Fernando Pessoa não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e
pela própria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do
pensamento e da consciência.
Esta dor de pensar persegue-se desde sempre, manifestando-se em vários
poemas. Como tal, são frequentes as tensões ou dicotomias que espelham a sua
complexidade interior:

Sinceridade/fingimento:
O poeta questiona-se sobre a sinceridade poética e conclui que “fingir é
conhecer-se”, daí a despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica
com a própria criação poética, como impõe a modernidade.
No poema “Autopsicografia” definem-se claramente os lugares da inteligência e
do coração (sentimento) na criação artística.
Para Pessoa o “eu” poético não é capaz de sentir, apenas fingindo que sente, o
verdadeiro sentimento está em quem lê (Autopsicografia). Pessoa vai contra a ideia
romântica de que o que está escrito é um reflexo dos sentimentos do autor, que
confessa publicamente o que sente para o leitor. A obra é produto da imaginação e
inteligência. O autor no momento da composição finge sentir para por essas emoções
no papel, mesmo assim a verdade não deixa de estar presente. A verdade é
trabalhada pelo artista, mas não sentida por ele. Quem sente realmente é o leitor, que
dá significado às palavras. O fingimento poético está também relacionado com o
privilegio de pensar, algo que não é sempre possível. Muitas vezes Pessoa destaca a
incapacidade de pensar das suas personagens, levando o eu poético a destacar a
inveja que sente em relação aos outros personagens, exatamente por estes terem
incapacidade de pensar. A dor sentida, a dor fingida e a dor lida são três dores
completamente diferentes. O eu poético e as outras personagens sentem uma dor,
que no fundo não é real, correspondendo a dor sentida. O poeta não sente, pois
apenas finge a dor para a poder por no papel. Já o leitor sente uma dor (lida ) que lhe
é transmitida pelas personagens sem ter a necessidade de a sentir verdadeiramente.
É assim que este poeta, possuidor de uma impressionante capacidade de
despersonalização, procura, através da fragmentação do “eu” atingir a finalidade da
Arte, servindo-se da intelectualização do sentimento que fundamenta o poeta fingidor.

Sentir/pensar e consciência/inconsciência:
 Pessoa ortónimo tenta encontrar um ponto equilíbrio mas não consegue.
 Em “Ela canta pobre ceifeira”, o poeta vive intensamente estas dicotomias: deseja
ser a ceifeira que canta inconscientemente e simultaneamente “a consciência
disso!”.
 Em “Gato que brincas na rua”, o poeta reforça a ideia da felicidade de não pensar
e a dor do sujeito poético devido à incapacidade de racionalização do animal.
 A luta incessante entre várias dialéticas origina a dor de pensar e a angústia
existencial que tão bem caraterizam este poema que é “um mar sargaço” (“Tudo o
que faço ou medito”), pois, quando quer, “quer o infinito”, “Fazendo nada é
verdade”.
Nostalgia de infância:
Fernando Pessoa sentia saudade da infância, uma grande nostalgia,
intelectualmente trabalhada da sua infância, visto que sente saudades não do que se
viveu, mas daquilo que desejávamos ter vivido. A nostalgia presente é quase sempre a
de um bem perdido, no caso, o eu poético evoca a infância que já passou e não pode
voltar. Este autor acreditava que a saudade é um símbolo de pureza, inconsciência,
sonho e paraíso perdido. O presente tornou-se difícil de ser vivido, sendo o passado
um refúgio.

 Ele, que foi “criança contente de nada” e que em adolescente aspirou a tudo,
experimenta agora a desagregação do tempo e de tudo.

 Um profundo desencanto e angústia acompanham o sentido da brevidade da vida


e da passagem dos dias.
 Ao mesmo tempo que gostava de ter a infância das crianças que brincam, sente a
saudade de uma ternura que lhe passou ao lado.
 Busca múltiplas emoções e abraça sonhos impossíveis, mas acaba “sem alegria
nem aspiração”.
 Tenta manter vivo o “enigma” e a “visão” do que foi, restando-lhe a inquietação, a
solidão e a ansiedade.

O tempo é para ele como fator de desagregação na medida em que tudo é breve,
tudo é efémero. O tempo apaga tudo.

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