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Sistema Municipal de Ensino de Bauru/SP. Bauru: Secretaria Municipal


de Educação, 2016. v. 1, p. 101-148.
BNCC E O DESENVOLVIMENTO
DA CRIANÇA: uma conversa
PETROVSKI, A. Psicología general: manual didáctico para los institutos de
pedagogía Moscú: Progreso, 1985. p. 139-169. necessária para a organização do
SILVA, M. C. da. O desenvolvimento da imaginação e a atividade da
planeja1nento na Educação Infantil
criança em idade pré-escolar. 2019. Dissertação (Mestrado em Educação
Escolar) -Universidade Estadual Paulist3, Araraquara, 2019. Cassiana lvfagalhàes
Lucinéia Maria Lazaretti
TEPLOV, R. M. Aspectos psicológicos da educação artística. In: LURIA,
L.; VIGOTSKY, L. S.; LEONTIEV, A. Psicologia e pedagogia 11. Lisboa: Com intuito de contribuir com profissionais da escola básica, especial-
Editorial Estampa, 1991. p. 123-153 mente da Educação Infantil, e fundamentadas na Teoria Histórico-Cultural,
pretendemos debater e dialogar com os documentos oficiais, de modo a for-
VIGOTSKI, L. S. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psí- necer elementos para que o professor, ao elaborar seu planejamento, tenha
quico da criança. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais, n. 8, p. subsídios para propor ações de ensino e promover situações favoráveis à
23-36, 2008. aprendizagem, numa direção crítica de formação hu_mana. .
A terceira versão da Base Nacional Comum Curncular (BNCC) foi homo-
VIGOTSKI, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: logada em 20 de dezembro de 2017. As duas versões anteriores, gestadas
Martins Fontes, 2001. desde 2015, foram alvos de intensos debates, preocupações e controvérsias
acerca da inclusão ou não da Educação Infantil, sobre quais circunstâncias
VYGOTSKI, L. S. El problema de la edad. In: VYGOTSKI, L. S. Obras e garantias estavam sendo proporcionadas. Desde a primeira versão, lemos,
escogidas IV. Madrid: Visor, 1996. p. 251-273. contribuímos e preocupamo-nos em como iria se materializar esse documento
nas mãos dos professores da primeira etapa do ensino básico. Procuramos
VYGOTSKT, L. S. Paidología dei adolescente/Problemas de la psicolo- contribuir, mas também resistir, diante das condições sociais, econômicas e
gía infantil. In: VYGOTSKI, L. S. Obras Escogidas IV: Madrid: Antonio políticas em que o Brasil homologou essa versão final da BNCC.
Machado Libros, 2012. p. 9-248. É fato, desde 2017, a BNCC tornou-se um documento de caráter nmmativo
e é referência para fonnulação e/ou revisão de ctuTículos e propostas pedagógicas
VIGOTSKI, L. S. Sete aulas de L. S. Vigotski sobre os fundamentos da de estados e municípios, em regime de colaboração. Portanto, até o momento,
pedologia. Organização e tradução de Zoia Prestes, Elizabeth Tunes; tradução observamos, apreensivas, que além de homologada, há muita produção para
Claudia da Costa Guimarães Santana. Rio de Janeiro: E-Papers, 2018. operacionalizar a BNCC na prática do professor e no seu planejamento. Desde
revistas de circulação on-line, tais como Nova Escola'!\), portal do professor,
VYGOTSKY, L. S.; LURIA, A. R. Estudos sobre a história do comporta- até institutos e empresas especializadas em materiais didáticos têm ofertado
mento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
cursos, livros de apoio entre outros recursos para que o professor siga a BNCC
e adapte-se aos códigos e novas nomenclaturas presentes no documento.
Diante desse cenário de muita oferta de informações, porém de pouco
debate e discussão teórico-conceitual, compreendemos a necessidade de dialo-
gar com o documento em tela, subsidiadas por pressupostos teóricos que per-
mitam tensionar, propor e intensificar produções que possibilitem ao professor
e à equipe gestora da instituição e/ou município apoiarem-se no documento
normativo, mas não de maneira servil, a-histórica e acrítica.
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Para fins de estruturação do texto, utilizamos neste capítulo a divisão


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A TEORIA COMO CONDIÇÃO DA LIBERDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL
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Tempos, Quantidades, Relações e Transformações. Chegando aos objetivos


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proposta pela BNCC (BRASIL, 2017), seguida pela nossa proposição ligada de aprendizagem e desenvolvimento para cada período da vida: bebês (O a 1
à atividade principal de cada período do desenvolvimento humano (ELKO- ano e 6 meses), crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e l1meses),
NIN, 1987). A saber: Bebês e o encontro com o outro por meio da comuni- crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (BRASIL, 20 17).
cação emocional direta; Crianças bem pequenas e a descoberta dos objetos
como fonte das qualidades humanas; Crianças pequenas e a ampliação dos Bebês e o encontro com o outro por meio
repertórios por meio da brincadeira de papéis. Essa organização reflete a da comunicação emocional direta
iminência da situação social de desenvolvimento em cada período que regula
todo o modo de vida da criança, sua posição e as relações criança-adulto e As pesquisas sobre bebês e o seu desenvolvimento têm preconizado cada
criança-sociedade. No início de cada período da vida, a relação estabelecida vez mais a necessidade de que os profissionais dessa etapa de ensino tenham
entre a criança e o meio que a rodeia, sobretudo o social, é totalmente pecu- qualificação e formação específica, e não destinar a esses bebês qualquer tipo
liar, específica e irrepetível. Essa relação é denominada por Vygotsky como de atendimento, com profissionais de incipiente formação, tais como cuida-
situação social de desenvolvimento, que significa "[ ... J o ponto de partida para dores, auxiliares, agentes educacionais (MOREIRA et a!., 20 19). É tareíà da
todas as mudanças dinâmicas que se produzem no desenvolvimento durante instituição educativa e dos professores que ali atuam compreenderem quem
o período de cada idade" (VYGOTSKY, 1996, p. 264, tradução nossa). Por- é o bebê c como organizar o ensino para garantir conquistas e aprendizagens,
tanto, a situação social de desenvolvimento significa a relação da criança com de modo que, progressivamente, estabeleçam vínculos de comunicação e
a realidade social, que se faz por meio da atividade humana e cada período se promovam o aprimoramento das capacidades psíquicas, ou seja, para que o
manifesta por meio de uma atividade principal. É pela atividade principal que bebê venha a se tornar humano. Nas palavras de Leontiev (1978), quando
se estabelecem as relações da criança com os aspectos da realidade, formando nasce um bebê, nasce um candidato à humanização.
qualidades fundamentais e processos psíquicos que dependem essencialmente Durante o primeiro ano de vida, o desenvolvimento do bebê"[ ... ] baseia-
das condições de vida social e da organização educativa. Este é o meio pelo -se na contradição entre a máxima sociabilidade e suas mínimas possibilidades
qual ~correm, na criança, as principais novas formações da estrutura da per- de comunicação" (VYGOTSKY, 2006, p. 286). Os bebês são extremamente
sonalidade e das funções psíquicas. dependentes de outros seres humanos, que satisfaçam suas necessidades
imediatas de sobrevivência e gradativamente apresente-os o mundo. Dessa
Entendemos por formações novas o novo tipo de estrutura da personalidade condição de dependência e da demanda de cuidados, o bebê é inserido numa
e de sua atividade, as mudanças psíquicas e sociais que se produzem pela situação social de desenvolvimento que possibilita neoformações, a depender
primeira vez em cada idade e dekrminam, no aspecto mais importante e da qualidade das relações estabelecidas.
fundamental, a consciência da criança, sua relação com o meio, sua vida Nesse sentido, a escola torna-se um lugar capaz de contribuir com o
interna e externa, todo curso de seu desenvolvimento em um período dado desenvolvimento das crianças, desde que as condições sejam organizadas e
(VYGOTSKY, 1996, p. 255). favorecidas. Por isso, o planejamento e a organização do ensino são fundamen-
tais para promover o desenvolvimento dessas novas funções em formação. E
Dessa fundamentação sobre o desenvolvimento infantil, nos orientamos qums as funções que destacam no primeiro ano de vida? A sensação, a emoção
a olhar para a organização da BNCC (BRASIL, 20 17) e suas implicações e a ação. O bebê reage por meio dos órgãos sensoriais, sendo que a sensação
pedagógicas. Esse documento tem as Interações e a Brincadeira como eixo e ação atuam como unidade indiferenciada, e o que os articula é o substrato
estruturante, já presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Educa- afetivo. Dito isto, o afeto está ligado às necessidades de alimentação, sono,
ção Infantil (BRASIL, 1999, 201 0), a ser assegurado na primeira etapa da necessidades físicas, em que o adulto, no caso da escola, o professor, vai se
Educação Básica, partindo para a organização de seis direitos de aprendiza- tornando o centro da situação psicológica com o bebê (CHEROGUJ, 2014 ).
gem e desenvolvimento: Conviver, Brincar. Participar, Explorar, Expressar e Essa forma de relação entre o bebê e o adulto, cabe ressaltar, iniciada
Conhecer-se. E considerando tais direitos, foram organizados os campos de pelo adulto, é denominada de Atividade de Comunicação Emocional Direta.
experiência, a saber: o Eu, o Outro e o Nós; Corpo, Gestos e Movimentos; Tra- Para Usina (1987, p. 275). "[ ... ]a atividade mutuamente orientada de dois ou
ços, Sons, Cores e Formas; Escuta, Fala, Pensamento e Imaginação; Espaços, mais participantes, cada um atuando como sujeito, como indivíduo" A mesma
56 A TEORIA COMO CONDIÇÃO DA LIBERDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL 57

aut~ra explicita: Emocional [ ... ] "se reduz a expressão mútua de emoções que Aparentemente, ao olhar a imagem, vemos crianças em um "buraco" de
~ cna~ça. e o adulto se dirigem um ao outro". Direta "[ ... ] a comunicação não barro. Mas o que as crianças fazem ali? Em tempos de BNCC, quais os campos
e ~1ed1at1zada por nenhuma outra atividade comum da criança e do adulto" de experiências podemos dizer que foram explorados? Quais os objetivos de
(USINA, 1987, p. 288). aprendizagem se fizeram presentes?
Ao visualizar essa ideia da Lísina (1Y87) nos berçários e partindo do Cabe dizer que o modo de organizar o planejamento partindo do objetivo
pressuposto de que a comunicação não surge de modo natural, mas a depender proposto, assim como o campo de experiência, não precisam ser vivenciados
da conduta do adulto (interlocutor de mais idade) e de condições como neces- de modo isolado, em uma única "atividade pedagógica". Vamos retomar a
sidade objetiva de atenção e cuidado, é necessário primar que é o professor imagem e buscar no campo de experiências: "O Eu, o Outro e o Nós", alguns
que despetia a criança para a comunicaçao, cria nela uma nova necessidade objetivos de aprendizagens para os bebês (até 1 ano e 6 meses), possíveis
Valorizar momentos como a troca de fraldas, o tempo da alimentação, banho ~ de serem vivenciados na ação proposta: "(EI01E003) Interagir com crian-
outro~, ~ara convocar o bebê a se comunicar. Pois nessa ocasião, o adulto"[ ... ] ças da mesma faixa etária e adultos ao explorar espaços, materiais, objetos,
co~stltm o centro de seu mundo, a concentração de todos os seus interesses" brinquedos"; "(El01E004) Comunicar necessidades, desejos e emoções,
(USINA, 1987, p. 289). Com isso, não adianta os bebês permanecerem horas utilizando gestos, balbucios, palavras"; "(ElO 1E006) Interagir com outras
nas instituições, porém nos berços, sem comunicação e intervenção. Ficarem crianças da mesma faixa etária e adultos, adaptando-se ao convívio social"
~m esp:ços físicos fechados, repletos de imagens estereotipadas, porém sem (BRASIL, 2017, p. 45-46). Sempre lembrando o que discutimos anterior-
mteraçao com o outro e com os objetos da cultura. mente, nesse período da vida as crianças estão reagindo por meio dos órgãos
. Para orientar as ações pedagógicas, há na BNCC (BRASIL, 2017) subsí- sensoriais, estabelecendo uma comunicação mútua como o outro- no caso
dws nos campos de experiências e nos objetivos de aprendizagem e desenvol- da escola, com a professora.
vimento que permitem estabelecer relações entre o documento e os princípios Em uma única situação de ensino, é possível estabelecer diversas relações
da Teoria Histórico-Cultural. com os campos de experiência e os objetivos de aprendizagem e desenvol-
Observemos uma vivência organizada em um Centro Municipal de Edu- vimento. Observemos este movimento: no campo de experiência "Corpo,
cação ~n~antil (CMEI) da cidade da região Norte do Paraná, durante o processo Gestos e Movimentos", encontramos, dentre outros, "(EIOlCGOl) Movimen-
de estagw do Curso de Pedagogia de uma Universidade Pública. tar as partes do corpo para exprimir corporalmente emoções, necessidades e
desejos."; "(ElO 1CG05) Utilizar os movimentos de preensão, encaixe e lan-
Imagem 1 - C2- TURMA DA MINHOCN çamento, ampliando suas possibilidades de manuseio de diferentes materiais
e objetos" (BRASIL, 2017, p. 47). No campo de experiência "Escuta, Fala,
Pensamento e Imaginação", alguns objetivos de aprendizagem explorados
são "(ElO 1EFO 1) Reconhecer quando é chamado por seu nome e reconhecer
os nomes de pessoas com quem convive."; "(EI01EF06) Comunicar-se com
outras pessoas usando movimentos, gestos, balbucios, fala e outras formas de
expressão" (BRASIL, 2017, p. 49-50). Em relação ao campo de experiências
"Espaços, Tempos, Quantidades, Relações e Transformações", encontra-
mos: "(EIO lETO 1) Explorar e descobrir as propriedades de objetos e mate-
riais (odor, cor, sabor, temperatura)."; "(EI01ET03) Explorar o ambiente pela
ação e observação, manipulando, experimentando e fazendo descobertas.";
"(EI01ET04) Manipular, experimentar, atTUmar e explorar o espaço por meio
de experiências de deslocamentos de si e dos objetos."; "(EIOl ET05) Manipu-
lar materiais diversos e variados para comparar as diferenças e semelhanças
Fonte: arquivo das autoras
entre eles" (BRASIL, 2017, p. 51).
7 Esta instituição de Educação Infantil escolhe anualmente, em conjunto com as crianças, 0 nome das turmas. Esses são alguns dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
As cnanças do C2 tinham aproximadamente de 1 a 1 ano e 4 meses de idade no período da fotografia (2019). que podem ser explorados com a ação organizada fora do espaço da sala,
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envolvendo os objetos, o barro, água e especialmente a intencionalidade


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A TEORIA COMO CONDIÇÃO DA LIBERDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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esse "conhecer'' pode causar estranhamento. Ou seja, não é a mesma experiên-


docente. O que queremos dizer é que dedicando tempo e cuidado, uma ação cia para todas, pois depende do repertório de aprendizagens e elas precisam de
de ensino pode e deve explorar vários campos de experiências e, ainda, con- condições para poderem expressar seus desejos, suas possibilidades e limites
siderar diferentes objetivos de aprendizagem e desenvolvimento. ao lidar com aquilo que está sendo proposto.
No entanto, essa ação orientada tanto para a comunicação com as crian- Portanto, uma ação de ensino pode desencadear a garantia de um direito
ças, quanto para o manuseio e exploração dos objetos, só se torna clara e aparentemente simples, "Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos
intencional por parte do professor, quando este compreende que, a partir da e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens, ampliando o conheci-
comunicação emocional com o adulto, começa a emergir uma nova atividade mento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças entre
denominada: atividade objetai manipulatória. As ações sensório-motoras~ as pessoas" (BRASIL, 2017, p. 38), bem como se articular aos outros direitos
o ato de agarrar se destacam, abrindo novas possibilidades de ação para a indiretamente, o que por vezes é negado nos espaços educativos.
criança. Para Cheroglu (2014, p. 112), essa atividade orientada pelo adulto Esses direitos foram tão respeitados que algumas crianças preferiram não
tem uma importância central no desenvolvimento da criança na medida em ficar ali, no lugar em que o grande grupo de crianças estavam. Movimenta-
que, "[ ... ] requer a realização de ações psicomotoras que estão na iminência ram-se para um lugar ao lado e exploraram outros materiais, como veremos
de se formarem" (CHEROGLU, 2014, p. 112). na cena a segutr.
Na imagem 1, observamos que os bebês estão atuando com os objetos de
Imagem 2 - C2 -TURMA DA MINHOCA
maneira reiterativa e concatenada e isso promove algumas capacidades como:
concentrar-se, examinar, apalpar, chacoalhar, entre outras. Com a formação
do ato de agarrar, a atividade orientadora e exploradora adquire uma nova
configuração quando o bebê passa a se orientar pelos novos objetos, já que
as suas ações "[ ... ] são estimuladas pela novidade dos objetos e sustentadas
pelas novas qualidades dos objetos que vão sendo descobetias durante a sua
manipulação" (ELKONIN, 2009, p. 214).
Pasqualini (2006) alerta para o fato de que não basta disponibilizar os
objetos para a livre exploração das crianças. O processo de apropriação precisa
ser transmitido nos modos do seu uso social, tarefa essa que cabe ao professor
na escola. Por isso, como vemos na imagem 1, a presença da professora, como
alguém que organizou o espaço e disponibilizou materiais, mas, é valoroso a
atividade compartilhada ao incentivar e oferecer novos materiais, ampliando
os repertórios do uso social de cada objeto.
Além dessas aprendizagens, gostaríamos de destacar alguns pontos da
imagem 1: uma criança que está vestida com camiseta, ou seja, não quis des-
pir-se e participar do mesmo modo que as demais; e outra criança que está no
colo da professora, preferindo não colocar os pés no bano. Para essas questões
Fonte: arquivo das autoras
aparentemente simples, porém caras para o universo da educação infantil,
em que as crianças precisam fazer a mesma coisa o tempo todo, ressaltamos
Essas crianças da imagem "ainda não falam", em outras palavras, não uti-
novamente os direitos de aprendizagem elencados na BNCC (2017, p. 38):
lizam a linguagem verbal como forma principal de comunicação. No entanto,
"Conviver, Brincar, Participar, Explorar, Expressar e Conhecer-se", para dizer
ao se distanciarem dos colegas, envolveram-se em ações de imitação do mundo
que no mínimo essas crianças tiveram o direito de conviver e brincar umas
dos adultos, no uso dos objetos. Utilizaram utensílios domésticos, barro, água
com as outras, algumas exploraram intensamente a experiência com o barro e
e com isso podemos inferir que se cultiva, em situações como essa, a atividade
os diferentes objetos ali inseridos, para outras, pode ser algo novo e portanto,
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objetai manipulatória. E aqui podemos reafirmar a tese de que não é a idade, Trazendo para o universo da escola, ressaltamos a importância dessa ati-
mas as condições adequadas que promovem o desenvolvimento, porque, além vidade principal- atividade objetai manipulatória- para o desenvolvimento da
da exploração do objeto, é possível verificar a presença da imitação com 0 linguagem, em outras palavras, o surgimento de uma nova qualidade psíquica.
uso social do objeto, ou seja, para o que ele foi criado socialmente. Com todas as possibilidades organizadas pelo professor, as crianças da
imagem anterior, porém já numa outra etapa da Educação Infantil, explorando
Crianças bem pequenas e a descoberta dos aquele mesmo espaço, agora com novas possibilidades de exploração, não ape-
nas manuseando os objetos, mas se comunicando por meio da linguagem oral.
objetos como fonte das qualidades humanas
Criança l: É um bolo de aniversário.
Para dar continuidade à conversa anterior, optamos por trazer as mesmas
Criança 2:- É seu aniversário?
crianças, aquelas que frequentam o mesmo CMEI e ainda com as mesmas Criança I: - Querida, você vai ficar sozinha aqui em casa. A mamãe vai
professoras, para continuar a defesa das condições adequadas para o desen- para irmã, sabia?
volvimento. A diferença é que as primeiras cenas foram registradas em 2019 Criança 3:- Tô fazendo a sopa de caldinho.
e nos foram enviadas pelas próprias professoras em 2020. Isso para atestar Criança 1:- Ô querida, aqui é "picuroso", vai queimar você, sabia?
o princípio de continuidade nas ações da instituição de educação infantil, as Criança I:- Não pode vir aqui fritar o ovo. Vai queimar você. Você é
possibilidades de neoformações no desenvolvimento das crianças e o engen- muito pequeninha.
dramento de novos interesses e motivos. Como no tópico anterior ressalta-
mos o desenvolvimento da atividade de comunicação emocional direta e já Imagem 3- C3- TURMA DA JOANINHA
apresentamos, brevemente, a gênese da atividade objetai manipulatória, essa
atividade engendra uma nova forma de atitude diante do mundo dos objetos:
estes se tornam não mais simples objetos apalpados, mas instrumentos que
têm uma forma determinada para seu uso- um domínio dos seus procedimen-
tos -, socialmente elaborada e é necessário aprender a cumprir a função que
lhes designou a experiência social. A criança aprende, por meio da influência
educativa e formativa dos adultos, o significado social dos objetos, fixados
pela atividade humana, e suas propriedades funcionais, orientando-se a buscar
em cada novo objeto-instrumento seu destino específico. Os objetos, como
in,strumentos culturais, mediatizam a relação da criança com o mundo objetivo.
"E importante destacar que precisamente o domínio das ações concordantes
e instrumentais exerce a influência mais essencial sobre o desenvolvimento
psíquico da criança" (MÚJINA, 1979, p. 51, tradução nossa). Por meio dessas
ações, aprimora-se a experiência sensorial e promove o desenvolvimento das
funções psíquicas, entre elas, a linguagem.
De acordo com Mukhina (1996), existe uma relação entre a atividade
Fonte: Enviada peias professoras 8
objetai manipulatória e o desenvolvimento da linguagem na criança. Para
a autora, a criança já é capaz de pronunciar alguns sons durante o primeiro
Na cena 2, observamos as crianças e as possibilidades de atuar com
ano de vida e no período de dois a três anos é possível perceber a ampliação
os objetos, compreendendo seus usos sociais por meio da exploração dos
do vocabulário. Isso se justifica pois, com o surgimento da atividade objetai
materiais disponibilizados e o engendramento de novos interesses: atuar com
manipulatória, surge também o interesse da criança em relação aos objetos,
bem como pela sua função social e sua denominação.
B Agradecimento especial às professoras Daniela Fedrigo Rett e Jacqueline Oliveira Jovanovich pela partilha
dos materiais.
r
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os objetos que a mamãe e o papai atuam e reproduzir as funções sociais dos


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A TEORIA COMO CONDIÇÃO DA_:IBERDADE DOCENT:_t'JA E?~CA~ÃO INFANTIL

que as palavras carregam. O processo de desenvolvimento global da


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criança na primeira infância nos aponta como eixo central o desenvol-


adultos. Logo, no interior da atividade objetai manipulatória, observamos a
vimento da linguagem, que ultrapassa o pareamento externo de determi-
gênese da brincadeira de papéis. nado objeto com uma palavra (som), mas que demanda do pensamento da
Além disso, a possibilidade de se comunicar com as colegas, por meio da criança a compreensão dos significados socialmente instituídos nas ações
linguagem verbal, demonstra o quanto ela é resultado da constante necessidade com os objetos. Isso significa que é preciso falar com a criança e ensinar
de comunicação entre a criança e o mundo, através da atividade conjunta e a criança a fàlar, mas não repetindo sons associados a objetos, e, sim,
compartilhada com os adultos e os demais pares, começa a compreender as disponibilizando para ela objetos que a permitam c01~1preender o mundo
relações existentes entre as palavras pronunciadas e a realidade concreta por e a história contida neles (LAZARETTI; MAGALHAES, 2019, p. l 0).
elas expressadas (MÚJINA, 1979). A linguagem, como um signo, é produto
da atividade das gerações anteriores. A criança, no decurso de seu desenvol- Conforme as imagens anteriormente apresentadas, nota-se: o trabalho
vimento, faz dela a sua língua por meio da apropriação, o que forma nela das professoras esteve presente na organização do espaço, no enriquecimento
funções e aptidões especificamente humanas (VENGER, 1976). do vocabulário das crianças, no oferecimento de novas e desafiadoras opor-
Com o domínio da linguagem, outras funções psíquicas se reestruturam tunidades. Essas ações de manipulação dos objetos, de imitação do mundo
nesse processo de aprendizagem, mediadas pelas ações e pelas relações com adulto começam a engendrar uma nova atividade, que será discutida no pró-
a realidade circundante. A percepção da criança começa a diferenciar ele- ximo tópico.
mentos, superando a estrutura natural do marco sensorial, desenvolvendo-se
pela introdução de meios auxiliares, por exemplo, a fala, a qual "[ ... ] não Crianças pequenas e a ampliação dos repertórios
acompanha simplesmente a percepção intàntil, mas desempenha nela, desde por meio da brincadeira de papéis
o início, um papel ativo. Assim, a criança começa a perceber o mundo não
somente por meio de seus olhos, mas também por meio da fala" (VYGOT- As experiências apropriadas pelas crianças pequenas em suas ações con-
SKY; LURIA, 2007, p. 38, tradução nossa). Por isso, é por intermédio da juntas e compartilhadas com seus pares, seus professores e com a realidade
linguagem que nesse período a criança se apropria de signos verbais -as circundante culminam em conquistas no seu desenvolvimento: as ações tor-
palavras -e elabora as significações socialmente constituídas, marcando, nam-se mais autônomas e independentes em relação aos objetos acessíveis
decisivamente, o processo de exploração e de conhecimento sobre e em relação aos usos e funções; o repertório de vocabulário amplia-se e a linguagem oral
ao mundo, formando-se culturalmente (MARTINS, 2007). Assim, no campo toma-se o principal meio de comunicação e, concomitantemente, favorece o
de experiências "Escuta, Fala, Pensamento e Imaginação", há objetivos desenvolvimento e aprimora outras funções psíquicas, tais como percepção,
de aprendizagem que permitem desenvolver ações de ensino que envolvem: memória, atenção, pensamento etc. Todas essas conquistas resultam em um
ouvir histórias, contos etc., ter contato com a diversidade de gêneros textuais, novo tipo de atividade principal para a criança nesse período de desenvolvi-
conversar, relatar e expressar ideias, "criar e contar histórias oralmente, com mento: a brincadeira de papéis.
base em imagens ou temas sugeridos", "Formular e responder a perguntas Das ações com os objetos, emergem interesses novos e, progressiva-
sobre fatos da história narrada, identificando cenários, personagens e princi- mente, as crianças começam a reproduzir as ações dos adultos e suas fun,;ões
pais acontecimentos" (BRASIL, 2017), entre tantos outros objetivos que se sociais, desencadeando nelas motivos para atuarem com os mesmos objetos
traduzem em ações de ensino, permitindo que a linguagem atue como meio com que as pessoas trabalham: o prato, a panela, a colher, o martelo, a pá, o
de comunicação, de transmissão e de apropriação da experiência social e lápis, o computador etc. Nesse processo se manifesta a tendência da criança
cultural da humanidade e como instrumento do pensamento, na qualidade de a tomar parte na atividade dos adultos (ELKONIN, 1969).
atividade psíquica. A brincadeira de papéis, como uma atividade lúdica, tem sua origem em
uma ação isolada com determinado objeto, ou seja, na imagem 2, observamos
Desta forma, ao compreender o desenvolvimento global da criança na pri ..
as crianças fazendo uso de um objeto, mas de maneira individual e determi-
meira infância, evidencia-se um processo que parte das funções sensoriais,
perceptivas e motoras, e, sob condições adequadas de educação, permite o nada. Progressivamente, utiliza o mesmo objeto, porém de maneira diversa,
desenvolvimento da linguagem, da fàla e da compreensão do significado para ações ligadas entre si por uma lógica que reflete as ações rotineiras de
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r A TEORIA COMO CONDIÇÃO DA LIBERDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL 65
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ac.o~do com a vida das pessoas, tal como na imagem 3, em que as crianças A imagem acima, capturada t<;~mbém de uma cena de estágio curricular
?~Ih~a.m os mesmos objetos, mas não em ação isolada e determinada, mas supervisionado do curso de Pedagogia, de outra Universidade Estadual, em um
Ja utilizam de acordo com as cenas vivenciadas em suas vidas cotidianas município do Noroeste do Estado do Paraná, observamos duas crianças com
como us~r .a panel~ para cozinhar. No entanto, ainda carece de uma principal bambolês, sentadas em frente de um mastro. Que inferências são possíveis em
caractenstlca: cozmhar com panela igual o papai e/ou a mamãe. Significa relação à brincadeira? Essa cena se originou após uma brincadeira dirigida-
que o sentido da brincadeira é a representação da função social da pessoa em coelhinho sai da toca e as crianças começaram a explorar os bambo lês com
suas relações de trabalho, aliado ao estudo de que "[ ... ] há procedimentos diferentes ações: rolaram, entraram e saíram, empilharam, entre outras ações.
pec~l.iares como: assumir o papel de uma pessoa adulta e de suas funções Num determinado momento, essas duas meninas sentam em um bambolê
so~Iai~ de trabalho; reproduzir e generalizar ações com os objetos; transferir como poltrona e com outros dois bambolês, imitam o volante de um ônibus,
o sigmficado de um objeto ao outro (LAZARETTI, 2016, p. 132). simulando o barulho e o movimento do veículo. Nesse momento, registramos
No espaço escolar, promover o desenvolvimento da brincadeira é tarefa o seguinte diálogo:
fundamental, já que por meio dela a criança conquista o autodomínio da
conduta. Isso porque a brincadeira exige da criança, durante o ato de assumir Professora-passageira (com a mão estendida, fazendo um sinal): Moto-
um papel de motorista e passageiro, vendedor e cliente, médico e paciente rista, esse ônibus irá para onde?
Criança A:- Ah, vai para o outro parque da cidade!
p~r exempl.o, o acatamento às regras, a renúncia aos desejos e impulsos ime-
Professora-passageira: -Tem um lugar para mim?
diatos. Assim, seu comportamento deve se subordinar e refletir a lógica de
As meninas se empolgam e organizam o ônibus.
uma ação cotidiana e das relações sociais presente nas funções dos adultos Professora-passageira, com olhar de surpresa, infere: Nossa, eu não
na vida real. Além dessa conquista, no decorrer da atividade lúdica as funçõe~ conhecia um ônibus com dois volantes!
com~ memória, atenção, imaginação, pensamento, linguagem são postas em As meninas inquietam-se e uma responde:
funciOnamento ao atuar com os objetos, ao argumentar no enredo, criar cenas, Criança B:- Ah não, esse aqui é meu banco, sou cobradora.
gestos e envolver-se no papel assumido. Vejamos a cena a seguir: Professora-passageira (procurando um lugar para sentar) expressa: -Onde
é a minha poltrona?
Imagem 4- Infantil 4- motorista de ônibus Criança B (papel de cobradora do ônibus) começa a procurar outro bam-
bolê, o coloca no chão e explana:- Aqui está sua poltrona.
E seguem viagem.
Após o início da brincadeira, outras crianças desejam participar e muitas
começam a sento.r ao lado do mastro, assumindo o papel de motorista.
A professora-passageira infere:- Como um ônibus terá tantos motoristas
e poucos passageiros? Precisamos resolver isso.
Neste momento, as crianças que estavam ingressando na brincadeira suge-
rem que o motorista possa ser trocado e a professora-passageiro acata a
~ugestão, porém propõe que a troca de motorista precisa ser sempre ao
fmal de uma viagem. Todos concordam e a brincadeira segue por mais
de 40 minutos, com crianças entrando c participando do enredo, acatando
a regra: um motorista de cada vez e as demais, passageiras.

Na cena abaixo, observamos a continuidade da brincadeira de motoris-


ta-passageiro, na qual as crianças acataram a regra estabelecida: ficar sentada
durante toda a viagem, enquanto a motorista faz o percurso. Cada criança-
Fonte: arquivo das autoras
-motorista definia o tempo e o destino da viagem: algumas viagens demoram
mais tempo, outras, menos tempo.
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de brincadeiras de seus pares. Além dessas situações, consideramos que o


rofessor deve propor conteúdos, organizar espaços, compartilhar das brin-
~adeiras e assim enriquecer, ampliar e diversificar de modo a potencializar
a brincadeira e sua função no processo de aprendizagem e desenvolvimento
da criança (LAZARETTI, 2016).
Além da brincadeira de papéis como atividade principal, outra atividade
secundária emerge no processo de desenvolvimento infantil no período da
idade pré-escolar: atividade produtiva. Essa atividade demanda finalidade e
planejamento que, desde a primeira in~ância, prop~cia ~1ma problematiza~ão
crescente no desenvolvimento das cnanças, nos ambttos de desenho, pm-
tura, modelagem, construção, entre outras. Essas ações que geram produto
não devem representar listas de atividades aleatórias, apenas para executar e
produzir algo, mas precisam expressar possibilidades de ~mpliação ~ a~rofun­
damento da experiência humana que podem ser traduzidas em objetivos de
Fonte: arquivo das autoras
aprendizagem e desenvolvimento e materializadas em variadas e ricas formas
de ensino, aproximando e formando, culturalmente, as crianças pequenas. Na
. Sobr~ essa cena, cumpre algumas análises: o tempo e o espaço para cena abaixo, do mesmo CMEI da imagem 4 e 5, porém na turma do Infan-
brmcar fm proposto posterior ao momento da brincadeira dirigida. Com isso
é possível planejar brincadeiras dirigidas e brincadeiras compartilhadas.
que entet~demos por br~ncadeira compartilhada? Momentos em que 0 pro~
o til 5, temos uma ação de ensino proposta pela professora, em que se coloca
as crianças em espera. É muito comum, nas diferentes situações do dia a dia,
as crianças ficarem ociosas, esperando a mudança de jornada, de um espaço,
fessor b1:111ca com as cnanças. Articulando com a BNCC (BRASIL, 2017), em fileiras, sentadas e, geralmente, é exigido silêncio e nenhum movimento
ao planeJar esses momentos, quais campos de experiências podem ser con- (IZA; MELLO, 2009). Enquanto esperavam, as crianças começam a observar
~~mplados? Quais objeti,v?,s ~e apr~ndizagem e desenvolvimento? No campo as fonnigas. Da observação, emergem várias perguntas e hipóteses:
O ~u, o Outr~ e ~ Nos , e p~sstvel abranger os objetivos: "(EI03E003)
ampliar as relaçoes mterpessoais, desenvolvendo atitudes de participação e Criança l: - Olha a formiga indo para a casa dela.
cooperaç.ão"; "(E103E004) comunicar suas ideias e sentimentos a pessoas e Criança 2:- Mas onde é a casa da formiga?
grupos diversos, entre outros". No campo de experiência "Corpo Gestos e Criança I: -Não sei. Vamos seguir ela.
Movimentos", os objetivos que podem conesponder: "(EI03CG01) criar com Criança 3: - Vou fazer uma casinha para ela aqui (enquanto a criança 3
o corpo formas diversificadas de expressão de sentimentos, sensações e emo~ amontoa areia para fazer a casa, as demais fazem uma estrada para ajudar
çõ~s.' t~~t,~ nas situações do cotidiano quanto em brincadeiras, dança, teatro, no caminho)
Criança 1: -A formiga não está indo na estradinha e nem na casa que
music~ ; (~103C?02) demonstrar controle e adequação do uso de seu corpo fizemos (com olhar desolado).
em bnncadetras e Jogos, escuta e recanto de histórias, atividades artísticas
entr~ ~utras poss~bilidades"; "(EI03CG03) criar movimentos, gestos, olhare~ Seguem observando, outras crianças se aproximam e observam, novas
e I~I~mcas em brmc~?eiras, jogos e atividades miísticas como dança, teatro e perguntas surgem, até que a professora os reúne para retornar à sala, justifi-
must.ca: entre outros. No campo "Escuta, Fala, Pensamento e Imaginação" cando que tinham saído do lugar estipulado. Porén1, quantas perguntas guar-
o objetivo que corresponde é "(E103EF02) inventar brincadeiras cantadas dam as curiosidades das crianças sobre os fenômenos e objetos da experiência
poemas e canções, criando rimas, aliterações e ritmos" (BRASIL, 2017). ' humana? Como transformar essas curiosidades em motivos de aprendizagem?
. Portanto, a ~e.na da ?ri?cadeira dialoga com vários campos de experiên- Na BNCC (BRASIL, 2017), no campo de experiência "Espaços, Tem-
cia e expressa vanos objetivos que permitem à criança inventar brincadei~ pos, Quantidades, Relações e Transformações", há objetivos que explicitam
ras, criar enredos em situações cotidianas, demonstrar controle e participar a preocupação em aproximar as crianças dos fenômenos e objetos da natureza
A TEORIA COMO CONDIÇÃO DA LIBERDADE DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL 69
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e da cultura humana, tais como: "(EI03ET02) Observar e descrever mudan- coadunamos com a forma como a BNCC está chegando aos professores, ele
ças em diferentes materiais, resultantes de ações sobre eles, em experimen- forma aligeirada, utilitarista e pragmática, que impede o movimento de estudo
e de análise sobre o documento. Por isso, dialogamos com a possibilidade de
tos envolvendo fenômenos naturais e artificiais"; "(EI03ET03) Identificar
olhannos para os objetivos de aprendizagem da BNCC (BRASIL, 2017) sem,
e selecionar fontes de informações, para responder a questões sobre a natu-
no entanto, perdermos a sustentação teórica de um trabalho intencionalmente
reza, seus fenômenos, sua conservação" (BRASIL, 20 17). Desses objetivos
é possível organizar ações de ensino que fomentem na criança a observaçã~ pensado, organizado e planejado pelo professor.
O movimento até aqui realizado foi uma tentativa de provocar o profes-
atent~ ~os elementos. e fenômenos da natureza, produzir registros e expres-
sor para o estudo sobre o desenvolvimento da criança e as potencialidades
sar h1poteses por meiO de desenhos. Por isso, é preciso ações de ensino com
de um ensino orientado por uma teoria que valoriza a ação docente, a inter-
objetivos de aprendizagem em que a criança possa "(EI03TS02) Expressar-se
venção dirigida e que interpreta um documento como condição para criar e
livremente por meio de desenho, pintura, colagem, dobradura e escultura
articular em seu planejamento, de maneira mais consciente e intencional.
criando produções bidimensionais e tridimensionais"; "(EI03ET04) Registra;
Assim sendo, alertamos para o fato de que somente uma teoria adequada
observações, manipulações e medidas, usando múltiplas linguagens (dese-
para orientar o trabalho do professor será capaz de conduzi-lo a uma leitura
nho, registro por números ou escrita espontânea), em diferentes suportes"
crítica dos documentos e, ainda, à elaboração de propostas pedagógicas que
(BRASIL, 2017).
valorizem os diferentes contextos e se comprometam com a organização do
Entretanto, de acordo com Lazaretti (2016; 2013), além de experiên- ensino, de modo a favorecer situações de aprendizagem voltadas às máximas
cias de exploração livre dessas tarefas, é pelo desenvolvimento de atividades
apropriações humanas.
orientadas que o desenho, a colagem, as esculturas, a modelagem, os trabalhos
manuais, as tarefas musicais se aperfeiçoam e influenciam o desenvolvimento
de ações perceptivas, sensoriais e de pensamento. Ao perceber os objetos da
realidade circundante, a criança aprende a apreciar cores, formas, tamanho,
peso, desde que seja direcionada sua atenção e sua percepção. Possibilitar a
aprendizagem da percepção estética é formar na criança capacidades não ape-
nas de enumerar objetos e figuras desenhadas, mas de captar o tema, observar
quadros, produzindo, por meio de vivências estéticas, percepções em relação
à cor e suas combinações, ritmo e elementos da composição. O contato com
diferentes representações gráficas e o desenvolvimento da percepção visual
possibilita o refinamento da atividade plástica. No processo ele ensino, é pos-
sível introduzir e aperfeiçoar no desenho diferentes formas de experiência,
agregadas por novos elementos e modelos gráficos, que vão cmTt>sponder, com
maior exatidão, a traços característicos dos objetos representados. Representar
os objetos por meio ela forma gráfica envolve três circunstâncias: "os modelos
gráficos de que dispõem a criança, a impressão visual do objeto e a experiência
tátil-motora, adquirida durante a ação com o objeto" (VENGER, 1976, p. 19,
tradução nossa).

Considerações finais

Este texto foi gestado a partir de uma necessidade de assumir os desafios


impostos por um documento normativo e mandatário para os currículos esta-
duais e municipais, o qual se materializa no planejamento do professor. Não
,..
i
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REFERÊNCIAS
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REFERENCIAL CURRICULAR DO
Fundación Infancia y Aprendizaje, 2007 PARANÁ NO NORTE DO ESTADO
Cristiane dos Santos Farias
Luana Haruka Kawagoe

Introdução

Este capítulo tem como objetivo apresentar a implantação do Referencial


Curricular do Paraná RCP 9 (PARANÁ, 2018), preconizando o desdobra-
mento da Base Nacional Comum Curricular- BNCC (BRASIL, 2017) no
documento. A motivação da escrita está relacionada à importância de docu-
mentar o período histórico da educação, que após um amplo movimento
histórico de implantação da BNCC, deve nortear as orientações dos Estados e
Municípios para a construção de seus currículos. Em um segundo momento de
escrita, não comportada neste capítulo, tàremos a análise dos Projetos Político
Pedagógicos (PPP) do município de Londrina, bem como ouviremos as vozes
dos professores e coordenadores, para estabelecer uma discussão democrática
a respeito do Referencial mencionado previamente.
Nesse sentido, o estudo faz parte do Projeto de Pesquisa intitulado "Os
Impactos Dos Documentos Oficiais Para A Organização do Currículo na
Educação Infantil no Brasil e em Portugal", e ainda, do Projeto de Extensão
"Apropriações Teóricas e suas Implicações na Educação Infantil", ambos da
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Enfatizamos nossa pmiicipação
nos desdobramentos do Fórum de Educação Infantil do Paraná (FEIPAR),
Grupo de Trabalho (GT) Pé-Vermelho, que durante o ano de 2019 realizou a
V Jomacla do FEIPAR Pé Vermelho: Apropriações Teóricas e suas Impli-
cações na Educação Infantil. A temática foi voltada para a BNCC, na qual
participaram os profissionais de Educação Infantil da Jurisdição do Núcleo
Regional de Londrina (NRE) com seus 19 municípios e acadêmicos do curso
de pedagogia da UEL.
Os documentos investigados nesta pesquisa foram a BNCC (BRA-
SIL, 20 17) e o RCP (PARANÁ, 20 18). O estudo foi realizado pela abordagem

9 O documento ficou conhecido com essa nomenclatura.

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