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30/05/2023, 11:53 Revista Educação Pública - O lúdico e as metodologias ativas, uma leitura da Teoria da Aprendizagem de Vygotsky na Educação Infantil

ISSN: 1984-6290
Qualis B1 - avaliação CAPES 2020-2024
DOI: 10-18264/REP

O lúdico e as metodologias ativas, uma leitura da Teoria da Aprendizagem de


Vygotsky na Educação Infantil

Rosiane de Oliveira da Fonseca Santos


Professora da Seeduc/RJ no Município de Trajano de Moraes/RJ, mestranda em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT/IFF - Campus Macaé/RJ)

Francine Guímel de Cristo Lessa


Professora da Educação Básica em Cabo Frio/RJ, mestranda em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT/IFF - Campus Macaé/RJ)

Kelly Ciane Viana dos Santos Arueira


Professora da Educação Básica em Campos dos Goytacazes/RJ, mestranda em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT/IFF - Campus Macaé/RJ)

É na Educação Infantil que se inicia toda a trajetória da vida escolar do indivíduo; compreendemos que essa etapa não se restringe ao
assistencialismo, mas é um processo que emana do ensino-aprendizagem por meio das práticas pedagógicas com finalidade de construção de
habilidades e conhecimentos nos seus aspectos diversos, como biológico, emocional, sociocultural e intelectual, rumo às etapas seguintes da
Educação Básica.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN nº 9.394/96), em seu Art. 29, visa o pleno desenvolvimento da criança em seus vários
aspectos e assegura-lhes o cuidar e o educar como direito e de responsabilidade da família e do Estado, pelos órgãos competentes.

Dessa forma, a escola, em seu papel de educar, deve ter como uma de suas principais ações o planejamento cuidadoso das práticas
pedagógicas, proporcionando às crianças momentos fecundos de aprendizagem e desenvolvimento pleno.

Para melhor compreensão do processo ensino-aprendizagem, os profissionais da Educação recorrem a diversos pesquisadores da área. Um dos
que mais influenciam a educação é Lev Vygotsky, com sua complexa obra abordando temas como interação social e desenvolvimento intelectual,
que vem ressignificado a prática docente a partir de novas leituras.

As metodologias ativas de ensino-aprendizagem vêm ganhando espaço, promovendo a superação do paradigma educacional tradicional, em
que o professor é detentor do conhecimento a ser depositado em um aluno passivo, em que a educação ocorre de forma autoritária. Tais
metodologias se embasam em pressupostos teóricos consagrados, como a Aprendizagem Significativa, de David Ausubel, a contínua
reconstrução de experiência, de John Dewey, a autonomia e a construção de conhecimentos em Paulo Freire, o papel ativo do sujeito no
construtivismo de Jean Piaget e a aprendizagem pela interação social preconizada por Lev Vygotsky.

Nessa esteira, o lúdico se mostra uma importante ferramenta com que as crianças podem, com interação e autonomia e mediados pelo
professor, construir conhecimentos de forma prazerosa.

A temática aqui desenvolvida foi escolhida em diálogo pelas autoras, que são educadoras, com base em suas vivências e leituras, ao pensar a
importância da superação de práticas tradicionais na Educação Infantil e a importância da ludicidade no desenvolvimento das crianças, além de
se constituírem importantes momentos de interação social e cognição.

Pelo contexto exposto, nosso objetivo geral é apresentar a importância do lúdico como metodologia ativa na Educação Infantil, baseado em
contribuições teóricas de Vygotsky.

A realização deste estudo se justifica pela relevância do tema, que não é muito explorado na perspectiva de relacionar o lúdico e a aprendizagem
ativa na Educação Infantil com base nos estudos de Lev Vygotsky.

A metodologia escolhida foi a pesquisa bibliográfica em leis, artigos e livros de autores de referência que discutem a temática. Esperamos
contribuir de forma significativa para a reflexão dos temas abordados, estimulando os profissionais da Educação a concretizar práticas
pedagógicas mais prazerosas e ativas com os alunos, apontando o potencial da ludicidade em jogos e brincadeiras, em interação social e
mediação, favorecendo o desenvolvimento cognitivo.

Breve reflexão sobre a Teoria da Aprendizagem de Vygotsky


No início do século XX, mais precisamente de 1926 a 1934, o psicólogo bielorrusso Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934), vê-se intrigado com
o processo de ensino-aprendizagem, a relação entre alunos e professores, a ligação entre os alunos e o elo entre tais relações e o ensino-
aprendizagem e com tudo que envolve o desenvolvimento cognitivo deles.

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A partir daí, Vygotsky inicia seus estudos baseando-se na melhor forma de favorecer a sensibilidade, interação, integração e socialização dos
sujeitos da educação, em especial as crianças, permitindo ao aluno adquirir conhecimentos de forma autônoma e dinâmica, fazendo-o
protagonista de sua própria aprendizagem, tirando foco e o mérito somente do/no professor e dividindo o sucesso do desenvolvimento
cognitivo com todos os sujeitos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

A abordagem sociointeracionista, baseada nas ideias de Vygotsky, concebe o aluno da Educação Infantil (EI) “como um sujeito ativo que, para
construir seus conhecimentos, se apropria dos elementos fornecidos pelos professores, pelos livros didáticos, pelas atividades realizadas em sala
e por seus colegas” (Oliveira, 2010, p. 28).

Em sua curta trajetória de vida, Vygotsky sempre foi exímio estudante; de família judia, desde sua tenra infância foi-lhe ofertada boa educação, e
ele fez ótimo proveito disso. Durante sua adolescência e juventude, permaneceu firme frente aos estudos; contudo em sua fase adulta vivenciou
momentos importantes na política de seu país e "revoluções", algo que pode ser visto como positivo, uma vez que produziu uma geração ávida
por conhecimento e transformações sociais, visionária nas artes e com amplo interesse em promover ações educacionais de forma libertadora e
libertária, frente a tudo que viviam até então. Podemos dizer que as adversidades de algum modo trouxeram aspectos benéficos a todos; faz-se
relevante frisar que a Educação Infantil é movida por construções e desconstruções (elaborações e reelaborações).

Se a vida ao seu redor não o coloca diante de desafios, se as suas reações comuns e hereditárias estão em equilíbrio com o mundo circundante,
então não haverá base alguma para a emergência da criação. O ser completamente adaptado ao mundo nada desejaria, não teria nenhum anseio
e, é claro, não poderia criar. Por isso, na base da criação há sempre uma inadaptação da qual surgem necessidades, anseios e desejos (Vygotsky,
2009, p. 40).

Mediante o exposto, é possível perceber que as revoluções e o caos, em alguns momentos, trazem mudanças, e quebras de paradigmas são
necessárias para que haja aquisição de novos conhecimentos, e a Educação Infantil é assim: mutável o tempo todo.

Vygotsky, que tinha um amplo conhecimento em diversas áreas, estudioso de funções cerebrais, desenvolvimento intelectual infantil, cultura,
relações sociais e linguagem, sempre visando entender a cognição dos indivíduos de modo a favorecer a aprendizagem, deixou como legado
uma ampla obra com cerca de 200 trabalhos que servem como instruções/orientações para atividades didáticas e pedagógicas para a Educação
Infantil.

É fala comum na contemporaneidade o aluno como sujeito autônomo, agente do seu saber, que as aulas precisam ser dinâmicas, na égide de
educar de forma lúdica, de forma a favorecer o conhecimento de maneira abrangente e engajadora; contudo, essas ideias não emergiram agora,
ao contrário; elas são longevas.

Apesar disso, muitas práticas pedagógicas tradicionais, em que o aluno é visto de forma passiva, ainda se enraízam em nosso cotidiano. Para
Vygotsky, “educar significa mudar. Se não houvesse nada para mudar não haveria nada para educar” (Brandão, 2012, p. 150); com a educação
ocorrem as mudanças, e a própria educação precisa mudar.

Ao longo de anos, muitos foram os estudiosos que se debruçaram sobre formas de favorecer a aprendizagem. Vygotsky foi um desses
estudiosos que muito pesquisou e contribuiu para a Educação.

É um autor que ocupa um lugar de grande importância nos estudos sobre Psicologia e Educação. Uma abordagem cuidadosa de sua obra parece
mostrar que, em vez de aceitar passivamente os antagonismos, buscou correlações e diálogos; dedicou-se a compreender o funcionamento
psíquico humano tendo em vista a integração de seus fenômenos, aliando o plano subjetivo ao objetivo, o intelecto à emoção, a ciência à arte, o
indivíduo à coletividade (Cebulski, 2014, p. 18).

Vygotsky atribuía papel importante às relações sociais no processo de desenvolvimento intelectual, dando destaque também à escola e ao papel
do professor. Concebia o homem/aluno como um ser formado a partir de seu relacionamento com a sociedade, de forma dialética. Cada
indivíduo estabeleceria de modo individual essa relação com o ambiente, chamada experiência pessoalmente significativa. Na Educação Infantil,
a experimentação é fundamental e essencial.

O autor defendia a aprendizagem mediada; percebemos aqui a grande importância do professor de Educação Infantil e a necessidade do
planejamento cuidadoso de suas aulas. Ao propor novas atividades, o professor deve estar sempre junto; a criança, com isso, internaliza um
procedimento, para torná-la crítica, reflexiva e independente.

O professor que adota essa concepção de aprendizagem passa a ser corresponsável pelo aprendizado do aluno, que é o principal responsável por
esse processo. A adoção da visão interacionista implica que o professor entende a aula como um espaço no qual a voz do aluno deve ser ouvida
para que ele possa constituir-se como sujeito da sua aprendizagem. Isso conduz o aluno à formação de uma consciência crítica que o professor
precisa fomentar (Oliveira, 2010, p. 29).

Para Vygotsky, o aluno é um ser ativo e dinâmico; ele acreditava que não há como manter o aluno sentado e apenas transmitir conhecimento,
uma vez que ele, principalmente o aluno de Educação Infantil, tem dentro de si dinamicidade e vivacidade; o aluno é gente, e gente é ativa; na
atividade humana há interação, e por meio de tais interações o aluno vai adquirindo conhecimento, seja ele popular ou científico, seja por
transmissão, seja por vivência, essa criança vai internalizando os saberes que vão se somando a outros adquiridos anteriormente e assim vão se
constituindo outros saberes; a isso ele denominou “zona proximal do desenvolvimento (ZPD)”, que

é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, pelo nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros
mais capazes (Vygotsky, 1998, p. 97).

Segundo o autor, o conhecimento é construído/constituído com base em pontes, interações e trocas com outros seres, e o lúdico favorece a
construção da ZPD.

Vygostky (1979, p. 45) afirma que “a criança aprende muito ao brincar. O que aparentemente ela faz apenas para distrair-se ou gastar energia é
na realidade uma importante ferramenta para o seu desenvolvimento cognitivo, emocional, social, psicológico”. Tal afirmativa é deveras veraz no
âmbito da Educação Infantil.

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Imagens do aluno de forma ativa em relações interpessoais, concretas e dinâmicas e autônomas sempre foram busca constante de Vygotsky; ele
foi um dos pioneiros para ter esse tipo de abordagem pedagógica.

A educação é feita por sujeitos de variância enorme, e dentro da Educação Infantil isso se exacerba; dessa forma, não há como o planejamento
didático-pedagógico ser estanque, enrijecido; é preciso que a educação seja a todo o tempo e sentido dinâmica, viva, social e sociológica, por
meio de atividades interativas, integrativas e interligadas ao cotidiano, à vida e à vivência do aluno.

Metodologias ativas de aprendizagem: o aluno como protagonista


Diante das mudanças que vêm ocorrendo em nossa sociedade, com a intensiva integração das tecnologias digitais de informação e
comunicação, a educação é impulsionada à superação do paradigma educacional tradicional.

Há um grande movimento de reformulação das práticas pedagógicas para adequar a demanda contemporânea e permitir que o aluno seja ativo
e protagonista ao construir novos conhecimentos em interação com os demais colegas e com o meio. Conforme Bacich, Neto e Trevisani (2015,
p. 47), “crianças e jovens estão cada vez mais conectados às tecnologias digitais, configurando-se como uma geração que estabelece novas
relações com o conhecimento e que, portanto, requer que transformações aconteçam na escola”.

As estratégias tradicionais de ensino já não se mostram eficazes no processo de ensino-aprendizagem nos dias atuais, e os profissionais da
Educação se empreitam em busca de novas práticas pedagógicas para prender a atenção dos alunos e ofertar uma educação eficaz, que faça
dialogar teoria e prática, desenvolvendo diferentes competências e habilidades, favorecendo a autonomia e a participação dos discentes; assim
vêm surgindo as metodologias ativas. Para Valente (2018), essas metodologias

constituem alternativas pedagógicas que colocam o foco do processo de ensino-aprendizagem no aprendiz, envolvendo-o na aprendizagem por
descoberta, investigação ou resolução de problemas; [...] procuram criar situações de aprendizagem nas quais os aprendizes possam fazer coisas,
pensar e conceituar o que fazem e construir conhecimentos sobre os conteúdos envolvidos nas atividades que realizam, bem como desenvolver a
capacidade crítica, refletir sobre as práticas realizadas, fornecer e receber feedback, aprender a interagir com colegas e professor, além de explorar
atitudes e valores pessoais (Valente, 2018, p. 27-28).

Percebemos como as metodologias ativas se contrapõem à abordagem tradicional de ensino, em que o aluno é expectador, enfatizando uma
participação efetiva dos alunos de forma autônoma; o professor assume nova postura, de mediador, facilitador do processo de ensino-
aprendizagem.

As metodologias ativas de ensino têm como princípio estimular o pensamento crítico a partir da reflexão, da autonomia discente, da interação
com os demais colegas e a comunidade escolar, problematizar a realidade do estudante de forma que faça sentido a ele, que traga inovação e
descoberta na busca por soluções, novos papéis, com o aluno no centro do processo de ensino-aprendizagem e o professor como
mediador/ativador/facilitador.

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), política de currículo homologada em 2017, se alinha a essa nova perspectiva de aprendizagem,
propondo o desenvolvimento de habilidades e competências em que o aluno participa ativamente do processo de aprendizagem.

Algumas das metodologias ativas mais conhecidas são o ensino híbrido, caracterizado pela personalização e flexibilidade de espaços, tempos,
atividades, materiais, técnicas e tecnologias; a sala de aula invertida, em que o conteúdo é visto previamente pelos alunos e na aula discutem os
conceitos e tiram dúvidas com o professor; a aprendizagem baseada em games, em que se usam jogos reais para ensinar conteúdos e
habilidades; e a ludificação ou gamificação, que insere elementos de jogos nas interações no processo de aprendizagem em sala de aula.

Inserir nas práticas pedagógicas ativas se materializa em inúmeros benefícios a toda a comunidade escolar, professores, alunos e a sociedade.
Com maior liberdade, ocorre o desenvolvimento da autonomia, do senso crítico e da confiança em si mesmos nos estudantes, que se tornam
aptos a resolver problemas reais de seu entorno. A escola se torna um interessante espaço de inovação e a criatividade, mantendo todos mais
motivados.

Colocar essas metodologias em prática é um desafio, seja por falta de recursos, por falta de conhecimentos, seja por relutância de outros
profissionais, alunos e família. Porém, pelos seus benefícios, tais práticas que fogem à transmissão de conteúdos precisam ser incentivadas e
valorizadas.

A ludificação na Educação Infantil


No Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa Michaelis On-line (2021), encontramos a definição de lúdico como: “1. Relativo a jogos, brinquedos
ou divertimentos. 2. Relativo a qualquer atividade que distrai ou diverte. 3. No sentido pedagógico, relativo a brincadeiras e divertimentos, como
instrumento educativo”. Essa definição nos oferece alguma noção a respeito da palavra, mas não contempla seus sentidos amplos abordados por
especialistas na área da Educação.

Conforme Kishimoto (2011),

o lúdico é um instrumento cultural que possibilita a aprendizagem e o desenvolvimento da criança, bem como a formação e apropriação de
conceitos. A capacidade de brincar possibilita às crianças um espaço para resolução dos problemas que a rodeiam (Kishimoto, 2011, p. 48).

Assim sendo, com atividades lúdicas a criança vivencia experiências que favorecem a aprendizagem de conceitos sem a pressão do ensinar da
forma tradicional. A partir do brincar, a criança está livre para criar, interagir socialmente, recriar situações, explorar possibilidades no seu ritmo,
desenvolver respostas aos problemas cotidianos – o que é fundamental para seu desenvolvimento cognitivo.

Freitas e Salvi (2000) apresentam uma grande contribuição na compreensão do lúdico ao concebê-lo de forma ampla, indo muito além de jogo e
do brincar espontâneo, relacionando-se a uma necessidade humana física e mental.

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O lúdico faz parte das atividades essenciais da dinâmica humana, caracterizando-se por ser espontâneo, funcional e satisfatório. Sendo funcional:
ele não deve ser confundido com o mero repetitivo, com a monotonia do comportamento cíclico, aparentemente sem alvo ou objetivo. Nem
desperdiça movimento: ele visa produzir o máximo com o mínimo de dispêndio de energia (Freitas; Salvi, 2000, p. 4-5).

Bruner (1976, apud Brougère, 1998), buscando caracterizar a atividade lúdica, defende que

a atividade lúdica se caracteriza por uma articulação muito frouxa entre o fim e os meios. Isso não quer dizer que as crianças não tendam a um
objetivo quando jogam e que não executem certos meios para atingi-lo, mas é frequente que modifiquem seus objetivos durante o percurso para
se adaptar a novos meios ou vice-versa [...]; portanto, o jogo não é somente um meio de exploração, mas também de invenção (Bruner, 1976, apud
Brougère, 1998, p. 193).

O lúdico deve ser pensado a partir de sua flexibilidade, pois sua estrutura não é rígida, e nessa perspectiva é preciso compreender que jogos e
brincadeiras, muitas vezes tomados como sinônimos, são conceitos distintos.

Prestes (2011) defende que o lúdico não é um mero momento de distração ou passatempo; aponta que a brincadeira de faz de conta, por
exemplo, é uma atividade séria a partir da qual a criança aprende e se desenvolve. O lúdico não deve ser visto, portanto, simplesmente como
forma de divertir ou como brincadeira que faz com que a criança gaste sua energia, mas como um meio de favorecer seu desenvolvimento
motor, cognitivo, afetivo e como maneira de interagir e respeitar umas as outras.

Vygotsky analisou com profundidade as relações entre o desenvolvimento cognitivo infantil e o brinquedo como incentivo e motivação a esse
desenvolvimento: “é no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de uma esfera visual externa, dependendo das
motivações e tendências internas, e não pelo dos incentivos fornecidos pelos objetos externos” (Vygotsky, 1998, p. 126).

No brincar, a criança vivencia situações imaginárias; desprendendo-se do mundo real, além do significado real do objeto, facilita a interação
social, experimenta subordinar-se a regras, faz coisas mediadas e vai aprendendo para depois fazer sozinha, vai se desenvolvimento e formando
sua personalidade.

A criação de uma situação imaginária não é algo fortuito na vida da criança; pelo contrário, é a primeira manifestação da emancipação da criança
em relação às restrições situacionais. O primeiro paradoxo contido no brinquedo é que a criança opera com um significado alienado numa situação
real. O segundo é que, no brinquedo, a criança segue o caminho do menor esforço – ela faz o que mais gosta de fazer, porque o brinquedo está
unido ao prazer – e ao mesmo tempo aprende a seguir os caminhos mais difíceis, subordinando-se a regras e, por conseguinte, renunciando ao
que ela quer, uma vez que a sujeição a regras e a renúncia à ação impulsiva constituem o caminho para o prazer do brinquedo (Vygotsky, 1998, p.
130).

O professor, mediador do processo de aprendizagem, deve ter em consideração o nível que a criança está em seu planejamento de intervenções
e estímulos à ação sobre os objetos, como brinquedos e jogos, auxiliando para que a criança possa avançar nas etapas em seu desenvolvimento.

A Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017) faz menção ao brincar na Educação Infantil:

A interação durante o brincar caracteriza o cotidiano da infância, trazendo consigo muitas aprendizagens e potenciais para o desenvolvimento
integral das crianças. Ao observar as interações e a brincadeira entre as crianças e delas com os adultos, é possível identificar, por exemplo, a
expressão dos afetos, a mediação das frustrações, a resolução de conflitos e a regulação das emoções. [...] Brincar cotidianamente de diversas
formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções
culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais
e relacionais (Brasil, 2017, p. 37).

Compreendendo que o lúdico faz parte do desenvolvimento da criança que aprende brincando, é importante que ela aprenda por meio de
propostas que as levem a aprender de maneira prazerosa, ou seja, por meio do envolvimento de jogos e brincadeiras ao planejamento
pedagógico, apontados aqui como facilitadores da aprendizagem ao longo da Educação Infantil.

Ao longo dos períodos da história da humanidade, foram consideradas diversas determinações sobre o brincar e sobre a própria infância, e nem
sempre o brincar foi valorizado como atividade pedagógica, pois noções elementares sobre a infância surgem apenas durante a Idade Moderna;
antes disso, na Idade Média, as crianças eram vistas como pequenos adultos. Com as mudanças na concepção de infância, houve abertura para a
aprendizagem ocorrer de forma fluida, tendo o lúdico como recurso facilitador.

Hoje vivenciamos concepções de infância que valorizam o brincar, a infância como momento de aprendizagem para a vida adulta, mas vale
ressaltar as dificuldades que muitos profissionais têm para levar a ludicidade para sala de aula.

Essa é uma proposta por si só paradoxal, pois as crianças vão à escola para aprender, e isso denota uma seriedade diametralmente oposta à
linguagem do brincar e do lazer, atrelados que estão aos conceitos de divertimento e de entretenimento sem maiores consequências ou
benefícios, como o próprio imaginário do lazer. O brincar e o lazer trazem em si a ideia de subversão quando se propõem a atuar com liberdade,
com espontaneidade. E ambientes institucionais, por mais libertos e simpáticos ao lúdico que sejam, buscam em sua concepção a seriedade, o
enquadramento e o nivelamento (Saura, 2014, p. 168).

Para além dessas dificuldades, abordagens curriculares embasadas unicamente no rigor científico fazem com que o ensino e a aprendizagem
sejam vistos como algo sério, e a imprevisibilidade como algo subversivo. A própria estrutura física de algumas escolas não favorece o brincar
em sala de aula por causa da propagação do barulho que pode atrapalhar outras turmas. Além disso, propostas lúdicas com materiais naturais
como água, areia, terra, árvores e pedras não são vistas com bons olhos, pois a criança pode se sujar ou se machucar.

Considerações finais
A Educação Infantil, primeiro contato com a instituição escolar, é um importante espaço para ludicidade por meio da gamificação, pois essas
metodologias ativas de ensino que colocam o aluno como protagonista são engajadoras e motivadoras à construção de conhecimentos em
interação social que formarão uma importante base para conhecimentos posteriores.

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Através do lúdico, concebido como necessidade básica humana, a criança experimenta novas situações, tem contato com regras, resolve
problemas em colaboração, interage socialmente, imita e recria, imagina, constrói novos conhecimentos, se desenvolve em diversas dimensões.
Para Vygotsky, o brinquedo motiva a ação da criança, sendo também uma forma de comunicação de seu sentir e sua forma de pensar.

Dessa forma, os professores, ao planejar suas aulas, atuando como mediadores, buscando despertar o aluno em aulas prazerosas, colocando-o
no centro da aprendizagem em interação com os demais e fazendo da ludificação um instrumento pedagógico, contribui de forma significativa
para o desenvolvimento integral da criança tanto em aspectos cognitivos quanto sociais.

Não objetivamos aqui esgotar esse amplo tema ou prescrever práticas pedagógicas para os profissionais da Educação Infantil, que já carregam
em si vivências e experiências, mas suscitar reflexões sobre a temática, abordando seus benefícios e seu potencial, favorecendo o
desenvolvimento cognitivo.

Referências
BACICH, L.; NETO, A. T.; TREVISANI, F de M. Ensino híbrido: personalização e tecnologia na Educação. Porto Alegre: Penso, 2015.

BRANDÃO, I. R. Afetividade e transformação social. Sobral: Edições Universitárias, 2012.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm. Acesso em: 10 out. 2021.

BROUGÈRE, G. Jogo e educação. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

CEBULSKI, M. C. Um diálogo entre Vygotsky e o sistema teórico da afetividade ampliada: o teatro na educação básica e o desenvolvimento
socioemocional humano. 2014. 460f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2014.

FREITAS, Eliana Sermidi de; SALVI, Rosana Figueiredo. A ludicidade e a aprendizagem significativa voltada para o ensino de Geografia. Curitiba:
SEED/PDE, 2000. Disponível em: www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/89-4.pdf. Acesso em: 30 nov. 2021.

KISHIMOTO, T. M. O jogo e a Educação Infantil: jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. 14ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.

OLIVEIRA, L. A. Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria na prática. São Paulo: Parábola, 2010.

PRESTES, Z. A brincadeira de faz-de-conta como atividade-guia. 2011. Disponível em:


http://portal.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/14_02_2011_11.23.25.552343 9fc322d424a1 9c109abd2d2bb9.pdf. Acesso em: 09 Nov 2021.

SAURA, S. C. O imaginário do lazer e do lúdico anunciado em práticas espontâneas do corpo brincante. Rev. Bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo,
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VALENTE, J. A. A sala de aula invertida e a possibilidade do ensino personalizado: uma experiência com a graduação em midialogia. In: MORAN, J.
M.; BACICHI, L. (Orgs.). Metodologias ativas para uma construção inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018. p. 26-45.

VYGOTSKY, L. S. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico. São Paulo: Ática, 2009.

______. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: ______; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alexis N. Linguagem,
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______.A formação social da mente.6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

______. Do ato ao pensamento. Lisboa: Morais, 1979.


Publicado em 31 de maio de 2022

Como citar este artigo (ABNT)


SANTOS, Rosiane de Oliveira da Fonseca; LESSA, Francine Guímel de Cristo; ARUEIRA, Kelly Ciane Viana dos Santos. O lúdico e as metodologias ativas, uma
leitura da Teoria da Aprendizagem de Vygotsky na Educação Infantil. Revista Educação Pública, Rio de Janeiro, v. 22, nº 20, 31 de maio de 2022. Disponível
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