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Ano letivo de 2020/ 2021

Disciplina de Português- 10º ano

Breves notas sobre “OS LUSÍADAS”, de Luís de Camões ( 1525 – 1580)


Data da publicação da obra:1572

1. Caracterização da obra como POEMA ÉPICO - Os Lusíadas são uma narrativa


em verso que celebra ( exalta, louva, engrandece) a acção grandiosa e heroica dos
portugueses , que iniciaram o grande império que se estendeu pelos diversos
continentes, dando assim “novos mundos ao mundo”. Os Lusíadas têm, pois, um fundo
histórico, ainda que esses factos históricos se misturem com narrativas e
referências mitológicas. O estilo é elevado (solene e grandioso, de acordo com a
natureza heroica dos factos narrados).

2. EPOPEIAS CLÁSSICAS
● A Ilíada e a Odisseia, da autoria de Homero, poeta grego do século VIIIA.C., e
que se prendem com a guerra de Tróia. A Ilíada conta as últimas semanas da Guerra de
Tróia, antes de esta cidade ter sido tomada pelos gregos. A Odisseia narra o regresso a
casa de um dos heróis da Guerra de Tróia, Ulisses, rei de Ítaca. A acção começa dez
anos depois da destruição deTroia.

●A Eneida, de Vergílio, poeta romano do século I A. C. . Esta obra narra as


aventuras de Eneias, o príncipe troiano que sobrevive à destruição de Tróia, até à
fundação de Roma.

3. O TÍTULO

A palavra “ Lusíadas “ foi usada pela primeira vez em Portugal por André de Resende
numa epístola datada de 1531. Esta neologismo foi adoptado por Camões para título da
sua epopeia, significando os portugueses imaginados como descendentes de Luso,
companheiro ou filho de Baco e lendário pastor da Lusitânia.

4.A ESTRUTURA
A . Estrutura externa
. A obra divide-se em dez cantos, num total de 1102 estrofes; escrita em versos
decassílabos, geralmente heroicos ( acento rítmico na 6ª e 10ª sílabas), agrupados em
estrofes de oito versos - oitavas; rima cruzada nos 6 primeiros versos e emparelhada
nos dois últimos, segundo o esquema A B A B A B C C.
B. Estrutura interna
A obra divide-se em quatro partes, segundo os cânones clássicos.
PROPOSIÇÃO ( I, 1 a 3 ) - A presentação do assunto . O poeta propõe-se cantar
os homens ilustres (os barões) que fundaram o novo reino do Oriente / Os reis que
dilataram a fé e o império / E todos quantos se imortalizaram em atos heróicos.
A viagem de Vasco da Gama à Índia é apenas o motivo principal.
INVOCAÇÃO ÀS TÁGIDES, ninfas do Tejo ( I, 4 e 5 ), para que o inspirem na
criação do poema.
Note-se que ,além desta invocação, a principal, há ainda a considerar mais três:
-A Calíope, musa inspiradora da poesia épica ( canto III, 1 e 2), porque estão em
causa os mais importantes feitos lusíadas.
- Às ninfas do Tejo e do Mondego ( canto VII, 78 a 82 ), queixando-se do seu
infortúnio.
- A Calíope – canto X, 8
DEDICATÓRIA ( este elemento estrutural da epopeia era facultativo) – O Poeta
oferece humildemente o poema ao rei D. Sebastião, que governava Portugal à data
da 1ª publicação d’ Os Lusíadas ( 1572) e que veio a desaparecer na batalha de
Alcácer - Quibir, em Marrocos, no ano de 1578.
O rei é referido, na Dedicatória, como essencial para assegurar a independência
do reino, assim como para a divulgação da fé cristã entre os muçulmanos que
habitavam os territórios ultramarinos conquistados.
São evocados , perante o rei D. Sebastião, alguns heróis ilustres da História de
Portugal. O poema, afirma Camões, engrandece o rei e seus súbditos e o Poeta só
deseja, como título de glória, ser conhecido como cantor dos feitos pátrios.
NARRAÇÃO ( inicia-se no canto I, est. 19) – Esta parte constitui o corpo da
epopeia. A narração inicia-se “in medias res “, isto é, a meio do percurso, quando a
frota se encontra já no “largo oceano” ( o Índico) no canal de Moçambique, na
rota para Melinde. É esta a zona a partir da qual os portugueses são
verdadeiramente descobridores, pois só a partir daí os nautas iniciam a
descoberta de regiões verdadeiramente desconhecidas.

PLANOS: a obra articula-se em quatro grandes planos:


*O plano da viagem de Vasco da Gama à Índia e regresso a Lisboa –
Referência aos barões que se atreveram “por mares nunca dantes navegados”,
como havia sido dito na Proposição. É o rei D. Manuel que encarrega Vasco da
Gama desta nobre e arriscada missão (IV,77-82). A viagem de Lisboa até
Moçambique será contada em analepse, por Vasco da Gama ao rei de Melinde. Nas
despedidas em Belém, destaca-se um velho (o Velho do Restelo) que censura os
poderes instituídos, por iludirem o povo.
*O plano da História de Portugal, articulado com o plano da viagem. A História
de Portugal ( desde Viriato até ao reinado de D. Manuel I) é contada por Vasco
da Gama ao rei de Melinde e mais tarde por seu irmão Paulo da Gama ao Catual de
Calecut.
*O plano dos deuses (plano da mitologia diz respeito ao mundo dos deuses
pagãos que intervêm na vida dos nautas, durante a viagem, determinando a acção –
favorecendo-a ou dificultando-a.
É a actividade dos deuses que confere dinamismo à obra, quebrando assim a
monotonia da narração cronológica. Júpiter, Vénus e Marte ajudam os
portugueses. Baco é o grande opositor, chegando a influenciar negativamente
Neptuno, deus dos mares. No final, os marinheiros desposam as ninfas na Ilha dos
Amores e Tétis mostra a Gama todo o universo. Os homens ascendem, assim, à
categoria de deuses.

* O plano das considerações do Poeta (comentários, opiniões, censuras e


lamentações que surgem quase sempre no final de cada canto ) das quais se
destacam as seguintes:
Nota: Para este teste só devem considerar, no quadro seguinte, o que está
assinalado a amarelo.

Canto I - Meditações do Poeta sobre a fragilidade da vida humana, perante


105 e 106 os inúmeros perigos que , em toda a parte, espreitam o homem. Estas
meditações surgem a propósito das ciladas preparadas por Baco que
culminam no fornecimento de um piloto por ele industriado para
conduzir os portugueses ao perigoso porto de Quíloa. Porém, Vénus,
juntamente com as ninfas do mar, fará com que as naus se desviem
do porto errado.

Canto V,
est. 91 a Camões , que retoma a narração a partir da estrofe 90 do canto V,
100 relata a impressão positiva que o longo discurso de Vasco da Gama,
iniciado no canto III e dirigido ao rei de Melinde, produziu . Vasco da
Gama impressionou o auditório porque foi “facundo” ( eloquente) e
isso levou o rei de Melinde a elogiar a bravura militar dos reis
portugueses e a força, lealdade e nobreza de caráter do povo
português.

Esta admiração ficou a dever-se portanto ao dom da palavra do


Gama e por isso Camões aproveita para criticar nas estrofes
seguintes os heróis nacionais que desprezam a cultura, não sabem
falar e têm modos grosseiros , pondo assim em destaque a
importância das artes e das letras e condenando o desprezo a
que estas são votadas.

Por isso, Camões defende que o canto épico ( “A lira Mantuana”)


deve ser aplaudido porque são as epopeias que imortalizam os feitos
dos heróis. Refere, entre outros, o exemplo de Júlio César. Este,
apesar de ter subjugado a França, nunca desprezou as letras nem a
cultura, exemplificando o herói militar que tem “numa mão a pena e
noutra a lança”. Lamenta que os homens que escreveram os capítulos
mais ilustres da História de Portugal manifestem tanto desagrado
pelas obras literárias como, por exemplo, Vasco da Gama. Apesar
disso, o Poeta não deixa de o elogiar no seu canto épico porque coloca
acima de tudo o amor à sua pátria. Camões dirige uma nova invocação
às ninfas do Tejo e do Mondego ( est.78-87) porque se sente
muito desalentado com a indiferença dos grandes senhores face à
sua situação de poeta-cantor dos feitos portugueses, votado ao
abandono, pela pátria.

O poeta pretende alertar os portugueses para a necessidade


urgente de os mesmos serem instruídos no gosto das artes e das
letras.

Os temas mais importantes tratados nestas estrofes são : o ideal


da conciliação entre as armas e as letras; o valor do canto na
perpetuação das memórias dos feitos dos portugueses.

O Poeta medita sobre o verdadeiro valor da glória, que só pode


Canto VI, ser alcançada por mérito próprio, através dos grandes feitos.
estrofes Camões indica a via que devem seguir aqueles que pretendem alcançar
95 a 99 a glória e a imortalidade; esse prémio, as «honras imortais e graus
maiores» (95) são merecidos quando resultam de trabalho árduo e do
autodomínio que permite vencer os temores individuais. Por isso,
aqueles que têm fama e nada fizeram de importante para a obter são
aqui criticados. Estes, os que não merecem usufruir do sucesso, são
os nobres que vivem «encostados» ou dependentes da família na qual
nasceram ou dos «Troncos nobres dos seus antecessores» e que,
sendo ricos e estimados em função do lugar importante que ocupam
na hierarquia social, nada fazem de meritório porque se dão à
preguiça, tornando-se ociosos e efeminados (est.96), devido ao luxo
em que vivem.

Estas reflexões são suscitadas pelo pedido do Catual a Paulo da


Canto Gama para que lhe explique o significado das figuras desenhadas nas
VII, bandeiras da nau.
estrofes O Poeta queixa-se dos seus infortúnios, entre os quais a falta de
78 a 87 reconhecimento pelo seu trabalho e engenho, na celebração
poética dos grandes feitos portugueses. Queixa-se também dos
poderosos que revelam uma ambição desmedida, por sobreporem
os seus interesse”aos do bem comum e do seu Rei “, por serem
dissimulados, por abusarem do poder e explorarem o povo.

Camões dirige, na estrofe 78, uma nova invocação às ninfas do Tejo


e do Mondego surge porque o poeta vai, mais uma vez, contar
episódios da História de Portugal, agora pela voz de Paulo da Gama,
ao Catual de Calecut. O poeta diz sentir-se muito cansado e
desalentado com a indiferença dos grandes senhores face à sua
situação de poeta-cantor dos feitos portugueses, votado ao
abandono, pela pátria. Por tudo isto, ele precisa de um reforço de
inspiração.

Estrofes 79-83 – O poeta apresenta aspetos marcantes da sua vida,


queixando-se da ingratidão dos senhores que cantou.

Estrofes 84 a 87 – A partir da estrofe 84, Camões delineia um ideal


de herói e de virtude próximo do ideal renascentista de
autodomínio, racionalidade, equilíbrio, cantando apenas os que
arriscaram e perderam a vida por Deus e pelo Rei. Não cantará,
pois, os ambiciosos, os hipócritas, os bajuladores do Rei e
exploradores do povo.
Apesar de todos os sofrimentos suportados no Oriente, também se
venceu a si próprio, tal como os nautas, na medida em que não
desistiu da sua intenção de imortalizar os grandes do reino, ainda que
muitas vezes tenha tido que fazer um esforço sobre-humano para
concretizar esse intento, sacrificando-se em nome da pátria.

Na Índia, os portugueses são recebidos pelo Catual e pelo Samorim.


Canto Contudo, nova intervenção de Baco faz com que o Catual só permita
VIII, 96 a partida dos lusitanos mediante a entrega de mercadorias europeias
a 99
que transportam. Este episódio sucita uma nova reflexão sobre os
malefícios da riqueza.

O poeta enumera os efeitos perniciosos ( maléficos, nefastos) do


dinheiro, o qual corrompe quer os ricos quer os pobres. O
dinheiro provoca derrotas, destrói vidas, faz dos amigos traidores,
mancha o que há de mais puro, deturpa o conhecimento e a
consciência, condiciona as leis, dá origem a difamações e à tirania dos
reis, corrompe até os sacerdotes sob a aparência de virtude.
Enfim, o poeta retomando a função pedagógica do seu canto, aponta o
dedo à sociedade sua contemporânea, orientada por valores
materialistas.

Canto IX, Na sequência do ritual de coroação dos nautas e de Vasco da Gama,


est. 92 a o poeta dirige-se a todos aqueles que pretendem atingir a
95 imortalidade. Diz-lhes que a cobiça, a ambição e a tirania são “honras
vãs” que não dão verdadeiro valor ao homem. O verdadeiro valor do
homem reside no seu caráter e sentido de justiça e ainda na sua
coragem. O Poeta adverte que haverá uma ilha idêntica à Ilha dos
Amores, à espera daqueles que optarem pelo «Caminho da virtude,
alto e fragoso» (90) já que esse esforço será recompensado com
alegria e prazer de viver: «Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso»
Para que tal suceda, é preciso abandonar o ócio, refrear a cobiça
e a ambição, recusar a tirania dos mais fortes sobre os mais
fracos, não tirar aos pobres o pouco que têm para enriquecer os
grandes, mostrar valentia na guerra contra os que ameaçam a fé
cristã (estrofes 92-95)

O poeta lamenta-se pelo seu destino infeliz e diz sentir-se


Canto X , incompreendido por aqueles a quem canta. Lamenta a decadência
est. 145. da Pátria mergulhada “No gosto da cobiça e na rudeza /Duma
austera , apagada e vil tristeza”
Contudo, o poeta põe-se ao dispor do rei, não só a combater mas
também a escrever; pede ainda ao rei que aceite a sua obra e propõe-
Canto se cantar os futuros feitos do monarca; pede ao rei para realizar
X,est. 145 atos mais heroicos e dignos de inveja do que os de Aquiles, a quem
a 156– Alexandre Magno invejava.
exortaçã
o ao rei
D.
Sebastião

5. OS NARRADORES
Podemos distinguir na obra os seguintes narradores:

Camões, que nos relata a viagem de Vasco da Gama desde Moçambique até à Índia
e toda a viagem de regresso ( cantos I, II, VI, VII, VIII, IX e X ).
Vasco da Gama, que conta ao rei de Melinde a viagem desde Lisboa até
Moçambique (canto V) e a História de Portugal (cantos III e IV). Antes, porém,
faz a descrição geográfica da Europa sendo Portugal descrito como “…quase
cume da cabeça /de Europa toda…”e conta a história primitiva de Portugal , de
Luso a Viriato.
Paulo da Gama, que relata, em Calecut, ao Catual, alguns factos da nossa História
e explica o significado das 23 figuras representadas nas bandeiras (canto VIII)
Fernão Veloso, que descreve o episódio dos Doze de Inglaterra.

6.ANALEPSES E PROLEPSES (Narrações em retrospectiva e profecias)

►Analepses principais (factos históricos narrados por homens)


. Cantos III e IV - A História de Portugal (1ª e 2ª dinastias – desde o conde D.
Henrique até ao reinado de D. Manuel)
.Cantos IV e sobretudo V - Viagem de Lisboa até Moçambique.

►Prolepses (Profecias feitas por entidades mitológicas)

Canto Júpiter vaticina:”Prometido lhe está do Fado eterno/…/ Que


I,28 tenham longos tempos o governo /Do mar que vê do Sol a roxa
entrada”
Canto Júpiter, para acalmar Vénus, profetiza para os portugueses
II,44 a novos feitos ilustres, no Oriente, navegações que “ novos mundos
55 ao mundo irão mostrando” e vitórias famosas.
Canto Num sonho profético, D. Manuel vê dois velhos (o rio Ganges e o
IV,66- rio Indo) vaticinando a chegada dos portugueses à Índia
75
Canto Profecias do Adamastor: “Antes em vossas naus vereis cada ano/
V, 41 a Se é verdade o que o meu juízo alcança /Naufrágios, perdições
48 de toda a sorte, /Que o menor mal de todos seja a morte!”
Canto Vaticínio duma ninfa sobre os futuros feitos dos portugueses
X, 5 a 7
Canto Prossegue a ninfa com elogios aos futuros heróis e governadores
X, 10 a da Índia: ”Não vos hão-de faltar gente famosa/Honra, valor e
74 fama gloriosa”
Canto Tethys descreve o globo terrestre a Vasco da Gama, em
X, 91 a particular as regiões de África e Ásia onde os portugueses
141 praticarão gloriosos feitos.

7.”OS LUSÍADAS” e a influência do Humanismo e do Renascimento


Além das características clássicas da epopeia, “Os Lusíadas “ apresentam
influências das ideias da época do Renascimento:
. O antropocentrismo, que se traduz na valorização do homem como ser capaz de
intervir e traçar o seu destino, fazendo uso das suas plenas capacidades, ao
desafiar as forças da natureza, os mares perigosos até então desconhecidos. Os
portugueses, que com a ajuda do Deus cristão e dos deuses pagãos, foram
capazes de enfrentar, mares perigosos e desconhecidos, guerras, condições
climáticas adversas, doenças, novos povos e culturas.
. A valorização da experiência , traduzida no facto de o saber dos marinheiros
decorrer não dos sábios teóricos e dos livros mas sim da experiência dura e crua
que veio do contacto com a natureza. O experimentalismo é por isso elogiado por
Camões no canto V ( estrofes 16,17, 18, 81) quando Vasco da Gama narra ao rei de
Melinde as atribulações vividas no mar pelos nautas, após terem abandonado a
praia do Restelo, destacando os fenómenos naturais até então desconhecidos ( o
fogo de Santelmo e a tromba marítima) e a doença que afetou muitos nautas
privados de legumes e frutos frescos – o escorbuto.
Por tudo o que viveram, os nautas merecem um prémio – a Ilha dos Amores –
onde são colocados ao nível dos deuses, atingindo a felicidade e o conhecimento e
vencendo a lei da morte, ao conquistarem a imortalidade.
Enfim, o engrandecimento dos portugueses, herói coletivo da epopeia, leva
Camões a sugerir ao rei D. Sebastião, na Dedicatória, que é mais honroso ser rei
dos Portugueses do que rei do mundo inteiro.
A professora

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