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Literatura Portuguesa I

Os Lusíadas
Cantos I e II
Professora Carla Souto
Introdução
A obra Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, é um poema épico
nos moldes clássicos, publicado em 1572. Seus dez cantos foram
todos escritos em oitavas (estrofes de 8 versos) com versos
decassílabos heroicos. Seu esquema de rimas para cada estrofe é
ABABABCC.
A narrativa, dedicada ao rei D. Sebastião e mais amplamente a
todo o povo português, conta a história da conquista da Índia pelo
herói Vasco da Gama, que representa os seus compatriotas que se
dedicaram às navegações e conquistas ultramarinas para dilatar a Fé
e o Império.
A narrativa inicia em media res, ou seja, no meio da história (como
ocorre na Odisseia ou na Eneida) e tem um narrador-poeta que passa
a palavra a múltiplos narradores.
Alvará Régio da Edição de 1572
Eu el Rey faço saber aos que este Aluara virem que eu ey por bem & me praz dar
licença a Luis de Camões pera que possa fazer imprimir nesta cidade de Lisboa,
hűa obra em Octaua rima chamada Os Lusiadas, que contem dez cantos perfeitos,
na qual por ordem poetica em versos se declarão os principaes feitos dos
Portugueses nas partes da India depois que se descobrio a nauegação pera ellas
por mãdado del Rey dom Manoel meu visauo que sancta gloria aja, & isto com
priuilégio pera que em tempo de dez anos que se começarão do dia que se a dita
obra acabar de empremir, em diãte, se não possa imprimir nẽ vender em meus
reinos & senhorios nem trazer a elles de fora, nem leuar aas ditas partes da India
pera se vender sem licẽça do dito Luis de Camões ou da pessoa que pera isso seu
poder tiuer sob pena de quẽ o contrario fizer pagar cinquoenta cruzados & perder
os volumes que imprimir, ou vender, a metade pera o dito Luis de Camões, & a
outra metade para quem os acusar.
Alvará Régio da Edição de 1572
E antes de se a dita obra vender lhe sera posto o preço na mesa do despacho dos
meus Desembargadores do paço, o qual se declarará & porá impresso na primeira
folha da dita obra pera ser a todos notorio, & antes de se imprimir sera vista
examinada na mesa do conselho geral do santo officio da Inquisição pera cő sua
licença se auer de imprimir, & se o dito Luis de Camões tiuer acrecentados mais
algűs Cantos, tambem se imprimirão auendo pera isso licença do santo officio,
como acima he dito. E este meu Aluara se imprimirá outrosi no principio da dita
obra, o qual ey por bem que valha & tenha força & vigor, como se fosse carta feita
em meu nome, por mim assinada & passada por minha Chancellaria em embargo
da Ordenação do segundo liuro, tit. xx. que diz que as cousas cujo effeito ouuer de
durar mais que hum ano passem per cartas, & passando por aluaras não valhão.
Gaspar de Seixas o fiz em Lisboa a XXIIII de Setembro de MDLXXI. Iorge de
Costa o fiz escrever.
Parecer do censor do Santo Ofício na edição de 1572
Vi por mandado da santa & geral inquisição estes dez Cantos dos Lusiadas de
Luis de Camões, dos valerosos feitos em armas que os Portugueses fizerão
em Asia & Europa, e não achey nelles cousa algűa escandalosa nem contrária
â fe & bõs custumes, somente me pareceo que era necessario aduertir os
Lectores que o Autor pera encarecer a difficuldade da nauegação & entrada
dos Portugueses na India, usa de hűa fição dos Deoses dos Gentios. E ainda
que sancto Augustinho nas sas Retractações se retracte de ter chamado nos
liuros que compos de Ordine, aas Musas Deosas. Toda via como isto he
Poesia & fingimento, & o Autor como poeta, não pretende mais que ornar o
estilo Poetico não tiuemos por inconueniente yr esta fabula dos Deoses na
obra, conhecendoa por tal, & ficando sempre salua a verdade de nossa sancta
fe, que todos os Deoses dos Gentios sam Demonios. E por isso me pareceo o
liuro digno de se imprimir, & o Autor mostra nelle muito engenho & muita
erudição nas sciencias humanas. Em fe do qual assiney aqui.
Viagem de Vasco da Gama
Canto I
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c r Chegada a
o a Vênus
a r Ataque Mombaça Exclamações
s t 1ª afasta a Novas Nova
ç a 1º Consílio Navegação Ilha de Noite de Visita do traiçoeiro (cujo rei do Poeta
i ó Profecia Armada tentativas Intervenção
ã ç do Olimpo do Índico Moçambique luar 56- régulo 59- (inspirado Baco Meditação
ç r de Júpiter da costa do Mouro de Vênus
o ã 20-41 42-43 44-55 58 68 por Baco) muito Moral 105-
ã i 24-29 de Quíloa 101-102 101-102
o 69-99 avisara) 106
o a 100
4 103-104
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e 9
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3 1
5
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Preto - fatos reais, históricos, narrados diretamente pelo poeta e excursos pessoais; Verde – fatos míticos;
Azul – fatos históricos narrados pelo Gama; Vermelho – fatos proféticos.
Canto I – Proposição 1 a 3
As armas e os barões assinalados Se vão da lei da Morte libertando,
Que da Ocidental praia Lusitana Cantando espalharei por toda parte,
Por mares nunca dantes navegados Se a tanto me ajudar o engenho e arte.
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados Cessem do sábio Grego e do Troiano
Mais do que prometia a força humana, As navegações grandes que fizeram;
E entre gente remota edificaram Cale-se de Alexandro e de Trajano
Novo Reino, que tanto sublimaram; A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
E também as memórias gloriosas A quem Neptuno e Marte obedeceram.
Daqueles Reis que foram dilatando Cesse tudo o que a Musa antiga canta,
A Fé, o Império, e as terras viciosas Que outro valor mais alto se alevanta.
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Eneida - proposição
Eu, que entoava na delgada avena
Rudes canções, e egresso das florestas,
Fiz que as vizinhas lavras contentassem
A avidez do colono, empresa grata
5 Aos aldeãos; de Marte ora as horríveis

Armas canto, e o varão que, lá de Tróia


Prófugo, à Itália e de Lavino às praias
Trouxe-o primeiro o fado. Em mar e em terra
Muito o agitou violenta mão suprema,
10 E o lembrado rancor da seva Juno;

Muito em guerras sofreu, na Ausônia quando


Funda a cidade e lhe introduz os deuses:
Donde a nação latina e albanos padres,
E os muros vêm da sublimada Roma.
Canto I – Invocação 4 e 5
E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente,
Se sempre em verso humilde celebrado Dai-me üa fúria grande e sonorosa,
Foi de mi vosso rio alegremente, E não de agreste avena ou frauta ruda,
Dai-me agora um som alto e sublimado, Mas de tuba canora e belicosa,
Um estilo grandíloco e corrente, Que o peito acende e a cor ao gesto muda;
Por que de vossas águas Febo ordene Dai-me igual canto aos feitos da famosa
Que não tenham enveja às de Hipocrene. Gente vossa, que a Marte tanto ajuda;
Que se espalhe e se cante no universo,
Se tão sublime preço cabe em verso.
Canto I – Dedicatória 6 a 9
E, vós, ó bem nascida segurança Vós, poderoso Rei, cujo alto Império
Da Lusitana antiga liberdade, O Sol, logo em nascendo, vê primeiro,
E não menos certíssima esperança Vê-o também no meio do Hemisfério,
De aumento da pequena Cristandade; E quando dece o deixa derradeiro;
Vós, ó novo temor da Maura lança, Vós, que esperamos jugo e vitupério
Maravilha fatal da nossa idade, Do torpe Ismaelita cavaleiro,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande, Do Turco Oriental e do Gentio
Pera do mundo a Deus dar parte grande; Que inda bebe o licor do santo Rio:

Vós, tenro e novo ramo florecente Inclinei por um pouco a majestade


De üa árvore, de Cristo mais amada Que nesse tenro gesto vos contemplo,
Que nenhü a nascida no Ocidente, Que já se mostra qual na inteira idade,
Cesárea ou Cristianíssima chamada Quando subindo ireis ao eterno templo;
(Vede-o no vosso escudo, que presente Os olhos da real benignidade
Vos amostra a vitória já passada, Ponde no chão: vereis um novo exemplo
Na qual vos deu por armas e deixou De amor dos pátrios feitos valerosos,
As que Ele pera si na Cruz tomou); Em versos divulgado numerosos.
Canto I – Dedicatória 10 a 13
Vereis amor da pátria, não movido Por estes vos darei um Nuno fero,
De prémio vil, mas alto e quási eterno; Que fez ao Rei e ao Reino tal serviço,
Que não é prémio vil ser conhecido Um Egas e um Dom Fuas, que de Homero
Por um pregão do ninho meu paterno. A cítara par'eles só cobiço;
Ouvi: vereis o nome engrandecido Pois polos Doze Pares dar-vos quero
Daqueles de quem sois senhor superno, Os Doze de Inglaterra e o seu Magriço;
E julgareis qual é mais excelente, Dou-vos também aquele ilustre Gama,
Se ser do mundo Rei, se de tal gente. Que para si de Eneias toma a fama.

Ouvi, que não vereis com vãs façanhas, Pois se a troco de Carlos, Rei de França,
Fantásticas, fingidas, mentirosas, Ou de César, quereis igual memória,
Louvar os vossos, como nas estranhas Vede o primeiro Afonso, cuja lança
Musas, de engrandecer-se desejosas: Escura faz qualquer estranha glória;
As verdadeiras vossas são tamanhas E aquele que a seu Reino a segurança
Que excedem as sonhadas, fabulosas, Deixou, com a grande e próspera vitória;
Que excedem Rodamonte e o vão Rugeiro Outro Joane, invicto cavaleiro;
E Orlando, inda que fora verdadeiro. O quarto e quinto Afonsos e o terceiro.
Canto I – Dedicatória 14 a 16
Nem deixarão meus versos esquecidos (Que polo mundo todo faça espanto)
Aqueles que nos Reinos lá da Aurora De exércitos e feitos singulares,
Se fizeram por armas tão subidos, De África as terras e do Oriente os mares.
Vossa bandeira sempre vencedora:
Um Pacheco fortíssimo e os temidos Em vós os olhos tem o Mouro frio,
Almeidas, por quem sempre o Tejo chora, Em quem vê seu exício afigurado;
Albuquerque terríbil, Castro forte, Só com vos ver, o bárbaro Gentio
E outros em quem poder não teve a morte. Mostra o pescoço ao jugo já inclinado;
Tétis todo o cerúleo senhorio
E, enquanto eu estes canto - e a vós não posso, Tem pera vós por dote aparelhado,
Sublime Rei, que não me atrevo a tanto - , Que, afeiçoada ao gesto belo e tento,
Tomai as rédeas vós do Reino vosso: Deseja de comprar-vos pera genro.
Dareis matéria a nunca ouvido canto.
Comecem a sentir o peso grosso
Canto I – Dedicatória 15 a 18
Em vós os olhos tem o Mouro frio, Em vós esperam ver-se renovada
Em quem vê seu exício afigurado; Sua memória e obras valerosas;
Só com vos ver, o bárbaro Gentio E lá vos têm lugar, no fim da idade,
Mostra o pescoço ao jugo já inclinado; No templo da suprema Eternidade.
Tétis todo o cerúleo senhorio
Tem pera vós por dote aparelhado, Mas, enquanto este tempo passa lento
Que, afeiçoada ao gesto belo e tento, De regerdes os povos, que o desejam,
Deseja de comprar-vos pera genro. Dai vós favor ao novo atrevimento,
Pera que estes meus versos vossos sejam,
Em vós se vêm, da Olímpica morada, E vereis ir cortando o salso argento
Dos dous avós as almas cá famosas; Os vossos Argonautas, por que vejam
üa, na paz angélica dourada, Que são vistos de vós no mar irado,
Outra, pelas batalhas sanguinosas. E costumai-vos já a ser invocado.
Canto I – Início da Narração -
Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas,
Que do gado de Próteu são cortadas,
Eneida - Narração
De Sicília amarando, mal velejam
Ledos e o cobre rompe a salsa espuma,
Juno, dentro guardada eterna chaga:
Canto I – profecias de Júpiter- 24 a 26
- «Eternos moradores do luzente, Pois contra o Castelhano ao temido Sempre
Estelífero Pólo e claro Assento: alcançou favor do Céu sereno:
Se do grande valor da forte gente Assi que sempre, enfim, com fama e glória.
De Luso não perdeis o pensamento, Teve os troféus pendentes da vitória.
Deveis de ter sabido claramente
Como é dos Fados grandes certo intento «Deixo, Deuses, atrás a fama antiga,
Que por ela se esqueçam os humanos Que co a gente de Rómulo alcançaram,
De Assírios, Persas, Gregos e Romanos. Quando com Viriato, na inimiga
Guerra Romana, tanto se afamaram;
«Já lhe foi (bem o vistes) concedido, Também deixo a memória que os obriga
Cum poder tão singelo e ao pequeno, A grande nome, quando alevantaram
Tomar ao Mouro forte e guarnecido Um por seu capitão, que, peregrino,
Toda a terra que rega o Tejo ameno. Fingiu na cerva espírito divino.
Canto I – profecias de Júpiter- 27 a 29
«Agora vedes bem que, cometendo A gente vem perdida e trabalhada;
O duvidoso mar num lenho leve, Já parece bem feito que lhe seja
Por vias nunca usadas, não temendo Mostrada a nova terra que deseja.
de Áfrico e Noto a força, a mais s'atreve:
Que, havendo tanto já que as partes vendo «E porque, como vistes, têm passados
Onde o dia é comprido e onde breve, Na viagem tão ásperos perigos,
Inclinam seu propósito e perfia Tantos climas e céus exprimentados,
A ver os berços onde nasce o dia. Tanto furor de ventos inimigos,
Que sejam, determino, agasalhados
«Prometido lhe está do Fado eterno, Nesta costa Africana como amigos;
Cuja alta lei não pode ser quebrada, E, tendo guarnecida a lassa frota,
Que tenham longos tempos o governo Tornarão a seguir sua longa rota.
Do mar que vê do Sol a roxa entrada.
Nas águas têm passado o duro Inverno;
Excursos Canto I

O recado que trazem é de amigos, No mar tanta tormenta, e tanto dano,


Mas debaixo o veneno vem coberto; Tantas vezes a morte apercebida!
Que os pensamentos eram de inimigos, Na terra tanta guerra, tanto engano,
Segundo foi o engano descoberto. Tanta necessidade avorrecida!
Ó grandes e gravíssimos perigos! Onde pode acolher-se um fraco humano,
Ó caminho de vida nunca certo: Onde terá segura a curta vida,
Que aonde a gente põe sua esperança, Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
Tenha a vida tão pouca segurança!
Figuras mitológicas
Júpiter – deus dos deuses, dos raios e trovões.
Vênus/ Citereia – deusa do amor e da beleza.
Baco – deus do vinho, filho de Júpiter e Semele.
Marte – deus da guerra.
Netuno – deus dos mares.
Tágides – ninfas do Rio Tejo (Lisboa).
Febo – deus do sol e chefe das musas, filho de Júpiter e Latona.
Hipocrene – fonte que o cavalo alado Pégaso fez brotar no Hélicon
que fazia quem dela bebesse poeta.
Tétis – deusa do mar esposa de Oceano.
Figuras mitológicas
Vulcano – deus do fogo, filho de Juno e Júpiter.
Luso – filho de Baco e pai do povo português.
Rômulo – fundador e primeiro rei de Roma.
Dóris – divindade marítima, filha de oceano e deTétis, mulher de
Nereu, mãe das Nereidas.
Parnaso – Monte da Fócida cujas fontes davam inspiração poética.
Águas do esquecimento – alusão ao Rio Letes, situado no inferno
pagão, cujas águas tiravam a memória.
Parcas – três divindades que presidiam o destino dos homens,
tecendo o fio da vida e depois cortando-o.
Mercúrio – mensageiro dos deuses, filho de Júpiter e de Maia.
Figuras mitológicas
Faéton – filho de Febo/Apolo e Climene – conduziu o carro do sol
muito perto do continente negro e tornou os seus habitantes pretos.
Como castigo, Júpiter o fulminou e deixou-o cair no Rio Pó, no qual
morreu afogado.
Lampetusa – irmã de Faéton, que chorou muito por sua morte trágica.
Calisto – ninfa que foi transformada na constelação da Ursa Maior.
Aqueronte – um dos rios do inferno pagão.
Diana – irmã de Febo, Lua.
Hiperônio – Sol.
Anfitrite- esposa de Netuno, mãe de Tritão.
Personagens literários
Rodamonte – personagem de “Orlando Innamorato”, de Boiardo
(poeta italiano do século XV), deformação de Rodomonte.
Rugeiro – personagem de “Orlando Furioso”, de Ariosto (poeta
italiano do século XVI).
Orlando – palavra italiana para Roland, herói da Chanson de
Roland (poema do final do século XI).
Doze pares (de França) – nobres companheiros de Carlos Magno.
Doze de Inglaterra – cavaleiros portugueses que foram à Inglaterra
defender a honra de damas inglesas.
Sínon – grego que dizendo-se maltratado pelos compatriotas
depois traiu os troianos.
Canto II
Baco,
Vênus e as
fingindo de
Nereidas Júpiter
sacerdote
opõem o Vênus vaticina Chegada a
Convite Desembarque cristão Piloto e Súplica do Visita do
peito às sobe ao feitos Mercúrio Partida Melinde, Manifestações
insidioso de dois engana estes companheiros Gama à Rei de
naus, Olimpo e gloriosos é enviado da envio de de
do rei de condenados dois mouros fogem Divina Melinde e
impedindo-as queixa-se aos Lusos à Terra Armada embaixador contentamento
Mombaça portugueses 7- portugueses, precipitadamente Guarda 29- seu pedido
de entrar no a Júpiter 2ª 56-63 64-71 e acolhida 89-91
1-6 9 que, por isso, 25-28 32 92-113
porto de 33-41 profecia deste 72-88
trazem
Mombaça. 16- 42-55
informações
24
falsas. 10-15

Preto - fatos reais, históricos, narrados diretamente pelo poeta e excursos pessoais; Verde – fatos míticos;
Azul – fatos históricos narrados pelo Gama; Vermelho – fatos proféticos.
Canto II – Vênus interfere 18-19
As âncoras tenaces vão levando Das águas o poder lhe obedecia.
Com a náutica grita costumada; E propondo-lhe a causa a que desceu,
Da proa as velas sós ao vento dando Com todas juntamente se partia,
Inclinam para a barra abalizada. Para estorvar que a armada não chegasse
Mas a linda Ericina, que guardando
Andava sempre a gente assinalada,
Vendo a cilada grande, e tão secreta,
Voa do Céu ao mar como uma seta.

Convoca as alvas filhas de Nereu,


Com toda a mais cerúlea companhia,
Que, porque no salgado mar nasceu,
Canto II – Vênus interfere 20-21
Já na água erguendo vão, com grande pressa, De soberbo com carga tão formosa.
Com as argênteas caudas branca escuma; Já chegam perto donde o vento teso
Cloto eo'o peito corta e atravessa Enche as velas da frota belicosa;
Com mais furor o mar do que costuma. Repartem-se e rodeiam nesse instante
Salta Nise, Nerine se arremessa As naus ligeiras, que iam por diante.
Por cima da água crespa, em força suma.
Abrem caminho as ondas encurvadas
De temor das Nereidas apressadas.

Nos ombros de um Tritão, com gesto aceso,


Vai a linda Dione furiosa;
Não sente quem a leva o doce peso,
Canto II – Vênus interfere 22-23
Põe-se a Deusa com outras em direito Ali são seus trabalhos e fadigas,
Da proa capitaina, e ali fechando Ali mostram vigor nunca esperado:
O caminho da barra, estão de jeito, Tais andavam as Ninfas estorvando
Que em vão assopra o vento, a vela inchando. A gente Portuguesa o fim nefando.
Põem no madeiro duro o brando peito,
Para detrás a forte nau forçando;
Outras em derredor levando-a estavam,
E da barra inimiga a desviavam.

Quais para a cova as próvidas formigas,


Levando o peso grande acomodado,
As forças exercitam, de inimigas
Do inimigo inverno congelado;
Canto II – Vênus interfere 24
Torna para detrás a nau forçada,
Apesar dos que leva, que gritando
Mareiam velas; ferve a gente irada,
O leme a um bordo e a outro atravessando;
O mestre astuto em vão da popa brada,
Vendo como diante ameaçando
Os estava um marítimo penedo,
Que de quebrar-lhe a nau lhe mete medo.
Canto II – Súplica do Gama à Divina Guarda 29-30
Vendo o Gama, atentado, a estranheza Livrar-se sem perigo sabiamente,
Dos Mouros, não cuidada, e juntamente Se lá de cima a Guarda soberana
O piloto fugir-lhe com presteza, Não acudir à fraca força humana?
Entende o que ordenava a bruta gente;
E vendo, sem contraste e sem braveza
Dos ventos, ou das águas sem corrente,
Que a nau passar avante não podia,
Havendo-o por milagre, assim dizia:

"Ó caso grande, estranho e não cuidado,


Ó milagre claríssimo e evidente,
Ó descoberto engano inopinado,
Ó pérfida, inimiga e falsa gente!
Quem poderá do mal aparelhado
Canto II – Súplica do Gama à Divina Guarda 31-32
"Bem nos mostra a divina Providência Conduzir-nos já agora determina,
Destes portos a pouca segurança; Ou nos amostra a terra que buscamos,
Bem claro temos visto na aparência, Pois só por teu serviço navegamos."
Que era enganada a nossa confiança.
Mas pois saber humano nem prudência
Enganos tão fingidos não alcança,
Ó tu, Guarda Divina, tem cuidado
De quem sem ti não pode ser guardado!

"E se te move tanto a piedade


Desta mísera gente peregrina,
Que só por tua altíssima bondade,
Da gente a salvas pérfida e malina,
Nalgum porto seguro de verdade
Canto II – Vênus reclama com Júpiter 34-35
E como ia afrontada do caminho, Na selva Idea, já se apresentara.
Tão formosa no gesto se mostrava, Se a vira o caçador, que o vulto humano
Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho, Perdeu, vendo Diana na água clara,
E tudo quanto a via namorava. Nunca os famintos galgos o mataram,
Dos olhos, onde faz seu filho o ninho, Que primeiro desejos o acabaram.
Uns espíritos vivos inspirava,
Com que os Pólos gelados acendia,
E tornava do Fogo a esfera fria.

E por mais namorar o soberano


Padre, de quem foi sempre amada e eriça,
Se lhe apresenta assim como ao Troiano,
Canto II – Vênus reclama com Júpiter 36-37
Os crespos fios d'ouro se esparziam O véu, dos roxos lírios pouco avaro;
Pelo colo, que a neve escurecia; Mas, para que o desejo acenda o dobre,
Andando, as lácteas tetas lhe tremiam, Lhe põe diante aquele objeto raro.
Com quem Amor brincava, e não se via; Já se sentem no Céu, por toda a parte,
Da alva petrina flamas lhe saíam, Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.
Onde o Menino as almas acendia;
Pelas lisas colunas lhe trepavam
Desejos, que como hera se enrolavam.

C'um delgado sendal as partes cobre,


De quem vergonha é natural reparo,
Porém nem tudo esconde, nem descobre,
Canto II – Vênus reclama com Júpiter 38-39
E mostrando no angélico semblante Posto que a algum contrário lhe pesasse;
Co'o riso uma tristeza misturada, Mas, pois que contra mim te vejo iroso,
Como dama que foi do incauto amante Sem que to merecesse, nem te errasse,
Em brincos amorosos mal tratada, Faça-se como Baco determina;
Que se aqueixa e se ri num mesmo instante, Assentarei enfim que fui mofina.
E se torna entre alegre magoada,
Desta arte a Deusa, a quem nenhuma iguala,
Mais mimosa que triste ao Padre fala:

"Sempre eu cuidei, ó Padre poderoso,


Que, para as cousas que eu do peito amasse,
Te achasse brando, afábil e amoroso,
Eneida – Vênus reclama com Júpiter
Das alturas, no fim, Jove esguardando
O mar velívolo e as jacentes plagas
E amplas nações, no vértice do Olimpo
240 Quedo, os olhos fitou nos líbios reinos.

Quando o absorviam tais cuidados, Vênus


Triste, os gentis luzeiros orvalhando:
“Ó tu, queixou-se, que os mortais e os deuses
Reges eterno e horríssono fulminas,
245 O que te fez meu filho, o que os Troianos,

Que após tragos letais, não só d’Itália,


Do universo os cancelos se lhes fecham?
Roma deles tirar, deles os cabos
Que, eras volvendo, restaurado o sangue
250 De Teucro, o mar e a terra sofreassem,

Nos prometeste; quem mudou-te, ó padre?


Canto II – Júpiter reafirma as glórias futuras dos portugueses 42-43
E destas brandas mostras comovido, Que quem no afaga o choro lhe
Que moveram de um tigre o peito duro, acrescente,
Co'o vulto alegre, qual do Céu subido, Por lhe pôr em sossego o peito irado,
Torna sereno e claro o ar escuro, Muitos casos futuros lhe apresenta.
As lágrimas lhe alimpa, e acendido Dos fados as entranhas revolvendo,
Na face a beija, e abraça o colo puro; Desta maneira enfim lhe está dizendo:
De modo que dali, se só se achara,
Outro novo Cupido se gerara.

E co'o seu apertando o rosto amado,


Que os soluços e lágrimas aumenta,
Como menino da ama castigado,
Canto II – Júpiter reafirma as glórias futuras dos portugueses 44-45
"Formosa filha minha, não temais Ilíricos e a fonte de Timavo;
Perigo algum nos vossos Lusitanos, E se o piedoso Eneias navegou
Nem que ninguém comigo possa mais, De Cila e de Caríbdis o mar bravo,
Que esses chorosos olhos soberanos; Os vossos, mores cousas atentando,
Que eu vos prometo, filha, que vejais Novos mundos ao mundo irão
Esquecerem-se Gregos e Romanos, mostrando.
Pelos ilustres feitos que esta gente
Há-de fazer nas partes do Oriente.

"Que se o facundo Ulisses escapou


De ser na Ogígia ilha eterno escravo,
E se Antenor os seios penetrou
Eneida – Júpiter tranquiliza Vênus
“Poupa esse medo, Cípria; imotos jazem 285 Cerrando os meses trinta largos giros,
Dos teus os fados; nas lavínias torres Há de, a sede lavínia trasladada,
Hás de rever-te, e alar sobre as estrelas Alba longa munir e abastecê-la.
275 Teu grande Enéias, Júpiter não muda. Os Hectóreos aqui trezentos anos
O herói na Itália (esta ânsia te remorde, Já reinarão, quando a vestal princesa
Vou rasgar-te os arcanos do futuro) 290 Ília parir a Marte gêmea prole.

Guerras tem de mover e amansar povos, Da nutriz loba em fulva pele ovante,
E instituir cidades e costumes, Rômulo há de erigir mavórcios muros,
280 Ao passo que reinando o vir no Lácio E à recebida gente impor seu nome.
Terceiro estio, e os Rútulos domados,
Forem-se três invernos. Posto ao leme
Ascânio, que hoje Iulo cognominam
(Ilo, enquanto florente Ílion se teve),
Canto II – Pedido do rei de Melinde a Vasco
da Gama - 109
"Mas antes, valeroso Capitão,
Nos conta, lhe dizia, diligente,
Da terra tua o clima, e região
Do mundo onde morais distintamente;
E assim de vossa antiga geração,
E o princípio do Reino tão potente,
Co'os sucessos das guerras do começo,
Que, sem sabê-las, sei que são de preço.
Eneida – Dido pede a Enéas que conte a sua
história
A infeliz Dido, e longo o amor bebia,
Muito de Príamo, inquirindo muito
785

De Heitor; que armas da Aurora o filho tinha,


Diomedes que frisões; quejando Aquiles.
“Do princípio antes, hóspede, as insídias
Graias, disse, nos conta, e o pátrio excídio,
E errores teus; que já seteno estio
790

De praia em praia todo o mar volteias.”


Figuras mitológicas
Novamente aparecem Júpiter, Vênus, Vulcano, Marte, Netuno e
Baco.
Nereidas – filhas de Nereu.
Tioneu – Baco, filho de Tione (= Semele).
Moça de Titão – Aurora, filha de Titão e da Terra, que presidia o
nascimento do dia.
Ericina = Vênus, que tinha um templo no cume do monte Erix, na
Sicília.
Cloto – uma das Parcas e não Nereida – erro que aparece também
em Virgílio.
Nise e Nerine - Nereidas inventadas cujo nome Camões também
achou em Virgílio.
Figuras mitológicas
Tritão – uma das divindades marinhas chamadas Tritões e não Tritão
filho de Netuno.
Dione = Vênus.
Cupido – filho de Vênus = Amor – a sua paternidade gera
controvérsias (Marte, Júpiter ou Mercúrio).
Troiano – Páris, a quem Vênus já havia se apresentado nua no
episódio mitológico conhecido como “julgamento de Páris”, que
ocorreu no monte Ida, no qual Páris julgou ser vênus a mais bela
deusa, concorrendo contra Juno (Hera) e Minerva (Palas Atena).
O caçador – Actéon – tebano que Diana, deusa da caça e da
castidade, transformou em veado por vê-la nua se banhando - foi
devorado por seus próprios cães.
Figuras mitológicas
Ilha Ogígia – ilha onde residia a ninfa Calipso, que ali reteve Ulisses por 7 anos
na sua volta da guerra de Tróia.
Antenor – troiano que traiu a própria pátria, escondendo Ulisses em sua casa.
Cila e Caríbdis – nomes, respectivamente, de um escolho (pequena ilha rochosa)
no estreito de Messina e de um sorvedouro (redemoinho de água que se forma
no mar), em frente do primeiro, do lado da Sicília.
Cila - O aterrorizante monstro marinho em que Cila se transformou tinha o
torso de uma bela mulher mas, em volta da cintura, possuía seis cabeças de
serpente com três fileiras de dentes e um círculo de doze cães ladradores. Os
cães a alertavam quando um navio estava passando, de forma que ela pudesse
capturar os navegantes.
Figuras mitológicas
Caríbdis - Durante sua existência como ninfa, Caríbdis se caracterizava por uma
voracidade extrema. Quando Hércules passou perto de Messina, levando os bois
de Gerião, roubou alguns dos animais e devorou-os. Ao tentar investir contra
o herói, que tentava recuperar seu gado, Caríbdis foi fulminada por Zeus com
um raio, e lançada às profundezas do mar, onde se transformou em um monstro
marinho.
Egípcia linda – Cleópatra.
Cileneu = Mercúrio.
Vara fatal – caduceu – bastão com que Mercúrio adormecia as almas que, assim
imobilizadas, levava para o outro mundo.
Diomedes – rei da Trácia que alimentava seus cavalos com a carne de seus
hóspedes e foi morto por Hércules.
Figuras mitológicas
Busíris – rei do Egito que sacrificava todos os estrangeiros que passavam por
suas terras, imolando-os a Júpiter.
Roubador de Europa – Júpiter, que transformado em touro roubou Europa, filha
de Angenor, rei da Fenícia.
Flora – deusa romana da primavera e das flores.
O perdido ítaco – Ulisses, rei de Ítaca.
Alcíno – rei dos Feácios que acolheu Ulisses e o levou de volta para Ítaca.
Intérprete divino – Mercúrio.
O filho de latona – Apolo, Febo, o sol.
Cyclopas – ciclopes, gigantes de um olho só.
Mãe de Menon – Aurora.
Figuras mitológicas
Bela ninfa filha de Taumante – Íris, filha de Electra e Taumante.
Hespéridas – As deusas Hespérides passeiam pelos céus, encarregando-se de
iluminar todo o mundo com a luz da tarde. Héspera - "a crepuscular" - deusa do
crepúsculo vespertino.
Gigantes – Titãs, filhos da Terra, que tentaram escalar o Olimpo e expulsar
Júpiter.
Perítoo – rei da Tessália que tentou roubar a esposa do deus dos infernos –
Prosérpina.
O sagrado templo de Diana – templo consagrado a esta deusa em Éfeso e uma
das sete maravilhas do mundo antigo, construído por Tesifônio e incendiado por
Heróstrato.
Referências Bibliográficas
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. Edição comemorativa do centenário da morte de
Luís de Camões. Porto: Porto Editora, 1980.
______ . Os Lusíadas. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
VIRGÍLIO. Eneida. Trad. Manuel Odorico Mendes. Disponível em:
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/eneida.html. Acesso em: 27 out. 2013.
______ . Eneida. Trad. José Victorino Barreto Feio e José Maria da Costa e Silva
(livros IX-XII). São Paulo: Martins Fontes, 2004.
TRUTAS NO SAPO. “Mapa da Viagem de Vasco da Gama”. Disponível em:
http://trutas.no.sapo.pt/ines_de_castro/index.htm. Acesso em: 28 out. 2013.

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