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Camões: a lírica e a épica e sua importância canônica

Neiliane Coelho Gomes

O presente ensaio tem por objetivo apresentar as obras do mais importante escritor da
literatura de língua portuguesa, Luiz Vaz de Camões. Ele faz parte do movimento classicista o
qual colocou o pensamento renascentista como dominante e resgatava os clássicos da
antiguidade como as grandes épicas de Homero e Virgilio. Camões é conhecido por introduzir
em Os Lusíadas sua própria forma de escrita dentro dos moldes dos poemas épicos Grego-
latinos. Suas obras e sua grandeza como escritor estão presentes tanto em músicas como a de
Renato Russo, quanto na escrita de outros autores contemporâneos.
Palavras chaves: Camões, Os Lusíadas, Classicismo

A estética do Classicismo em Portugal foi introduzida de início pelo poeta Sá de


Miranda e possui como grande nome desse movimento Luiz Vaz de Camões. Os escritores
seguem os preceitos da cultura grego-latina voltam-se aos clássicos da antiguidade com os
aspectos formais dos textos que possuem métrica, ritmo e rima. Introduziram o soneto e
fizeram dele forma comum entre os escritores, assim como, os versos decassílabos presentes
na, sem dúvida, maior obra da literatura portuguesa, Os Lusíadas. Segundo (MOISÉS, 1987,
pag.51) “imitar não significava copiar, mas, sim, a procura de criar obras de artes segundo as
fórmulas, as medidas, empregadas pelos antigos”.
O Classicismo se desenvolve durante um período histórico em qual o Renascimento
estava se fortificando. Nessa época o homem desejava ser livre e ter autônima pensante
deixando de lado o teocentrismo. Impulsionado, principalmente, pelas grandes navegações,
pois era tecnologia inovadora e com ela o homem constatou a possibilidade de sair de um
lugar fixo e conhecer outros. Os escritores clássicos, portanto, apesar de apresentarem uma
escrita voltada aos clássicos grego-latinos, usavam a forma fixa na estrutura e abordavam essa
nova visão racional, humanista e antropocêntrica. “Ao teocentrismo medieval opõe-se uma
concepção antropocêntrica do mundo, em que o homem é a medida de todas as coisas”
( MOISÉS, 1987, p.50)
Luiz Vaz de Camões, considerado maior poeta da literatura portuguesa, escreveu
textos líricos, épicos e dramáticos. Publicado em 1572, Os Lusíadas, é sua principal obra. É
reconhecida como maior poema épico da literatura de língua portuguesa, não apenas pela sua
estrutura, mas também por seu valor literário e histórico, bem como, seus sonetos que também
são reconhecidos pelo público leitor. “O estudo camoniano é de suma importância para a
compreensão da língua portuguesa, pois Camões é considerado o divisor entre a época arcaica
e moderna” (COLOMBO, 2011,p.105). O objetivo desse ensaio é analisar a obra Os Lusíadas
e alguns sonetos desse grande poeta, assim como, explanar a importância canônica que
Camões possui na arte contemporânea.
Os Lusíadas é um poema épico grandiloquente de cunho imitativo, visto que, imita
os importantes escritores da épica da antiguidade como Homero e Virgílio e emulativo, pois
mesmo ao buscar escrever seu poema épico seguindo a épica antiga, Camões a inova com sua
própria escrita renascentista colocando nela novos adereços. Sua obra não descende de uma
tradição oral, já que, foi escrito por ele mesmo. O texto narra à viagem marítima de Vasco da
Gama as índias.
Uma das características das narrativas épicas é possui um herói nacional,em Os
Lusíadas Vasco da Gama representa os feitos do povo português, por isso, não é considerado
dizer que ele seria o herói da narrativa de Camões, visto que, o herói enfatizados ou os heróis
são o povo português. Camões na terceira estrofe do canto I deixa nítido que serão narrados as
batalhas do povo lusitano e pede que se esqueça as proezas dos heróis antigos por que agora
os heróis são o povo português.

As armas e os barões assinalados,


Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Tapobrana
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram.

E também as memórias gloriosas


Daqueles Reis, que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando;
E aqueles, que por obras valerosas
Se vão da lei da morte libertando;
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte.

Cessem do sábio Grego e do Troiano


As navegações grandes que fizeram;
Cale-se de Alexandro e de Trajano
A fama das vitórias que tiveram;
Que eu canto o peito ilustre Lusitano,
A quem Netuno e Marte obedeceram
Cessem tudo o que a Musa antiga canta,
Que outro valor mais alto se levanta.
(CAMÕES, I, 1-3)
A estrutura da narrativa a qual é dividida em dez cantos todos eles contêm oito
versos decassílabos, com uma forma fixa, um passado absoluto (inatingível), herói nacional e
uma organicidade onde homem, divindade e natureza não se separam. Assim como, a grande
épica escrita por Homero e Virgílio, Camões introduz seu texto fazendo invocação às musas,
nas estrofes quatro e cinco do canto I, porém há na estrofe seis e sete uma mistura de
mitologia com o cristianismo:
E vós, ó bem nascida segurança
Da Lusitana antiga liberdade,
E não menos certíssima esperança
De aumento da pequena cristandade;
Vós, ó novo temor da Maura lança,
Maravilha fatal da nossa idade,
Dada ao mundo por Deus, que todo o mande,
Pera do mundo a Deus da parte grande;

Vós, tenro e novo ramo florescente


De uma árvore, de Cristo mais amada
Que nenhuma nascida no ocidente,
Cesária ou Cristianíssima chamada
(Vede-o no nosso escudo, que presente
Vos amostra a vitória já passada,
Na qual vos deu por armas e deixou
As que Ele para si na Cruz tomou).
(CAMÕES, I, 6-7)

O canto IV de Os Lusíadas traz umas das partes mais importantes da épica de


Camões. A personagem do Velho do Restelo faz uma crítica as grandes navegações, pois para
ele a aventura de desbravar o mar em busca de novos territórios é considerada insana por
existir cobiça, desejos de riquezas.

-<< Ó glória de mandar! Ó vã cobiça


Desta vaidade, a quem chamamos fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
Como uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

<<Dura inquietação d’alma e da vida


Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas de reinas e de impérios!
Aman-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!
(CAMÕES, IV, 95-96)

Camões também escreveu sonetos, forma fixa introduzida por Sá de Miranda na


estética do Classicismo português de origem italiana, seus sonetos não possuíam títulos
vinham destacado sempre a primeira parte introdutória dos sonetos. Composto de uma
estrutura com dois quartetos e dois tercetos, estrutura essa sendo seguida por outros autores
como o poeta Vinícius de Morais. Amor é fogo que arde sem se ver é um dos seus mais
conhecidos sonetos, Camões usa como tema o amor apresentando no soneto ideias opostas
como o sentir e não sentir, é o ser que ama e pode esta contente e descontente ao mesmo
tempo, portanto, o amor é algo muito contrário ao olhar camoniano, ou seja, usa de seu
raciocínio lógico para mostra a complexidade do amor.
Camões foi um escritor que revolucionou a arte literária e a literatura portuguesa é
considerado cânone por fazer presente na escrita de diversos autores e também na música
brasileira. Renato Russo em sua canção “Monte Castelo” cita um trecho do soneto do grande
poeta português:

O amor é fogo que arde sem se ver


É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer
(RENATO RUSSO; 1989)

O eu poético de Camões em seus sonetos não trazem só o amor como tema. Seus sonetos são
diversos, assim como, os temas. Em um dos seus sonetos ele trata da mudança de tempo de como esse
tempo muda o eu lírico ali destacado. Essa mudança envolve sentimentos, valores humanos.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,


Mudam-se o ser, muda se a confiança;
Todo mundo é composto de mudança
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades


Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança
E do bem (se algum houve), as saudades.

O tempo cobre o chão o verde manto,


Que já coberto foi de neve fria, e, enfim,
Converte em choro o doce canto.

E, afora este mudar se cada dia,


Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soia.
(CAMÕES, soneto 092, pag. 31)

Como se pode observar há uma importância literária grande deixada por Camões na arte
contemporânea, visto que, ele é usado como influência até os dias atuais, seja em letras de músicas
como essa ou como referência para outros escritores. O uso comum de uma intertextualidade entre as
obras dos escritores contemporâneos e as obras camonianas a exemplo disso temos Drummond que
faz presente na sua escrita uma referência das obras e da vida de Camões. Outrossim, é que Camões
também é citado no campo da linguística. Marcos Bagno em seus livros que tratam do tema da
variação linguística cita Camões em seus exemplos, visto que, a escrita camoniana foi um divisor de
águas na língua portuguesa por que até a Idade Média os textos eram escritos usando o latim vulgar. É
com Camões que a nossa língua ganha à escrita que hoje conhecemos. Portanto, ocorre na escrita
camoniana uma transição do latim para o português.

REFERÊNCIAS:
COLOMBO, S. A. Roberta. A importância de Camões na literatura portuguesa: uma
intertextualidade contemporânea com os signos “Portugal, mar, amor”. Cadernos do
CNLF, vol. XV, n. 5, t. 1. Rio de Janeiro: CIFEFIL, 2011.
MOISÉS, Massaud. A literatura portuguesa. 23 edição, São Paulo: Cultrix, 1987.
Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?
select_action=&co_obra=16841 (acessado em 19/07/22)
Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000164.pdf (acessado em: 20/07/22)
Disponível em: https://www.letras.mus.br/renato-russo/176305/(acessado em: 19/07/22)

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