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Vidas Secas e São Bernardo: uma análise acerca das personagens centrais

nos romances regionalistas de Graciliano Ramos

Neiliane Coelho Gomes

Resumo: O presente ensaio tem como objetivo analisar como Graciliano Ramos apresenta em seus
romances as personagens Fabiano e Paulo Honório. O século XX foi marcado por diversas
transformações sociais, políticas, econômicas, culturais, assim como, o ponto crucial na nova
estética literária que renascia no Brasil. O movimento modernista brasileiro vem com intuito
de repensar a idéia de brasilidade. Desse modo, a literatura rompe com o modelo idealizado
pelo Parnasianismo e instaura uma nova estética da linguagem. Essa estética será foco dos
escritores da primeira fase, no entanto, com a geração de 30 houve uma ênfase na estética
ideológica na qual os escritores desejavam buscavam expressar o artístico nacional. É, nesse
período que Graciliano Ramos surge com seus romances regionalistas mostrando,
principalmente, o sertão nordestino puro e vivo.

Palavras chaves: Graciliano Ramos. Modernismo. Romances regionalistas

O século XX foi um período marcado por diversas transformações sociais, políticas,


econômicas, culturais, assim como, o ponto crucial na nova estética literária que renascia no
Brasil. O movimento Modernista de arte ganhou ainda mais força com Semana de Arte
Moderna de 1922 impulsionada pelas Vanguardas Europeias. Surge a partir dos anos 20, no
Brasil, um novo modo de pensar a realidade brasileira nas diferentes correntes de
pensamentos, não somente nas artes, mas em várias outras vertentes. Destacam como estudos
no âmbito social os estudos de Gilberto Freire, Caio Prado Junior e Sergio Buarque de
Holanda.
Com essa nova estética de arte, o Modernismo e seus representantes voltam-se a
produzir obras com o foco no Brasil puro e em toda a sua conjectura, englobando as partes
vulneráveis do país. Segundo Antônio Cândido, uma literatura formada é aquela que possui a
tríade escritor-público-obra, vista em outros movimentos de artes brasileiros e que no
Modernismo ganha ainda mais força.
A crítica modernista considera que o movimento passou de um projeto estético
literário nos anos 20 a um projeto ideológico dos anos 30. No prefácio da crítica de João Luiz
Lafetá, Antônio Cândido deixa evidente que “o projeto estético, que é a crítica da velha
linguagem pela confrontação com uma nova linguagem, já contém em si o seu projeto
ideológico” (LAFETÁ, 2000, p.09). Lafetá propõe em sua crítica que houve durante a
primeira fase do Modernismo um foco mais na estética, a qual rompia com linguagem usada
no Parnasianismo, já na segunda fase o foco centra-se nas ideologias.
É durante essa segunda fase que Graciliano Ramos irá se destacar com seus
romances regionalistas. A tendência regionalista de arte se fixa durante os anos de 1930 a
1945 em meio ao governo Vargas, os reflexos da crise de 29 e a Segunda Guerra Mundial.
Suas obras baseiam-se em representar em tom crítico a região nordestina do Brasil, são
romances que possuem como pauta a vida real introduzida a um enredo. O romance
regionalista deixa claro nas palavras dos autores o objetivo presente, ou seja, nessa fase a base
é o projeto ideológico, a visão de mundo.
O que pretendiam os escritores com essa produção literária? Queriam caracterizar a
vida sacrificada e desumana do sertanejo e compreender o tipo de estrutura
socioeconômica viciada que alimentava a política do coronelismo nordestino.
Na visão dos modernistas, apontar tais problemas significava dar o primeiro passo
em direção a uma transformação dessa realidade injusta.Assim, entre 1930 e
1945, a ficção nacional é dominada por um novo realismo que mostra o
indivíduo subordinado ao espaço em que vive, sendo muitas vezes por ele
aprisionado. O comportamento desses indivíduos também é analisado, em uma
tentativa de traçar de modo fiel o perfil social e psicológico dos habitantes
de determinadas regiões brasileiras (ABAURRE, 2005. p.565).

A linguagem da narrativa de Ramos traz informações claras como a descrição do


espaço, comportamentos e costumes dos personagens fazendo com que o leitor perceba a vida
em seu sentido real e não uma idealização do espaço. Como afirma Afrânio Coutinho, “A
obra romanesca de Graciliano Ramos abarca o inteiro processo de formação da realidade
brasileira contemporânea, em suas íntimas e essenciais determinações”. (COUTINHO,
1970.p.73)
Nesse viés, destacam como obras regionalistas de Graciliano Ramos São Bernardo,
sua segunda obra publicada em meio ao governo Vargas no ano de 1934 e Vidas Secas,
publicada anos depois em 1938. Mesmo sendo duas obras com foco na região Nordeste do
Brasil seus enredos e personagens possuem diferenças. Fabiano é um homem rude, sofredor,
batalhador que vive em péssimas condições, necessita de favores e passa por diversas
opressões para se manter e manter sua família bem, Paulo Honório é um homem sucedido,
dono de fazenda que passa por cima de tudo e de todos para conseguir o que quer.
Vidas Secas, considerada umas das obras primas de Graciliano Ramos, narra à
história de uma família de retirantes que vivem vagando pelo sertão sobrevivendo a todo tipo
de sofrimento seja por parte da seca ou por seres humanos. Fabiano, sua mulher Sinhá Vitória,
seus dois filhos que não tem nome e a cachorra Baleia compõe o enredo. O autor descreve
logo no inicio do romance os aspectos do sertão nordestino “Na planície avermelhada os
juazeiros alargavam duas manchas verdes [...] a catinga estendia-se, de um vermelho indeciso
salpicado de manchas brancas que eram ossadas. O vôo negro dos urubus fazia círculos altos
em redor de bichos moribundos” (RAMOS, 2020, p.02-03). Por serem pobres sofriam
opressão daqueles que consideravam serem maiores, por possuírem cargos mais elevados,
status esse que Fabiano não tinha. Como representantes dessa sociedade opressora temos o
soldado amarelo corrupto e arbitrário e Tomás da Bolandeira, dono da fazenda que Fabiano e
sua família se abrigaram.
Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu familiarmente no ombro de
Fabiano:

-Como é, camarada? Vamos jogar um trinta-e-um lá dentro

Fabiano atentou na farda com respeito e gaguejou, procurando as palavras de seu


Tomás da bolandeira:

-Isto é. Vamos e não vamos. Quer dizer enfim, contanto, etc. É conforme

Levantou-se e caminhou atrás do amarelo, que era autoridade e mandava. Fabiano


sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava
pouco e obedecia. (RAMOS, 2020, p.12)

A figura do homem do sertão é claramente representada na personagem de Fabiano,


Graciliano Ramos adere a ele os traços típicos do sertanejo forte, que não cansa de lutar para
sua sobrevivência, que tem sempre a esperança de que coisas boas ainda irão vim.

-Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta.

E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar
coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos
ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se,
encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra.

-Você é um bicho, Fabiano

Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer
dificuldades. (RAMOS, 2020, p. 08)

São Bernardo é outro romance escrito por Graciliano Ramos, no entanto, se diverge
da história narrada em Vidas Secas, apesar de ter como temática o sertão a imagem do
sertanejo que nele vivi é diferente, escrita em meio a um período de desenvolvimento do país
Graciliano traz a narrativa a figura do coronel que será mais tarde fazendeiro/capitalista
motivado, principalmente, pelas políticas adotadas no governo Vargas. Representado na
figura de Paulo Honório, homem rude, violento e ambicioso e na fazenda São Bernardo,
espaço fictício. Paulo Honório é um homem totalmente oposto a Fabiano, em sua infância foi
um menino pobre que trabalhou na roça, mas decidiu ser um homem com a vida bem sucedida
e para isso ele passa por cima dos valores morais. O romance é narrado pelo próprio Paulo
usando ora o tempo presente, ora o passado, traz também uma carga psicológica, pois a
personagem faz reflexões sobre sua vida.
Nas palavras do próprio Paulo Honório sua origem e seu nascimento é incerto, pois
foi abandonado pelos pais quando criança. “julgo que rolei por aí à toa. Lembro-me de um
cego que me puxava às orelhas e da velha Margarida, que vendia doces” (RAMOS, 2009, p.
11). De olho na fazenda na qual trabalhou, Paulo usa de seu plano ambicioso para conseguir a
propriedade “para evitar arrependimento, levei Padilha para a cidade, vigiei-o durante a noite.
No outro dia, cedo, ele meteu o rabo na ratoeira e assinou a escritura. Deduzir a dívida, os
juros, o preço da casa, e entreguei-lhe sete contos quinhentos e cinqüenta mil-réis. Não tive
remorso.” (RAMOS, 2009, p. 20)
Já com sua estabilidade financeira alcançada, ele pensa em um herdeiro para a
continuação de seu trabalho na fazenda. Casa-se com Madalena, moça que também possui
origem humilde e é professora. Madalena não concordava com a forma como Paulo tratava
seus funcionários. Paulo Honório é o típico homem capitalista dividindo-se entre sujeito e
objeto. Segundo Cândido “Em Paulo Honório, o sentimento de propriedade, mais que simples
instinto de posse, é uma disposição total de espírito, uma atitude complexa diante das coisas.
Por isso engloba todo o seu modo de ser” (CÂNDIDO, 1972, p. 22).

Conclusões
A partir das transformações ocorridas na década de 20 no Brasil a literatura se recria.
Os artistas buscavam por meio da literatura, da música, da arte mostrar a cultura e o povo
brasileiro de uma maneira nova. A estética literária ligada a um viés ideológico de crítica a
sociedade brasileira se instalava.

Com a geração de 30 a prosa modernista da lugar as obras que expõem o Nordeste


brasileiro. Dentre os autores, Graciliano Ramos ganha destaque ao escrever romances
regionalistas com enredos marcantes. Vidas Secas e São Bernardo são algumas dessas obras,
contudo, apresentam na sua estrutura a visão do homem do sertão em diferentes óticas.
Percebe-se que em Vidas secas Fabiano é o sertanejo raiz que luta pela sua sobrevivência e da
sua família sofrendo diversos preconceitos e opressão. Já Paulo Honório, personagem
principal de São Bernardo, se tornou um homem bem sucedido dono da propriedade São
Bernardo. Fica nítido na obra que Paulo Honório escreve sua história como um desabafo para
tentar entender o ser humano que habita nele. Assim, como afirma (CÂNDIDO, 1972) os
romances escritos em primeira pessoa configura-se a pesquisa da alma na realidade vivida
confirmando a ficção e confissão na obra São Bernardo.

Referências

ABAURRE, Maria Luiza M. Literatura brasileira: tempos, leitores e leituras. volume


único. São Paulo: Moderna, 2005

CÂNDIDO, Antônio. Ficção e Confissão. In: RAMOS, Graciliano. São Bernardo. São Paulo:
Martins, 1972.

COUTINHO, Carlos Nelson. Literatura no Brasil.4.ª ed, Rio de Janeiro:Sul América,1970

LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o modernismo. Editora 34, 2000.

RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 1º Ed. Rio de Janeiro; Editora Record, 2020.

_______. São Bernardo. 88º ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2009.

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