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2ª Fase do Modernismo: PROSA Romances caracterizados pela denúncia social,

verdadeiro documento da realidade brasileira,


atingindo elevado grau de tensão nas relações
do eu com o mundo.

Uma das principais características do romance


brasileiro é o encontro do escritor com seu
povo. Há uma busca do homem brasileiro nas
diversas regiões, por isso o regionalismo ganha
importância, com destaque às relações do
personagem com o meio natural e social.

“A bagaceira” de José Américo define uma


nova tendência da ficção nacional: a
apresentação crítica da realidade brasileira
para levar o leitor a tomar consciência da
condição de subdesenvolvimento do país
(visível de forma mais intensa em regiões como
o Nordeste).
Os escritores nordestinos merecem destaque
especial, por sua denúncia da realidade da
região pouco conhecida nos grandes centros.
Prof.: Ramon Aranthes
Contexto Histórico
Ø Em 1934 Getúlio Vargas é eleito por voto indireto presidente da República.
Ø Em 1933 Gilberto Freyre publica Casa-grande & senzala, que marca profundamente a visão de mundo de Jorge Amado.
Ø O romancista baiano publica seus primeiros livros: O país do Carnaval (1931), Cacau (1933) e Suor (1934).
Ø Jorge Amado enfrenta problemas por sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro. São dessa época seus livros Jubiabá (1935),
Mar morto (1936) e Capitães da Areia (1937).
Ø É preso em 1936, acusado de ter participado, um ano antes, da Intentona Comunista, e novamente em 1937, após a instalação do
Estado Novo. Em Salvador, seus livros são queimados em praça pública.
Ø Em 1941, em pleno Estado Novo, Jorge Amado viaja à Argentina e ao Uruguai. De volta ao Brasil, é preso pela terceira vez e
enviado a Salvador, sob vigilância.
Romance de 30: Na década de 1930 o Brasil testemunhou a explosão do romance. Preocupados com o país em que viviam os
escritores usaram a narrativa como instrumento de denúncia de uma realidade que, principalmente na região Nordeste, condena
milhares de brasileiros à miséria. Esses romances retratam o surgimento da realidade capitalista, a exploração das pessoas,
movimentos migratórios, miséria, fome, seca etc.
IMORTANTE: O eixo de ficção brasileiro na década de 1930 se deslocou do Rio de Janeiro e de São Paulo para Maceió, capital de
Alagoas, era lá que moravam os escritores José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos.
Romances Regionalistas ou Neorrealistas: Para tratar de questões sociais regionais foram retomados dois momentos
anteriores da prosa de ficção: Regionalismo romântico e o Realismo do século XIX.
Abandono da idealização romântica e da impessoalidade realista em nome de uma visão crítica das relações sociais e do impacto do
meio sobre o indivíduo.
Regionalista: São considerados romances regionalistas os romances que abordam a realidade específica de uma região,
caracterizadas por particularidades geográficas e por tipos humanos específicos, que usam a linguagem de um modo próprio e tem
práticas sociais e culturais semelhantes.
Características da prosa de 1930

Ø Manutenção do Neorrealismo: denuncia social e sondagem psicológica;


Ø Estilos ficcionais marcados pela rudeza, pela captação direta dos fatos;
Ø Abordar por meio da ficção aspectos da realidade socioeconômica numa espécie de
narração-documento (caráter realista);
Ø Mostrar como o comportamento dos indivíduos estava subordinado ao espaço em que
viviam (caráter naturalista);
Ø Tentativa de traçar de modo fiel o perfil social e psicológico dos habitantes de
determinadas regiões;
Ø Caracterização do espaço de modo bem definido e Valorização da “Cor local”;
Ø Informações sobre espaço, comportamentos e costumes, que permitem ao leitor
reconhecer aspectos típicos, característicos de uma região específica;
Ø Inclusão de termos regionais construindo uma representação mais fiel da região
(influência da realidade socioeconômica na vida das pessoas);
Ø Revelar como o subdesenvolvimento brasileiro influenciava a vida dos seres humanos;
Ø Enredos dinâmicos e linguagem mais simples e direta;
Ø Revelar e denunciar os problemas sociais da época: problemas relacionados à seca,
êxodo rural, condição de miséria dos retirantes, coronelismo, patriarcalismo, cangaço,
desigualdades e desequilíbrios sociais, opressão social, preconceitos (racial/ intolerância
religiosa/de gênero), regimes totalitários, violência, marginalização social, conflitos
ideológicos (capitalismo x socialismo), decadência dos engenhos de cana-de-açúcar ...
Ø Temáticas de caráter metalinguístico e reflexões de ordem existencial;
Ø Três vertentes da prosa: Prosa Regionalista, Prosa Urbana e Prosa Intimista.
BIOGRAFIA DE Jorge Amado
Ø Jorge Leal Amado de Faria foi jornalista, romancista político e memorialista. Nasceu na Fazenda
Auricídia, em Ferradas, Itabuna, BA, no dia 10 de agosto de 1912 e faleceu no dia 06 de agosto
de 2001 em Salvador, BA. Quinto ocupante da Cadeira 23, eleito em 6 de abril de 1961.

Ø Cursou o secundário no Colégio Antônio Vieira e no Ginásio Ipiranga, em Salvador, onde viveu,
livre e misturado com o povo, os anos da adolescência, tomando conhecimento da vida popular
que iria marcar fundamentalmente sua obra de romancista.
Ø Cursou a Faculdade de Direito no Rio de Janeiro, não tendo, no entanto, jamais exercido a
advocacia.
Ø Aos 14 anos, na Bahia, começou a trabalhar em jornais e a participar da vida literária.
Ø Casou-se, em 1033, com Matilde Garcia Rosa, de quem se separaria onze anos depois.
Casou-se em seguida com Zélia Gattai e com ela teve dois filhos: João Jorge, e Paloma.

Ø Em 1945, foi eleito deputado federal pelo Estado de São Paulo, tendo participado da Assembleia Constituinte de 1946 (pelo
Partido Comunista Brasileiro) e da primeira Câmara Federal após o Estado Novo.
Ø Escritor profissional, viveu exclusivamente dos direitos autorais de seus livros. Recebeu inúmeros prêmios no estrangeiro e no
Brasil. Recebeu também diversos títulos honoríficos, nacionais e estrangeiros.
Ø Foi membro correspondente da Academia de Ciências e Letras da República Democrática da Alemanha; da Academia das Ciências
de Lisboa; da Academia Paulista de Letras; e membro especial da Academia de Letras da Bahia, onde viveu, cercado de carinho e
admiração de todas as classes sociais e intelectuais.

Ø Publicados em 52 países, seus livros foram traduzidos para 48 idiomas e dialetos. Teve livros adaptados para o cinema, o teatro,
o rádio, a televisão, bem como para histórias em quadrinhos, não só no Brasil mas diversos países.
Ø O ciclo do cacau

O escritor mostra as sangrentas disputas pela conquista e posse das terras mais produtivas para o plantio do cacau
no sul da Bahia, em que milhares de hectares da floresta atlântica foram devastados para darem lugar às árvores de cacau.
São histórias de lutas, tocaias, caxixes (negociatas fraudulentas), assassinatos e atentados, mandados, recebidos e trocados
entre os proprietários rurais.
A exploração dos trabalhadores rurais, os conchavos políticos regados a muito dinheiro, os incêndios criminosos, a
falsificação de documentos e a impunidade são os temperos dessa verdadeira guerra. São as obras que se encaixam nesta
temática, entre outras, Cacau, São Jorge dos Ilhéus e, principalmente, Terras do sem-fim.

Ø Romances proletários

São livros classificados assim pela crítica porque refletem o ponto de vista dos trabalhadores e das classes sociais
marginalizadas. Jorge Amado procura denunciar a miséria e a opressão sofridas pelos mais humildes, que resistem de acordo
com suas possibilidades. Jubiabá, Capitães da areia e Mar morto são as melhores obras enquadradas nesta modalidade.

Ø A partir dos anos 1950, a Bahia pitoresca

Esta é chamada como a fase mais popular de Jorge Amado, na qual ele deixa um pouco de lado a ficção engajada
nos problemas sociais e passa a mostrar o que é o que a Bahia tem: um povo bem-humorado, mulheres lindas, fortes e
sedutoras, as belas paisagens naturais, etc. É a chamada crônica de costumes. Gabriela, cravo e canela é o divisor de águas
na produção amadiana: ainda impregnado do tom épico da luta política, o romance introduz um símbolo (Gabriela), que
representa o povo em toda a sua liberdade e de vida.
CARACTERÍSTICAS DO AUTOR:
ü A generosidade humana: o autor põe-se ao lado dos menos favorecidos (pobres e negros) que eram repudiados pelas elites
brasileiras). Personagens de origem popular que enfrentam as dificuldades da vida com fibra, determinação, alegria, autenticidade e
solidariedade.
ü Conhecimento das formas de vida das camadas populares: costumes, ofícios, modo de ser e agir, religiosidade e estratégias de
sobrevivência do povo baiano. Capacidade de criar tipos humanos primitivos (seres psicologicamente rústicos, que viviam de
acordo com suas emoções e instintos). Personagens: marinheiros, pescadores, artistas, operários, lavradores, prostitutas,
coronéis e pais de santo são marcas registradas do autor.
ü Determinismo: o destino de alguns personagens é determinado pelo meio em que vivem, mas, ao contrário do determinismo
naturalista, no modernismo, o narrador vê solução para o problema, caso haja uma transformação do meio. Valorização do espaço:
o meio se torna imprescindível para a construção do personagem.
ü Crítica sociopolítica: a obra mostra os problemas sociais e a negligência das autoridades políticas. Valor documental de seus
registros (sociedade cacaueira, vida no mar e cultura afro-brasileira).
ü Ausência de idealizações: crítica social carregada de humor e ironia, visão do amor livre e espontâneo, marcado pelo erotismo.
ü Carga de sensualidade na linguagem e nos atos de seus personagens (por muitos confundido com pornografia), carregado de
palavrões e com função erótica, como protesto literário contra os falsos pudores e moralismos das classes mais privilegiadas.
ü Narrativa envolvente: por possuir uma intenção política, o narrador busca envolver os leitores no enredo, para que eles não
abandonem a leitura. Tom anedótico, aventureiro e erótico, aliando o lirismo à documentação da realidade sem renunciar à crítica
social. Visão humorística da realidade, onde o riso é mostrado como forma de resistência popular.
ü Regionalismo: elementos da cultura regional, a ambientação de suas narrativas é sempre na Bahia: as paisagens baianas –
marítimas, rurais ou urbanas – e seus costumes. Utilização de elementos do folclore e da tradição religiosa negra, elementos da
mitologia do candomblé, retrato de costumes e festejos populares. Presença de sincretismo religioso e misticismo, portanto
também dá lugar para a dimensão mítico-folclórica da vivência humana.
ü Linguagem objetiva: simples e popular o texto é claro e direto, visando ao entendimento imediato do leitor.
Ficha Técnica da obra: MAR MORTO
Espécie: Romance regionalista.
Gênero: Narrativo (Dimensão lírica).
Narrador: Onisciente.
Foco narrativo: 3ª pessoa.
Tempo: Predominantemente cronológico.
Espaço: Cais da Bahia de Todos os Santos – Salvador.

Organizaca ̃ estrutural: A obra é composta por 25 capítulos distribuídos em três partes.


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Ø 1ª parte: IEMANJÁ, Dona dos Mares e dos Saveiros.


São 12 capítulos: 1º Tempestade, 2º Cancioneiro do Cais, 3º Terras do sem-fim, 4º Acalanto de Rosa Palmeirão, 5º Lei, 6º
Iemanjá dos cinco nomes (IEMANJÁ, seu verdadeiro nome, dona das águas, senhora dos oceanos/ DONA JANAÍNA, para os
canoeiros/ INAÊ, para os pretos, seus filhos mais diletos/ PRINCESA DE AIOCÁ, para quem os pretos também faziam suas
súplicas/ DONA MARIA, para as mulheres do cais, as mulheres da vida, as mulheres casadas, as moças que esperam noivos), 7º Um
navio ancorou no cais, 8º Marta, Margarida e Rachel, 9º Viscondes, Condes, Marqueses e Besouro, 10º Melodia, 11º Rapto de Lívia,
12º Marcha nupcial.

Ø 2ª parte: O PAQUETE VOADOR (nome do segundo barco de Guma).


São 09 capítulos: 13º Roteiro do mar grande, 14º Esmeralda, 15º Eram cinco meninos, 16º Água mansa, 17º O "Valente", 18º O
Filho, 19º Toufick, o árabe, 20º Contrabandista, 21º Terras de Aiocá.

Ø 3ª parte- Denomina-se MAR MORTO.


São 04 capítulos: 22º O mar é doce amigo, 23º A noite é para o mar, 24º Hora da noite e 25º Estrela.
Linguagem

A linguagem utilizada por Jorge Amado é coloquial e muito próxima da fala popular. O narrador nos conta uma história
como se estivesse conversando com o leitor, prevalece o discurso indireto. Mas o discurso direto, isto é, a expressão dos próprios
personagens é recurso muito utilizado, o que dá mais dinamismo à narração. Neste livro fala popular não dá guarida ao baixo calão, à
grosseria gratuita. Pelo contrário, o autor buscou aqui uma linguagem lírica, poética mesmo, que muitas vezes chega a resvalar para o
sentimental.
Outro ponto a destacar é a ausência de qualquer referência ao Partido Comunista do Brasil, ausência de qualquer
referência política explícita, mesmo quando coloca em cheque a inexistente política trabalhista. A apologia a Besouro, no capítulo
“Viscondes, Condes, Marqueses e Besouro”, é a passagem mais “politizada” de toda a narrativa, contrapondo às classes
dominantes, representadas pelos títulos de nobreza, a figura mítica do herói popular.

Estilo

O chamado romance nordestino é tributário do Realismo. Mar morto vai mais além, apresentando características que
nos permitem classificá-lo dentro do Naturalismo. O Naturalismo é a radicalização do Realismo. Se este procura mostrar a realidade,
aquele procura esmiuçá-la com rigor científico.
Determinismo – Desde o primeiro capítulo, antevemos a tragédia de Guma. Mas não se trata de simples fatalismo, que se pode
traduzir como submissão ao destino. Para aqueles homens a morte está “determinada” pelas suas condições de trabalho.
Cientificismo – O viés psicanalítico do relacionamento de Guma com sua mãe é outra evidência naturalista. Guma sente desejo
pela mãe prostituta, não sente “amor filial”. Ele a vê em todas as mulheres do cais e só após conhecer o “amor verdadeiro” de Lívia é
que ele se livra daquele desejo doentio.
Instinto – O fato de Guma agir por instinto quando se trata de sexo é outra característica que nos conduz ao Naturalismo.
Denúncia – A denúncia das mazelas sociais – das condições subumanas de vida, em decorrência das más condições de trabalho.
Ambiente

Mar morto é todo ambientado no cais da cidade da Bahia. Mas além do porto da cidade da Bahia, centro da trama, temos
passagens em Cachoeira, Santo Amaro e Maragogipe, portos próximos, além de citações de outros portos, como a conhecida ilha de
Itaparica, situada em frente à capital.

Do ponto de vista cronológico, a ambientação se concentra praticamente ao mesmo tempo da feitura do livro: década de
30. Isto não fica explícito senão por algumas informações que são dadas ao leitor, como a referência às atividades do cangaceiro
Lampião, que só viria a morrer em 1938. As greves, por exemplo, eram uma prática recém introduzida na vida brasileira. A questão
trabalhista, na verdade, só viria a ter algum tratamento legal sistemático a partir da década de 40.

Tempo

A narrativa flui de maneira linear a partir do capítulo “Terras do Sem Fim”. Entretanto, os capítulos que o antecedem,
“Tempestade” e “Cancioneiro do Cais”, ligam-se diretamente com o capítulo “Rota do Mar Grande”, na segunda parte do livro. Por
isso, podemos dizer, um tanto professoralmente, que apesar de linear, a narrativa começa “in media res”, ou seja, no meio dos
acontecimentos. E que acontecimentos são esses? Se fosse rigorosamente linear, os dois capítulos iniciais integrariam a segunda
parte da narrativa, “O paquete voador”, que conta o declínio de Guma, e não a primeira parte, “Iemanjá, dona dos mares e dos
saveiros”, que conta sua ascensão.

Há que se observar ainda o “flashback” (também chamado de analepse), que significa voltar para trás na narrativa,
representado pelo capítulo “Toufick, o Árabe”. Além de contar a trajetória do estrangeiro até a Bahia, o narrador tem o cuidado de
enfatizar que ele chegara na cidade na mesma noite em que mestre Raimundo e seu filho Jacques morrem num temporal: exatamente
o momento daqueles dois capítulos iniciais a que nos referimos.
Foco narrativo

O narrador de Mar morto, que não deve, em hipótese alguma, ser confundido com o autor, se nos apresenta a um só
tempo original, dada a sua dificuldade de ser caracterizado, e velho conhecido, quando descobrimos que a técnica usada é tão velha
quanto o velho hábito de contar histórias. O leitor pode observar que logo após a dedicatória, que é um atributo do autor, o narrador
fala diretamente conosco:

... Agora eu quero contar as histórias da beira do cais da Bahia.(...) Eu as ouvi nas noites de lua no cais do Mercado, nas feiras, nos
pequenos portos do Recôncavo(...)
Vinde ouvir a história de Guma e de Lívia que é a história da vida e do amor no mar. E se ela não vos parecer bela a culpa não é dos
homens rudes que a narram. É que a ouvistes da boca de um homem da terra, e dificilmente um homem da terra entende o coração
dos marinheiros.

O narrador coloca-se numa posição de personagem, falando em primeira pessoa, identificando-se como “homem da terra”,
mas, ao término da leitura da obra, percebemos que a narração se deu, sempre, em terceira pessoa. Ou seja, o narrador não participa
da história que conta, está a alheio a ela.

O narrador conta o que ouviu de alguém, exatamente como fora prometido na abertura. Essa maneira de contar, tipo
história-puxa-história, retrata bem a oralidade da qual o povo se serve para transmitir suas tradições. Guma e Lívia jamais existiram,
mas até a forma de contar sua história empresta-lhes verossimilhança, isto é, faz-nos parecer que eles foram reais, construídos por
um “narrador testemunha”, que narra o que “viu, ouviu ou leu em algum lugar”.
É narrador testemunha, pois, o personagem que nos conta a vida de Guma: sua visão é limitada pelas informações
recebidas, porém, como todo bom contador de histórias, ele preenche os vazios não com a verdade tal e qual porque não a conhece,
mas com a “verdade possível”, tirada de sua fértil imaginação.
Título: musicalidade, capítulo homônimo, MAR – AMOR – MORTE.

ü Romance mais lírico do autor (presença de prosa poética).


ü Relação amorosa ocupando o primeiro plano da narrativa e a celebração da
natureza (o Mar em especial) como plano de fundo integrado e indissociável.
ü Tragédia amorosa (com anúncio de morte desde o início) de forte sopro poético.
ü Caráter Épico, construção do herói, dificuldades enfrentadas no mar (diálogo
com “Odisseia” e “Os Lusíadas”).
ü Retrato da gente pobre do cais: marinheiros, pescadores, consertadores de
redes, saveiristas e marítimos.
ü Escrito quando o autor era membro do PCB e em plena vigência do Realismo
Socialista, o autor não cai no discurso partidário ou panfletário, pois o lirismo
acaba se sobrepondo.
ü Criação de um território mítico: o mar passa ser mora de Iemanjá, uma deusa,
transformando o mar num Olimpo brasileiro.
ü Sacrifício de Guma: fatalidade anunciada desde o início da obra e necessária
por ter atraído para si a punição divina. Guma sela o seu destino ao
desrespeitar as leis do mar, pois traiu o amigo Rufino ao se envolver com
Esmeralda.
ü Lívia grávida e recém-escapada de um aborto, acorda com o ranger da rede e
interrompe o ato sexual do marido com a vizinha.
ü A função heroica desloca-se para Lívia.
Prefácio

Agora eu quero contar as histórias da beira do cais da Bahia. Os velhos marinheiros que remendam
velas, os mestres de saveiros, os pretos tatuados, os malandros, sabem essas histórias e essas canções. Eu
as ouvi nas noites de lua no cais do mercado, nas feiras, nos pequenos portos do Recôncavo, junto aos
enormes navios suecos nas pontes de Ilhéus. O povo de Iemanjá tem muito que contar. Vinde ouvir essas
histórias e essas canções. Vinde ouvir a história de Guma e de Lívia, que é a história da vida e do amor no
mar. E se ela não vos parecer bela a culpa não é dos homens rudes que a narram. É que a ouvistes da boca
de um homem da terra, e dificilmente um homem da terra entende o coração dos marinheiros. Mesmo quando
esse homem ama essas histórias e essas canções e vai às festas de D. Janaína, mesmo assim ele não
conhece todos os segredos do mar. Pois o mar é mistério que nem os velhos marinheiros entendem.
Personagens

Guma: É o protagonista, personagem em torno do qual gira toda a trama. Já observamos anteriormente o caráter épico de
Guma, capaz de realizar feitos notáveis, incomuns. Mas Guma não é apenas um poço de bondade. Há nele, além de um
determinismo fatalista, a certeza da morte prematura, um comportamento instintivo, típico dos personagens naturalistas.
Convivem, num mesmo personagem, o moço bondoso, que arrisca a própria vida para salvar a de um semelhante, e o canalha,
capaz de fazer sexo com a mulher de seu melhor amigo na sala de casa, enquanto a esposa, doente, dorme no quarto ao lado.
Esta é a forma como o autor humaniza sua criação. Guma é apenas um homem comum do cais da Bahia.

Tespestades: Numa obra sem vilões, onde todos, com a exceção citada do próprio Guma e da mulata Esmeralda, parecem
comportar-se segundo o mais rigoroso manual de boas maneiras, são as tempestades o grande antagonista. O leitor não deve
estranhar esta classificação, pois um fenômeno natural, desde que desempenhe uma função dentro da trama, pode ser
classificado também como personagem, apesar deste vocábulo, em sua gênese, evocar pessoas e não objetos, animais ou
fenômenos naturais.

O capítulo inicial, apropriadamente denominado “Tempestade”, já nos coloca em contato direto com ele: ficamos sabendo que
ele ceifou a vida de Raimundo e de Jacques. Depois ficamos sabendo que numa noite de tempestade morreu o pai de Guma,
Frederico. Guma torna-se um herói do cais ao vencê-lo no episódio do resgate do navio “Canavieiras”. E entre tantos outros
episódios, a tempestade vence o herói ao fazer naufragar o “Valente” e, por fim, o “Paquete Voador”.

O Mar: Também personagem importante, o mar é aliado. É o mar que proporciona trabalho e alimento. O mar é a casa de
Dona Janaína e é a última morada dos marinheiros afogados: “é doce morrer no mar...”
Iemanjá: A senhora dos cinco nomes pontua toda a narrativa. Sua presença constante, aliás, dá uma outra dimensão à
narrativa, livrando-a das amarras de um naturalismo caduco. Iemanjá é o transcendente, o suprarreal, a fecundidade e o
desejo. Em várias ocasiões, o narrador a associa à mãe-esposa, numa clara referência psicanalítica. Chamada também de
Janaína, Dona Maria, Inaê e Princesa de Aiocá, poderíamos acrescentar-lhe um sexto nome: Iara, pois não é assim que nós,
amazônidas, denominamos a mãe-d’água?

Lívia: Mulher de Guma, não nos reserva nenhuma surpresa. Seu comportamento é exemplarmente linear. Até mesmo a
decisão de substituir Guma na direção do saveiro torna-se óbvia, pois é uma forma de manter-se ligada a ele e, sobretudo, uma
garantia de fidelidade!

Francisco: Personagem cativante, especialmente porque o narrador tem por ele imensa simpatia. Não seria arriscado dizer
que é a principal fonte das histórias narradas. Inúmeras vezes a narrativa é conduzida sob sua perspectiva. No capítulo “Rapto
de Lívia”, o narrador dá uma pista:

“Muitos anos depois um homem (um velho do qual ninguém mais sabia a idade) contava que não só as noites de lua
eram para o amor.”
O velho Francisco, o único em todo o cais que vira Iemanjá em pessoa, é o símbolo da sabedoria popular.

Chico Tristeza: Pouco aparece na trama, mas pontua toda a narrativa. Simboliza o marinheiro que não tem amarras em
nenhum porto. É homem do mundo. Aprendeu outras línguas e conta histórias de outros portos.
Rosa Palmeirão: Personagem um tanto inverossímil, mas nem por isso menos simpática. Mulher valente, famosa pelas
confusões em que se meteu, apaixona-se por Guma, que tinha idade para ser seu filho. Com um espírito parecido ao de Chico
Tristeza, entretanto, ela parte de volta para o mundo. Ao final, cumprindo antiga promessa, retorna para ser “avó” do filho de
Guma. Com a morte deste, passa a ser parceira de Lívia na direção do saveiro.

Mãe de Guma: Simbolicamente inominada, a mãe de Guma tem pouca participação na trama. Seu único encontro com o
filho, entretanto, é perturbador: o menino passa a vê-la como um objeto de desejo sexual. Não lhe importava a condição de
mãe, que para ele, àquela altura da vida, já não fazia falta. Guma queria, sim, a prostituta, a mulher que poderia lhe dar prazer
físico. Durante muitos anos, Guma procura por essa mulher nas mulheres com quem se relaciona, especialmente com Rosa
Palmeirão. Somente após conhecer Lívia, ele se liberta dessa obsessão.

D. Dulce: Professora, D. Dulce é uma personagem típica. Idealista, espera que aconteça um milagre, que “virá assim, de
repente, como uma tempestade”. Ela mesma não sabe o que é esse milagre que mudará a vida da gente do cais. Ao final da
narrativa, ficamos sabendo que o milagre é a própria luta do povo, a resistência contra o determinismo, a busca pela mudança
de melhores condições de vida. Não está dito em nenhum lugar da narrativa, mas o milagre pelo qual D. Dulce espera com
tanto ansiedade, sem saber exatamente o que é, é a revolução socialista.

Dr. Rodrigo: Juntamente com D. Dulce, Dr. Rodrigo representa o mundo exterior, a influência externa na tomada de
consciência do povo do cais. Médico e poeta, embora confessadamente medíocre, Rodrigo representa a classe média
associada ao proletariado do cais. Suas ações são sempre dignas e altruístas, mesmo quando faz abortos nas mulheres do
cais. “É justo que muitas delas não queiram mais ter filhos”, ele justifica, antecipando em mais de meio século uma discussão
ainda hoje não resolvida.
Frederico: Pai de Guma, não exerce nenhuma influência direta no filho. Aventureiro e mulherengo, entretanto, numa
perspectiva naturalista, Guma poderia ter-lhe herdado os instintos que o levam a trair Rufino com a mulata Esmeralda. Morre
numa noite de tempestade, após salvar Francisco, seu irmão.

Rodolfo: Irmão de Lívia por parte de pai, amigo de infância de Guma, é o malandro típico. Vive de pequenos expedientes,
mas o seu pudor em convidar Guma para o negócio do contrabando mostra que no fundo ele tem admiração pelo caráter até
então ilibado do cunhado.

João Caçula: Credor de Guma, a quem vendeu o “Paquete Voador” após o naufrágio do “Valente”, é de uma paciência
inverossímil. Se Guma não tem como pagá-lo, ele não só entende como ainda teoriza a respeito das dificuldades econômicas
que todos atravessavam.

Rufino e Esmeralda: Rufino é o melhor amigo de Guma. É um personagem de apoio a este. Desde as primeiras brigas
de adolescentes, os dois estão sempre juntos. Ao conhecer Esmeralda, passam a morar praticamente juntos, parede a parede.
Essa proximidade, entretanto, acaba por revelar-se malfazeja, pois Esmeralda passa a seduzir Guma, que não resiste à
tentação, traindo o amigo.

Manuel e Maria Clara: Idealizados, representam a própria felicidade conjugal. Em nenhum momento aparecem
separados. A ação de ambos é carregada de sensualidade e lirismo.
Godofredo e Leôncio: De pouca participação na trama, são os únicos personagens a quem o narrador refere-se
claramente como de má índole. Godofredo aparece num momento de fraqueza, implorando ajuda para salvar os filhos,
passageiros do “Canavieiras”. A aparição de Leôncio, por outro lado, perturba o velho Francisco, mas ao leitor não é
informado o motivo. Terá ele infringido a “lei do cais”?

Toufick, F. Murad e Antônio: representam o que poderíamos chamar de “núcleo do contrabando”. F. Murad é o chefão,
Toufick, seu braço direito. Antônio, filho de F. Murad, é estudante de direito e boêmio, com veleidades literárias.

Tios de Lívia: donos de uma quitanda na “cidade alta”, pretendiam que Lívia fizesse um bom casamento que lhes garantisse
uma velhice tranquila. Por isso se opõem ao casamento com o marinheiro Guma, forçado a raptá-la para criar uma situação
de fato. Não desistem, entretanto, de levá-la para longe do mar. Estão prestes a consegui-lo quando acontece a tragédia de
Guma.

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