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Capítulo 9

PRÉ-MODERNISMO
I- Início
Em 1902, podendo mencionar como fato marcante tanto a publicação de Canaã, de Graça
Aranha, quanto o lançamento da obra Os Sertões, de Euclides da Cunha. O marco final, didaticamente
aceito por todos, é a Semana de Arte Moderna.

II- Contexto Histórico

É importante destacar a Revolta da Armada, no Rio de Janeiro, contra governo de Floriano


Peixoto, 1893, porque aparece na obra de Lima Barreto, assim como a Revolta de Canudos, no sertão da
Bahia, liderada por Antônio Conselheiro, 1896/7, que é o fundamento da obra Os Sertões, de Euclides da
Cunha.
Fatos contemporâneos ao Pré-Modernismo: Revolta da Chibata, em 1910 e o início da Primeira
Grande Guerra, em 1914.
Dessa forma, a República, cada vez mais, acentuava as contradições da sociedade brasileira. A
marginalização dos negros recém-libertados, a imigração que vinha para substituir a mão-de-obra
escrava e o surgimento do proletariado (nova camada social constituída de assalariados) compunham o
lado das injustiças sociais. Os imigrantes italianos, que se concentraram na indústria paulista, trouxeram
consigo idéias anarquistas e socialistas, que ocasionaram o aparecimento de greves, crises políticas e
formação de sindicatos. De outro lado, estava o oposto: classe conservadora, que dominava o dinheiro e o
poder.

III- Características

 Ruptura com o passado, com o academicismo (apesar de algumas posturas que podem ser
consideradas conservadoras, há esse caráter inovador em algumas obras) – a linguagem de
Augusto dos Anjos, por exemplo, ponteada de palavras “não-poéticas” (como cuspe, vômito,
escarro, verme), era uma afronta à poesia parnasiana ainda em vigor. Lima Barreto ironiza tanto
os escritores “importantes” que utilizavam uma linguagem pomposa quanto os leitores que se
deixavam impressionar: “Quanto mais incompreensível é ela [a linguagem], mais admirado é o
escritor que a escreve, por todos que não lhe entenderam o escrito” (Bruzundangas).
 Denúncia da realidade brasileira – nega-se o Brasil literário herdado do Romantismo e do
Parnasianismo; o Brasil não-oficial do sertão nordestino, dos caboclos interioranos, dos
subúrbios (principalmente, Rio de Janeiro) é o grande tema do Pré-Modernismo.
 Regionalismo – monta-se um vasto painel brasileiro: o Norte e o Nordeste com Euclides da
Cunha; o vale do Paraíba e o interior paulista com Monteiro Lobato; o Espírito Santo com Graça
Aranha; o subúrbio carioca com Lima Barreto e o Sul de Simões Lopes Neto.
 Tipos humanos marginalizados – o sertanejo, o caipira, os funcionários públicos, os mulatos.
 Ligação com fatos políticos, econômicos e sociais contemporâneos – a distância entre a
realidade e a ficção fica menor. São exemplos:
* Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto – retrata o governo de Floriano Peixoto e
a Revolta da Armada;
* Os Sertões, de Euclides da Cunha – um relato da Guerra de Canudos;
* Cidades Mortas, de Monteiro Lobato – mostra a passagem do café pelo Vale do Paraíba
paulista;
* Canaã, de Graça Aranha – um documento sobre a imigração alemã no Espírito Santo.
Como se observa, a “descoberta do Brasil” é o principal legado desses autores para o
movimento modernista, iniciado em 1922.

IV- Autores

1. Lima Barreto
Foi um marginal em relação à “literatura oficial” da época. A esta atacou, acusando-a de
apresentar estéril preocupação formal e inconcebível despreocupação com a realidade do país.
Além dessa incompatibilidade literária, Lima Barreto enfrentou preconceito racial, o que o
tornou retraído e isolado. Sofrendo injustiças e sendo premido pela necessidade de sustentar a família,
abandonou o curso de Engenharia Civil e passou a levar a vida de boêmio literato, tão cara ao grupo de
intelectuais de sua época.
Foi um grande escritor. Consciente e coerente, dedicou-se com paixão ao jornalismo combativo e
à literatura militante. Vivendo plenamente a passagem da monarquia para a República, foi quem melhor
soube captar e transmitir as transformações físicas, sociais e culturais por que passou o Rio de Janeiro
nesse período. É considerado, por isso, “o romancista da 1a. República”.
Portanto, um escritor preocupado sobretudo com os problemas nacionais e empenhado na
renovação literária e cultural do país.

Obras:

 Recordações do Escrivão Isaías Caminha – representa um provinciano, negro, humilde, que


procura a cidade para lutar e vencer. É um drama contra o preconceito da cor e contra a
mediocridade triunfante. É uma sátira ferina ao meio jornalístico e literário da época
 Numa e Ninfa – descreve a trajetória política de Numa Pompílio de Castro.
 Clara dos Anjos – narra as desventuras de uma moça pobre do subúrbio seduzida por um jovem
rico. O autor retoma os temas da pobreza e do preconceito racial.
 Vida e Morte de M.J. Gonzaga de Sá – crítica à sociedade carioca da época, cujos pretensos
intelectuais imitavam a cultura francesa, sem se conscientizarem dos problemas que os
rodeavam. Há, ainda, o registro da problemática do mulato.
 Bruzundangas – perfil tragicômico das mazelas nacionais que dominavam a literatura: o
artificialismo verbal e a falsa erudição.
 Cemitério dos Vivos – reflexões em torno da vida num manicômio.
 Triste fim de Policarpo Quaresma

Triste fim de Policarpo Quaresma

A grande contribuição de Lima Barreto para a literatura brasileira foi o romance Triste fim de
Policarpo Quaresma. Nele, o escritor descreve a vida política no Brasil, após a Proclamação da
República. Preocupado com a aculturação da sociedade brasileira da época, que imitava os valores
europeus, Lima Barreto cria o “quixotesco” personagem central, Policarpo Quaresma, major que
personifica o fanatismo patriótico. Esse nacionalista ferrenho quer salvar a pátria (objetivo), propondo as
mais estranhas modificações sociais e culturais, além de assimilar a maioria delas. Faz requerimentos às
autoridades, solicitando o uso da língua tupi como oficial no Brasil; recebe os amigos chorando e
gesticulando, conforme era costume entre os goitacás; aprende a tocar violão, por considerá-lo o
instrumento que melhor expressa o sentimento da raça brasileira; estuda a modinha e coleciona peças de
folclore. Devido ao exagero de suas esquisitices nacionalistas, é internado como louco num hospício.
Quando sai de lá, resolve fazer uma reforma agrícola. Compra um sítio para pôr em prática a
sua teoria de que as terras brasileiras eram as mais férteis do mundo, capazes de saciar a fome nacional.
Maior do que a luta contra os elementos da natureza é o seu confronto com as deficiências
administrativas, os impostos, a burocracia, a politicagem...
Sua derradeira tentativa é a reforma política: adere ao “governo forte” de Floriano, em quem vê
o “salvador da pátria”. Mas, devido à Revolta da Armada, fica indignado com a violência do tratamento
dado aos derrotados. Escreve uma carta-protesto. Considerado, por isso um traidor, Quaresma é preso e
condenado à morte. Enquanto aguarda sua execução, Quaresma faz uma lúcida autocrítica de seu
nacionalismo ingênuo, compreendendo a distância que havia entre seus ideais patrióticos e a realidade
mesquinha de sua época.
Enfim, o major Quaresma é a imagem do “patriotário”, que a todos faz rir, mas, por trás do tom
humorístico do romance, está a intenção do escritor em satirizar os valores e as instituições sociais.

2. Euclides da Cunha
Recebeu uma formação positivista, determinista, cientificista. Isso influenciou bastante seu estilo
e sua obra. No entanto, o que poderia resultar árido e frio, é modificado pela vibrante emoção e pela
grande habilidade na manipulação do nosso idioma. A emoção que resultaria exacerbada, por sua vez, é
contida pela formação racionalista.

Obras:

 Contrastes e Confrontos
 Peru versus Bolívia
 Os Sertões – um livro perturbador: é ao mesmo tempo poesia épica e prosa, história, sociologia,
antropologia, geografia, tratado de botânica, zoologia, sem deixar de ser literatura na mais alto
grau. Os Sertões, portanto, não trata apenas da Guerra de Canudos. É a primeira tentativa séria
de interpretação da realidade brasileira.
Euclides dá início ao chamado nacionalismo crítico, que seria retomado depois pelos
autores da segunda fase do Modernismo.
Do ponto de vista literário, cumpre ressaltar que Euclides é, acima de tudo, um estilista.
Seu estilo é inconfundível e brilhante. Um tanto barroco, cheio de vocábulos difíceis, de
construções originais. Suas interpretações dos problemas debatidos são muitas vezes deformadas
pelos erros das correntes dominantes do pensamento final do século XIX.

Os Sertões

A obra divide-se em três partes:


1a. parte: A TERRA – analisa o condicionamento geográfico com o clima exercendo papel preponderante
na formação do meio: seco e árido.

2a. parte: O HOMEM – estuda os elementos étnicos do meio brasileiro, os caracteres de sua índole e sua
distribuição pelo território nacional. Fala de raças (índio, português, negro) e sub-raças (os
mestiços), que atingem o mulato, o mameluco e o cafuso. Traça brilhante paralelo entre o
sertanejo do norte e do sul, isto é, entre o vaqueiro e o gaúcho. Tem-se o homem como produto
do meio. Sertanejo= Quasímodo + Hércules

3a. parte: A LUTA – narra aqui os acontecimentos militares da Campanha contra os fanáticos de Antônio
Conselheiro, através das quatro expedições, até a dizimação completa dos jagunços e a
destruição total de Canudos:
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o último sacrifício.
Caiu ao entardecer do dia 5, quando caíram todos os seus defensores. Eram quatro: um velho,
dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil
soldados”.

3. Augusto dos Anjos


A rigor, Augusto dos Anjos não cabe dentro de nenhum quadro classificatório, embora se
aproxime, sob certos aspectos, do ideário simbolista. É considerado, sobretudo, um pré-modernista. Sua
obra é a soma de todas as tendências da época.
Marca registrada de sua linguagem poética é o uso abundante do vocabulário científico e
técnico, extraído, sobretudo, da Biologia e da Físico-Química. Isso dá aos seus poemas um forte efeito de
estranhamento que perturba e fascina.
Por outro lado, o poeta, voltado para a realidade imediata de sua família, sua cidade, seu
Nordeste, exprime-se por meio de uma linguagem marcada por vocábulos prosaicos, do dia-a-dia, tais
como fósforo, camisa, casa, rua, anúncios, asfalto, ovo, malucos, vinagre, barriga, tesouras, lagartixa,...E
nisso está um dos aspectos pré-modernistas de sua linguagem autêntica e ousada.
Poesia fortemente subjetiva, tematiza explicitamente aspectos sórdidos, repugnantes,
macabros da existência, usando uma linguagem que causa forte impacto.

Obra:

 Eu – único livro do poeta composto de 58 poemas longos e de sonetos escritos quase todos em
versos rimados e decassílabos. Desse modo, sob o ponto de vista técnico, é tradicional como os
poemas parnasianos.

Psicologia de um vencido

“Eu, filho do carbono e do amoníaco,


Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má do signo do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme – este operário das ruínas –


Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,


E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra1”

Versos Íntimos

“Vês?! Ninguém assistiu ao formidável


Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera-
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!


O homem que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!


O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,


Apedreja essa mão vil, que te afaga.
Escarra nessa boca que te beija.”

O Morcego

“Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.


Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

Vou mandar levantar outra parede...


Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego


A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!


Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!”
Saiba mais
4. Graça Aranha
Tornou-se famoso por seu romance Canaã, publicado em 1902, mesmo ano da publicação de Os
Sertões, de Euclides da Cunha. O ano e as duas obras passaram a ser os marcos iniciais do Pré-
Modernismo.

Obra: Canaã – é um romance de estilo eclético, um romance-ensaio, de tese, no qual se misturam


tendências simbolistas, impressionista e realistas. Como Romance de tese, seu núcleo conflitivo reside
no confronto de idéias entre dois amigos imigrantes: Milkau e Lentz

Canaã

Tem como palco o Porto do Cachoeiro, no Espírito Santo, onde o autor fora juiz. Os imigrantes
alemães, Milkau e Lentz, que muito se estimam, defendem teses opostas: o primeiro prega a paz, a
igualdade e a harmonia entre os homens; o segundo defende a superioridade da raça ariana. O romance
continua com a prisão de Maria, acusada de infanticídio. Maria tinha sido expulsa de casa por ser mãe
solteira e dera à luz em tal abandono, que os porcos lhe devoraram a criança. Milkau salva-a e buscam
ambos Canaã, onde não haveria maldade, mas só amor.

5. Monteiro Lobato
O escritor situa-se entre os autores regionalistas do Pré-Modernismo e destaca-se no gênero
conto. O universo retratado por ele geralmente são os vilarejos decadentes e as populações do Vale do
Paraíba na época da crise do plantio do café. Criou a figura imortal do Jeca Tatu.
É criador da literatura infantil brasileira. Personagens como Narizinho, Pedrinho, a boneca
Emília, Dona Benta, a negra Tia Nastácia e outros ficaram conhecidas por inúmeras gerações de crianças.
O estilo de Lobato é inconfundível, dá vida a tudo que conta, é cativante; o vocabulário é vasto,
rico, adequado, incorporando naturalmente os regionalismos. A ironia é freqüente. Às vezes, chega à
dramaticidade e ao patético. A inquirição psicológica não o preocupa.

Obras:
 Urupês – predomina a narrativa de dez histórias cujos desenlaces são trágicos, e a temática é o
caipira, apresentado como raça intermediária entre o índio e o colonizado branco; daí o seu
caráter preguiçoso e esperto, embora encoberto por uma aparência sonsa. Urupês = espécie de
planta parasita.
 Cidades Mortas – focaliza a região cafeeira do Vale do Paraíba, em face de decadência,
reproduzindo cenas e tipos vistos nos povoados, como fazendeiros arruinados e míseros caipiras.
 Negrinha – contudo, é no conto Negrinha, do livro de mesmo nome, que Lobato revela-se um
extraordinário contista, escrevendo uma das histórias mais comoventes de nossa literatura. Ali,
retrata o problema do preconceito racial e as dificuldades enfrentadas pelos negros após a
Abolição.

6. Simões Lopes Neto – ver Autores Gaúchos.

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