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Os Lusíadas: Canto V: estâncias 92 a 100

. Contextualização

Depois de escaparem da cilada preparada por Baco em Mombaça, os


navegadores portugueses chegam a Melinde, cidade do Quénia, graças ao
auxílio de Vénus.
Aí, são recebidos pelo rei, que pede a Vasco da Gama que lhe fale do
seu país e lhe conte a história de Portugal e da viagem que levou os
portugueses a paragens tão remotas. Vasco da Gama acede ao pedido e inicia
um longo relato, no qual apresenta a pátria e, em analepse, narra a história
nacional desde a sua fundação lendária até ao reinado de D. Manuel e
descreve os sucessos e insucessos da sua viagem, de Lisboa a Melinde.
Assim, narra episódios diversos, como o Fogo de Santelmo e a Tromba
Marítima, e o enfrentamento de outros obstáculos à partida difíceis de
superar por parte dos marinheiros destemidos e ousados, como a hostilidade
dos nativos, a fúria de monstros, como o Adamastor, ou a doença e a morte
provocadas pelo escorbuto.

. Tema da reflexão: a desvalorização da poesia e da cultura pelos


portugueses.

. Acontecimento motivador da reflexão: o fim da narrativa de Vasco da Gama


sobre a História de Portugal e a aventura marítima de Lisboa até Melinde.

. Análise estância a estância

. Estância 92
. É agradável (“doce”) ouvir os elogios dos outros quando os nossos feitos são
divulgados (“soados” – v. 2). Vasco da Gama foi elogiado pelo rei de Melinde e
Camões gostaria também de ser louvado pela tarefa de escrever Os Lusíadas.

. Qualquer pessoa de valor (“nobre”) esforça-se por igualar ou superar a glória


dos seus antepassados: “Qualquer nobre trabalha que em memória / Vença ou
iguale os grandes já passados.”
. A admiração (“envejas”) dos feitos dos outros/antepassados constitui um
estímulo, um incentivo para realizar atos mais sublimes (hipérbole “Fazem mil
vezes feitos sublimados.” – v. 6). De facto, o canto, o louvor, incita à realização
dos feitos: “Louvor alheio muito o esperta e incita.” (v. 8) – o exemplo origina a
ação.
. Estância 93: Heróis da Antiguidade que se dedicaram à poesia ou à cultura
(Camões vai apresentar dois exemplos de pessoas de caráter nobre que
sentem inveja pelo facto de outros serem louvados pelos seus feitos).
. Alexandre Magno, mais do que os feitos de Aquiles, apreciava os versos
melodiosos de Homero que exaltavam aquele herói, desejando também ser
celebrado desta forma. Por isso, tinha sempre a obra de Homero na cabeceira
do leito.
. Temístocles invejava os monumentos às vitórias do general Milcíades (esses
monumentos constituíam uma homenagem ao general ateniense pela sua vitória
sobre os Persas em Maratona).
. Temístocles gostava de ouvir cantar os feitos de Milcíades.

Apreço dos Antigos pelos seus poetas


e importância dada à cultura

Consequência

Conciliação entre as armas e as letras

. Estância 94

. Vasco da Gama esforça-se por mostrar que a sua viagem à Índia (“que o Céu e
a Terra espanta.”) merece mais glória e louvor do que as célebres navegações
de Ulisses e Eneias, embora estes tenham sido imortalizados porque Virgílio
foi valorizado por um “Herói” (v. 21), Otávio César Augusto.

O Poeta enaltece o Herói clássico pela sua atitude

. Crítica implícita aos portugueses: Camões canta os feitos dos portugueses, tal
como Virgílio, e não há um herói que reconheça o seu valor. Quem imortaliza
Vasco da Gama e os seus feitos é o Poeta.

. Estâncias 95 e 96

. Em Portugal, há heróis como os clássicos Cipião, César, Alexandre e Augusto,


mas…

. Não possuem “aqueles dões / Cuja falta os faz duros e robustos” (vv. 3-4, est.
95): o Poeta censura os guerreiros/heróis portugueses seus contemporâneos, a
quem falta cultura e dons artísticos.

. Exemplos de heróis cultos:

1. Otávio, imperador de Roma, no meio das maiores preocupações, escrevia


belos versos, tal como o pode provar Fúlvia, a quem aquele dedicou um
poema, depois de Marco António a ter abandonado por Glafira.
2. César, fundador do império romano, dedicava-se à escrita e tinha um estilo
erudito semelhante à eloquência de Cícero, um célebre orador romano. Em
simultâneo, praticava os seus feitos guerreiros, conciliando as letras e as
armas: “Vai César sojugando toda França / E as armas não lhe impedem a
ciência; / Mas, nua mão a pena e noutra a lança, […]”.

3. A fama de Cipião, chefe de guerra romano, deve-se à sua dedicação à escrita


de comédias.

4. Alexandre Magno, o célebre herói da Antiguidade, apreciava tanto Homero


que o considerava seu poeta de eleição: “Que sempre se lhe sabe à
cabeceira”.

. Estância 97

. No passado, não houve, entre os romanos, gregos ou povos bárbaros, um


grande guerreiro que não se revelasse culto e interessasse pela escrita.

. Pelo contrário, os guerreiros portugueses desprezam a cultura e a poesia:


“Senão da Portuguesa tão somente” (v. 4).

. Camões sente vergonha pela ignorância dos líderes do seu tempo, que
menosprezam as letras, cujo valor deve ser compatível com as artes
guerreiras.

. Quem não pratica a poesia não lhe sabe dar i verdadeiro valor: “Porque quem
não sabe arte, não na estima.” (v. 8).

. Estância 98

. Consequências da ignorância e do menosprezo pela cultura e da falta de


incentivos à poesia:

1.ª) Não haverá poetas épicos como Virgílio e Homero.

2.ª) Não serão cantados heróis, como Eneias e Aquiles, nem os seus feitos.

3.ª) Perder-se-ão exemplos virtuosos da História de Portugal.

4.ª) Perder-se-á a identidade nacional.

Mas pior do que a ignorância


é o desprezo por ela

os heróis nacionais não se importam de ser ignorantes

perplexidade
desencanto
indignação

. Os heróis portugueses contemporâneos de Camões são rudes, toscos, incultos


e pouco inteligentes. Porém, “o pior de tudo” é que não percebem que são
ignorantes.

. Estâncias 99 e 100

. Vasco da Gama deve agradecer às Musas o patriotismo que as move a cantar


os feitos do seu povo, porque Calíope e as Tágides não são tão amigas da
descendência dele que deixassem as finas telas de ouro que tecem para
louvar em verso épico os feitos dos Portugueses.

. Fugindo à leitura literal da estância 99, Camões sugere que Vasco da Gama
deve agradecer ao mesmo Camões a inspiração e o patriotismo que o levaram
a deixara poesia lírica para escrever uma epopeia onde mitifica os heróis e os
feitos da História de Portugal, embora ninguém lhe reconheça importância
cultural.

. Exortação final do Poeta: haverá sempre recompensa para quem realize feitos
valorosos, pelo que é necessário haver quem os continue a perseguir.

. Intencionalidade crítica do excerto

Nesta reflexão, Camões tece uma crítica:

a. à ignorância e ao desprezo pelas artes/letras por parte dos seus


contemporâneos;

b. à falta de guerreiros como os do passado, que conciliavam as armas e as


letras;

c. à falta de coragem dos heróis nacionais para realizarem feitos sublimes.

. Ideal de herói

O ideal de herói sugerido por Camões nestas estâncias é aquele que


alia as armas às letras, a fim de vencer ou igualar as façanhas dos seus
antepassados.

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