Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
totalidade do povo (…). Esta fisionomia (…) perde progressivamente as suas características quando a
cultura se divide em instituições diversas, e a sociedade em classes que se afrontam com mais ou
menos violência; conquista a sua autonomia quando se desintegra aquela totalidade de que era, sem
o saber, a alma. Inventam-se então as palavras «arte» e «artista», recusando pôr-se ao serviço de
outra causa que não a sua.
Em primeiro lugar dessacralizou-se; perdeu a sua carga mítica e iniciática (…).
Depois, a arte despersonalizou-se: também ela parece haver-se submetido a esta maldição da
alienação que a civilização tecnológica faz pesar sobre o homem. Com esta cultura média, a arte, tal
como o povo se degradou em massa, degradou-se em passatempo; mas não é apenas o consumidor
de arte que assim se aliena: o criador, que encontrava nos estilos coletivos a sua própria afirmação,
corre o risco de desaparecer em formas de arte impessoais, como aquelas que são produzidas pelos
mass media.
Mas o que caracteriza a reprodução não é apenas o impor à obra uma metamorfose, é também o
propor ao público uma ótica nova: essencialmente, a substituição de uma retransmissão verbal por
um contacto direto (…). Quando os vitrais eram acessíveis apenas – a alguns privilegiados - através
das descrições escritas ou das fotografias a preto e branco (…) eram considerados uma escrita, a qual
devia merecer preferencialmente uma explicação conceptual; quando a reprodução ressuscita todo
o seu fulgor, o estudo científico não pode ficar indiferente à luz e à cor (…).
Com efeito, anima esta pesquisa uma reflexão incessante, cujo radicalismo pode ir até à negação da
arte e do artista em primeiro lugar [meditando] sobre o seu próprio estatuto. Trata-se
verdadeiramente, na arte contemporânea, (…) de uma empresa de libertação, solicitada antes de
tudo pelo caráter repressivo e desumano da nossa civilização. (…)
M. Dufrenne, A Estética e as Ciências da Arte, vol. 1, Bertrand, 1982, pp. 7-43.
A PERSPETIVA SUBJETIVISTA
A beleza não é uma qualidade das próprias coisas, existe apenas no espírito que as contempla, e
cada espírito percebe uma beleza diferente. É possível até uma pessoa encontrar deformidade onde
uma outra vê apenas beleza, e qualquer indivíduo deve concordar com o seu próprio sentimento,
sem ter a pretensão de regular o dos outros. Procurar estabelecer uma beleza real, ou uma
deformidade real, é uma investigação tão infrutífera como procurar determinar uma doçura real ou
um amargor real. Conforme a disposição dos órgãos do corpo, o mesmo objeto tanto pode ser doce
ou amargo, e o provérbio popular afirma com muita razão que gostos não se discutem. (…)
Vemos portanto que, no meio de toda a variedade e capricho do gosto, há certos princípios
gerais de aprovação ou de censura, cuja influência um olhar cuidadoso pode verificar em todas as
operações do espírito. Há determinadas formas ou qualidades que, devido à estrutura original da
constituição interna do espírito, estão destinadas a agradar e outras a desagradar. Se em algum caso
particular elas deixam de ter efeito, é devido a qualquer evidente deficiência ou imperfeição do
órgão. Um homem cheio de febre não pretende que o seu paladar seja capaz de distinguir os
sabores, nem outro com um ataque de icterícia teria a pretensão de pronunciar um veredito a
respeito das cores. Para todas as criaturas há um estado de saúde e um estado de enfermidade, e só
Textos de apoio- A criação artística e a obra de arte
demasiado excludente; confronta-se com demasiadas exceções; falha em incluir como arte tudo o
que nós olhamos como pertencendo à categoria de arte. Em quase todos os museus de arte dos
nossos dias, que visitemos, encontramos alguns contraexemplos desta teoria. Todavia, em
deferência a Platão e a Aristóteles, devemos também acrescentar que a sua teoria não era então tão
obviamente falsa para eles como é hoje para nós, já que os mais importantes exemplos de arte na
sua época eram imitativos. Quando iam ao teatro ou quando iam à apresentação de uma nova
escultura o que eles viam eram imitações de heróis e de deuses e de pessoas e de ações. Blocos de
pedra que pareciam homens, dançarinos que mimavam a ação humana e peças que reavivavam
eventos mitológicos importantes – como a destruição da casa de Atreus. Assim, por virtude dos
dados que a história lhes fornecia, a teoria da arte que Platão e Aristóteles apresentavam estava
devidamente motivada por tudo aquilo que se encontrava à sua disposição. É só através desta
perspetiva que podemos perceber quão longe eles conseguiram chegar.»
Noël Carroll, Philosophy of art: a contemporary introduction, Londres, Routledge, 1999, pp. 21-22