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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

FICHÁRIO
DISCIPLINA AUTOR
ESTÉTICA E FILOSOFIA DA ARTE LEDA MIRANDA HUHNE (1934-)
OBRA
HUHNE, Leda Miranda. Curso de Estética. Rio de Janeiro: UAPÊ, 2006.

INTRODUÇÃO [Estética hoje]


Como caracterizar a estética hoje? No nível do senso
Embora a estética possa ser vista em diversos sentidos, comum continua sendo vista como dimensão de beleza,
como saber não se limita a estudar somente as formas principalmente da aparência sensível em suas múltiplas
artísticas, ela se volta para todas as formas significativas e manifestações, da beleza física – do corpo à decoração.
expressivas enquanto produção e criação humana. Sem Pelas ruas, nas revistas, lemos seu nome em letreiros de
discussão, a arte é seu campo genuíno de estudo que se academias de ginástica, lojas, estúdios cosméticos
caracteriza pela intensificação do poder criativo, próprio ao indicando serviço referente à beleza no sentido de bom
homem, ser aberto ao mundo. gosto, estilo, saúde. Sempre associada à sedução, ao
O que a estética como disciplina pode analisar? desejo, ao mercado rentável. 19
Hoje, tem de se abrir para novas formas de arte e critérios
de beleza no cenário cultural multifacetado onde se [As três dimensões da Estética da Arte]
encontra o mundo criativo. 16 A estética pode ser vista em diversos ângulos.
Didaticamente, para analisa-la, podemos estabelecer três
PARTE 1 enfoques: saber, experiência e fenômeno, que apontam três
níveis de compreensão. O primeiro se encontra no campo
do conhecimento: saber disciplinar. O segundo, no nível
A ESTÉTICA EM QUESTÃO vivencial: experiência sensível. O último, no nível objetivo
enquanto o que se mostra: fenômeno criativo.
DEFINIÇÃO: A estética é filosofia justamente porque é Que relações existem entre saber, fenômeno e
reflexão especulativa sobre a experiência estética, na qual experiência estética? Em todo o processo de criação e de
entra toda experiência que tenha a ver com o belo e com a recriação da obra de arte, os três componentes se acham
arte: a experiência do artista, do leitor, do crítico, do de algum modo relacionados, constituindo o espaço
historiador, do técnico da arte e daquele que desfruta estético. 21
qualquer beleza. Nela entram, em suma, a contemplação de
beleza, quer seja artística, quer natural ou intelectual, a A DISCIPLINA ESTÉTICA
atividade artística, a interpretação e avaliação das obras de
arte, as teorizações da técnica de várias artes. [Origem Platão e Aristóteles]
(PAREYSON, L. Os problemas da estética. São Paulo: A estética é um saber de caráter histórico, mas como
Martins Fontes, 1966). 17-18 disciplina curricular é recente. Existe desde os primórdios
na Grécia, com Platão e Aristóteles. No processo da
DICIONÁRIO: Estética: estudo que determina o caráter do
história ocidental como filosofia da arte – a disciplina
belo nas produções naturais, artísticas; filosofia das belas estética não existia – tinha por fim explicar e orientar o fazer
artes; harmonia das formas e coloridos. (Dicionário arte, no sentido de produzir beleza, de acordo com
Brasileiro da Língua Portuguesa, Mirrador Internacional, determinados processos técnicos e cosmovisões. Foi se
Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1975). 18 limitando a ser na história da civilização ocidental uma
reflexão filosófica capaz de investigar as formas de arte,
ETIMOLOGIA: etimologicamente significa percepção expressões diversificadas e suas funções na sociedade. 21
aisthetikos, de origem grega, “aquilo que é perceptível pelos
sentidos”. Com a mesma raiz encontramos a palavra [Estética na Grécia]
aisthesis, estesia, sensibilidade, significando não só o Nos primórdios da História Grega, a estética como filosofia
conhecimento sensível (percepção) como a dimensão da arte, classificada no campo do conhecimento prático
sensível da afetividade). 18 como a ética, estava voltada para as formas do fazer
artístico. Os seus fundamentos estavam baseados em
PROBLEMA: Se a estética não tem mais um caráter princípios metafísicos, divinos, explicativos da origem e fim
normativo na orientação da obra de arte, nem mais visa a de tudo o que existe. A metafísica tinha respostas definitivas
produção do belo, qual a sua razão de ser?. 18 para explicar e definir o real, no caso a realidade artística, à
luz de conceitos universais, absolutos, essenciais,
verdadeiros. Eles expressavam a natureza única e bem
CAPÍTULO 1 - OS SENTIDOS DA ESTÉTICA determinada do real que a arte como imitação (mimesis)
deveria expressar de modo belo. 21
A palavra estética vem do grego aisthesis e significa
“faculdade de sentir”, “compreensão pelos sentidos”, [Estética de Baumgarten, Kant, Wundt e Fechner]
“percepção totalizante”. Foi empregada pela primeira vez A estética foi se organizando ao longo da história ocidental
por Baumgarten, no século XVIII, na obra Estética para como a filosofia da arte explicativa das formas da arte. A
designar a área da filosofia que estuda o conhecimento partir do século XVIII, passou por uma fase de abertura e de
sensível, como arte de pensar de modo belo, como arte crítica, à medida que se estabeleceu com Baumgarten
analógon da razão”. 19 como ciência do belo, do conhecimento sensível. Foi
analisada por Kant à luz das questões de gosto e juízos

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estéticos. Por força da revolução científica e transformações [Característica do fenômeno estético]


sociais, um grupo de estetas como Wundt e Fechner O que caracteriza um fenômeno estético? A provocação de
procurou transformá-la em ciência experimental no final do um sentimento, de uma emoção estética, um prazer, um
século XIX, com pretensões a certa autonomia e métodos desprazer. Quantas vezes, admiração, provocação,
próprios. Mas encontrou muitas objeções, num período de entusiasmo. Uma interjeição! Fenômeno estético se
muitas linhas contraditórias no campo da arte e da criação. apresenta a mim e por mim é percebido. Está aí, presente
22 no mundo revelando potencialidades criativas e instigando
o fruidor. Não só eu o experimento, reconheço sua forma,
[Objeto de estudos] alcanço sua presença criadora num estado de
A estética como saber tem objeto de estudo: uma obra vista arrebatamento, magia, a ele me ligo projetando
à luz do processo da criação artística (construção, estilo, sentimentos, desejos, e descobrindo múltiplos significados.
função, forma) e também expressão do meio social, cultural Ele desencadeia em mim um punhado de sentimentos e
dentro de um processo histórico. 24 desejos, acorda minha memória, arrebata minha
imaginação. 29
OBJETO DE ESTUDO
[objetividade e objetificação]
[Objeto de estudo da estetica] [...] A escultura está aí, na praça, instalada como objeto
O objeto de estudo da estética é primordialmente a arte, e artístico. Somente chega a ser fenômeno estético quando
no sentido lato, a criatividade. Todo objeto produzido, à se dá um encontro entre um sujeito que para ela se volta e
maneira criativa. Uma coisa útil: um cinzeiro, um design. Um por ela é tocado. O que se dá? Experimento um sentimento,
dado natural: paisagem, pôr do sol. Uma obra de arte: uma emoção estética. 29
poema de Manoel Bandeira. Qualquer objeto que provoque
uma emoção prazerosa, lúdica, mesmo que não seja [...] O fenômeno parece ser o próprio objeto. Quando, na
artístico, está sujeita ao processo de leitura e apreciação verdade, ele é proveniente da inter-relação que se deu entre
estética. 24 nós, eu e ele. 30

MÉTODO DE ESTUDO [Eu e o Objeto]


Porque aceito sua provocação, a ele me dirijo, refaço-o
[Estética como método de saber] dentro de mim, ele não é mais puro objeto da minha
A estética como saber não pode prescindir de um método intenção e percepção. Agora, pela imaginação, eu o articulo
de investigação, um caminho de abordagem do objeto de no meu mundo, o que não deixa de ser uma recriação. O
estudos que nas suas manifestações vive sempre em que revela que não existe fenômeno estético sem o
processo de mudança, nas culturas e na história. Há contraponto: a experiência estética de um sujeito. Ele se
diversas vias de investigação para o conhecimento estético, acha aberto à presença daquilo e se mostra como texto
mas durante séculos de tradição filosófica se impôs o apreendido num mundo de significações. 30
método reflexivo, especulativo, baseado na lógica formal, [...] Qualquer coisa que se mostre e me desperte
instrumento empregado pelos pensadores Platão, uma experiência de agrado e que se estenda e se recrie
Aristóteles e discípulos. Na modernidade ao se dar uma dentro de mim.
reviravolta na visão do mundo em que a ciência se impôs
como forma de saber verdadeiro, o método experimental foi [Experiência aberta, sentimento imaginação]
o caminho procurado, aquele capaz de observar e medir os [...] Se a experiência consiste na porta aberta para o espaço
fenômenos estéticos como propôs Wund e Fechner. Na do objeto que se mostra sedutor e significativo, a
atualidade, devido a maior liberdade de expressão artística imaginação no trabalho da percepção esquematiza a inter-
e múltiplas linhas estéticas, os procedimentos de relação temporal desta experiência, o fenômeno aparece
abordagem foram se modificando e exige escola de acordo neste jogo temporal, alastrando as possibilidades criativas.
com as leituras de mundo face às novas técnicas e 31
significados da arte. 26
ESPECIFICIDADE DO FENÔMENO ESTÉTICO
[Método Hermenêutico]
O método hermenêutico, interpretativo, que propomos não [Diferença do fenômeno estético entre outros: real e
visa estudar o objeto estético como fenômeno isolado, mas simbólico]
complexo, resultante de elementos inter-relacionados que O que identifica o fenômeno estético, o que faz com que ele
se mostram em rede cultural, histórica. Ele se acha num não se confunda com os outros fenômenos? É o fato dele
jogo de visibilidade e invisibilidade em que a linguagem se mostrar numa estruturação que transformou o espaço
procura apreender os dados ocultos e compreender real em espaço simbólico à medida que provoca
significados. 27 sentimentos no fruidor. [...] O fenômeno estético não retrata
[...] A interpretação procura tirar o véu para deixar o fenômeno físico, mas exige recriação. Não mostra o que
irromper o sentido abrangente do modo de construção que tal coisa é, mas indica possibilidades de ser à luz das
motivou a estruturação da obra de arte naquele tempo e possibilidades do receptor. 31
espaço determinado. 28
A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA
O FENÔMENO ESTÉTICO
[Experiência estética: sujeito e objeto]
[Definição de fenômeno] A experiência estética se dá numa inter-relação entre um
O que é um fenômeno estético? Uma phainomenon, aquilo sujeito e um objeto graças à sensibilidade e ao desejo de
que se mostra, aparece e se percebe porque provoca, compreensão do que se mostra de modo atraente. 32
agrada, decepciona. Uma música. Um quadro de pintura.
Uma fotografia. Um poema. Uma escultura. Um filme. Uma [Experiência estética e beleza]
obra arquitetônica. Uma peça de artesanato. E muitos É comum escutarmos que a experiência estética é aquela
outros objetos chamados de estéticos. 29 que decorre da presença de beleza. Não há dúvida que
essa colocação já revela a dimensão sensível como aquela

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própria à experiência estética. Mas a identificação da intelectuais, sem a intenção e a intervenção de um sujeito.
experiência estética à beleza reduz a riqueza do fenômeno 36
estético. 33
[Processo de imaginação]
[Experiência Sensível e Experiência Estética] A imaginação não acrescenta algo de fantasioso ao real. Ela
Como transformar uma experiência sensível em experiência tem o poder de ampliar o real, até o ponto de modifica-lo e
estética? Ao transformarmos a experiência sensível, fruto unifica-lo a outras experiências. Para isso acontecer, ela
de uma percepção imediata do objeto, em experiência deixa o sujeito ficar presente plenamente ao objeto do seu
sentida, compreendida, recriada. E de tal modo, que a perceber. 37
experiência seja não só de fruição de beleza ou sentimentos
afins, como também de revelação do sentido originário da CAPÍTULO 2 – ESTÉTICA E ARTE
dimensão criativa da obra e do meu poder criativo.
O processo da experiência estética não é [DICIONÁRIO]
intelectual, no sentido de ser norteado por abstrações, nem ARTE é um conjunto de regras para dizer ou fazer com
produto de um saber. É uma experiência corporal onde o acerto alguma coisa; execução prática de uma ideia;
sujeito se enlaça totalmente ao objeto, numa relação de complexo de regras e processos para a produção de um
tanta intimidade a ponto de provocar a recriação do efeito estético determinado. (Dicionário da língua
fenômeno. Para muitos, produto de uma intuição, uma visão portuguesa, Mirrador). 40
gratificante de um objeto. Mas isso só pode acontecer
graças a um ato intencional do sujeito que o faz sair de si a [Problematização]
partir de uma gama de sentimentos, e dirigir-se àquele Hoje é possível distinguir o que é artístico do que não é
objeto determinado, sentindo sua presença, muitas vezes artístico? 40
contemplando-o ou nele concentrando suas forças, e
reunindo-as a ponto de descobrir aí novos sentidos. 33 [Na ARTE EM QUESTÃO
experiência estética não há somente uma observação
passiva de um objeto, mas existe uma potente recriação [ARTE - ARS]
do mesmo. Acreditar-se contemplar somente formas é Somos acossados e provocados pela presença de obras.
o que chamamos de objetivação; enquanto saber Fazemos nós necessariamente experiências estéticas com
partícipe da recriação estética do objeto chamamos essas obras que se dizem obras de arte? Serão de arte?
objetividade] Algumas questões nos batem, a nós, contempladores,
fruidores, consumidores. O que é arte: diversão,
[O processo da experiência estética] mercadoria, coisa valiosa, qualquer coisa? Quem pode
A experiência estética não se limita à impressão de beleza. dizer o que é Arte? Quem estabelece sua função e pode
Ela se caracteriza por ser uma experiência que envolve um julgar a sua medida? O discurso competente? De quem? De
conjunto de experiências decorrente de uma posição que estética? Que critérios? 41
intencional de apreensão estética do objeto: a) do corpo Na origem etimológica da palavra arte, em latim
enquanto sensibilidade capaz de suportar e se abrir para o ars, arte significa articulação, isto é, ação que estabelece
espaço real; b) da percepção enquanto ato intencional da junturas entre as partes de um todo. Assim fazer arte requer
consciência voltada para algo que parece como objeto do o trabalho de ordenar, reunir, o que se acha solto, separado,
seu interesse e desejo; c) da imaginação (esquematizadora) desconectado, sem sentido. É uma operação realizada por
enquanto poder de selecionar e ordenar o que a memória aquele que é capaz de estruturar o que se acha desconexo,
guarda em vistas de uma imagem, projeto de um futuro que tornando-o visível o sentido da reunião. 41-42
interliga o presente Às experiências passadas, e da
imaginação (criadora) enquanto poder de formação de nova [Arte e Técnica: Cópia da realidade]
imagem a partir do inter-relacionamento temporal; d) da Na antiguidade grega a palavra arte indica a sábia execução
linguagem enquanto estruturação, mostração e nomeação de uma obra de arte (bela), assim como do artesanato
daquilo que foi criado; e) do corpo enquanto sensualidade, (ofício). Os artistas viam a arte como um fazer, um ofício,
experimentando sentimentos de fruição que acompanha técnica de artesão ou obra de arte. Arte como téchne
todo o processo da experiência estética. 34 consistia na capacidade de fabricar ou fazer alguma coisa
com correta compreensão dos princípios estéticos
O PAPEL DA PERCEÇÃO E DA IMAGINAÇÃO NO envolvidos, ritmo, harmonia, e elementos materiais, sonos,
PROCESSO ESTÉTICO cores. Não bastava fazer, mas era preciso saber fazer, o
artista era um artesão, dominava o seu ofício. 42
[Percepção e experiência estética]
A percepção estética se dá no modo do homem olhar algo [Arte como técnica: Artes Liberais e Artes Servis]
com intensidade, sentindo emoções, descobrindo e O artista se caracteriza pela sua capacidade de mostrar a
saboreando possíveis significações. Enquanto na realidade a partir de uma operação técnica, produtiva e
percepção ordinária o sujeito fica no plano imediato ou inteligente capaz de imitar com perfeição a realidade, na
passa para o plano reflexivo procurando a verdade do objeto confecção de trabalhos manuais ou obras de arte. Ainda na
através de conceitos, no ângulo estético o sujeito se abre e Roma imperial o poder estabeleceu diferenças hierárquicas
se entrega ao objeto num espaço experimental. 35 entre as artes liberais (arte nobre) e as artes servis
(funcionais). As primeiras desprovidas de utilidade (teatro,
[Definição de percepção estética] poesia, música) e as outras voltadas para o uso. 42
[...] Desse modo, a percepção estética acontece enquanto
experiência da negação da realidade como campo de coisas [Arte como técnica: Correção da realidade]
isoladas, afirmando novas possibilidades de articulação, A tradição prendeu-se mais a arte como obra bem-feita,
graças ao trabalho imagístico que se dá no processo de baseada na cópia fiel das aparências reais. Ela foi perdendo
percepção da obra. o sentido de uma operação imitadora, mas também
A experiência estética nega a obra como realidade transformadora porque corrigia o real. Na idade média, a
pronta; incapaz de ser apreendida através de conceitos arte foi compreendida como ofício, capaz de apresentar a
realidade como bela, verdadeira, espelhando o divino.

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Principalmente, seguindo regras pautadas na teoria das recursos linguísticos, técnicos, estéticos. Senão ele não fez
ideias eternas e divinas de Platão, seguidas pelos padres poema, extravasou sentimentos. 47
da igreja na idade medieval como Santo Agostinho. 42-43
Na modernidade, com o capitalismo e o movimento [Sentimentos convertidos em arte]
liberal, acirrara-se a distinção entre trabalho manual e [...] Só que o vigor que irrompe no trabalho artístico, decorre
intelectual [...]. 43 da canalização dos sentimentos do artista, que no fazer foi
alcançado a forma significativa, devido ao seu poder
[Arte como não-técnica: arte pela arte] técnico, senso estético e criativo. Um grito não é
No fim do século XX a arte no ritmo da modernidade se necessariamente um ato poético, embora seja um som
bifurcava em alguns movimentos. Uns lutavam pela sua expressivo. Um grito exprime vigor, força poética, dramática
autonomia, procuram desvinculá-la das suas funções no para chegar ao nível artístico. O grito do artista plástico E.
mundo social e apregoavam a arte pela arte. Outros Munch, o que revela e expressa, além de desespero. 48
procuravam inseri-la ao mundo da vida, criando um
cotidiano estético. Outros procuraram integrá-la ao mundo [Singularidade da linguagem poética]
tecnológico. O resultado é o surgimento de novas artes, A obra de arte tem o poder de revelar ou de tornar inteligível
como fotografia e cinema, onde arte e técnica estão aquilo que não o consegue nenhum pensamento
intimamente ligadas. 43 especulativo, ela é linguagem de estruturação. Nesse
sentido, a arte não é uma ilusão, não é o campo do irreal,
[Arte hoje] mas desvela o real segundo a colocação da verdade que
A arte está presente em obras de arte, no campo cultural, ela ajuda a engendrar. Esta construção do sentido do
de modo múltiplo e diversificado. O seu significado não é mundo presente à obra de arte se dá pela linguagem
mais evidente. Exige interpretação que se manifesta em poética. Toda arte é poética por destinação. A poesia
diferentes enfoques assim como variam as linguagens e nomeia o existente, o desvela, o deixa presente na obra. 48
classificações. A visão da arte hoje não é a harmonia das
formas que unificavam todos os artistas, ontem, [Linguagem originária]
expressando o modo de viver de toda a sociedade, tal a A arte é linguagem originária enquanto expressa o sentido
antiguidade grega ou idade medieval. Vivemos num clima do mundo. E a essência da linguagem primeira é a poesia e
de morte da arte. A arte morreu ou morreu um tipo de a poesia é a arte-raiz. Assim, todo artista é poeta, à sua
concepção de arte? 44 maneira de intuir e estruturar a linguagem da criação 48
[...] De qualquer modo, a história nos mostra que
arte é uma forma do homem testemunhar sua presença no UM MODO DE FAZER: TEMPO
mundo da cultura, através da criação de obras que vão
oferecer interpretações diferentes da realidade e de si [Temporalidade própria da arte]
mesmo. 45 A arte é tempo unitário porque exige um jogo do tempo que
brinca entre a permanência e a transformação da realidade
AS DIMENSÕES DA ARTE até chegar à obra criativa. As coisas que se acham soltas,
sem sentido, são processadas pela imaginação, e
UM MODO DE DIZER: LINGUAGEM aparecem em obra de arte, unificadas e transfiguradas, por
força do poder da linguagem de inter-relacionar as
[Arte como linguagem originária (Heidegger)] instâncias temporais, ocasionando o campo da construção
A arte é linguagem originária, revela através de tantos de novas obras. 49
sinais, uma disposição para o dizer inaugural. É,
fundamentalmente, jogo de linguagem que se manifesta UM MODO DE CONHECER: VERDADE
numa obra significativa. [...] 46
A arte enquanto modo original de dizer se constitui [Definição heideggeriana]
como produto do diálogo do artista consigo mesmo, com A arte é um jogo, a mostrar e esconder a verdade dos entes
seu mundo e ao se expressar poeticamente enriquece a no mundo. A arte faz conhecer em obra a realidade de um
língua convencional. Ela consegue expressar, de modo ente visto numa totalidade, mas causa estranhamento ao
simbólico, o que as línguas comuns ou científicas não apresenta-la de modo imaginário e criativo. Muitas vezes,
conseguem atingir. Ela exprime potencialidades do artista falar de verdade no campo da arte, provoca celeuma. No
num trabalho artesanal que exige habilidades ou nível do senso comum, a arte aparece como fantasia,
capacidades criativas para dar forma à materialidade até o beleza, sem compromisso algum com a verdade,
ponto dela conseguir se transformar e se conformar. Seja desconectada do mundo real. É voz corrente: ela se quer
cor, seja som, seja luz, seja palavra, o que for. [...] O artista, fingimento, produto de evasão ou de simulação, embora
dotado de uma força de criação, estrutura formas capazes vista como algo belo, a provocar emoção, prazer, sem
de revelar o que foi percebido com novos sentidos, de modo compromisso com a verdade. 52-53
metafórico. Ele não se baseia nos processos formais da
razão, nem se limita a jorrar sentimentos, mas tenciona [Arte Linguagem simbólica]
criativamente formas e conteúdos, meios e conceitos, em A obra de arte, em linguagem simbólica, passa verdade,
busca da medida artística ou o que ele acha que seja a erro, farsa, mentira. Tudo pode estar presente à obra,
medida artística. 46-47 porque ela coloca o que acontece na relação homem/mundo
de modo simbólico, diferente de outros modos de conhecer.
[Expressão Artística] [...] 53
Qualquer expressão é expressão artística? De modo algum,
um “poeta” que confesse seus sentimentos, [Arte e Linguagem metafórica]
necessariamente, não está fazendo poesia, talvez uma Sempre no campo metafórico, a arte não mostra, nem
catarse. Se o seu sentimento não chegou a um nível lírico pretende demonstrar, o sentido do real através de ideia e de
formal, ele não empreendeu uma obra de arte. Para ordenar formulas matemáticas como o conhecimento científico,
o que está disperso, no jogo da consciência com o embora na história da civilização ocidental tenha se servido
inconsciente, no jogo com o mundo, o poeta necessita de de recursos lógicos para suas construções. [...] 53

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[Arte como forma de conhecimento] [Benjamin e a “aura” da obra de arte/Obra Espetáculo]


A arte como forma de conhecimento mostra: o lado visível e Segundo W. Benjamin, é difícil hoje definir o sentido da obra
invisível do mundo. Indica que há segredos na história e de arte porque ela perdeu a sua “aura”. Se durante séculos,
aponta as contradições da vida, sempre uma tragédia e um da Grécia até o século XVIII, a obra de arte era considerada
enigma. Ela não os decifra, deixa-os presente, em repouso, obra única, original, autêntica, exemplar de única aparição
e se mostra em estilos diversos. O olhar atento descobre a de uma realidade longínqua, hoje, na época das técnicas da
obra de arte, no jogo da verdade histórica, assim como na reprodução em série, do império da difusão das imagens, a
verdade formal, presente, diante de nós, em formas obra de arte não se impõe mais como obra que exige
concretas. Sendo vistas, elas tocam as sensibilidades, contemplação, nem valor de culto. A obra de arte não se
desafiam não somente a razão como a imaginação.55 esconde no véu divino, nem aponta o mistério das origens,
não parece ser mais fonte de inesgotável significado O que
[História e Estilos] ela vale? Valor de uso? De troca? Valor do trabalho do
Historicamente, as formas expressivas falam de estilos, artista? É vista como diversão e tem valor de exibição. 60
mas também das relações sociais e políticas, os diferentes
modos de produção e consumo, ideologias e cosmovisões [Definição de obra de arte: estruturação estética e
de época. Elas vão mudando à medida que se modificam os poética do vivido]
múltiplos recursos materiais, formais, técnicos, imagísticos, O que é a obra de arte, de ontem e de hoje? Na verdade,
apontando a arte na incessante busca de dar forma ao que da sua construção é um modo de estruturação da
intensamente surge, sem nome. Ela vai criando algo experiência humana, que se manifesta através de uma
chamado de belo, sublime, algo significativo, que expressa forma capaz de expressar uma interpretação simbólica do
o além, o nada, o indizível e provoca uma emoção estética. mundo. É o resultado de um modo de organizar o vivido,
56 colocando algo, “belamente” em obra, por força do tempo
originário e da linguagem poética. E, ao se dirigir à nossa
A ESTRUTURAÇÃO DA OBRA DE ARTE imaginação e sentimentos, orna-se objeto estético e, por
excelência, uma experiência estética. 61
A OBRA DE ARTE
[O artista quer mostrar mais do que há na realidade
[Desrealização para realização de uma nova realidade] sensível]
A obra de arte esta aí, exposta como um objeto individual, Afinal, sabemos o que é a obra de arte? O que vemos é
concreto, datado, localizado. Ao mesmo tempo, cada obra muita experimentação no campo das artes. Quando uma
de arte é mundo simbólico, síntese de múltiplas mediações obra se afirma, se dá o consumar do trabalho do artista,
do homem com o real Isso significa que numa obra se indicando a sua inter-relação, na ordem do imaginário, com
encontra uma unidade de sentido, uma variedade de o mundo. Portanto, para haver obra de arte é preciso mais
elementos, contraditórios, divergentes, resultante do próprio do que seleção. É necessário que uma diretriz estética
movimento de ligação, aí, onde eles estão inseridos. Corte possa permear o processo da estruturação da obra, num
e reunião, eis o trabalho do artista. Mas nessa ruptura, ele fazer que saiba, de algum modo, interligar forma e material,
cria uma dimensão que transcende a sua própria vivência. onde aparecem sentidos que revelam o homem exprimindo,
Em outras palavras, desrealizando o mundo na imaginação, simbolicamente, a realidade. A obra de arte exige
ele realiza em obra artística, outra realidade. 58 resoluções estéticas que revelam o artista e a arte no
[Criatividade, beleza, verdade, aura] Se, hoje, o embate para alcançar uma aparência na obra de arte que
objeto estético é tão contestado, como fica a obra de arte? expresse mais do que sinais descritivos do mundo. Um
A toda hora parece que entramos num redemoinho. Onde Goya não sabia apenas técnicas de pintura, mas lutava
se acham os conceitos que caracterizavam a obra de arte? para encontrar meios de dizer mais do que a imagem da
Caíram por terra porque a obra de arte perdeu sua “aura”. própria realidade sensível, concreta, como aparecesse nas
Qualquer coisa pode ser arte. A questão da essência da arte grotescas telas dos Caprichos. 62-63
parece estar fora de qualquer discussão. A questão da
criatividade é vista como retrógrada. Valores como verdade [Definição de Arte em Heidegger]
e beleza, nem se fala, ultrapassados. Para que habilidade [...] A arte, mais que aparência de beleza, é “origem da obra
técnica se a arte é um conceito? Que interpretação pode de arte no sentido de fundação”, ela inaugura um modo de
revelar a arte, se a língua não consegue alcançar as novas dizer que revela o mundo dentro de um contexto. E passa a
e diferentes concepções e a mídia não tem interesse me existir na história e se mostra diferentemente, graças ao
conhece-las e divulga-las? Vivemos num divisor de águas, processo de sua criação-inserção numa realidade
numa ponte que separa as classes sociais: de um lado, a determinada. Fica presente, na obra de arte, o sentido do
elite intelectual, artística, com seu jeito irônico e sentenças ser que é o sentido do mundo, manifestando-se num jogo
arrasadoras sobre o destino da arte; do outro, a alienação de verdade claro-escuro. Todos os elementos, terra e céu,
do povo que engole a cultura de massa. Para culminar, o mortais e imortais, distantes e unidos, se entrelaçam numa
hermetismo dos estetas e a obra de arte fechada, linguagem que fala em novo mundo, do tempo
incompreensível, favorecendo a cultura da mídia que eminentemente histórico. Não se trata de uma obra imitativa
mantém indiscriminadamente jargões atuais e palavras que revela uma essência imutável, de acordo com o modelo
obtusas ou já em desuso, criando equívocos sobre arte e eterno. É a obra que manifesta em nível poético alguma
estética. Assim, há todo um glossário que impede um senso coisa do mundo, de modo totalizante, aí algo se forma e se
crítico. A arte no campo da barafunda passa por qualquer torna inteligível, visível. [...] 63
coisa que desperte emoção. A beleza passou a ser
sinônimo de prazer. A estética, de saúde, adorno e vigor. E [Acontecimento da obra de arte]
criação, mera inventividade ou estilização. O descrédito Como acontece a obra de arte? O artista, no seu processo
face à orientação para fazer-arte cresce em todos os cantos temporal, à luz de uma atitude estética ilumina e articula o
e faz da estética disciplinar um estudo de segunda categoria material, conformando-o numa linguagem, belamente
ou desnecessária.58-59 expressiva, estruturando sentidos inéditos no mundo. [...] 63

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ITENS FUNDAMENTAIS DA ESTRUTURAÇÃO DA OBRA força da própria ciência, não há mais rígida distinção entre
DE ARTE matéria e energia. [...] 68-69

[Trabalho, Material, Forma e Valor] [Matéria é Material]


O poeta Tasso da Silveira, nas aulas de estética dizia: não O que está em pauta quando se fala em matéria em arte é
há obra de arte sem quatro itens: trabalho, material, forma o material com que o artista vai trabalhar. Caracteriza-se
e valor. A obra exige trabalho: um modo de fazer com pela maneira do artista selecionar e formatar determinado
técnica e intensão estética a obra que acontece no processo material, um solo ilimitado. No que vai resultar em trabalho
temporal. Exige material: isto é, a materialidade onde o da materialidade que deve chegar à nova realidade
sentido da obra é conformado. Exige forma: nova forma expressiva, que a ela foi dada, de modo simbólico,
arrancada à matéria dada, cuja inter-relação se expressa na estabelecendo um corte com a realidade sensível. 69
linguagem da arte. Exige valor: a obra pronta mostra
apreciável potencial estético. 64 “A materialidade é o solo a ser trabalhado”. 69

TRABALHO [Materialidade constitutiva da obra]


Quando se fala matéria da arte não se trata de matéria
[Trabalho e sentido (Significado)] bruta, nem do material empregado na confecção de algo
O artista é um trabalhador, mas que tipo de trabalho, ele que varia de acordo com as áreas específicas da arte, mas
realiza para fazer arte? Não se trata de um simples moldar da materialidade constitutiva da obra. 69
materiais a partir de sonhos e ideias. Nem uma mera
fantasia a sair do campo do desejo ou inspiração. Nem um FORMA
criar iluminado pela inspiração, nem um ato tão fácil como
apanhar fruto maduro ou uma coisa, por acaso. De jeito [O artista trabalha a forma da Matéria]
nenhum Uma matéria qualquer – palavra, sonos, cores – A palavra forma, no nível do senso comum, se acha
está aí, à disposição. Deixar surgir algo em forma não associada ao modelo, ao molde de qualquer coisa, à
significa seguir um impulso, que se esgota na mera formatação de qualquer corpo com feitio preestabelecido.
expressão. [...] Assim, a obra de arte se caracteriza como Só que o artista procura formatar a obra, a partir do que não
produto da luta que se dá no espaço do artista entre seu é, mas do que vai se formando, se materializando, num jogo
desejo expressivo e o fazer artístico. Reconhecemos: onde material e forma se revezam até alcançar novo
exprimir é algo comum a todos os homens, até os animais. material formado, nova forma materializada. Ser artista
Somente o artista, devido ao seu fazer, à operação implica em criar materialidade, formatar uma realidade.
instauradora de sentidos, consegue produzir formas Capacitação que incide no domínio técnico de saber
significativas, chamadas belas. 65-66 trabalhar com o material e formata-lo de modo original. 71

[Trabalhador e Matéria] [Forma no conjunto de materiais diversos]


Que trabalho realiza o artista? Como todo e qualquer O que caracteriza a forma não é a aparência, mas a
trabalho é um saber-fazer a obra, com técnica, tendo estrutura da obra sua organização interna. Esta ordenação,
consciência dos meios para chegar a sua consecução. Um que segue diferentes lógicas, se dá, graças ao poder do
trabalho construtivo e intencional de quem usa a imaginação artista de unificar em uma totalidade significativa, a
para objetivar a obra, em segura estruturação, na realidade diversidade de elementos, muitas vezes, contraditórios,
cultural. Seja uma obra útil, seja uma obra de arte. Mas para opostos, dispersos. 71
realizar uma obra de arte, o artista tem de enfrentar seus
impulsos, emoções e através de uma intenção estética [Forma e conteúdo]
vencer a matéria que faz suas exigências A matéria a ser Portanto, na obra de arte não existe de um lado a forma e
trabalhada impõe resistência, por isso tem de ser de outro o conteúdo. Um não existe sem o outro, no sentido
conhecida, pois se suas leis forem violadas, não surgirá que o conteúdo da obra de arte, nasce no momento em que
obra de arte. Como fazer música sem conhecer e trabalhar nasce a forma. O ato de criar não é o ato de dar forma a um
o som? Como fazer pintura sem conhecer e trabalhar cores conteúdo, mas é o ato de formar conteúdos, novos e
e formas? No combate, ora vence o desejo expressivo, ora originais. 73
vence o fazer artístico. Quando a expressão tem prioridade,
o artista atrofia a forma e se derrama, se dilui. Tantas [Sentir estético e a forma]
confissões de amor, chamadas de poemas, não serão Se o sentir estético impulsiona o fazer criativo, todavia, não
meras expressões e gritos soltos? Tantos artistas abafam se trata de uma fonte de sentimentos e emoções primárias,
os sentimentos e se limitam tecnicamente a reproduzir pura espontaneidade, um jorrar, um extravasar. É mais uma
formas, e não conseguem nada dizer de si e do mundo por atitude que acompanha o artista como luz que ilumina o
falta de expressão criativa, por isso não basta apenas o acervo da sua seleção num punhado de experiências, em
trabalho formal. 67 nível consciente e inconsciente, e que na delimitação
adequada chega à formatividade da obra. 73
MATÉRIA
VALOR
[Definição de matéria]
Qual a matéria da arte? A palavra matéria está carregada [Valor Social e Estético]
do peso da substantividade, tão própria à metafísica As obras de arte estão aí no mundo das culturas e da
clássica. De tal modo, que ainda persiste o sentido de história, mostrando seu valor social, valor estético e valor de
matéria concreta, sensível, física, que recebe a forma pela mercadoria. 74
idealização do artista. Aristóteles estabelecia uma A palavra valor é controvertida porque pode indicar
separação entre a ideia (forma) que o artista concebia do algo visto com peso numa escala hierárquica, ou algo de
artífice (matéria) que ele usava para exprimir essa mesma significação valiosa financeiramente. Se durante muito
ideia. Tudo se processava neste enfoque como se a matéria tempo o valor atribuído à obra de arte era a beleza, à medida
fosse massa inerte e o artista, pelo processo mimético, que foram se diversificando os padrões e juízos estéticos,
imprimisse a forma de modo absoluto. Na modernidade, por outros problemas como gosto, sublimidade, prazer, foram

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se incorporando O que é feio? O que é bonito? Tudo homens ponderaram, especularam, tiveram as suas
depende da interpretação e a questão foi se deslocando do convicções acerca da natureza da arte, do porquê e do para
assunto para a força da representação e até para a quê da atividade artística, muito antes do século XVIII. As
negação. 74-75 diferentes épocas e culturas tinham um ponto de vista
Devido à morte da hierarquia de valores se tem a diferente sobre esses assuntos, manifestado não só no que
impressão que não existe valor. Assistimos no campo da os artistas diligenciavam fazer ou no que se esperava que
avaliação da arte, dos críticos, hoje, embaralhamentos de eles fizessem, mas também nos critérios pelos quais se
julgamentos. Na balança, ora subjetivos como projeções avaliavam as suas obras. Por essa razão, as observações
românticas e sentimentais, ora científicos com base de de um artista, de um moralista ou de um eclesiástico são,
objetividade. Ou julgamentos conservadores, que ainda se às vezes, tão significativas no revelar as implícitas
pretendem ao ideal eterno de beleza e regras de arte. Ou suposições estéticas de uma época quanto as mais
ainda, a absoluta ausência de julgamento. Difícil é julgar. poderosas e abstrusas formulações dos filósofos – o que
Quem tem autoridade para dizer que algo é não quer dizer que estas últimas posam ser
verdadeiramente obra de arte? Quais os critérios para negligenciadas.” 151-152
afirmar que esta obra de arte é bela e ver dadeira? 75
[Dicionário]
[Interrogações sobre valor] HISTÓRIA: Os fatos do passado da humanidade
De qualquer forma, questões ficam no ar? Que medida registrados cronologicamente. Narração ordenada, escrita,
adotar para estabelecer o valor da obra? Como julgar a obra dos acontecimentos e atividades humanas ocorridas no
de arte? A qualidade, o processo de criação, a passado. Ramo de ciência que se ocupa de registrar
espontaneidade criativa? Quem pode estabelecer a cronologicamente, apreciar e explicar os fatos do passado
linguagem da arte? Por que tem de ser a tela e não o objeto da humanidade em geral, e das diversas nações, países e
que fala de modo criativo no campo da pintura? Por que o localidades em particular. (Dicionário da língua portuguesa,
ritmo e não a rima não deve ser o essencial no poema? Por Mirrador). 152
que a experiência estética tem que se dar à luz de uma
experiência figurativa no campo da tensão fundo-forma? [Problematização]
Por que cada arte não pode ter sua própria linguagem de PROBLEMATIZAÇÃO: Por que hoje, mais do que nunca, se
criação? Que valores estão presentes à obra de arte? 76- torna impossível investigar as questões estéticas sem
77 recorrer à história geral, da arte e da filosofia? 152

[Valor da obra de arte] O LUGAR DA ESTÉTICA HOJE


“O valor imputado à experiência estética tornou-se origem e
fonte dos chamados valores estéticos. (...) As obras de arte [ADORNO: o Estudo da Estética hoje não tem apoio]
(...) são também portadoras de valores não estéticos. Mas Adorno, no texto de sua Teoria estética, faz algumas
o valor estético significa – ou deveria significar – algo observações que bem nos revelam a situação da estética
diferente no valor total de uma obra de arte.” (OSBORNE, na época atual. É um saber que face à história e cultura se
H. Estética e teoria da arte. São Paulo: Cultrix, 1982). 77 encontra sem fundamentos fixos e sem apoio. 153

[Valores estéticos da obra de arte] [Adorno: estudo da Estética como algo antiquado]
A obra de arte se caracteriza pela presença de valores, “O Conceito de estética filosófica tem algo de antiquado
estéticos sempre em relação a outros valores como como de sistema ou de moral. Este sentimento não se limita
técnicos, decorativos, religiosos, mas de imediato ela de modo algum a práxis artística e a indiferença pública
parece provocar valores estéticos de agradabilidade ou perante a teoria estética. Desde há dezenas de anos,
desagradabilidade, isto é, prazer estético ou não. Há uma mesmo nos meios acadêmicos as publicações relativas a
gama de valores estéticos que são atribuídos às artes como este tema regridem de maneira surpreendente. Um
beleza, sublimidade, êxtase, fascinação. [...] 77 dicionário filosófico recente sublinha a propósito:
dificilmente, existe uma outra disciplina filosófica, que como
[Heidegger e os Valores] a estética, se baseie em pressupostos tão inseguros Tal
Criticando a super-valorização dos valores, vistos em si como um cata-vento gira a cada pé de vento filosófico,
mesmos, Heidegger diz: 78 cultural, teórico-científico, voltando-se ora para metafísica,
“Porque se fala contra os “valores” surge uma ora para o empirismo, normativa um dia e descritiva outro,
indignação em face de uma filosofia – assim se retende – vista agora a partir do artista, e logo a partir do amador.
se atreve a desprezar os bens mais elevados da Hoje, ela se vê o centro da estética na arte para o qual o
humanidade, pois, o que é mais lógico que isso: um belo natural se deve interpretar apenas como um primeiro
pensamento que nega os valores terá necessariamente grau e amanhã encontra no belo artístico unicamente um
declarar tudo sem valor?” (HEIDEGGER, M. Sobre o belo natural de segunda mão. O dilema da estética, assim
humanismo, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967). 78 descrito por Moritz Giger, caracteriza a situação desde
meados do século XIX. A razão deste pluralismo de teorias
CAPÍTULO 3 – ESTÉTICA E CULTURA estéticas, que muitas vezes não são elaboradas
completamente, é dupla: reside, por um lado na dificuldade
principal e até na impossibilidade de tratar a arte em geral
CAPÍTULO 4 – ESTÉTICA E CRIATIVIDADE por meio de um sistema de categorias filosóficas; por outro
lado na dependência tradicional das proposições estéticas,
a respeito de posições teórico-cognitivas, que lhe servem de
pressupostos. 153-154
CAPÍTULO 5 – ESTÉTICA E HISTÓRIA
[Pontos importantes para Adorno]
[Herold Osborne, Introdução sobre a Estética na Adorno deixa nesse texto um conjunto de temas que
História] merecem considerações:
“A Estética formal, como a conhecemos, é uma recém-
chegada na história do pensamento humano. Mas os

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1. O conceito estético e a sua relação com a ao estudo da arte, mas deveria se tornar a ciência que se
metafísica; volta para o que se processa no campo do conhecimento
2. O pluralismo das teorias estéticas e a crise da sensível: belo, gosto, fruição e criação da obra. 156
metafísica;
3. A impossibilidade de tratar a arte somente à luz da [WUNDT, FECHNER, TAINE e a Estética Experimental]
filosofia; Pois na época de cientificismos, com novas experiências
4. A tradicional dependência dos pressupostos sociais, artísticas e científicas, há tentativa para constituí-la
estéticos às posições teóricos-cognitivas. 154 como ciência. Nessa linha, alguns pensadores procuraram
transformar a estética numa ciência experimental, nos
[1] O CONCEITO DE ESTÉTICA E SUA RELAÇÃO COM moldes metodológicos: Wundt, Fechner e Taine. Outros
A METAFÍSICA tentam lhe dar uma nova fundamentação filosófica como
(O caráter metafísico da estética tradicional) Hegel, Schiller e Nietzsche, numa linha mais
fenomenológica, ao nível da história e da cultura. 157
[Estética Metafísica (Antiguidade) e Estética Crítica
(Modernidade)] [Crise da Estética: Cientificismo Estético e Esteticismo]
É comum escutarmos: a arte está mora, consequentemente No final do século XIX e primórdios do XX, a sociedade
a estética também. No meio cultural resta, todavia, um ranço sofre, através da revolução industrial, profunda influência da
de normatividade. De que se trata? Para compreender em ciência e da tecnologia, se fazendo notar uma crise na
que sentido o conceito de estética filosófica tem algo de estética através de dois movimentos: o cientificismo estético
antiquado é necessário didaticamente ver a história da e o esteticismo. O primeiro reforçando a aproximação da
estética em duas grandes vertentes: metafísica e crítica, ou estética ao mundo novo, da ciência e tecnologia. O segundo
em tradicional e moderna. A primeira constitui a filosofia da expressando o repúdio aos cânones da estética clássica.
arte que surge na antiguidade grega e se mantém até o Ora, embatem filósofos, sociólogos, psicólogos, artistas,
começo da idade moderna. A segunda irrompe com força literatos questionando a autoridade da estética com a
no século XIX, época da crise da metafísica que coincide pretensão de fundar uma “teoria geral da arte”. Ora, um
com o cientificismo por força do desenvolvimento das grupo de artistas pretende fazer da estética a diretriz da
ciências particulares e a tentativa de fazer da estética uma própria vida, de tal modo que a ela, todos os outros campos
ciência. 154 culturais se sujeitassem. E seduzidos por um certo
irracionalismo se insurgem contra a ortodoxia da arte que
[Fim da metafísica] estabelecia norma para o fazer. 157
No século XX, na fase pós-moderna, surgem debates sobre
a morte da arte e da metafísica, e se discute: ainda existe [Estética na contemporaneidade]
arte, existe metafísica? Todas as formas de arte sejam de Hoje, entre a banalização e o endeusamento, se encontra a
caráter subjetivo, objetivo, interativo, não serão todas obra de arte – circula como mercadoria –, e passa a ser
válidas, desde que sejam significativas? 155 negada como obra valiosa. E a estética deixa de ser alvo de
debates e estudos significativos. [...]. 157
[A estética está ligada a uma metafísica Clássica]
O que caracteriza a estética filosófica é o seu A IMPOSSIBILIDADE DE TRATAR A ARTE SOMENTE À
comprometimento com a metafísica clássica, isto é, com LUZ DA FILOSOFIA
uma interpretação da arte à luz de pressupostos lógicos e
metafísicos que procuram definir sua essência de modo [Estética e Semiótica]
imutável: “A arte é a imitação da verdadeira natureza” [...]. Mas a estética não tem mais vez? Caiu sua validade
Toda realidade explicada à luz do mesmo princípio divino, enquanto saber? Muitos estudiosos da linguagem insistem
além do homem e do mundo, do mesmo princípio na substituição da estética pela semiótica. Alegam que não
transcendente. 155 se trata mais de qualificar o belo, mas de apreender a ler
através de signos a informação sobre o real artístico, onde
[2] O PLURALISMO DAS TEORIAS ESTÉTICAS E A o belo é mero pretexto. 158-159
CRISE DA METAFÍSICA
(A crise da metafísica tradicional e a Estética Moderna) [Crítica de Adorno]
A crítica que Adorno faz à estética metafísica como
[KANT e a crise da Metafísica] anacrônica e à confusão reinante de seus conceitos (tão
A reviravolta que se processa no campo da estética não plurais e incompletos) decorre, portanto, de uma dupla
surgiu hoje. Apenas leva adiante a posição de Kant, razão: da impossibilidade da arte em se limitar às categorias
pensador alemão do século XVIII, que ao criticar os filosóficas e também da tradicional dependência dos
fundamentos do conhecimento, tendo por modelo o pressupostos estéticos às posições teórico-cognitivas. Elas
conhecimento (metódico) da ciência, coloca em cheque a não só permeiam as suas representações formais como
metafísica. Demonstra que este saber tornando-se também têm lhes servido de instrumento à investigação do
hipotético já não mais se sustenta como coluna da filosofia objeto estético. 159-160
universal, não pode dar garantias às verdades primeiras e
absolutas por não ter condições de comprová-las. Kant no A TRADICIONAL DEPENDÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS
livro Crítica da Faculdade dos Juízos (1790) encerra a ESTÉTICOS ÀS POSIÇÕES TEÓRICO-COGNITIVAS
estética como estudo independente dos princípios
metafísicos, uma dimensão que une a vida intelectual à vida [Gnoseologia e Ontologia]
sensível, mediatizada pela imaginação.156 Sem autonomia, a filosofia da arte era apenas uma simples
vertente da poderosa metafísica, determinada pela diretriz
[BAUMGARTEN e a crise da Metafísica/Estética] de conhecimento e pela visão de mundo dos sistemas
Mas quem iniciou, neste século, a releitura da arte e beleza filosóficos tradicionais. 160
foi Baumgarten, que nomeou como estética aquilo que tem Assim, as posições estéticas enquanto
por objeto e análise “o que é perceptível aos sentidos”. proposições de conhecimento do fenômeno estético e
Procurando com a desvalorização da vida sensível no artístico têm dependido dos pressupostos filosóficos,
campo da filosofia, afirma que a estética não devia se limitar principalmente gnoseológicos e ontológicos. Da

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gnoseologia enquanto estudo analítico do processo do


conhecimento lógico, seus limites e possibilidades e da [Verdade é Interpretação da Realidade]
ontologia enquanto estudo do ser em sua imutável essência Portanto, na civilização ocidental é possível descobrir o
e finalidade. 160 sentido da verdade como interpretação da realidade, em
Mas a história da filosofia, nos últimos tempos, nos grandes momentos históricos, a partir das obras de arte. Aí
mostra esses pressupostos como discutíveis a depender fica presente a obra de arte como novidade ontológica,
dos modos de se compreender e interpretar o mundo finito. inauguradora do sentido temporal de mundo, indicando a
160 diretriz do sentido que fundamenta o processo de
relacionamento do homem com aquele mundo. 166
[Estética e Estéticas hoje] [Grécia] Na Grécia, há uma variedade de obras
Sem respostas definitivas, hoje, diante de tantas culturais como mitos, tragédias, templos, estátuas,
alternativas, domina um clima de complexidade: não há artefatos, que indicam no processo da imitação artística, a
estética, mas estéticas. Tudo indica que a tradicional se presença da concepção do sentido de verdade como
esgotou, e a estética moderna, que se quis crítica dos absoluta. Os artistas seguiam uma cosmovisão naturalista:
absolutismos não vingou. Vivemos numa fase um cosmos perfeito que manifesta o modo do homem grego
inegavelmente anárquica e contraditória: a arte nega e de estar integrado ao mundo naturalmente divino. 166
assume velhas formas. De qualquer modo, a estética, tantas [Medievo] Na época medieval, a religião cristã
vezes, passa por não ter autoridade para exercer qualquer determina a arte sacra, principalmente igrejas e catedrais,
caráter normativo. Hoje já não é considerada necessária: uma diretriz de concepção de verdade absoluta A arte
estética, para quê? Sem função, ela “gira como um cata- imitativa pretende revelar o sentido de um Deus pessoal e
vento”. 161-162 incarnado como razão de ser do homem no mundo. 166
[Modernidade] Nos tempos da modernidade
ESTÉTICA, ARTE E HSTÓRIA muda o enfoque da verdade, vista no campo real, obtida
pelos meios científicos, medidos e calculados, mostrando o
[Sensibilidades de uma época] poder do homem sobre a natureza e a arte se volta para a
A história se torna indispensável ao saber estético porque é diversificada casa do homem. São as investigações, os
impossível discutir arte e seus problemas, sem referência projetos das cidades, a arte pós-moderna. 166
às diversas modalidades de respostas que foram dadas [Pós-Modernidade] Hoje, a ciência e a tecnologia
pelos artistas e pelos intérpretes ao longo do tempo. Isto fazem da verdade uma construção temporal e na arte a
não significa que a estética pretenda descrever ou provisoriedade aparece como medida do homem em
inventariar as obras de arte de uma cultura, nem mesmo múltiplas formas, arte abstrata, arte concreta, arte colagem,
discutir as razões dos seus estilos, mas aspira chegar às arte-fragmento, arte-instante, arte-imagem gráfica, arte-
permanentes e diferentes situações em que as questões da conceito, arte-pop, tudo indicando o distanciamento da
arte se mostram no mundo da cultura. 162 realidade substancial e transcendente. O homem vai mais
longe, se abre para seu mundo inconsciente, cria artes
[Problema atual da estética] surrealistas, fantasmagóricas. Explora em arte a não
Como fica a estética hoje? Que critérios seguir para apreciar possibilidade de verdade realística e se joga no campo da
a obra criativa se não mais segue o caminho da razão ficção científica, como aparece em tantos filmes. 166
absoluta e suas verdades eternas? Nem da razão
instrumental e da razão científica? Nem da razão [Heidegger: Arte e Verdade]
imagística? Se diversas estéticas estão admitindo a obra no Heidegger, analisando a relação entre arte e verdade diz: “a
plano da finitude, admitindo que a arte se conforma no transformação da essência da verdade corresponde a
presente, através das obras, múltiplas obras, expostas nos história da essência da arte ocidental”. Ele nos diz que a
museus e nas ruas, nas salas de concerto e nos rádios de arte foi se essencializando no processo historial a partir das
carro. 162 mudanças do sentido da verdade. Esta mudança aconteceu
no processo cognitivo, no modo de constituição do sentido
HISTÓRIA, ARTE E VERDADE do real como objeto de conhecimento primeiro metafísico,
depois teológico, em seguida, científico, hoje, anti-racional
[Concepção estética história de beleza, gosto, verdade, e pluralista. 168-169
etc.]
Encontramos, na relação entre história da estética e história PROBLEMAS ESTÉTICOS À LUZ DA HISTÓRIA
da arte, a relação arte e beleza dependendo de uma OCIDENTAL
compreensão do sentido de verdade e consequentemente
de linguagem. Assim, cabe a estética como dimensão do [História da Filosofia e dos problemas da Estética]
saber filosófico, ficar atenta à realidade social, natural, A história da estética da civilização ocidental basicamente
humana, à luz dos pressupostos cognitivos, originados no está ligada aos conceitos universais sobre arte e beleza
modo do homem estar no mundo cultural, datado e situado. baseados nos princípios metafísicos. E a própria história da
163 arte no campo da práxis seguiu os fundamentos desses
conceitos. [Grécia] Desde o seu começo, bem determinado
[Beleza e Criatividade] na Grécia, com poucas exceções, há espaço para o jogo da
Dizer que a arte é fundamentalmente beleza ou criatividade, contradição, do presente e do ausente, do positivo e
como a história da arte muitas vezes a interpreta, de negativo, do belo e do feito. [Pensadores Clássicos] A
imediato, revela o desconhecimento de um conjunto de partir dos pensadores clássicos impera a determinação do
variáveis que possibilitam ou impedem a compreensão do princípio de identidade, o que é, é. Esse modo de se ler o
trabalho de criação. 164 real excluindo o meio termo, as tensões, por força da
racionalidade foi o caminho estético da civilização ocidental.
[História e Verdade] Pautou-se na linha dos grandes filósofos gregos, distante da
A história nos mostra que o homem “mora na verdade” posição de Heráclito [Devir] que chama atenção para a
porque o que fica de cada momento histórico é exatamente realidade como jogo de contrários, a beleza como vigor
aquela realidade interpretada através de formas imperante na obra da natureza, onde a physis e o logos
expressivas. 165 vivem em combate. Essa filosofia foi abafada pela

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interpretação da linha de Parmênides [Ser] que defende o Problemas Estéticos: Arte e Realidade (Platão) / Arte e
princípio da identidade, “pensar e ser são o mesmo”. Beleza (Aristóteles)
Interpretada pelos grandes socráticos gregos, Platão e
Aristóteles como um modo de excluir a diferença e a [Hauser e a naturalidade Clássica]
contradição, eles deram, por sua vez, os fundamentos para “De fato, na arte clássica grega, o naturalismo e a
a filosofia de cunho racional. [Medievo] Ela fundamentou a estilização combinam-se inesperadamente em quase todos
filosofia cristã. [Modernidade] Mas a metafísica contestada os casos, ainda que nem sempre tão equilibradamente,
pelas teorias científicas, nos séculos XVII e XVIII, discutida como por exemplo, no Banquete dos Deuses, do Partenon,
e negada pela filosofia Kantiana deixa vir à tona um ou para citar uma obra menos ambiciosa, em Luto por
punhado de questões que tinham sido deixadas de lado. Atenas, do Museu de Acrópole. Fora da arte clássica seria
Qual a relação da razão com a imaginação? Da lógica com difícil encontrar tanto como nela, tão completo, à-vontade,
a estética? E questões de juízo de beleza e do gosto vêm à combinado com tão completa contensão, tão grande
tona e se inicia a fase crítica da estética instigada pelos supressão de todo o vestígio de esforço, tensão ou excesso,
problemas que as ciências e as artes colocam. 169-170 uma impressão tão perfeita de liberdade e leveza, de
Mas ainda se dá o choque de posições entre a equilíbrio e serenidade.” (HAUSER, A História social da
estética crítica e a estética metafísica porque a visão de literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, 1982).
Hegel recoloca a metafísica clássica no apogeu e se volta
à discussão das questões da arte à luz de conceitos O NATURALISMO
universais. Embora nascido no século anterior ele atuou,
com muita repercussão, no século XIX. Deixou a grave [Os gregos e a Natureza]
sentença: a arte é para nós enquanto a destinação No antigo mundo grego – rico de manifestações artísticas –
suprema, coisa do passado. Em outras palavras, o caos e o cosmos se embatem. No seu período áureo,
preconizou a morte da arte como forma cultural que já todavia, se sobressaiu o naturalismo, expressando uma
alcançou sentido na arte e será superada por outras formas determinada cosmovisão: o mundo é naturalmente
espirituais. Hegel exalta a arte clássica como a mais perfeita ordenado e cada coisa tem o seu lugar certo. O naturalismo
expressão que o artista criou na história. Preconiza, todavia é uma corrente que não admite nada que seja exterior à
que a arte como forma representativa será necessariamente natureza, reduzindo a realidade ao campo natural,
ultrapassada pela filosofia enquanto autoconsciência da apreendido pela nossa experiência. O que vai se revelar na
verdade o Espírito Absoluto. 170 arte naturalista que se caracteriza pela simetria, harmonia,
[...] [Romantismo] A ênfase no racional será ordem e perfeição das formas.177
contestada pela desmedida do Romantismo que vai
propiciar uma virada no campo das artes e da beleza. Ela [Concepção de mundo: Cosmos]
se volta para as forças da expressão individual em oposição O homem grego, cidadão da polis, não pode deixar de se
ao cultivo do belo ideal e do impersonalismo próprio ao pautar na natureza e fazer cultura, a não ser a partir da visão
movimento neoclássico. E como legado da cultura europeia reinante: o cosmos é ordem e harmonia e o fim do cidadão
fica a música alemã, Beethoven e Wagner, a herança da é a aretê, a perfeição de sua natureza. Ele cresce
literatura francesa, Chateaubriand e Victor Hugo [...]. impregnado de obras poéticas, participa das tragédias, e se
Artistas que vão preparar terreno para novas correntes mede nos templos gregos com suas colunas abertas ao
como o Impressionismo e o Expressionismo que vão dar vigor da natureza. E o sol, a terra, os ventos, a lua e as
golpes mortais nas poéticas e nas regras das academias e estrelas revelam o jogo do mundo onde está naturalmente
forjar condições para o corte com a tradição. 170-171. presente o próprio deus. Esse povo aprecia os valores
espirituais unidos à justa medida da beleza e do vigor físico.
De tendência mais lógica que mística, conceberam uma
PARTE 2 – OS PROBLEMAS ESTÉTCOS NA HISTÓRIA mitologia de caráter antropológico, um Olimpo onde os
DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL deuses são projeções humanas, com seus defeitos e
qualidades. 178
[Apresentação]
Na civilização ocidental, aparecem interpretações filosóficas ARTE NATURALISTA
do mundo que foram surgindo no pensar e no agir criativo,
revelando uma diretriz preponderante de pensamento, o [A Arte copia a natureza divina]
que não acontece nos dias atuais, quando não predomina Neste mundo onde a natureza espelha o divino, a vida tem
uma linha de pensamento, de certo modo, dificultando os sentido nesta ligação, os artistas amadurecidos no clima
posicionamentos sobre arte e estética. 173 racional, começam a se preocupar com a aparência da
realidade sensível e querem expressar o modelo perfeito.
[Recorte] Os pintores lutam para chegar na matéria bruta à perfeição
Fizemos um corte na história geral, ao nos fixarmos na da imagem do real natural. Os escultores buscam a
civilização ocidental porque consideramos que os fidelidade anatômica como podemos ainda ver na harmonia
problemas estéticos atuais só podem ser compreendidos a dos corpos nus. 178-179
parte do seu começo na Grécia e nos desdobramentos que
ficaram como momentos históricos significativos manifestos [A arte corrige a natureza]
nas obras de arte. 173-174 O que pretendia a arte naturalista: criar imitações ilusórias
da natureza? Os artistas não eram copistas, usavam a
técnica exatamente para criar a mais adequada aparência
CAPÍTULO 1 – ANTIGUIDADE GREGA
do real verdadeiro. É nesse clima que artistas e filósofos se
desenvolvem, diante de um mundo cultural rico de obras
Período: Século VI a.C ao III a.C monumentais como o Acrópole e o Partenon. 179
Regime: Escravocrata (Senhor/Escravo)
Formas de Arte: Arte mítica / Arte Clássica
Filosofia da Arte: Pré-Socrática: Heráclito e Parmênides /
Socrática: Sócrates; Platão e Aristóteles

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FORMAS DA ARTE [Arquitetura]


Em épocas diferentes, desenvolveram três ordens ou estilos
ARTE MÍTICA arquitetônicos: Dórica, Jônica e Coríntia, que rivalizavam
em beleza e harmonia. E vão se distinguir, principalmente,
[Apresentação] na feitura das colunas: embasamento, proporções entre
Arte de cunho poético, proveniente da relação de intimidade altura e diâmetro, capitel e elementos superiores. [...] 182
do homem com a natureza. Ex.: vasos de cerâmica, criação
de mitos, primeiras tragédias. 179 FILOSOFIA DA ARTE (ESTÉTICA METAFÍSICA)

[Origem da Arte Mítica Grega] [Estética Metafísica (Sócrates, Platão e Aristóteles)]


Será que existiu arte mística? Como surgiu a arte grega? Nos primórdios da filosofia ocidental não existe uma ciência
Ela tem suas raízes na civilização minoico-cretense, hoje estética, nem mesmo a palavra indica um estudo crítico da
conhecida pelas ruínas de algumas cidades da pré-história arte e da criatividade, como na atualidade No período áureo
helênica, como Corinto, Micenas e Cnossos. Ela sofreu a da filosofia, com Platão e Aristóteles, o campo da “estética”
influência, de outros povos, como os egípcios, que se juntamente com o da ética, fazem parte da filosofia prática,
voltavam para a glorificação da vida futura – enquanto os fundamentada na metafísica que estabelecia verdades
gregos desejavam o gozo e a plenitude da vida no ato de absolutas sobre todas as coisas. Segundo a sistematização
fazer arte e contemplar a natureza. O artista grego da filosofia feita por Aristóteles, dividida em especulativa e
entusiasma-se pela vida e tenta mostrá-la em suas belas e prática, a filosofia da arte que chamamos de estética se
múltiplas manifestações através da criação artística que se encontrava no mesmo campo da ética, voltada para a ação.
distingue pela elaboração intelectual e harmonia ideal. 179 Tinha por fim orientar o trabalho das artes, à luz de
conceitos universais de caráter metafísico, expressando
[Homero e Hesíodo] verdades dogmáticas a respeito da beleza, da arte (téchne),
As primeiras obras de arte dos gregos, de cunho poético, do homem e da natureza. 182-183
trazem no seu bojo as mitologias narradas pelos grandes
poetas Homero e Hesíodo nos séculos VI e V a.C. 179 [Ética Estética]
A estética e a ética como filosofia prática, nas doutrinas de
[Fim do pensamento Místico] Platão e Aristóteles, estava sujeitas à metafísica – ou
No século IV a.C., à medida que se dá nova organização ciência dos fundamentos, dos primeiros princípios e das
política e nova ordenação do pensamento, a arte vai se categorias determinantes da verdade ontológica e da
tornando independente da magia e da religião. Os artistas verdade lógica, obtida pelos processos racionais do
procuram os meios técnicos para chegar à representação conhecimento. E como filosofia primeira, a metafísica
exata da natureza. Os pensadores-poetas, integrados à estabelecia para o fazer artístico, critérios e regras
natureza, emitem suas máximas em linguagem poética. [...] determinantes, capazes de orientar o caos das intuições. De
Os sacerdotes e arcontes presidem as cerimônias tal modo, que a arte clássica é regida pela estética
procurando representar os episódios da vida dos deuses, normativa, leis e conceitos universais. 183
mas abrindo espaço para a plateia dialogar com os artistas.
O povo assiste à representação teatral sem pagar; sofre, A TEORIA ESTÉTICA (FILOSÓFICA-METAFÍSICA)
chora, faz sua catarse. 180
[Fundamento da arte: imitação (mimesis)]
ARTE CLÁSSICA Segundo os clássicos gregos, a arte embora fosse
linguagem inaugural, não tinham fundamento em si mesma,
[Apresentação] a arte era vista como operação capaz de revelar a realidade,
Arte racional que visa imitar a natureza à luz da ordem e mais perfeita e plena, espiritual e eterna. Nesse sentido, a
proporcionalidade, a fim de chegar à perfeição, harmonia. arte é imitação, ato de operar a junção matéria e forma para
Requer domínio de técnicas. Ex.: templo, Partenon; que se assemelhasse a uma realidade mais perfeita. A
escultura, Vênus. 180 operação não era vista como mera produção, espelho do
mundo sensível, mas verdadeiramente criação à medida
[Origem] que fazia surgir o ser do não ser através de um ideal de
A arte clássica surge e desabrocha no século V e IV a.C. e beleza. A filosofia da arte grega se fundamenta, portanto, na
nela predomina a visão naturalista de mundo, prescindindo imitação: arte tem por fim imitar a realidade natural,
de qualquer intervenção sobrenatural. A arte quer considerada perfeita, e cabe ao artista ter o domínio da
reproduzir através da imitação das aparências das coisas a técnica, regras e saberes. 184-185
realidade natural e humana. De tal modo, que as artes
miméticas, pintura, poesia, escultura, música, têm em FILÓSOFOS DA ARTE
comum a imitação da realidade, considerada bela e perfeita.
O trabalho artesanal busca adequar material/forma numa FASE PRÉ-SOCRÁTICA: HERÁCLITO E PARMÊNIDES
síntese harmoniosa, e exige domínio das técnicas no fazer
arte. O resultado é a beleza que se manifesta pela harmonia [Poesia Filosófica]
das formas e perfeição dos elementos. 180-181 Os primeiros pensadores-poetas gregos não interpretavam
a arte como um campo da filosofia, mas como um modo de
[Artistas Gregos Clássicos] ser da própria vida. Eles estavam integrados à natureza,
Os grandes artistas desta época: Zeuxis, Parrásio e expressavam de modo poético as suas visões de mundo e
Apeles desenvolvem técnicas de imitar a aparência apresentavam seus ensinamentos em linguagem poética
sensível das coisas. Sobraram desse tempo pinturas através de aforismos. Em destaque: Heráclito e
vasculares, usadas na decoração de vasos, representando Parmênides. 186
personagens históricos ou lendários, cenas da vida
cotidiana. E no trabalho técnico aparecem as primeiras
tentativas de conquistar o espaço tridimensional, visando
alcançar sempre um maior realismo. 181

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HERÁCLITO (535-473, a.C.), Éfeso – Escola Jônica verdadeira realidade (mito da caverna). Assim a obra de arte
verdadeira revela a ideia plena de beleza, de acordo com a
[Devir] ideia exemplar que se achano mundo das ideias perfeitas e
Apresenta a realidade como um jogo de contradições, onde eternas. E as obras que se limitam às cópias do mundo
a mola é a mudança, o vir-a-ser. Diz no seu aforismo: “Tudo sensível são apenas meras imitações. 188
se faz por contraste; da luta dos contrários nasce a mais
bela harmonia” e nos faz pensar dizendo: “Quem se poderá [ERRADO: por imitar a realidade sensível o artista
esconder da luz que nunca se deita?”. 186 inexoravelmente estará fadado a produzir simulacros.
Não é, portanto, por falta de educação ou entendimento]
PARMÊNIDES (530-477, a.C.), Elea – Escola eleática Platão, na obra “República”, critica os artistas que fazem
obra de arte sem saber a que ideia algo corresponde
[Ser] plenamente. Artistas que vivem no mundo das cópias
Um pensador poeta que estabelece a íntima relação entre (meras aparências) sem se esforçarem para chegar ao
pensar, ser e dizer. A linguagem poética é a grande mundo verdadeiro e belo (mundo das verdades eternas e
articuladora do sentido das coisas, ela chega àquilo que é. espirituais). Admite que eles não são educados para pensar
“Os cavalos que me conduzem levaram-me tão longe naquilo que faze fielmente falseiam as ideias nas suas obras
quanto meu coração poderia desejar, pois as deusas à medida de que se limitam às falsas reproduções dos
guiaram-me através das cidades, pelo caminho famoso que exemplares. Fazem cópias das cópias. Simulacros. Assim,
conduz o homem que sabe”. 186 no livro “República”, sua grande utopia, voltada para a
Justiça social, os artistas são banidos por viverem no mundo
FASE SOCRÁTICA da imaginação. Devem ser excluídos deste estado ideal que
tem por objetivo conduzir o homem para o seu verdadeiro
[Arte: imitação da natureza] fim (mundo espiritual das ideias) através da sabedoria,
Os socráticos consideram a arte como imitação da virtude, amor e beleza. 188
verdadeira realidade. Sócrates, pensador racional,
condena a arte instintiva e afirma que a arte bela se
identifica ao bem. Platão, filósofo das ideias, encara a arte REALISMO ARISTOTÉLICO
como imitação da ideia plena de beleza (mundo das ideias).
Aristóteles, mais realistas, analisa a arte como perfeita ARISTÓTELES (384-322, a.C.), Estagira
imitação [ou seria correção?] da natureza (mimesis). 187
[Teoria da imitação / Representação do Universal]
SÓCRATES (479-399, a.C.), Atenas O pensador, discípulo de Platão, mantém do mestre a teoria
da imitação (mimesis) mas lhe dá um novo sentido. De fato,
[Postura] a arte não deve imitar o individual e contingente, nem
Pensador que se notabilizou historicamente como homem mesmo a ideia plena e eterna de belo, mas o essencial, a
ético, viva na pólis, em querela com os sofistas sempre forma universal, eterna, que se atualiza em cada indivíduo
argumentando, mas em muitos aspectos se assemelhavam. do mundo real. Ele não escreveu um tratado sobre o belo,
A diferença, segundo seus discípulos, estava que os mas na sua obra “Poética” refere-se ao belo como uma
sofistas tinham por preocupação ensinar a retórica, sem forma de ordenação da obra em sua forma mais perfeita, de
preocupação com a verdade absoluta. [...] Critica toda arte acordo, com a forma natural que expressa a sua essência.
que não está fundamentada nos princípios da razão e 189
princípios da moralidade, chama atenção dos poetas e entra
em choque com os dramaturgos. 187 [Arte como correção da Natureza]
Portanto, em Aristóteles, a mimesis tem o sentido da
[Crítica de Nietzsche e a Arte Trágica] imitação da forma perfeita que não se encontra na natureza,
No século XIX, Nietzsche analisa a posição socrática como de modo pleno, mas que pode se realizar na obra de arte.
aquela que traçou o caminho da racionalidade para a O que acontece? A natureza, sempre em processo, coloca
civilização ocidental determinando a morte da arte trágica, em ato a perfeição do ser, mas imediatamente o ser deixa
verdadeiramente humana e consequentemente, debilitando de ser ato e passa a ser potência para ser outro ser, de
a qualidade de vida. 187 acordo com a ordem divina estabelecida para o mundo
“Mas a palavra mais penetrante, desse culto novo físico, sujeito à mudança. Assim um ser individual está em
e inaudito ao saber a ao entendimento, foi Sócrates quem a ato, em estado de perfeição, mas em potência para ser
disse, quando constatou ser o único que confessava nada outra coisa. E quem capta este ser no seu estado de beleza
saber enquanto em sua perambulação crítica por Atenas, é o artista, não o deturpa, procura se adequar à casualidade
visitando os grandes estadistas, oradores, poetas e artistas, do real e ao plano da sua obra. Isto significa que a perfeição
encontrava por toda parte a fantasia do saber.” da natureza é sempre efêmera, mas na arte, duradoura.
(NIETZSCHE, F. O Nascimento da tragédia no espírito da Assim o artista ao imitar a natureza deixa na obra de arte,
música. São Paulo: Abril, 1974.) 187-188 em repouso, o que muda no real sensível. O verdadeiro
artista ao imitar e aperfeiçoar a natureza eterniza a forma
IDEALISMO PLATÔNICO que na arte permanece como expressão de beleza. 190

PLATÃO (427-347, a.C.), Atenas [Poética: Imitação]


Na “Poética”, Aristóteles analisou a questão da imitação
[ERRADO: Platão não entende que a “Arte” é um como uma característica natural do homem de se aproximar
caminho para o “Belo”. Arte é técnica para Imitar do semelhante, e o artista como aquele capaz de, pela
(mimesis) a Realidade, fazer dela um Simulacro] téchne (poder de produzir), de imitar a realidade natural e
Platão, poeta e filósofo, discípulo de Sócrates vê a arte humana através do uso de elementos (cor, som, figura,
como um caminho para o homem alcançar a Beleza palavra) e de princípios estéticos como harmonia, simetria.
suprema, que se encontra no mundo espiritual e eterno das 189-190
ideias. A realidade sensível em que ele vive, dividido entre
corpo e alma espiritual, é apenas uma sombra imperfeita da

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[Poética: Tragédia e Paixões] firmemente convencido, de um modo simples e natural e


“A tragédia é uma imitação da ação, elevada e completa, talvez até ingênuo, que o que faz belo um objeto é a
dotada de extensão, numa linguagem temperada, com existência daquele belo em si, de qualquer modo que se
formas diferentes em cada parte, atuando os personagens faça a sua comunicação com este. O modo porque essa
e não mediante a narração e que por meio da compaixão e participação se efetua não o examino neste momento,
temor, provoca a purificação de tais paixões.” 190 afirmo, apenas, que tudo o que é belo o é em virtude do belo
em si. [...]“ (PLATÃO, Fédon. Os Pensadores. São Paulo:
PROBLEMAS ESTÉTICOS Abril, 1972). 193

ARTE E BELEZA BANQUETE


(O amor é um caminho para se chegar à beleza
[Introdução] verdadeira) 193
Onde buscar o modelo de beleza, nas coisas do mundo
físico ou na ideia plena de beleza? 191 [Amor e Belo]
Eis, com efeito, em que consiste o proceder corretamente
PLATÃO nos caminhos do amor ou por outro se deixar conduzir: em
começar do que aqui é belo e, em vista daquele belo, subir
[Platão e o Belo] sempre, como que servindo-se de degraus, de um só para
A Beleza em si não está no mundo físico, mas no mundo dois e de dois para todos os belos corpos, e dos belos
perfeito das ideias. O pensador estabelece relações entre corpos para os belos ofícios, e dos ofícios para as belas
arte e realidade à luz de uma realidade supra-sensível. Ele ciências até que das ciências acabe naquela ciência, que
encara a arte verdadeira como imitação da realidade nada mais é senão daquele próprio belo, e, conheça enfim
essencial, que exige esforço para alcançar a idealização da o que em si é belo. (PLATÃO. O Banquete. Os Pensadores.
plena beleza, produto de uma conquista amorosa e São Paulo: Abril Cultural, 1972). 193-194
intelectual da sua ideia exemplar (mundo das ideias). O
autêntico artista deve ser afastar das cópias das ideias que ARTE E REALIDADE
se encontram no mundo sensível. Para reproduzir as A beleza que existe na realidade natural é uma qualidade
aparências das coisas deve ter a sabedoria para imitá-las imanente à coisa ou à obra de arte? Onde fica a feiura, se o
nos seus aspectos essenciais, eternos, espirituais. Pois a que é material sofre deterioração e deixa de ser belo? 194
beleza é uma qualidade, não da coisa real, mas dos
elementos em estado puro, da cor, do som, da forma, da ARISTÓTELES
simetria, da proporcionalidade de tudo que deve estar de [Finalidade: recriar a realidade]
acordo com a ideia plena de harmonia, de Beleza pura Para o pensador, a arte como imitação da natureza, não tem
(ápice na hierarquia das ideias). [ERRADO: pensamento por fim o belo ideal, mas deve chegar à beleza como plena
de Plotino (Para Platão não há “autêntico artista” nem harmonia das formas, proveniente do ato de produção. O
imitação do essencial]. 191 artista age de acordo com a reta razão perseguindo a forma
(perfeita) da coisa a fazer, devido ao seu saber técnico e
[Duas Belezas de Platão] estético. Não se trata, na obra de arte, de uma produção
Para Platão a beleza tem duas dimensões. Metafísica, algo mecânica, mas poética, aqui compreendida como uma
que existe em si de modo pleno no mundo das ideias, como capacitação de criar conscientemente. Por saber fazer, ao
apresenta nos livros Fédon e Banquete. De modo efêmero, artista instaura a forma, produzindo algo que aparece com
se mostra nas coisas sensíveis, e duradouro na arte unidade, beleza, algo atraente. 194
verdadeira ao refletir a ideia perfeita [ERRADO:
Pensamento de Hegel]. Uma outra dimensão é de ordem [A feiura provocada pela temporalidade]
moral. A beleza deve ser um atributo que o homem adquire Como ele diz na Metafísica: “das coisas que nascem ou
ao estabelecer harmonia interior que possibilita o alcance começam a existir, umas são produção da natureza, outras
do belo e verdadeiro mundo das ideias, como indica na da arte...”, mas o belo duradouro é qualidade intrínseca da
“República”. 191 obra de arte, já que o belo na natureza está sujeito a
irromper e desvanecer por estar determinado pelo tempo e
[Prazer estético] em mudança”. 194
A obra de arte agrada, provoca deleite, mas não tem por
função induzir a alma a imitar o que é bom, belo e verdadeiro [Corrigir a natureza]
enquanto atributos do mundo perfeito e eterno das ideias. O O artista emprega os sentidos, a inteligência e a imaginação
amor à beleza é um meio de espiritualizar o homem, libertá- para ordenar tecnicamente a matéria bruta à luz da forma
lo do mundo sensível e conduzi-lo à vida inteligível, eterna. certa, perfeita. Ele chega, muitas vezes, a modificar a forma
[ERRADO: o deleite não é um problema platônico e sim irregular ou reprovável como se manifesta muitas vezes no
moderno] 192 real concreto. O feio é excluído da obra de arte, já que o
objetivo do artista é alcançar a forma bela e não aquela que
HIPIAS MAIOR OU DO BELO está sujeita à deteriorização. O que aparece nas estátuas é
(A procura do conceito universal de beleza) 192 a medida mais perfeita dos corpos humanos porque são
feitos na base de modelos perfeitos enquanto que, na
FEDON OU DA ALMA realidade, eles sofrem, naturalmente degradações. 194-195
(A beleza existe em si, no mundo das ideias) 193
[Arte e Sociedade]
“... Para mim é evidente, quando, além do belo em si, existe Segundo Aristóteles, a arte é útil à sociedade à medida que
um outro belo: este é belo porque participa daquele apenas trata de dar modelos exemplares a serem imitados, mas
por si e por nenhuma outra causa... Se alguém me diz limitada pelo fato de ficar na dimensão da verossimilhança
porque razão um objeto é belo e afirma que é porque tem e não no campo da verdade lógica. 195
cor ou forma, ou devido a qualquer coisa desse gênero,
afasto-me sem discutir, pois todos esses argumentos me
causam unicamente perturbação. Quando a mim, estou

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A POÉTICA – LIVRO IV atitude perante as simples verdades familiares, garantidas


(O homem é um ser imitador, por excelência). pelo critério de autoridade, a própria experiência constitui
menos uma fonte de afirmação de originalidade na
“Ao que aprece, duas causas, e ambas naturais, geram a interpretação do que um testemunho de confirmação e
poesia. O imitar é congênito no homem (e nisso difere dos corroboração das verdades estabelecidas. Essa
outros viventes, pois, de todos, ele o mais imitador e por experiência procura a redescoberta do que já fora
imitação, apreende as primeiras noções) e os homens se estabelecido, a reforma do que já fora reformado e a
comprazem no imitado. Sinal disso é o que acontece na reinterpretação formal da verdade. Os valores supremos
experiência – nós contemplamos com prazer as imagens estão fora de discussão e contêm formas eternamente
mais exatas daquelas mesmas coisas que olhamos com válidas; qualquer desejo de alterá-los pelo simples amor à
repugnância, por exemplo (as representações) animais mudança seria blasfêmia. O fim da vida é a posse dos
ferozes e de (cadáveres). A causa é que o aprender não só valores eternos, e não a atividade mental em si”. (HAUSER,
apraz aos filósofos, mas também, igualmente, aos demais O. História social da literatura e da arte. São Paulo: Martins
homens, se bem que menos participem dele efetivamente, Fontes, 1982). 200
tal é o motivo por que se deleitam perante as imagens:
olhando-as, aprendem e discorrem sobre o que seja cada O TEOCENTRISMO
uma delas (e dirão) por exemplo este é tal.”
(ARISTÓTELES. Poética. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964). [Deus fundamento de todos os seres]
195-196 A cultura da idade média, o teocentrismo, se expressa na
diretriz: Deus fundamento de toda a realidade, fonte de toda
POÉTICA – LIVRO XV a beleza. A revelação bíblica, fonte da verdade, enunciou: o
(Verossimilhança e Necessidade) mundo é regido por um Deus criador, origem e fim de todo
(A imitação tem uma dimensão ética) ser criado e se revelou aos homens através de Jesus Cristo.
201
“Se a tragédia é imitação de homens melhores que nós,
importa seguir o exemplo dos bons retratistas, os quais, ao [Deus fonte da Perfeição]
reproduzir a forma peculiar dos modelos, respeitando Tudo fala de Deus o homem e a natureza. Ele se impõe
embora a semelhança, os embelezam assim, também como o princípio e o fim de todo ser e valor. É fonte da
imitando homens violentes ou fracos ou com tais outros Beleza, Verdade, Bondade. Ele é a razão de ser da
defeitos de caráter.” (ARISTÓTELES. Poética. Os perfeição, presente à obra de arte e objetos da natureza.
Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1984). 196 Assim, as coisas e as figuras humanas devem revelar nas
obras de arte os sinais da vida eterna, forjando uma
POLÍTICA atmosfera bela. E a ordem deve se manifestar na
(A Apreensão da beleza exige aprendizagem) observância moral, elevação espiritual e fidelidade à
doutrina cristã. 201
“Mas acredito que há uma coisa que o vulgo ignora, certas
realidades possuem semelhanças naturais, fáceis de se [Arte Sacra (Arte-Total)]
descobrirem, em objetos que falam aos sentidos, e que A arte sacra expressa os sentimentos religiosos do
podem com facilidade ser apontados aqueles que pedem cristianismo e marca o início do seu poderio, das suas
uma explicação, quando queremos dá-la facilmente, sem relações com os grandes chefes políticos. Isso se manifesta
nos embaraçarmos com argumentos, mas as maiores e nas catedrais, nas belas igrejas onde as artes integradas
mais preciosas realidades não possuem imagens criadas devem constituir uma arte global capaz de louvar a Deus e
que deem aos homens uma intuição clara, imagens que conduzir o espírito do homem para o fim supremo. Todo
apontaríamos quando quiséssemos satisfazer a alma que material artístico é preparado, com vigor, para Deus ficar
nos interroga e que bastaria adaptar-se a este ou aquele presente. E as obras religiosas com suas arquiteturas,
sentido para satisfazer a curiosidade. Assim é necessário esculturas, pinturas, vitrais, mosaicos, se esmeram em
procurarmos saber dar a razão de cada coisa e trabalhos bem feitos irradiando esplendor, dando glória a
compreendê-las, pois as realidades que são as maiores e Deus, Senhor da terra e dos céus. Quem entra numa
mais belas revelam-se à razão somente a ela.” catedral se depara com um mundo transcendente,
(ARISTÓTELES. A Política. Rio de Janeiro: Aguilar, 1964). harmonioso, belo e sente a diferença com o mundo profano.
196-197 202

CAPÍTULO 2 – IDADE MÉDIA ARTE SACRA

Período: Século I ao XV, d.C. [Naturalismo Simbólico]


Regime Social e Econômico: Feudal (Relação Senhor [rei] Na arte sacra medieval ainda predomina o naturalismo,
/ Servo [vassalo]); aliás, uma constante na civilização ocidental, até
Formas de Arte: Arte Sacra (catacumbária, bizantina, basicamente com o corte, no século XIX, com o
românica e gótica); impressionismo. Mas se ela imita o mundo natural, na forma
Filosofia da Arte: Platonismo de Santo Agostinho / figurativa, se reserva, ao nível do simbólico de apontar a
Aristotelismo de São Tomás de Aquilo realidade cristã como a mais perfeita expressão do divino.
Problemas Estéticos: Beleza e Espiritualidade (Santo 202
Agostinho) / Beleza e Prazer (São Tomás de Aquino).
[Estilo Grego Naturalista - Idealista]
[Progresso da Arte] Historicamente, a arte cristã primitiva é a arte dos cinco
“A ideia de progresso é completamente desconhecida para primeiros séculos do aparecimento do cristianismo. O que
a primitiva Idade Média; não existe a mínima compreensão aconteceu com o mundo grego? A decadência da Grécia
do valor do que é novo e, pelo contrário, luta-se pelo que é culmina com o domínio da macedônia no século IV a.C., o
velho e tradicional. E não é simplesmente a ideia de qual cede lugar à dominação romana no ano 145 a.C. E as
progresso, tal como o concebe a moderna ciência, que é conquistas de Alexandre promovem a difusão da cultura
estranha à sua maneira de pensar. Pelo que diz respeito à grega no Oriente. Surge então a cultura Helenística como

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resultante da fusão do mundo grego com elementos de [Segunda fase: Reconhecimento]


outros povos. 202 Já no segundo período, chamado de reconhecimento, o
cristianismo que foi perseguido por três séculos, se vê,
[Estilo Romano Naturalista - Realista] finalmente, elevado à categoria de religião oficial do Império
A arte desenvolvida no império romano de origem etrusca Romano, graças ao imperador Constantino, convertido à
sofre influência grega que ficou presente às colônias nova fé. 205
helênicas da Magna Grécia, ao sul da Itália. Culmina com a
transformação da Grécia em província Romana, no século [Arquitetura]
II a.C. E a arte romana atinge o apogeu na época de Esta libertação transparece na arquitetura. O monumento
Augusto. O que se passa no campo das artes? Na escultura, característico da arquitetura cristã primitiva é uma
predomina a cópia do estilo e das famosas obras gregas. adaptação da planta da basílica civil romana. Ela cumpre a
Todavia, nos retratos, os artistas romanos primam pela fiel um só tempo, as finalidades de tribunal, mercado e cartório.
reprodução dos traços, contrastando com a idealização A basílica torna-se local de reunião dos fiéis e celebração
fisionômica da estatuária grega. 202-203 de culto. 205-206

[Romanos e os Mosaicos] [Escultura]


Os romanos cultivaram também as chamadas artes As esculturas manifestam-se, sobretudo, nos sarcófagos,
menores, como trabalhos com mosaicos, vindo da Ásia, que que se inspiram diretamente nos modelos alexandrinos e
se tornou verdadeira voga, principalmente durante a fase do romanos. Como aparece na representação de Cristo, ora
império. Inicialmente motivos ornamentais geométricos, um tipo grego, imberbe, rosto tocado de vida interior, ainda
depois cenas e personagens com maior variedade de rapaz. Ora um tipo sírio, homem feito, barba espessa, meio
colorido. 203 e moreno. 206

[Arte Cristã: Igrejas; Pedagogia] ARTE CRISTÃ BIZANTINA (DE BIZÂNCIO/ORIENTE)


A cultura em termos gerais, e a arte em particular,
acompanham esta decadência [do império romano no [Apresentação]
século II]. Mas a tônica dos santos da igreja quando Arte de cunho oriental que se caracteriza pelo uso de arcos.
escrevem sobre as questões estéticas falam da beleza que Destaque: mosaico. Ex.: Igreja de Santa Sofia
irradia das construções feitas coma intenção de glorificar a (Constantinopla) 206
Deus. Afirmam o valor da arte que pode passar mensagens
de modo eloquente, tendo papel pedagógico, social e [Oriente]
catequético. E revela a verdadeira vida eterna onde a luz A arte bizantina é eminentemente oriental, com predomínio
divina é fonte permanente da beleza. 204 da cor, gosto decorativo, o sentimento de luxo. Ela se
caracteriza por ser produto da fusão das tendências oriental
FORMAS DE ARTE e ocidental, isto é, riqueza e ostentação no interior,
simplicidade no exterior. [...]. 206
ARTE CATACUMBÁRIA
[Iconoclastia]
[Arte naturalista e simbólica das primeiras catacumbas] No período denominado a “querela das imagens” ou
Arte dos primeiros cristãos nas catacumbas. Decoração nos Iconoclastia, nos séculos VII ao IX – época dos ataques dos
subterrâneos da igreja de São Sebastião e símbolos árabes e de povos europeus, as artes entraram em
religiosos: uvas, aves, peixes. 204 decadência – os artistas sofrem acirrada perseguição de
vários imperadores que moveram ataque às imagens e aos
[Perseguição e catacumba] ídolos. Mas excelentes pintores fazem uma obra
A arte dos cristãos nas catacumbas vai do século I ao século tipicamente bidimensional, pois ignora a perspectiva. Em
IV. Pouco diferente da arte romana, do ponto de vista da teor de decoração, irradiando esplendor e coloridos
forma, mas a função é religiosa e o assunto é a vida cristã. extraordinários, tornam o mosaico uma arte de adorno. Uma
À época das perseguições, os cristãos refugiam-se nas das convenções mais persistentes na pintura bizantina é a
catacumbas (túmulos subterrâneos) para realização dos representação do céu dourado. 206
cultos. Aí, os artistas criam uma arte própria, sobretudo, na
base de símbolos, tendo por tema a fé em Cristo. Depois do ARTE CRISTÃ ROMÂNICA (DE ROMA/OCIDENTE)
Édito de Milão (Constantino, ano 313), que dá liberdade de
culto aos seguidores de Cristo, esta arte pode desenvolver- [Apresentação]
se mais livremente. E dela nasce, mais tarde a arte bizantina Arte de etilo decorativo, em pedra, uso de abóbadas.
e a arte românica. 204 Destaque: ourivesaria. Ex.: Catedral de Pisa e Basílica de
Madeleine. 207
[Técnica]
Poucas são encontradas nos primeiros tempos, e se explica [Ocidente] [Arte Orgival ou Gótica]
o fato pela difusão inicial do cristianismo ter se dado, nas A arte românica é a arte cristão ocidental europeia que mais
camadas sociais inferiores do império. Sem os requintes evoluiu, passado a se chamar mais tarde, orgival ou gótica.
técnicos e o poder de expressão pessoal, os artistas se Proveniente de artistas que chegavam das constantes
achavam a serviço da classe superior dominante. O que fez invasões dos povos bárbaros, apesar de nômades, eles
o trabalho se caracterizar pelo rudimentarismo técnico, ao trabalhavam e mostravam nas suas obras artísticas
mesmo tempo, nobreza de sentimentos. 205 apurado gosto estético. 207-208

[Motivo ou Tema: representação dos Santos] ARTE GÓTICA (DERIVADA DA ARTE ROMÂNICA)
Desde os primeiros movimentos de propagação da nova fé,
os cristãos defrontaram-se com o problema de criar uma [Apresentação]
realidade imaginária, isto é, representar Deus, Cristo, Arte das catedrais, uso de ogivas, vitrais, retábulos. Ex.:
Virgem Maria e cenas da Escrituras Sagradas, Catedral de Notre Dame de Paris; Chartres, Colônia. 208
fundamentando-se em verdades e dogmas da fé. 205

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

[Estilo e Nome] [Sobre o Belo]


A arte gótica revela a nova fase da cultura religiosa que vai [...] As respostas [sobre a beleza] brotam da própria
substituindo o mundo simbólico por um mais natural que presença da arte, de cunho eminentemente religioso, no
transparece na harmonia entre interior e exterior e mundo social e cultural. São explicados por princípios
verticalidade de linhas, tão próprias as catedrais. Por que teológicos fundamentados na metafísica grega: na linha
recebe o nome gótico? No sentido pejorativo de “bárbaro”, platônica, seguida por Santo Agostinho e na linha
igual a gado, significando o que é feio, vulgar, por força da aristotélica, seguida por São Tomás de Aquino. Onde a
invenção dos renascentistas. 208 concepção reinante de verdade, elaborada pelos padres da
igreja era a verdade lógica – a ordenação harmoniosa das
[Origem histórica do estilo] partes de um todo fundamentada na verdade ontológica –
No princípio do século XII, a arte românica começa a expressão da Inteligência divina. Neste sentido, a arte bela
transformar-se na arte gótica. De grande aceitação este deveria corresponder à beleza divina. 210-211
novo estilo se espalha por toda Europa. Ele funde num todo
orgânico, elementos clássicos, bizantinos e bárbaros, TEORIA ESTÉTICA: TEORIA DA IMITAÇÃO
representando verdadeira revolução nos domínios da arte. (FILOSÓFICA-TEÓLÓGICA)
208-209
[Apresentação]
[Arquitetura] A arte segue a teoria da imitação tendo por fim imitar o real
A arquitetura gótica representa uma das maiores conquistas à luz de princípios religiosos.
da capacidade criadora do homem. Caracterizado por sua No clima da idade média se mantém a concepção
verticalidade, traz uma relação monumental entre o homem da estética clássica, a teoria da imitação grega. E a arte
e o ambiente onde o homem é considerado uma partícula como mimesis, embora frágil imitação da realidade sagrada,
ínfima diante da grandeza de Deus de acordo com o é capaz de espiritualizar o mundo concreto. A arte é um
teocentrismo vigente na época. 209 meio de imitar e manifestar a beleza divina em obra. Mas a
verdadeira Beleza, esplendor da Verdade divina,
[Escultura] transcende ao homem. E deve ser a meta da vida
A escultura gótica está integrada à arquitetura, sem, humana.211
contudo, subordinar-se a ela, embora os escultores se
reduzissem a simples colaboradores dos arquitetos. 209 [Agostinho e Aquino: negação no mundo sensível]
Os pensadores Santo Agostinho e São Tomás de
[Pintura] Aquino, ao ligarem filosofia e teologia, têm por fundamento
Quanto à pintura, esta entrou com mais intensidade nos último de toda a realidade a mensagem cristã, bíblica,
monumentos civis, nas residências senhoriais, nos palácios explicitada pelos princípios metafísicos dos filósofos
e castelos (cuja arquitetura oferece maiores superfícies). pagãos, mas interpretando a realidade como criação de
Mas aí passa a sofrer a concorrência dos tapetes na Deus. Passam, em seus escritos, posições estéticas que
decoração mural. 209 mostram a afirmação da arte espiritual e a desvalorização
do mundo sensível, pecaminoso e transitório. 211
FILOSOFIA DA ARTE – ESTÉTICA METAFÍSICA E
TEOLÓGICA FILÓSOFOS DA ARTE

[Santo Agostinho (Patrística) e São Tomás de Aquino PATRÍSTICA


(Escolástica)] O PLATONISMO DE SANTO AGOSTINHO
A Filosofia medieval foi elaborada pelos padres da igreja
católica e tem como destaques Santo Agostinho, que viveu SANTO AGOSTINHO (354-430), Tagaste, África.
na época da arte românica e fundou a corrente Patrística, e
São Tomás de Aquino foi contemporâneo da arte gótica e [Platão/Teoria Estética]
se tornou o grande expoente da Escolástica. 210 Padre da igreja, convertido ao cristianismo, estudioso de
filosofia e influenciado pela doutrina idealista de Platão,
[Filosofia e Teologia, Arte e Beleza] desenvolve a tese que a ordem e harmonia reinam em todo
Essa filosofia foi considerada a serva da teologia e assim universo e o seu fundamento último é a unidade divina. Essa
persistiu num longo período da história com o objetivo de harmonia presente em toda obra criada é sinal da própria
harmonizar razão e fé, estabelecendo a conciliação entre a força divina. Deus é a medida da Beleza, da Verdade, do
Filosofia Grega e a Teologia Cristã. E nessa linha cristã, a Bem. Deus está presente no mundo das coisas criadas que
concepção da verdade eterna é a luz do mundo e dos se mostram belas, assim cabe ao poder do artista
homens e tem mais peso do que as certezas humanas. Isso transfigurar e deixar o anúncio da vida eterna nas obras de
irá se refletir na maneira dos pensadores encararem a arte arte. 212
e a beleza. 210 A arte reflete a fonte da Beleza, divina, infinita, e
tem por fim religar o homem ao criador. 212
[Estética Medieval e a Beleza]
Na idade média, a estética como filosofia da arte ainda não ESCOLÁSTICA
despertava o interesse dos pensadores cristãos, O ARISTOTELISMO DE SÃO TOMÁS DE AQUINO
preocupados em elaborar a doutrina do cristianismo. A
beleza não era uma questão a ser debatida, pois sendo uma SÃO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274), Roccasecca,
propriedade do próprio Deus, tinha de estar presente nas Itália.
coisas por ele criadas. Os pensadores não estabeleciam
íntima ligação entre arte e beleza, mas nem por isso [Aristóteles/Teoria Estética]
deixaram de dar resposta aos outros problemas que elas O “Santo Padre”, considerado o grande teólogo da igreja
suscitavam, já que o meio cultural revelava interesse pela católica, escreveu a grande síntese filosófica teológica, a
arte sacra e os místicos e os fiéis pelo sentido da beleza. Suma Teológica, influenciado pelo realismo da metafísica
210 de Aristóteles e baseado na fonte bíblica. Quando estudava
a questão da beleza relaciona-a à questão da natureza e à

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

existência de Deus. Ele é fonte de todos transcendentais – às coisas. Mas a obra bela feita pelo homem não estando
a verdade, a bondade e a beleza – presentes em todo ser necessariamente comprometida com a verdade, diferencia
criado. Tudo o que existe é uno, verdadeiro, bom e belo, das obras lógicas que tem por fim clarear a Inteligência, ela
marcado pelo seu criador. O artista não pode deixar de pode passar falsidades. Neste sentido é preciso ficar atento
imitar o criador e ao criar deixa presente a sua marca, à contemplação das obras belas que agradam e provocam
principalmente de beleza e de bondade. A beleza não é só prazer. Ciente que nem todo prazer é beatificante, só aquele
propriedade da obra de arte, é um dos aspectos do bem. É que eleva a alma a Deus. 214-215
o que deleita no belo natural e nas boas ações, ajuda o
homem naturalmente a se aperfeiçoar. Mas o santo padre SUMA TEOLÓGICA
não estabelece identificação entre arte e beleza, já que as
artes, na sua época, tinham papel unitário. E a beleza, por O PRAZER É DIFERENTE DA ALEGRIA?
sua procedência divina, tinha uma extensão mais ampla que (Distinção entre alegria e prazer) 215
a arte. Mas a obra de arte era uma ocasião de
contemplação, agradável até ao conhecimento, ao mesmo Dificuldades:
tempo um meio de elevar o espírito até a beleza do Criador. I) As paixões da alma diferem em função de
Portanto, a arte como expressão da beleza divina, sendo seus objetos. Ora a alegria e o prazer têm o
vista, agrada, eleva o espírito. 212-213 mesmo objeto, a saber o bem possuído/ eis
que a alegria se confunde exatamente com o
PROBLEMAS ESTÉTICOS prazer;
II) Um mesmo movimento não chega a dois
BELEZA E ESPIRITUALIDADE termos; ora é o mesmo movimento do desejo
que se encontra na alegria e no prazer. Não
(Em que sentido a arte, ao representar a beleza, pode há, pois, nada a distinguir entre a alegria e o
elevar o espírito?) 213 prazer;
III) Se a alegria é diferente do prazer, parece que,
SANTO AGOSTINHO pela mesma razão, a alegria a exultação
significa igualmente outra coisa que o prazer
“O belo transcende a beleza da obra criada que se que teríamos então paixões diversas: o que é
manifesta na arte Ele expressa a perfeição de Deus que se inadmissível; não distinguirá, pois, alegria e
revela na sua bondade e sabedoria infinitas. O belo provoca prazer. 215
deleite no contemplador e antecipa o estado de felicidade
da vida eterna. Nesta concepção, a realidade sensível, ARTIGO 4: O prazer está no apetite intelectual?
embora bela por ser reflexo da beleza do criador, sendo
efêmera, não deve ser valorizada. [Plotino] A teoria da [Contradições]
imitação que o artista segue, embora voltada para o Dificuldades: Aristóteles escreveu: O prazer é um certo
verdadeiro e belo modelo divino é limitada, e muitas vezes movimento sensível; ora o movimento sensível não está no
chega a ser perigosa. [Platão] Leva o artista à atração das apetite intelectual?
coisas mundanas, as cores, as formas, os sons, o brilho que - O prazer é uma paixão e toda paixão se encontra no
podem “acorrentar a alma”. 213 apetite sensível;
- O prazer é comum aos homens e aos animais – É a parte
CONFISSÕES – LIVRO IV que nós temos em comum com eles.
(Deus é a fonte de toda a beleza) 214 Entretanto, está dito no salmo? Toma teu prazer no Senhor?
Ora o apetite sensível não é capaz de alcançar a Deus, só
Por esse tempo ignorava estas verdades e amava as o apetite intelectual. O prazer pode, pois, se encontrar
belezas terrenas. Caminhava para o abismo e dizia a meus nesse último apetite”. (AQUINO, São Tomás. Suma
amigos: amamos nós alguma coisa que não seja o belo? Teológica. Paris: ed. De la revue des jeunes, 1932). 214-
Que é o belo, por conseguinte? Que é a beleza? Que é que 215
nos atrai a afeiçoa aos objetos que amamos? Se não
houvesse neles certo ornato e formosura não nos atrairiam. CAPÍTULO 3 – RENASCENÇA
214
Eu notara e via que em nós mesmos os corpos se Período: Século XV ao XVI
deviam distinguir beleza proveniente da união das suas Regime Social e Econômico: Capitalismo, ascensão da
partes: o todo é resultante da sua apta acomodação a burguesia e transformações sociais
alcuma coisa, como, por exemplo, a parte dum corpo ao seu Formas de Arte: Arte Clássica / Arte Maneirista
todo, ou o calçado ao pé, e outras semelhantes. Escrevi por Filosofia da Arte – Estética de Transição: Leonardo da
isso os tratados de Pulchro e Apto, eu creio que em dois ou Vinci
três livros, vós sabeis meu Deus. [...] Que só criais
maravilhas, ainda não via na vossa arte o fulcro de tão [A. Hauser]
grandes obras; o meu espírito errava pelas formas “A Renascença não foi uma civilização de pequenos lojistas
corpóreas. (AGOSTINHO. Confissões. São Paulo: Abril e artesãos, nem de uma classe média à altura, rica e semi-
Cultural, 1973). 214 educada, mas antes, patrimônio ciosamente guardado de
uma elite erudita e latinizada. Esta consistia principalmente
BELEZA E PRAZER nessas classes de sociedade que estavam associadas com
(Quais as relações entre beleza e prazer estético?) 214 o movimento humanista e neoplatônico – uma intelligentsia
uniforme e no todo de espírito semelhante, tal como, por
SÃO TOMÁS DE AQUINO exemplo, nunca o foi o clero tomado na sua totalidade. As
importantes obras de arte eram destinadas a este círculo.
O belo é aquilo que sendo visto agrada, neste sentido, o que As massas mais vastas, ou não tinham conhecimento
é bonito para os olhos, o que é bem feito, agrada enquanto absolutamente nenhum delas, ou apreciavam-nas
expressa a beleza infinita que é Deus. Necessariamente o inadequadamente e de um ponto de vista não artístico,
belo não é provocado pela arte, é uma qualidade imanente encontrando o seu próprio prazer estético em produções de

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qualidade inferior. Foi esta a origem daquele abismo sem entre 1400 e 1500, surge na Itália, tendo Florença como
ponte, entre a minoria educada e a maioria não educada, centro dominante, com irradiação para a Alta Itália. A
que antes nunca se verificara em tão elevado grau, e que Europa acelera o processo de superação da economia
devia ser um fator tão decisivo em todo o futuro agrária, artesanal e urbana da Idade Média, ingressa na
desenvolvimento da arte”. (HAUSER, A. História Social da economia manufatureira, mercantilista e nacional da idade
literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, 1962). 217-218 moderna com o novo estilo. 220-221
[2/Roma] O segundo, a Renascença Romana,
O ANTROPOCENTRISMO entre 1500 e 1550, corresponde ao apogeu, esplendor dos
papas, embora coincidindo com o cataclismo religioso da
[Nada acima do homem e nenhum homem acima do Reforma. [3/Roma] A última compreende ainda Roma, fase
outro] que assinala o início do barroco, e que Leonardo da Vinci,
Se, durante o longo período da história medieval, Deus foi o através das suas obras, faz um rastreamento minucioso da
ponto das atenções de toda a cultura, das artes, em realidade demonstrando domínio de conhecimento sobre
particular, já na fase da Renascença se desloca o eixo, e o anatomia, ótica, teoria das cores. 221
homem é visto como centro de todo o universo – para ele [1500-1600] Finalmente, a Renascença que se
tudo converge e a ele tudo se subordina. O desenvolve no período de 1500 a 1600, impõe-se como
antropocentrismo defende a tese: “o homem é a medida de movimento da renovação cultural e artística, das estruturas
todas as coisas”. Nesse clima onde impera o humanismo, sociais, políticas e econômicas, transformando o panorama
se impõe a Renascença. Irrompe uma plêiade de cultural e artístico europeu. Época caracterizada pela
intelectuais que vão dar o tom da grande virada: Copérnico, presença de Maquiavel em Florença, no tempo dos Médici,
Lutero, Calvino, Rabelais, Montaigne, Shakespeare, pregando a secularização da política, em moldes diferentes
Cervantes e Leonardo da Vinci. 219 da política utópica dos gregos, voltada para o modo do
homem agir de fato. 221
[Nome Renascença]
O nome Renascença indica um novo momento histórico que [Naturalismo e desenvolvimento técnico]
passou na história como um curto período, embora No Renascimento, todavia, o naturalismo não morre, passa
culturalmente rico e revolucionário. E apresentou duas a assumir outra feição, à medida que os artistas buscam no
tendências fundamentais que aparentemente se opõe: ideia conhecimento científico um modo mais perfeito de
de renascer (despertar) e a de restaurar (impor novamente representar a beleza do mundo natural e social. Através da
ideias velhas). 219 descoberta das leis científicas, noções de perspectiva, de
proporcionalidade matemática, consegue criar a ilusão da
[Mudança Científica] terceira dimensão. 221
Por que renascer? O homem sai do limbo, acorda e se
descobre no ritmo do cosmos. Humildemente, porque FORMAS DE ARTE
descobre que não é mais o centro significativo da terra, que
por sua vez, nem é mais o centro dos planetas. Cientistas ARTE CLÁSSICA
como Galileu, Giordano Bruno e outros temestes da
Inquisição provam e defendem a teoria heliocêntrica. A terra [Modelo Grécia-Roma]
se move. Ela se move em volta do sol. A grande revolução Volta ao modelo greco-romano. Imitação. Regularidade de
repercute no campo cultural e em especial, das artes. 219- formas. Sujeição às normas da razão. Ex,: Monalisa. Uma
220 plêiade de pintores: Rafael, Ticiano, Dürer. 222

[Religião e Paganismo] [Termo Classicismo e Arte Clássica]


O clima deixa de ser religioso e a austeridade medieval é O termo classicismo indica a volta ao modelo clássico. No
substituída pela ostentação e luxo; o mundanismo campo das artes redescobre-se a beleza da cultura clássica
sobrepõe-se à fé. O homem, ao perceber a usa própria e dos modelos greco-romanos. A beleza deve expressar a
medida, força as barras e vai se libertando do fatalismo harmonia do todo, que se caracteriza pela simetria, unidade
religioso, liberando as próprias energias criadoras e e equilíbrio. Surge nova cultura clássica, marcada pelo neo-
reconquistando o poder da natureza. 220 paganismo, que vai se opor ao cristianismo. O que se
processa é o retorno à natureza como fonte de
[Mudança de Cânone] inspiração, pautada pela expressão natural e dinamismo,
Por que restaurar? O homem corta com o passado e volta isto é, com figuras de movimento. [Escultura] Na escultura,
às fontes em busca de modelos perfeitos, já que para os a corrente clássica imita os gregos que primaram pela
artistas as criações greco-romanas representavam o ponto valorização da beleza física, com a representação dos nus
mais alto da capacidade humana de realização artística. através da perfeição dos corpos. 222
Impossível superá-los, por isso a única coisa a fazer seria
retornar à medida da cultura antiga: a unidade, equilíbrio e [Beleza física do homem]
harmonia. E os poetas procuraram inspiração na poesia Em vez da elevação a Deus tão próprio ao clima medieval,
latina, como Dante e Petrarca. 220 agora se dá a exaltação do homem, revelada na valorização
da beleza física que se manifesta na representação dos nus
[Pintura: Cimabue e Giotto] e na busca da perfeição anatômica. 222
Saturados, os pintores tentam libertar-se das normas
bizantinas, fundos dourados, figuras hieráticas. Cimabue [PINTURA]
passa sentimentos humanos nas suas obras e Giotto, com A pintura passa a ser uma arte autônoma, não mais um
obras muitos simples, inicia o movimento “representativo” complemento, com emprego de novas técnicas, sobretudo
em pintura. 220 a pintura a óleo. O que muito contribuiu para as mudanças
foi a conquista do espaço tridimensional, obtido através de
[Período] vários estudos. Os artistas exploram a perspectiva
Os períodos da arte clássica: científica, como fazem Mossaccio, Paolo Vicello,
[1/Florença] Os historiadores costumam dividir a Leonardo da Vinci entre outros. Empregam técnicas tais
Renascença em três tempos. O primeiro, aproximadamente como o claro-escuro e o “Sfumato”. 222

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maneira. E o quadro começa a ter usa própria realidade,


[Escola Florentina: Linha sobre a Cor] afasta-se da imitação do real, não quer representar
Embora haja características comuns, as escolas da pintura nenhuma outra coisa, como aparece nas obras de El Greco,
renascentista italiana primam por serem centros Brueggel. Acaba com a unidade de espaço. Num mesmo
diferenciados como a Escola Florentina, em Florença, que lugar, várias cenas são reproduzidas, revelando uma dose
se caracteriza pelo intelectualismo e faz uma arte que se forte de imaginação. 225
exprime pelo predomínio da linha sobre a cor como nos
mostra Leonardo da Vinci, Botticelli, Fra Bartolommeo. [Michelangelo: estilo próprio; movimento]
223 Michelangelo é um artista que tem uma obra difícil de ser
classificada nas características de uma escola pois, embora
[Escola Veneziana: Cor sobre a Linha] renascentista, abriu espaço em sua originalidade para o
A Escola Veneziana brilha pelo predomínio da cor sobre o Maneirismo. Deu nova orientação aos seus discípulos, ao
desenho e a linha, aliás pouco desenho, e também por mostrar o vigor do movimento nas suas figuras. E o
massas de cores, decorativas, suntuosas, sensuais. Pontormo, com a obra Depositação pretende “enganar” a
Produziu grandes pintores como Giovanni Bellini, Ticiano, realidade vestindo as figuras com uma malha ardente. 225
Veronese e Lorenzo Lotto. 223
FILOSOFIA DA ARTE (ESTÉTICA DE TRANSIÇÃO)
[Escola Romana: Síntese entre a Cor e a Linha]
A Escola Romana é uma síntese que se revela no equilíbrio [Teoria Metafísica em crise]
da linha intelectualista dos florentinos e da cor sensual dos Nesse período renascentista, inicia-se a crise da estética
venezianos. Seu digno representante é Rafael que se metafísica, à medida que os parâmetros da verdade
destaca como artista solitário, de muita verve, e por sua absoluta que orientavam o trabalho artístico começam a cair
originalidade é difícil ser classificado dentro das por terra, por força da teoria das ciências nascente. 225-226
características gerais dessas escolas. Michel Àngelo
Buonarroti (1475-1564), arquiteto, poeta, pintor e [Imitação, conhecimentos científicos e Belas Artes]
sobretudo, escultor, revela estudo detalhado do corpo Os artistas ainda seguem a teoria da imitação, eu é
humano e conquista de espaço, como aparecem em obras modificada pelos novos conhecimentos científicos, recursos
primas como Pietá, David e Moisés. 223 técnicos, estéticos e instigantes leituras do mundo. Fazem
uma certa reflexão crítica sobre os critérios de arte e beleza,
[ARQUITETURA] que começa a se modificar à medida que começam a dar às
Na arquitetura, a arte renascentista revive os modelos Belas artes um espaço autônomo. 226
clássicos greco-romanos, de modo algum como cópia literal
ou simples imitação. Adapta-se às necessidades e ao gosto [Arte é imitação da realidade como na Grécia (mas com
da época. [...] O plano Bruneleschiano baseia-se no recursos científicos)]
quadrado e no retângulo; fachadas e paredes internas A arte passa a ser compreendida como imitação da
exibem os elementos arquitetônicos clássicos: arcos, realidade – desde que conhecida cientificamente. Deste
colunas, cornijas, etc. Toda a beleza emana da proporção modo, nos centros de arte, a teoria mimética enquanto
matematicamente calculável existente entre o todo e as imitação da realidade ainda se mantém, mas a
partes, e entre as partes isoladamente. 223-224 apresentação da própria natureza, em obra de arte, surge
aperfeiçoada pelo conhecimento científico que possibilitou
[Arte Renascentista e Academia de Arte] um maior domínio sobre as leis da natureza. Todavia, a
Os princípios da arte renascentista sistematizados passam verdade formal à luz da ciência, ainda não é um meio para
a nortear as Academias a partir do lema: quanto mais o transformar e revolucionar o sentido de realidade no campo
artista conhecer cientificamente o real, mais perfeita será da arte. Os artistas ainda encontram nos padrões clássicos,
sua obra, em termos de precisão. O artesanato da obra pagãos, a medida da arte, mas começam a experimentar
passa para o segundo plano e a visão do mundo obtida por novas formas ao se libertarem dos dogmas e conceitos pré-
conhecimento intelectual passa a ter significado importante estabelecidos pelo poder eclesial. 226
na própria arte. 224
LEONARDO DA VINCI (1452-1519), Anchiano, Itália
[Belas Artes]
As artes como pintura e escultura se impõe como Belas [Biografia]
Artes, tendo função espiritual e social definidas – elas que Se Leonardo da Vinci não é propriamente um filósofo,
durante muito tempo foram desprezadas por serem todavia é um dos gênios mais completos que a humanidade
consideradas artes mecânicas ou artes complementares. conhece; humanista, esteta, cientista, artista de grandes
Através de conhecimentos científicos, os artistas recursos. Um artista estudioso da natureza, que em obras
procuraram mostrar a dupla dimensão da arte: sensível e diversificadas, vai mostrando e descobrindo os meios de
intelectual. 224 relacionar beleza natureza artística. Além de ser também
inventor, engenheiro, arquiteto, desenhista, anatomista,
ARTE MANEIRISTA [Maneirismo: à mano (mão); à músico e pintor. 226
maneira de...]
[Teoria: arte e ciência]
[Individualismo] [...] Ele não escreveu uma teoria estética, embora tenha
Arte polêmica, produzida por individualidades que buscam sofrido influência da linha platônica [e plotiniana], elaborou
um estilo próprio de expressão. Ex.: El Greco, Bruegell. uma teoria da pintura onde revela novos conhecimentos de
225 física e matemática aplicados à arte. Concebe a arte como
uma recriação da natureza a exigir conhecimentos
[Busca por estilo próprio] científicos observados e sistematizados. A aplicação da sua
Que tipo de arte é o maneirismo, decadente ou original? Os teoria pode ser visualizada através das noções de
pintores buscavam uma maneira nova de pintar, rompendo perspectivas usada nas suas obras. [...] 226-227
com a serenidade clássica, traduzindo-se num certo
individualismo, isto é, o artista quer trabalhar, a sua

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

[Uso da ciência na sua arte] versus uma aristocracia decadente que se acha dilacerada
Por que a arte e ciência se opõe? Qual a relação entre entre protestantes e católicos, a razão e a liberdade nem
Beleza e Natureza? Para Leonardo da Vinci, a natureza sempre se encontram de braços dados como revelam as
pode ser imitada, cada vez mais com precisão e rigor à obras culturais e os fatos históricos. 222-223
medida que o artista domina as leis e alcança tecnicamente
os meios de fazer arte. Ele mostra que a beleza artística [Literatura]
decorre da beleza natural desde que o artista saiba E como reagem os literatos? Os franceses, embora
transplantá-la para a arte. A obra de arte enquanto burgueses, Racine, La Fontaine, Boileau junto ao duque
elaborada à luz dos conhecimentos científicos alcança um de La Rouchefoucault, mostram-se dignos representantes
nível mais intenso de beleza. A aplicação da sua teoria pode da época de Louis XIV e fazem uma literatura palaciana, de
ser visualizada através das noções de perspectiva e de estilo. Com exceção, todavia, de Moliére que mantém
anatomia usadas nas suas obras. 227 relação com a poesia popular. Voltaire e Montaigne,
grandes observadores da psicologia humana, iniciam um
CAPÍTULO 4 – IDADE MODERNA processo de crítica ao modo frívolo e farsante da classe
burguesa usufruir a vida, nos luxuosos salões de festa. 223
Período: Século XVII
Regime Social e Econômico: Liberalismo, capitalismo, [Música]
mercantilismo A música clássica também se bifurca, em músicas de salão
Formas de Arte: Arte Barroca / Arte Rococó; e músicas sacras, embora surjam grandes compositores
Filosofia da Arte: Descarte, Bacon, Locke (Voltados para como J. S. Bach. 223
questões científicas e políticas, deram novos rumos à
cultura e às artes). FORMAS DA ARTE
Problemas Estéticos:
ARTE BARROCA
[HAUSER]
“Por volta do final do século XVI, dá-se uma mudança [Estilo e Artistas]
impressionante na história da arte italiana. Um maneirismo Arte Barroca: Contraste violento entre luz e sombra. Linhas
frio, complicado e intelectualista cede o lugar a um estilo curvas. Dobras. O barroco assumiu variedade de formas,
sensual, emocional e universalmente compreensível – o difícil de ser reduzido a um denominador comum. Pintores:
barroco. É a reação de uma concepção de arte, em parte Rubens, Rembrandt, Velásquez. No Brasil colonial,
intrinsicamente popular, em parte, apoiada pela classe Aleijadinho. 234
cultural dirigente, mas com consideração pelas massas,
contra o exclusivismo intelectual do período precedente. O [Datação e Nome]
naturalismo de Caravaggio e o emocionalismo de Carracci O barroco é o estilo artístico predominante na arte europeia,
representam as duas orientações”. (HAUSER, A. História da 2ª metade do século XVII e início do século XVIII. Ele
social da literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, 1982). tem este nome – pérola de formato irregular – com sentido
229 pejorativo. O termo foi usado pelos neoclassicistas, a fim de
depreciar a arte do período anterior, que se mostra
[Contexto Social: Economia e Religião] exuberante e livre, diferindo dos novos padrões clássicos.
As novas liberdades são forçadas no bojo de grandes 234
transformações sociais, políticas e econômicas, com a
afirmação da classe burguesa, desenvolvimento do [Origem Italiana, Renascimento e Igreja]
comércio e manufatura, conquistas de navegação, Originário da Itália, o Barroco com seu apelo à liberdade de
descobertas científicas, conflitos religiosos de grande porte expressão e de novas formas artísticas, espalhou-se pela
como Reforma e Contra-Reforma. O que sucede no século França, Inglaterra, Espanha e acabou sendo adotado em
XVII senão um choque entre posições sociais, intelectuais e todos os países ocidentais. Com muita força se difunde o
artísticas? Enfim a promessa de um mundo novo, livre da barroco devido ao poder político, os choques religiosos e o
autoridade eclesial, livre da subserviência à corte clima liberal. O concílio de Trento dita normas para a arte
absolutista. A formação de uma cultura que vai lutando pela religiosa, substituindo o humanismo renascentista pelos
autonomia política, social e econômica através da afirmação valores sobrenaturais e religiosos que precisam ser bem
do liberalismo, do laicismo e do capitalismo nos grandes expressivos. Os jesuítas são os principais divulgadores do
centros europeus. 222 novo estilo, engajado nos movimentos reformatórios da
igreja. 234
[Surgimento do Barroco da Itália e Catolicismo]
Na Itália, o barroco irrompe como uma nova forma de O BARROCO ITALIANO
concepção de arte e se impõe ao mundo. Estranhamente, [Artistas]
por força da igreja romana, que pretendeu através da arte Tintoretto é o precursor do novo estilo em pleno
religiosa, reconquistar as glórias do passado. Por ter Renascimento. Mas cabe a Caravaggio (1573-1610) ser o
perdido espaço no mundo cultural, devido à reforma primeiro pintor barroco que se consagra pela forma de tratar
protestante, apela para a arte monumental, capaz de refletir a luz, violentas sombras que contrastam com a cor mais
o esplendor da fé. Mas a arte barroca atende também a uma luminosa, colocando em obras dramas profundamente
necessidade dos artistas de ampliar os espaços, de fazer humanos. [...] 234
novas experiências estéticas, fugindo ao formalismo das Destaca-se também Andrea del Pozzo (1642-
regras formas clássicas. 232 1709) na decoração de tetos, com pinturas ilusionistas. E.
Cortona, Reni, Caracciolo e outros pintores surgem em
ARTE BURGUESA vários centros artísticos, como Roma, Veneza, Nápolis,
Gênova. 234-235
[Variedade de Barrocos]
Nesta variedade da arte barroca [barroco religioso (católico [Arquitetura]
e protestante) e profano (burguês: jardins, palácios, etc.)] Na arquitetura, Gian Lorenzo Bernini (1568-1680) é
surgida no jogo do mundo burguês, capitalista, liberal, considerado expoente máximo do Barroco Italiano,

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

arquiteto, urbanista, cuja obra principal é a Praça de São [Estilo: Pintura]


Pedro, no Vaticano que se caracteriza pela famosa Na pintura, a composição se desenvolve em ritmo dinâmico,
colunata. Na escultora, campo onde mais se destaca, violento contrastes de luz e sombra inovam o espaço
produz obras-primas. [...] Nesta obra prima [Êxtase de pictórico: a figura passa para frente, contrastando com o
Santa Tereza], aparecem belamenta as dobras das vestes fundo escuro do quadro. Na pintura de tetos, com efeitos
da Santa a se perder no olhar do contemplador. 235 ilusionistas, é grande a aparência da profundidade
conseguida, se tem a impressão de uma abertura, através
BARROCO NA PENÍNSULA IBÉRICA [Portugal e da qual se pode ver o céu. E novos gêneros de pintura vão
Espanha] aparecendo, como a pintura paisagística, as naturezas
mortas, o gosto dos retratos-miniatura. 238
[Espanha]
A nova arte se desenvolve, adquire forte conotação [As Dobras do Barroco]
nacional, produz grandes obras na arquitetura, escultura e Alguns intérpretes da atualidade se voltam para a arte
pintura, sobretudo na Espanha. Na escultura destaca-se barroca, apontando a dobra como função operatória, seu
Alonso Cavo, e Gregório Hernandez, autor da famosa verdadeiro traço. É a dobra que reúne todos os artistas,
Pietá que se encontra no Museu de Valadolid. Na pintura, a pintores, escultores, arquitetos, músicos, poetas. Dobra que
genialidade de Velásquez (1599-1660), grande retratista, se manifesta em toda a sua extensão, dobra sobre dobra.
como mostram as famosas pinturas: As fiandeiras e As De tal modo que a arte barroca não para de fazer dobras,
Meninas. 236 se curvar e recurvar em dobras. 238

[Países Baixos/Holanda: pintura laica (burguesa)] [Dobras da Alma]


Quanto ao Barroco dos países baixos, o setor artístico mais A dobra, compreendida como “as redobras da matéria e as
desenvolvido é a pintura dos artistas holandeses, voltados dobras da alma”, mostra que a matéria transborda no
para temas laicos, por isso, considerados a arte da espaço. A dobra existe como uma liberação sem limites,
burguesia. sendo essa a grande diferença da arte clássica. O barroco
inventa a dobra “infinita”, seu grande desafio é não findar a
[Artistas Barrocos dos Países Baixos] dobra, leva-la e deixa-la no aberto como aquela que separa
ou passa entre a matéria e a alma, a fachada e o
[J. Vermeer] compartimento fechado, deixando o exterior sempre no
J. Vermeer (1632-1675) retrata ruas, cenas interiores, o exterior e o interior sempre no interior de modo harmônico.
canal da sua cidade, pequena rua, moça lendo uma carta, 238
jovem com um copo de vinho. 236
[Wölfflin e o transbordamento]
[Frans Hals] Como diz Wölfflin: “a característica do barroco é a tendência
Frans Hals (1583-1666) sem esboçar as suas figuras, da matéria para transbordar o espaço, para conciliar-se com
previamente, ele desenhava com a tinta na tela como retrato o fluído, ao mesmo tempo em que as águas se repartem na
de um casal, jovem com chapéu de abas largas. 236 massa.” 238

[Rembrandt] [Deleuze e a Dobra]


(1609-1699) considerado o maior pintor holandês de todos Segundo estudiosos, em destaque Deleuze, a dobra é a
os tempos e um dos grandes mestres da pintura universal. constatação de que tudo se volta sobre si mesmo, se
Deixou grandes obras, Lição de anatomia, Betsabá, A noiva desdobra, redobra, transforma-se em outra dobra, de tal
judia. 236 modo que uma dobra remete a outras, num processo sem
fim. 238
[Rubens]
Rubens (1577-1640) que estudou na Itália e influenciado FILOSOFIA DA ARTE ESTÉTICA NO SÉCULO XVII
pelos renascentistas, tornou-se pintor oficial do governador
do Arquiduque Alberto dos Países Baixos. 236 [Mudanças no Século XVIII]
No século XVII, embora no campo das artes haja bruscas
[Van Dick] mudanças, não se impõe teorias estéticas críticas, posto
[...] E Van Dick (1599-1641) pintou retratos usando temas que os pensadores não estão interessados nos problemas
mitológicos e religiosos. Ex.: A rainha Henriqueta e seu da arte mas estão envolvidos pelas questões científicas e
anão. 236 políticas que estão transformando a visão do mundo.
Descartes, considerado o pai da filosofia moderna,
[Estilo: Movimento;] revoluciona o campo do saber com a sua dúvida metódica.
Ao se emancipar de regras ou padrões absolutos, imutáveis, F. Bacon pretende colocar por terra o método aristotélico
o artista busca efeitos decorativos e visuais através de curva para interpretar a natureza. E Locke, com o sensualismo,
e contra-curvas, planejamentos ondulados, movimentação choca o meio intelectual ao negar os princípios
de formas, colunas retorcidas. O dinamismo na composição fundamentais do conhecimento humano. 239
aparece na eliminação da linha reta e predomínio do vertical
sobre o horizontal, formas livres e fuga do geométrico. 237 [Barroco, Classicismo e Realismo]
Apesar do barroco ter características que vão contrastar tão
[Estilo: Arquitetura] fortemente com o classicismo, ele se acha impregnado de
Na arquitetura destacam-se as fachadas simples, com os forte realismo. Deste modo, as novas artes como barroco e
frontões triangulares modificados por curvas e volutas, rococó mantêm a teoria da imitação com a sua dimensão
estabelecendo o contraste frequente entre a simplicidade do figurativa. Todavia, revelam maior liberdade no processo de
exterior e a opulência decorativa do interior das igrejas. A criação, libertação da simetria, da estaticidade, da forma
forma como dobrada, desdobrada, se insinuando no interior determinada. Em outras palavras, a obra de arte se mostra
e transbordando para o exterior. 237 num excesso de movimento como aparece nas dobras, no
contraste entre luz e sombra, acúmulo de elementos,
valorização do espaço. 239

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

Filosofia da Arte: Baumgarten (Estética Moderna);


[Barroco e as Academias] Winckelmann (História da Arte Moderna); Kant (Filosofia
Paradoxalmente, as academias de Arte controlam a Estética Moderna); Schiller (Educação Estética).
formação do artista, criticam as obras à luz de juízos e Problemas Estéticos: O Espaço da Estética; A beleza e o
normas de caráter racional, científico, estabelecendo corte juízo de valor; Arte educação, a liberdade e a arte.
com a tradição cultural medieval. Em alguns centros
artísticos, surgem teorias estéticas que começam a discutir [Hauser]
a questão da normatividade clássica baseada no belo ideal, “...No século XVIII o comando das atividades intelectuais
que não coincide com a dimensão subjetiva que orienta o passa da França para uma Inglaterra econômica, social e
processo barroco de criação. Também não coincide com o politicamente mais progressiva. O grande movimento
prazer que se vive e que se quer na experiência estética de romântico aí se inicia no meado do século, mas o Iluminismo
beleza, presente à obra de arte tão ornamental. 239 recebe também deste país o seu impulso decisivo. Os
escritores franceses da época vêem nas instituições
[Influência da Religião e da Ciência] inglesas a quintaessência do progresso e constroem em
A cultura neste século começa a se bifurcar em arte e volta do liberalismo inglês uma lenda que só em parte
ciência como campos estanques. De um lado, o barroco de corresponde à realidade”. (HAUSER, A. História da
caráter religioso que, como arte visual, está presa à literatura e da arte. São Paulo: Mestre Jou, 1982). 423
figuração, às imagens, principalmente aos modelos dos
santos que servem às funções pedagógica e religiosa. Mas O ILUMINISMO
os artistas conseguem alcançar formas mais dramáticas e
rebuscadas, substituindo elementos retangulares pelos [Contexto histórico]
curvos, buscando recursos para extravasar sentimentos. Para procurar compreender a crise, o esgotamento e
240 classicização do barroco, é preciso buscar as raízes
Por outro lado, no mundo da ciência, profunda é a iluministas. O iluminismo surge como o século das luzes,
mudança na ótica de se entender o saber à luz do graças ao foco da luz da razão, visto como um poder de
conhecimento e metodologia científica, por força da iluminar o caminho da humanidade. Grandes esperanças e
credibilidade dada às verdades demonstradas pelos grandes promessas, juntamente com as descobertas dos
cientistas como Galileu e Copérnico. Assim, a objetividade métodos científicos e a ruptura com a tradição religiosa. E
não condiz com uma teoria da arte que flui com tantas mais, com as grandes conquistas e tensões que afirmam o
variações. 240 capitalismo, vencendo a fase mercantilista, mediante o jogo
da burguesia com a aristocracia absolutista. 245
DESCARTES (1596-1650), Le Havre
O pensador francês, fortemente influenciado pela precisão [Contexto Religioso]
das matemáticas, dá a grande guinada pera o novo Época de luta acirrada entre a reforma e a contra-reforma,
racionalismo ao apresentar um método lógico, baseado no instalada entre católicos e protestantes que se expande na
indubitável, capaz de chegar à verdade em questões conquista de novos adeptos e se realiza no mundo das
fundamentais como o homem, Deus e mundo. A natureza, grandes descobertas das Américas. Os jesuítas se
assim como o corpo, está sujeita às leis da mecânica e a expandem em suas missões e se instalam no Brasil. 245
alma é uma substância pensante. [...] Não deixou texto
importante sobre a questão da arte, mas sua posição crítica [Artes]
preparou terreno para a grande revolução estética que vai No campo das artes se afirma, de modo vigoroso, o barroco.
se dar com Kant. Fez grandes discípulos como Spinoza, De fato, acontece o embate e a transformação do novo
Leibniz, Malebranche, Pascal, que pregam a liberdade ao estilo que se manifesta na passagem de um classicismo
mesmo tempo que elaboram teorias racionalistas. 240 simétrico para as curvas e as dobras que se multiplicam,
sem limites, no campo das artes plásticas. 245-246
BACON (1561-1626), Londres
O filósofo inglês defende a linha do empirismo, fazendo o [Literatura]
elogio do método experimental. Pretende destruir o velho Os literatos acedem a tocha do iluminismo liderado por
instrumento da lógica formal aristotélica baseado na Montesquieu, impulsionando o movimento que vai se opor
argumentação e indica as etapas do novo método que parte ao chamado obscurantismo da idade média. É criada a
da experiência sensível e chega à comprovação científica. grande utopia que impulsiona o mundo intelectual a querer
Ele classificou as ciências segundo as faculdades da alma: despertar o homem para sua própria luz, abafada pela
a) ciências da memória ou históricas; b) ciências da razão ignorância face ao mundo das trevas. 246
ou filosóficas; c) ciências da imaginação ou poéticas,
considerando a poesia como imitação arbitrária da história. [Razão e Política]
241 [...] Vislumbra-se um novo poder que faz o homem acreditar
que, tomando posse das luzes da razão em qualquer setor
J. LOCKE (1632-1704), Bristol da vida, criará uma nova sociedade. E a ciência passa a ser
Locke, defensor da teoria liberal, é um adversário do vista como mola propulsora do progresso material, do
absolutismo de Hobbes. O homem livre busca na sociedade desenvolvimento social e político. A nova visão de mundo
a garantia do seu trabalho e luta pelos seus direitos naturais. vai influenciar as reformas políticas, por força dos escritores
Pela sua posição filosófica, empirista e sensualista, o franceses que defendem a liberdade, a igualdade, a
pensador vai negar o belo ideal e reduzir à estética ao fraternidade E a onda desemboca na violenta Revolução
campo do prazer. 241 Francesa de 1789. 246

CAPÍTULO 5 – IDADE MODERNA [KANT e o contexto artístico]


Qual é o mundo da arte que um Kant encontra senão o
Período: Século XVIII mundo da arte em crise? O pensador que nasceu em 1724
Regime Social e Econômico: Liberalismo, capitalismo, e morreu na mesma cidade de Königsberg, longe dos
iluminismo grandes centros artísticos, estava atento às questões
Formas de Arte: Arte Barroca; Arte Rococó estéticas. Embora professor de ciências naturais,

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

influenciado pela ciência de Newton, mas ciente da arte da civilização ocidental à medida que os problemas da arte
palaciana de Frederico o Grande, rei-flautista que convida são analisados criticamente através de novas leituras da
Bach para seus saraus. Sem nunca viajar para grandes razão e da verdade. Kant já encontra os legados de
centros artísticos, viveu em ricas circunstâncias culturais. Winckelmann, de A. Baumgarten e faz análises que
246 possibilitam novos estudos para Schiller. 249

[SCHILLER e a educação artística] [Winckelmann]


Seu contemporâneo, Schiller, dramaturgo, poeta e filósofo, [...] Winckelmann (1717-1768) foi um estudioso da cultura
que conheceu bem o clima teatral e literário da época pré- antiga, principalmente da grega e dá uma guinada ao fugir
românica – já bem desiludida com as experiências da do enfoque de estudo, próprio à época. Diferentemente dos
revolução francesa, onde as luzes começam a se apagar. estudiosos de arte que se voltam para o estudo da biografia
No clima do idealismo alemão, este dramaturgo se encontra dos artistas, ele estuda as condições estéticas necessárias
com algumas ideias de Goethe (1749-1832) que considera para explicar o fenômeno artístico. Nos seus livros “Ensaio
a arte, a verdadeira natureza formadora do homem, pelo sobre a capacidade de sentir o belo na arte” e “Sobre a
seu vigor capaz de criar formas expressivas que vão revelar graça nas obras de arte” procura analisar os meios estéticos
os meios de se chegar ao equilíbrio face ao mundo. [...] 246- e sociais que possibilitaram a criação da obra. A influência
247 de Winckelmann, encantado pelo classicismo, foi tanta que
acabou com o gosto pelo barroco e rococó. 249
[GOETHE: lírico e racionalista]
[...] Goethe é um literato que gerou polêmica porque se de [A. Baumgarten]
um lado exaltou a liberdade humana, numa atitude [...] Mas coube ao seu contemporâneo A. Baumgarten, de
considerada idealista e romântica, por outro lado o seu 1714 a 1762, abrir o campo da estética como saber reflexivo
modo de fazer poema foge do lirismo e passa pela linha sobre o sentido de beleza visando chegar à perfeição do
racionalista. 247 conhecimento sensível. Ele mostra que, durante séculos de
tradição, este tipo de conhecimento, considerado inferior,
FORMAS DE ARTE tinha sido reduzido a um estudo sem valor. 249-250

ARTE BARROCA [Kant – Problema da Objetividade x Objetividade]


Na Alemanha, Kant (1724-1804) se impõe como um grande
[Arte Popular que se espalha pela Europa e América] revolucionário intelectual, embora pouco conhecedor das
Arte que se mantém como forma de arte de inspiração artes concretas. Impregnado do rigor científico toca na velha
popular, mas busca novas soluções e surgimento de e intrincada problemática da relação entre a subjetividade e
talentos. a objetividade da arte e do belo. Problema que vem
O barroco, arte convincente popular, chega ao historicamente se dividindo entre a linha clássica e seus
século XVIII como uma onda luminosa que se espalha por critérios absolutos de normatividade e a linha empirista que
toda a Europa. Veio da Itália, foi se desdobrando, chega em relativiza o gosto ao critério da beleza de cada um. De modo
Portugal, até na América Latina e deixou grandes heranças crítico, ele recoloca a questão buscando as condições de
artísticas. 247 possibilidade dos juízos estéticos, vistos como diferentes
dos juízos científicos e morais. 250
ARTE ROCOCÓ
[Schiller: sensibilidade e inteligência = impulso lúdico /
[Simplificação; Elegância; Laicidade; dimensão espiritual e material e medida vital]
Aristocracia/Burguesia] Schiller, estudioso de Kant, não se prende à relação
Caracteriza-se pelo excesso de recursos decorativos e sensibilidade e inteligência vista como excludentes, não se
considerada arte delicada, francesa, por excelência. Ex. pretende à relação sensibilidade e inteligência vistas como
Palácios de Luiz XV e Luiz XVI. excludentes, mas aponta o impulso lúdico como um jogo
O rococó é a arte que se caracteriza pela apuração que reconcilia as duas dimensões, material e espiritual,
e a simplificação do Barroco, com linhas mais delicadas que dando a medida vital do homem. 250
dão a impressão de elegância. Tem sua origem na palavra
rocaille que significa concha. Inicia-se no século XVII na FILOSOFIA DA ARTE
França e se impõe noutros centros principais da Europa
como a Inglaterra. O efeito total, em contraste com a A. BAUMGARTEM (1714-1762), Berlim – Criador da
inquietação barroca, é mais leve e considerado mais Estética Moderna.
divertido. 248 [Fundação da Ciência Estética]
O pensador funda a estética, ciência do gosto e da criação
[Estilo] artística, em bases cognitivas. Ficou conhecido na história
Por isso mesmo, o Rococó aparece como um novo estilo da arte como pensador que empregou a palavra estética,
decorativo, que ao invés dos motivos religiosos, utiliza os pela primeira vez, como percepção sensível, procurando
florais, e toda sorte de extravagância ornamentais constituí-la como ciência do gosto e do conhecimento da
reaparecendo sempre a concha. Pouco a pouco, beleza. Ela está para o conhecimento sensível assim como
transforma-se o rococó na exacerbação do espírito barroco, a Lógica para o conhecimento intelectual. 250
menos profunda, porém mais graciosa. 248
[Ciência do Belo inferior ao Racional]
FILOSOFIA DA ARTE (ESTÉTICA CRÍTICA) Pretendeu torna-la uma ciência das sensações, teoria do
belo, um estudo ordenador dos signos do pensar e do fazer
[Baumgarten, Winckelmann, Kant e Schiller] de modo belo que não se restringisse estritamente às artes.
O século XVIII marca um grande momento para a estética Antes o estudo da arte era apenas um campo restrito e
na razão de sua reordenação como saber tendo por fim secundário da própria filosofia e o belo não era atribuído à
conhecer o mundo sensível à luz do conceito de beleza e forma do conhecimento sensível. Um objeto de
código do gosto. Alguns historiadores chegam a estabelecer conhecimento inferior ao racional. 250-251
a posição kantiana como um marco na história da estética

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

[A Razão para compreender as Sensações] [A educação estética dá equilíbrio e harmoniza o


No seu livro Sobre a Estética e a lógica da arte e do poema homem com relação as forças vitais impulsivas]
faz várias chamadas de unho racionalista para analisar o Qual a importância do estudo estético para a vida humana?
belo como algo que se processa no domínio da Como se desenvolve o gosto estético?
sensibilidade, isto é, da sensação, imaginação e Schiller, tendo por modelo a arte grega, prega a
sentimento, na ordem cognitiva e não instintiva. 251 arte como meio de vencer o estado natural instintivo que
descontrola o homem por inteiro e enfatiza o poder da
O CRITICISMO DE KANT (1724-1804), Königsberg educação artística. Ele concilia as forças internas do homem
dando equilíbrio e bem estar diante da vida. Tudo se
[Estudo das faculdades cognitivas / Autonomia da processa mediante um jogo lúdico que estabelece
Estética] adequadas e harmoniosas relações entre inteligência e
Kant assegura a autonomia da estética no campo da sensibilidade. Esse jogo extremamente gratuito se encontra
filosofia encarando-a como saber do belo. A partir dele a acima dos interesses práticos e das necessidades impostas
questão da crítica vai ser a marca do saber estético. Face pela vida. Não está envolvido com as questões dos lados
ao sucesso das comprovações científicas através do subjetivos e objetivos e assim está aberto pra relacionar
método experimental faz a filosofia ter por objetivo examinar matéria sensível e forma do pensamento, de modo belo.
as faculdades cognitivas e determinar os elementos Pois o jogo estético se manifesta no trabalho da arte em
fundamentais do conhecimento. Escreveu: Crítica da razão criar a Beleza como uma forma que dá vida à matéria. 252-
pura, Crítica da razão Prática e Crítica da Faculdade do 253
juízo, recolocando a questão do conhecimento e dos
fundamentos da verdade. 251 [Beleza, Arte, Felicidade e Política]
Na introdução do livro Sobre a educação estética destaca
[Crítica da faculdade do juízo] que as pesquisas dedicadas aos temas Beleza e Arte, longe
Kant mostra na Crítica da Faculdade do Juízo como são de afastar dos problemas da felicidade e da política,
diferentes os juízos estéticos daqueles da ciência da relaciona mais ainda. 253
natureza que exigem formas a priori de pensar [Crítica da
razão pura]. E também que os juízos morais que necessitam PROBLEMAS ESTÉTICOS
da adesão da liberdade ao princípio racional do Dever
[Crítica da razão prática]. 251 O ESPAÇO DA ESTÉTICA
A estética é arte ou ciência
[Experiência estética]
Kant, em sua análise, aponta a experiência estética como A. BAUMGARTEN
aquilo que é comum a todos os homens. Ela é produto do A estética é ciência: ela cria espaço para a discussão dos
trabalho da imaginação que consegue unir a sensibilidade problemas sobre o belo e a questão do prazer estético que
ao entendimento que são distintos modos cognitivos, se encontram no campo do conhecimento, no nível do
provocando o prazer estético e o juízo do gosto. Embora as mundo sensível. 253
condições para usufruir o belo sejam as mesmas para todos A estética é arte: à medida que um instrumento do
os homens, não há juízos decorrentes de um conceito pensamento claro e belo e também uma ciência que tem por
universal sobre beleza, já que depende do sentimento de objetivo de estudo toda a riqueza do mundo sensível. 253
satisfação desinteressada que o sujeito experimenta na
contemplação do objeto belo. E cada belo sendo exemplar,
inimitável, não se presta a ideias gerais, nem a regras [BAUMGARTEN]
absolutas para produzi-lo. 251-252 Sobre a estética e a lógica do poema
(A estruturação da ciência estética)
[Autonomia do Belo]
Estabelece a autonomia do belo, que é visto como A estética (como teoria das artes liberais, como gnosiologia
propriedade das coisas que agradam como “uma imagem- inferior, como arte de pensar de modo belo, como arte do
conceito” segundo a linha aristotélica. O belo é uma imagem analógon da razão) é a ciência do conhecimento sensitivo.
modelar, única exposta concretamente, inconcebível O grau natural das faculdades cognoscitivas,
intelectualmente. Assim, o belo é o que agrada, sem desenvolvido apenas na prática e aquém da cultura
conceito. 252 disciplinar, pode ser denominado de estética natural. Esta
pode ser dividida, segundo a lógica natural, em inata – o
IDEALISMO DE F. SCHILLER (1759-1805), Württemberg belo talento inato – e em adquirida. Esta última, por sua vez,
pode ser dividida em adquirida através do ensino e em
[Impulso lúdico] adquirida através da prática.
O dramaturgo e pensador Schiller tem por objetivo conciliar ... O fim visado pela Estética é a perfeição do
os campos da sensibilidade e inteligência mediante o conhecimento sensitivo como tal. Esta perfeição, todavia, é
impulso lúdico que se dá em um jogo estético. 252 a beleza. A imperfeição do conhecimento sensitivo é o
disforme, e como tal deve ser evitada. (BAUMGARTEN, A.
[Sobre a educação estética] Estética, a lógica da arte e do poema. Rio de Janeiro:
Um poeta encantado pela Grécia, ciente das teorias do Vozes, 1993).
mestre Kant, Schiller retoma as suas questões sobre arte
e beleza que serão desenvolvidas numa série de cartas [KANT]
enviadas ao príncipe Frederico Cristiano da Dinamarca, BELEZA E JUÍZO DE VALOR
articuladas no livro Sobre a educação estética. Chama (Quais os critérios dos juízos estéticos?)
principalmente atenção para a liberdade como condição da A arte como produto de construção do artista só tem
criatividade, tão sufocada pela ciência, mas que poderá ser compromisso com o ato de agradar universalmente a todos,
alcançada por intermédio da arte que é capaz de mediante um objeto belo que encanta por ele mesmo.
proporcionar intensidade de vida. 252 Prescinde dos critérios do conhecimento científico, e dos da
vida prática que têm outras implicações cognitivas.

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

Se o objeto belo agrada a todos igualmente sem - A condição da necessidade a que pretende um juízo de
conceito, é porque algo provoca e espera confirmação. Esta gosto é a ideia de um senso comum. 256
se dá mediante satisfação estética que se acha no nível da
subjetividade. O belo é uma ocasião de prazer para um EXPLICAÇÃO DO BELO, INFERIDA NO SEGUNDO
sujeito. De tal modo que não está no objeto, a ele atribuímos MOMENTO
uma quantidade que não é dele, mas uma atitude nossa de
satisfação, desinteressada e contemplativa, apreendida Belo, é aquilo que, sem conceito, apraz universalmente.
simplesmente por intuição. Todas as pessoas vendo aquele Não pode haver nenhum conceito regra de gosto que
objeto podem a ele atribuir propriedades estéticas, embora determine por conceito o que é belo! Pois todo juízo desta
sintam e expressem estados afetivos diferentes. Não fonte é estético. E, o sentimento do sujeito e não o conceito
havendo, portanto, um consenso conceitual, somente um de um objeto é um fundamento de determinação. Procurar
encontro entre todos pelo fato dele proporcionar prazer. um princípio do gosto, que fornecesse o critério universal
Olhando para uma pintura de Rafael sinto prazer, por conceitos determinados, é um empenho inútil, porque o
não porque estou impregnada de conhecimento da sua que é procurada é impossível e em si mesmo contraditório.
pintura, nem da vida, nem da sua obra. Eu experimento a Portanto, somente sob a pressuposição de que
beleza através do quadro, aprecio-o como um objeto belo haja um senso comum pelo que, porém, não entendemos
que me provoca sentimentos, me agrada. Isso não precisa nenhum sentido externo mas o efeito do livre jogo de nossos
de conceito universal, nem de juízo, mas todos, vendo poderes de conhecimento somente sob a pressuposição
aquele quadro, experimentam prazer. 254-255 digo eu, de um tal senso comum, pode o juízo de gosto ser
emitido. (KANT, I. Crítica da Faculdade do juízo. Rio de
ANALÍTICA DO BELO (PARTE 1) Janeiro: Forense Universitária, 2002). 257
(Como explicar o gosto à luz da preferência ou de um
juízo?) [SCHILLER]
EDUCAÇÃO, ARTE E LIBERDADE
Primeiro momento – Do juízo de gosto, segundo a (Como deve ser a educação da humanidade?)
qualidade.
I - O Juízo do gosto é estético J. F. SCHILLER
Para distinguir se algo é belo ou não, referimos a
representação não pelo entendimento ao objeto, para o CARTA I
conhecimento, mas pela imaginação (talvez vinculada com Para o poeta-pensador o jovem ao ter consciência do
o entendimento) ao sujeito e ao seu sentimento de prazer impulso estético, eminentemente gratificante, desenvolve-
ou desprazer. O juízo de gosto não é pois um juízo de se espiritualmente, aprende a não ser um joguete da
conhecimento, portanto não é lógico, mas estético, pelo que natureza, procura assumir-se como um ser criador. Ele
se entende aquele juízo cujo fundamento de determinação assume a atitude de um artista que conforma a matéria em
não pode ser ou que é subjetivo Toda a referência das obra de arte, tornando-se capaz de impregnar de beleza a
representações, mesmo a das sensações, porém, pode ser sua vida, todavia, com uma condição, que tenha
objetiva (e significa então que é real em uma representação conquistado a liberdade. Mas dificilmente o homem
empírica): Só não o pode ser a referência ao sentimento de consegue chegar a este estado estético. Precisa de um
prazer e desprazer, pela qual absolutamente nada é trabalho educacional, capaz de elevar a imaginação, à
designada no objeto, mas em que o sujeito, assim como é tarefas criativas capazes de reconciliar inteligência e
afetado pela representação sente a si mesmo (...). 255 sensibilidade. E somente, assim, consegue descobrir o
poder de se desprender da natureza, à medida que é capaz
Segundo momento – Do juízo de gosto, ou seja, segundo de desenvolver a forma vigorosa do impulso lúdico capaz de
sua quantidade. 256 reconciliar a sensibilidade com a inteligência. 257

- O belo é aquilo que, sem conceito, é representado como CARTA II


objeto de uma satisfação universal. (Relação entre ciência e arte)
Gosto é a faculdade de julgamento de um objeto ou de um Não quero viver n’outro século, nem quero ter trabalhado
modo de representação, por uma satisfação ou insatisfação, para outro. O cidadão do Estado é também cidadão do
sem nenhum interesse. O objeto de tal satisfação chama-se tempo e se é indecoroso ou mesmo proibido furtar-se aos
belo. hábitos e costumes do círculo em que se vive, por que não
seria um dever, ao escolher-se os próprios atos, considerar
(...). Seria ridículo se alguém que imaginasse algo sobre seu a voz do gosto e da necessidade do século? 258
gosto, pensasse legitimar-se com isto: esse objeto (o Esta voz, entretanto, não parece resultar em favor
edifício que vemos, a roupa que aquele veste, o concerto da arte; ao menos não daquela para a qual se voltarão as
que ouvimos, o poema que é apresentado para julgar) o minhas investigações; o curso dos acontecimentos deu ao
belo para mim, pois não deve denomina-lo belo, se apraz gênio do tempo uma direção que ameaça afastá-lo mais e
meramente a ele. Atrativo e agrado, muita coisa pode ter mais da arte ideal. Esta precisa abandonar e elevar-se, com
para ele com isso ninguém se preocupa mas se ele dá algo decorosa ousadia, para além da necessidade; pois a arte é
por belo, presume em todos essa mesma satisfação, julga, filha da liberdade e quer ser legislada pela necessidade do
não meramente para si, mas para todos e fala então da espírito, não pela carência da matéria. Hoje, porém, a
beleza como se fosse uma propriedade das coisas. Diz por carência impera e curva em seu jogo tirânico a humanidade
isso, a coisa é bela e não conta com a concordância de caída; o proveito é o grande ídolo do tempo; quer ser servido
outros em seu juízo de satisfação, porque eventualmente os por todas as forças e cultuado por todos os talentos Nesta
houvesse encontrado muitas vezes em concordância como balança grosseira o mérito espiritual da arte não pesa e ela,
o seu, mas exige deles censura ou se julgam de ouro modo, roubada de todo estímulo, desaparece do ruidoso mercado
e nega-lhes o gosto, do qual no entanto, exige que ele o do século. Mesmo o espírito de investigação filosófica rouba
tenha e nessa medida não pode dizer cada qual tem seu uma província após outra à imaginação e as fronteiras da
jeito particular. Isso equivaleria a dizer: não nenhum juízo Arte vão se estreitando na medida em que a ciência amplia
estético que pudesse ter a pretensão legítima ao as suas. (SCHILLER, F. Sobre a educação artística. São
assentimento de todos. 256 Paulo: Herder, 1963). 258

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

estavam ligados. Consequência do Neoclassicismo que,


CAPÍTULO 6 – IDADE MODERNA [MODERNISMO] como movimento artístico (aproximadamente fim do século
XVIII, o período de 1760 a 1830), visivelmente marcado
Período: Século XIX pelas transformações políticas, morais, culturais, pela
Regime Social e Econômico: Capitalismo, Cientificismo filosofia das luzes da razão, e pela redescoberta da
Formas de Arte: Neo-Classicismo; Romantismo; Novas antiguidade romana, por força do trabalho da arqueologia,
correntes como os estudos de Winckelmann. De certa forma, persiste
Filosofia da Arte: Hegel (panlogismo) Nietzsche (Niilismo). a volta ao passado e repulsa à tendência ornamental. A
Problemas Estéticos: A Beleza e o Ideal; Beleza e admiração votada à Roma e a força do símbolo concedia às
Aparência formas oriundas da arte antiga estão submetidas num
conhecimento da antiguidade bem mais completo do que
[Hauser] havia condicionado o classicismo dos séculos XVI e XVII. O
“As lágrimas que se verteram no século XVIII, provocadas estudo do Monte Paltino (1720) e a Vila Adriana, as
por romances, peças de teatro, composições musicais não escavações de Herculado e do Foro Romano, enfim, dos
são apenas o indício de uma alteração no gosto e passagem monumentos da própria Grécia. 262
dos valores estéticos do delicado e do reservado para o
violento e o indiscreto: assinalam, ao mesmo tempo, o início [Irracionalismo e Racionalismo = Naturalismo]
de uma nova fase no desenvolvimento dessa sensibilidade Na guerra entre o irracionalismo e o racionalismo, se impõe
europeia de que o gótico foi o triunfo inicial e no século XIX os naturalistas, Lamarck e Darwin, apresentando o homem
viria a ser o ponto mais elevado por ela atingido. Esta como animal evoluído, embora racional. [...] 262
mudança de rumo tem o significado de um rompimento com
o passado, muito mais radical do que se deu no Iluminismo, [Karl Marx]
o qual, efetivamente, representa apenas a continuidade e a [...] Com esta mentalidade científica aparece no cenário Karl
consumação de uma evolução que vinha a produzir-se Marx (1818-1883). Aquele que fala do homem, animal
desde o fim da Idade Média. O critério de mero gosto falha social, alienado, rico ou pobre, por força da luta de classes
perante um fenômeno como o início desta nova cultura e sua exploração. Aquele que não consegue sair da prisão
emocional, que conduz a um conceito inteiramente novo de porque vive num mundo cultural cimentado numa farsa onde
poesia”. (HAUSER, A. História da literatura e da arte. São o poder estabelecido tem inúmeros tentáculos ideológicos
Paulo: Mestre Jou, 1982). 259-260 como a arte, a religião, a filosofia e o direito. Elas têm a
função ideológica enquanto constituem a manifestação da
NOVAS CORRENTES boa consciência nas estruturas culturais, sociais e políticas.
Pregam valores e escondem o lado falso e corrompido da
[Antagonismos e sociedade industrial] sociedade. Mas Marx reconheceu a autonomia da arte como
O que sucede com o pré-modernismo? Durante séculos nos produção de algo que obedece às leis da sua própria
grandes centros culturais da civilização ocidental criação, alcançando o que é comum aos homens, de
predominou uma tendência ideológica dando certa qualquer época. Admite ainda que as tragédias gregas
identidade às produções sociais e culturais. Todavia, no comovem esteticamente e denunciam a tirania. 262-263
século XIX, o que se registra é a tensão entre posições
antagônicas. Há no meio cultural uma busca de novas [Pensadores do século XIX]
identidades e soluções estéticas solicitadas pela nova O século XIX ficou marcado por pensadores como Hegel,
sociedade industrial. 261 Marx, Nietzsche e Comte, de linhas tão adversas, mas
todos atentos à história da humanidade e sequiosos por
[Revolução industrial, avanço científico e cientificismo mudanças sociais, radicais. Na arte, embora o clima seja da
versus Romantismo, valores da tradição, emoções e volta aos recursos clássicos, todavia, vai abrindo novos
natureza] movimentos pregando a liberdade de expressão em pleno
De certo modo se sobressai a linha cientificista, em tantos clima ascensional do capitalismo. 263
campos do saber, impulsionado pelo avanço do método
científico e pelas solicitações da revolução industrial. Ele vai [Artistas do século XIX/ Rompimento com o
entrar em choque no campo da cultura com o Romantismo, Naturalismo]
que se manifesta como uma corrente irracionalista, de Nesse embate, as novas correntes vão se insurgindo contra
tendência subjetivista, que visa retornar à natureza, ao as normas vigentes, profusão de correntes artísticas
panteísmo e ao exotismo. O romantismo se desenvolveu acentuadamente dinâmicas chegam, muitas vezes, a negar
entre fins do século XVIII e meados do século XIX, segundo à estética o estatuto de ciência e meio de conhecimento da
os críticos, romantismo mais do que romantismo, foi uma arte. De qualquer modo, começa a efervescência da
postura que assumiu feições muito singulares, em cada revolução estética, à medida que a finalidade da arte deixa
país, mas se caracterizou como uma reação ao classicismo de ser representar o mundo natural. Caem as funções
racionalista. Para o escritor Paul Valéry, isso não é verdade morais, pedagógicas, sociais e religiosas que tanto
porque, ao seu ver, o classicismo é um romantismo limitaram a criatividade. A arte descobre o sentido da sua
“domado” porque “todo classicismo supõe um romantismo própria linguagem, ela não tem outra finalidade senão ser
anterior”. 262 ela mesma, como faze ver as novas correntes como
Impressionismo, Manet; Ex. Expressionismo, Van Gogh;
[Avanço técnico na ciência – Arte se volta para a Cubismo, Picasso. 263
tradição (Neoclassicismo)]
Nesse mundo cultural onde vai predominar o clima da [Fim do Naturalismo]
racionalidade próprio ao desenvolvimento e domínio das Diante das grandes conquistas científico/tecnológicas
ciências, as artes buscam a ordem e se voltam para as provocadas pela revolução industrial, os artistas agem com
raízes, para a antiguidade greco-romana e para o conceito ar de perplexidade, mostrando nas telas um mundo novo.
de belo ideal, obtido pelas regras de composição. Onde estavam que não chegavam a ver a desafiante arte
[Neoclássico] É uma reação às últimas formas excessivas africana, a transparente pintura japonesa? Como fazer arte
e fatigantes do barroco e do rococó, reação moral e de imitação, diante das conquistas da fotografia e novas
intelectual contra a sociedade aristocrática à qual eles técnicas litográficas? Tantas causas fazem com que os

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

sinais do Naturalismo, preponderante em tantos séculos de [Decadência do Romantismo]


arte, se desmantelem. Visivelmente se desfaleceram na No século XIX, o romantismo vai entrar em choque com o
pintura europeia no final do século XIX. Caiu a ilusão cientificismo que alimenta os ideais e valores culturais
mimética de mostrar a configuração do mundo real através eminentemente lógicos, pragmáticos, com grande força no
de transposições artificiais. 264 capitalismo. 268

[Arte Anti-Estética e Anti-Técnica] ARTE REALISTA


Com a revolução industrial, a intensificação da vida urbana
e tecnológica faz a concepção de arte ser modificada por [Definição]
força da própria tecnologia. E a definição clássica para Arte que dá preferência ao real em relação ao ideal, o
muitos não tem mais sentido. Mas a ruptura entre arte e presente ao passado, cenas locais às distantes. Pintura de
realidade se dará com força no século XX. De qualquer Corot. 268
modo, o que já se registra é um certo menosprezo à
materialidade da arte, ao tema, ao assunto e arte pode ser [Literatura]
pura invenção sem nada precisar de técnicas e suportes. A nova arte realista sucede ao estilo romântico por força do
265 vigor das ciências, da aparição da maquinara, da formação
da indústria. Temos como exemplo a torre Eiffel que, em
FORMAS DE ARTE 1889, se impôs junto a edifícios e palácios de estilos
ecléticos. O artista não tem compromissos com a natureza,
ARTE-NEOCLÁSSICA com a vida, nem pretendem retratar a realidade em
Volta ao racionalismo e ao modelo greco-romano. Ex.: Arco detalhes, muito menos pretendem captar os fatos da vida
do Triunfo. 265 social. Tem grande influência no meio o clima pessimista
[...] O Neoclassicismo se caracteriza pela volta aos dos romances de Stendhal, Balzac, Zola, Flaubert, Dickens,
parâmetros da arte clássica. A pintura e a escultura Tolstói, Dostoievski. 268-269
adquirem feição acadêmica, com seus parâmetros de
ordem, medida e harmonia. [...] Chegam à medida da arte ARTE IMPRESSIONISTA
universal que sendo livre, aberta e consciente, não está
presa a leis de uma corrente ou academia. 266 [Pintura]
A arte que estabelece alguns princípios básicos: a cor não
ARTE ROMÂNTICA é qualidade permanente na natureza a linha não existe na
natureza, mas sombras são cores e luzes de outras
[Definição e Exemplos] tonalidades. Na Inglaterra, Turner e na França, Manet,
Arte de cunho subjetivista que se caracteriza pela liberação Degas, Renoir. 269
do eu e do gosto estético. Ex.: romance, Victor Hugo;
pintura, Delacroix. 266 [Novidade Impressionista]
[...] O Impressionismo, como nova corrente, força um estilo
[Objetivos] de arte que vai marcar a pesquisa moderna dos valores
O que pretende o romantismo é destacar a força dos plásticos da arte. Os artistas se fundamentam nas verdades
sentimentos e da imaginação, abafados pelos padrões científicas que expressam a transitoriedade e as mudanças
racionalistas da arte e da vida. O artista não é o homem que ocorrem no mundo físico. Para melhor captar a
inspirado pelos deuses, mas um ser dotado de luminosidade e a realidade como fugidia, os artistas
originalidade, genialidade, grande sensibilidade. Mas abandonam os ateliês fechados, pintam ao ar livre, en plein
somente livre dos padrões tradicionais, cria seu próprio air. Fazem implicação dos reflexos luminosos ou dos
estilo. A filosofia do romantismo prega o individualismo, o contrastes das cores baseados na lei das complementares
culto da autoconsciência, a exaltação do eu e a libertação e a dissociação das tonalidades ou a mistura ótica das
mental das regras e os romances descrevem o herói fatal, o cores. 269-270
herói rebelde, o herói doentio. 266-267
ARTE EXPRESSIONISTA
[Romance]
[...] O romance se torna o gênero literário por excelência Arte que exagera o real, acentua o movimento e ritmo das
produzindo obras de grande valor marcadas por formas. A perspectiva está ausente na composição, quer
observações psicológicas e históricas. Os personagens figurativa ou paisagística; a obra que expressar um caráter
deixam de ser vistos como grandes heróis e são reduzidos extremamente tenso de emoções humanas. Na Holanda,
à medida do humano. 267 Van Gogh e no Brasil, Portinari.
Os artistas do expressionismo, em oposição ao
[Naturalismo] termo impressionismo ou ao ilusionismo que de certo modo
Como arte expressiva, o romantismo nega que o importante vigora desde a renascença, negam a primazia do objeto
na obra seja a transparência da realidade, mas aquilo que como fonte do processo de criação. O mundo é interpretado
move a execução, isto é o sentimento do artista. A através de sentimentos e de sensações. Como resultado, a
expressão passa para o primeiro plano, revelando que o deformação da imagem e a exacerbação da cor. 270-271
homem já não é mais submissão autoridade dos deuses ou
da igreja, mas sujeito da história, embora visto de modo FILOSOFIA DA ARTE (ESTÉTICA DA CONTRADIÇÃO)
idealizado. Dá mais ênfase à vida interior do artista,
imaginação, inspiração, que o fazer técnico e a verdade do [Contexto filosófico e Hegel]
conhecimento testificam, muitas vezes, em algum plano. A Filosofia da arte que vivia em estado latente, durante
Cai no perigo de exaltar a confissão como forma expressiva, séculos, parece acordar para novas condições de
que algumas vezes não passa de mera catarse, alívio e possibilidade de se organizar como saber ou mesmo de ter
purificação mental. 267 vez no mundo cultural. Não encontramos até então livros de
filosofia voltados exclusivamente para a estética, a não ser
alguns textos dos filósofos do século XVIII. [HEGEL] É com
Hegel que se dá uma reviravolta. Sem dúvida, Hegel vai

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

polemizar o meio intelectual ao escrever sua Estética, em [Kant e Hegel]


quatro volumes, procurando esclarecer o sentido da arte, da Hegel, bastante influenciado por Kant e pelo empirismo
beleza e da história da arte à luz de seu fio condutor que é inglês, notabilizou-se como esteta pelo estudo histórico que
a Razão Absoluta. Ainda mais ao preconizar a morte da fez no campo das artes, informando-se como um
arte, superada por outras formas espirituais. 272 enciclopedista, a respeito de todas as produções antigas e
atuais que pode ter acesso. 275
[Nietzsche e a crítica à cultura Ocidental]
Nietzsche, como crítico dos rumos da civilização ocidental, [Fenomenologia do Espírito e Estética]
se volta para as questões da arte, principalmente da música. Sua obra principal onde expõe a doutrina eminentemente
Considera que a diretriz racional apagou a força da arte racionalista e dialética é a Fenomenologia do espírito. Mas
trágica dos gregos, modelo de arte que transfigura e dá fascinado pelo jogo da relação arte e espírito, ele deu
sentido à vida. Como revolucionário da liberdade se insurge atenção à filosofia da arte escreveu o livro Estética: esta
contra o poder da razão, levanta a bandeira do obra é dedicada à Estética, quer dizer à filosofia, à ciência
irracionalismo, do niilismo. 272 do belo e mais precisamente ao belo artístico, pois dela se
exclui o belo natural. 275-276
[Auguste Comte]
Ao mesmo tempo, novas correntes herdeiras do iluminismo [Estética]
vão ganhando terreno como o positivismo de Auguste O ponto de partida da ciência estética é o seu objeto de
Comte e seus discípulos falam de progresso, estudo: a obra de arte e a beleza. 276
desenvolvimento social e a promessa de felicidade. De tal
modo que no final do século XIX, o jogo dos contrastes no [Arte como expressão dos valores de um povo]
campo das interpretações do mundo e da arte se acirra. [...] Por isso, uma única representação, começando por
273 encontrar perante nós: a de que há obras de arte. Isto é: a
obra de arte enquanto existente, situada, datada, visível,
[Taine / Naturalismo / Historiografia] existindo historicamente, manifestando a cultura de um
[...] Taine (1828-1893), seguindo os estudos positivistas de povo – seus valores éticos, religiosos, sociais (Geistwolks).
A. Comte emprega um método naturalista que vai 276
estabelecer as condições sociais da arte a partir de sua
teoria sobre a sociedade humana constituído de três fatores [Arte como objetivação da Ideia / Morte da Arte]
determinantes, meio físico, raça e tempo. Assim a arte é Analisar a arte como objetivação da Ideia, manifestando
vista como expressão da cultura de um povo num sensivelmente a Verdade absoluta no processo do mundo,
determinado momento histórico, com suas qualidades representando o Espírito onde transparece a beleza, “a
étnicas, psíquicas e sua história. A arte mostra e junta os emanação da ideia absoluta”, cuja expressão máxima é a
aspectos mais significativos das fases da evolução da arte grega, clássica. Ela ultrapassou pela forma perfeita, a
humanidade. A posição tainiana exclui as tensões arte simbólica oriental e foi substituída pelo romantismo.
subjetivas como determinantes nas relações sociais e na Todavia, devido a sua dimensão sensível a arte será
produção das obras de arte. Mas formou discípulos que superada pela religião e deverá ser substituída pela filosofia
seguindo o positivismo foram elaborando a estética enquanto forma mais perfeita de manifestação da verdade
científica, bem como no clima da revolução industrial que universal. Deste modo, a arte não tem mais razão de ser, e
estimulava as ciências experimentais. 273 ele profetiza a morte da arte à medida em que esta está em
agonia. 276-277
[Wundt e Fechner – A Estética experimental]
[...] Wundt e Fechner seguindo o método experimental no [História da Arte como expressão histórica sensível da
campo da percepção estética fazem experimentos com Ideia]
resultados matemáticos O primeiro fundou o primeiro Para Hegel, a ciência estética se encontra no campo do
laboratório em Leipzig, em 1878, antevendo a estética como saber universal, mas a arte não é uma ilusão, é uma
ciência da arte por vias experimentais, como implantou E. realidade. Busca fundamentos absolutos comprovados no
Soriau. 273 processo da história a fim de explicar a verdade dos
conceitos da arte e beleza sua natureza, problemas,
[Arte Modernista] funções e finalidades. 277
Para os artistas modernistas, não há mais como manter as
artes como imitativas de uma realidade perfeita. E na [Impossibilidade da filosofia estética frente a
reviravolta, se dá a transformação na concepção de diversidade do Belo (Varia de acordo com o período da
mimesis, não mais entendida como imitação da natureza, história)]
mas criação de nova ordem, diferente do mundo natural e Nos preâmbulos da ciência estética, ele pontua que há
cotidiano, a realidade ímpar da obra de arte, impregnada de grandes objeções à Estética como filosofia da arte, em
novos mundos e valores. Esta concepção que rompe com primeiro lugar devido a uma grande infinidade de variações
toda uma estética dogmática não consegue se impor no do que se chama belo; há muitas projeções imagísticas do
meio cultural de imediato. 275 que ele possa ser. E pesa a fluidez da aparência, algo é, e
deixa de ser. 277
FILOSOFIA DA ARTE
[Arte, Religião, Filosofia e Absoluto]
O PANLOGISMO DE HEGEL (1770-1831) Stuttgart A arte como expressão do pensamento não pode ser vista
isoladamente, mas no mesmo plano da religião e da
[Real Racional] filosofia, consideradas esferas mais elevadas do espírito
Para o pensador, tudo pode ser explicado através do absoluto. Nesse nível, o Espírito na arte toma consciência
princípio absoluto que é a Razão, motor do processo real e de si, torna-se a idealidade do real, da imanência da razão
ideal. O real é racional e o racional é real. Em estética presente em todas as coisas. 278
defende a beleza como mera aparência do ideal da Razão
e a arte é vista como manifestação sensível de sua verdade
absoluta. 275

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

O NIILISMO DE NIETZSCHE (1844-1900), Rocken transformar em criança, superar a sua autossuficiência,


para viver alegre e criativamente, livre de preconceitos e de
[Crítica] juízo. 280
Critica a decadência da civilização ocidental, descrê seu
futuro glorioso, mas defende a redenção da vida pela arte, [Afirmação da vida]
tendo por modelo, a arte trágica dos gregos. 278 O homem superior ou super-homem é aquele que se afirma
Nietzsche como pensador eminentemente crítico, no devir da vida, sem criar subterfúgios. É suficiente forte
em suas obras, escritas em linguagem poética, faz uma para enfrentar revezes, dores, angustias, dominando e se
dura análise da civilização ocidental. E mostra que ela, ao beneficiando com a imagem trágica do mundo. 280
se pautar na razão científica, foi abafando o sentido da vida,
a dor, a paixão e hoje os seus valores estão em ruína. Mas PROBLEMAS ESTÉTICOS
os valores afirmativos da vida foram bem representados na
arte trágica pelos grandes dramaturgos gregos. Arte que A BELEZA E O IDEAL
conseguiu dar sentido à vida por mascarar belamente o (Em que sentido a beleza equivale a própria verdade?)
antagônico jogo de duas forças instintivas, naturais e
humanas, Apolo (deus da beleza e medida) e Dionísio (deus HEGEL
da volúpia e paixão). 278
[Forma e conteúdo]
[Ideais] Na obra de arte se dá a perfeita relação entre ideia
Afinal, a única maneira de superar a vida dominada pela (conteúdo da arte) e a forma (configuração sensível e
vontade de verdade, característica da ciência, seria pela imaginativa). E a beleza é manifestação sensível da ideia.
arte – uma forma de criação baseada na arte trágica dos 280-281
gregos. O que sucedeu no pensamento ocidental foi
exatamente a ruptura entre as duas forças, as da razão e as [Arte: forma cujo conteúdo é o Belo]
da paixão. A história aponta que por determinação de A obra de arte como produto de forma e conteúdo
Sócrates e seus discípulos, em nome da razão, em nome considerados inseparáveis revela que a forma é a
do bem e da verdade absoluta, traçaram um caminho expressão acabada do conteúdo, e a arte é o resultado de
racional para a moral, expurgando os instintos, dissolvendo uma configuração onde o conteúdo se dá à luz da própria
os mitos, matando o próprio sentido da arte que harmoniza forma. Nesse sentido, a obra de arte é matéria formada,
as duas forças. Criando o seu próprio método de persuasão conformada. O conteúdo da arte é a ideia realizada no
de Sócrates, leva seus discípulos a agir racionalmente, de mundo exterior de modo belo. 281
acordo com princípios universais, reprimindo suas paixões
e profundas necessidades. O que tem sentido para [Arte: a forma pode ser somente simbólica]
Sócrates é a justiça em si, o conceito universal que Ela não é nem imitação nem negação, mas concretização
expressa a virtude em si, dando a medida do da ideia na forma (universal concreto) Mas a arte por estar
comportamento humano. Não importa se Antígona, na limitada a um conteúdo estreito, e recorrer à imaginação, a
tragédia grega, está em conflito entre a ordem do rei e o símbolos e metáforas e tantas imagens ela não tem poder
amor fraternal, obedecer ao rei e não enterrar o corpo do de revelar plenamente a verdade absoluta. 281
irmão. O que importa é a justiça em si. 278-279
A representação sensível na Arte
[Moral]
Nietzsche propõe uma nova moral, aquela capaz de fazer “O conteúdo da arte é constituído pela ideia representada
o homem recuperar os instintos vitais do homem, sob forma concreta e sensível (sinnliche bildliche
ultrapassar a domesticação a que foi submetido e alcançar Gestaltung). A arte deve conciliar, formando uma totalidade
a sua verdade essencial: a vontade de poder. Aliás, propõe livre estes dois lados: a ideia e sua representação sensível.
o além da moral à medida que inverte e transvalora todos A primeira determinação que aqui se inclui é a exigência de
os valores, mantendo somente aquele que traz as potências que o conteúdo, que deve exprimir, se preste à
da vida. 279 apresentação artística. Pois, sem tal condição, tem-se uma
má associação, quer aceitando forma concreta exterior para
[Além do homem] conteúdo impróprio, quer encontrando para matéria de
O que é o homem livre senão uma ponte para o novo natureza prosaica forma certamente oposta ao modo
homem, o Super homem? Aquele que é vontade de vida e adequado de sua manifestação. 281
energia, acima do bem e do mal, não atende “aos Daí deriva uma segunda condição: o conteúdo da
preconceitos das pessoas”, nem está à mercê dos débeis arte não deve exigir nada de abstrato em si mesmo, nem
de espírito. Vive a cada dia com mais força e amor. Exalta também ser apenas sensível e concreto – por oposição a
a criatividade enquanto afirmação da vida terrena, que é tudo o que participa do espírito e do pensamento, como algo
eterna, deste modo nele a vontade de poder atinge o mais abstrato e simples em si. Porque tudo o que é verdadeiro,
alto grau no processo do eterno retorno. “Devemos amar a tanto do espírito quanto da natureza, é concreto e tem
vida de forma a querer voltar a vive-la por que efetivamente universalidade, apesar da subjetividade e particularidade
tudo volta a repetir-se eternamente”. 279-280 em si. A dizermos por exemplo, que Deus é simplesmente
Um, o Ser supremo como tal, enunciamos somente uma
[Zaratustra e as mutações do espírito] abstração morta, produto do entendimento irracional.
Na obra “Assim falou Zaratustra” expõe três metamorfoses Semelhante Deus, pelo fato de não ser concebido na sua
do espírito mostrando como é possível superar as fases verdade concreta, não oferecerá à arte, sobretudo à arte
decadentes da vida. Fala do modo como o homem se plástica, nenhum conteúdo. Eis porque os judeus e turcos,
transforma em camelo, o camelo se converte em leão e o cujo Deus não passa de uma abstração do entendimento,
leão se transforma em criança. Quem é o camelo senão o jamais o puderam representar na arte de modo positivo
que se ajoelhe e recebe a carga, obedece cegamente às como pessoa, como os cristãos. Pois no cristianismo, Deus
obrigações sociais? E o leão, o grande negador, simboliza é em sua verdade e por isso mesmo concreto, como
o niilista, recusa os valores tradicionais que faz do homem pessoa, como sujeito, e representado, na sua determinação
um animal aprisionado. Mas o leão tem necessidade de se próxima, como espírito. [...] E como um conteúdo, para ser

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CURSO DE ESTÉTICA (HUHNE, 2006)

sobretudo verdadeiro, deve ser concreto, também se esplendorosa será, de tal modo que a beleza constitui a
reclama da arte igual concretude porque o universal aparição sensível da ideia plena de beleza, como na arte
abstrato em si mesmo não possui determinações para grega. 284
expandir-se em particularidades e manifestações e em sua
própria unidade. 281-282 ARTE SIMBÓLICA
Para que uma forma ou figura sensível
corresponda ao conteúdo verdadeiro e, portanto, concreto, “A primeira forma de arte é, portanto, a simples busca de
é preciso uma terceira condição: que esta figura ou forma imaginificação (tornar imagem) como uma aptidão de
seja igualmente individual e plenamente concreta e única. representação verdadeira; a ideia não encontrou ainda, em
Pois, na verdade: o concreto que advém dos dois aspectos si mesma, a forma; fica assim somente a expressão vaga
da arte, do conteúdo e da representação (Darstellung) é de tendência. Geralmente, tal forma artística pode chamar-
precisamente o ponto em que ambos podem confluir e se simbólica. A ideia abstrata apropria-se, na arte simbólica,
corresponder-se como, por exemplo, a forma natural do de formas naturais sensíveis, que não lhe são adaptadas.
corpo humano é um concreto sensível capaz de representar Esta apropriação de forma inadequada tem todas as
o espírito concreto e revelar-se em consonância. [...] 282 aparências de violência: para que a forma seja apropriada a
[...] Graças a isso, esse concreto sensível, no qual uma ideia, que não se lhe ajusta, é preciso que a forma seja
se exprime a essência do conteúdo espiritual (geistiger amolgada e triturada (caráter do panteísmo artístico do
Gehalt), fala também essencialmente para o íntimo; e a Oriente).” 284
exterioridade da forma, pela qual o conteúdo se revela e se
representa, não tem senão, o fim de despertar ressonância ARTE CLÁSSICA
em nosso sentimento e nosso espírito. Só por causa desse
fundamento, interpenetram-se conteúdo e realização “Na segunda forma de arte, que desejamos caracterizar
artística. O que é apenas concreto e sensível, à natureza aqui como clássica, é abolido o duplo efeito da arte
exterior como tal não existe unicamente à vista desse fim. A simbólica A forma simbólica é imperfeita porque, de um
plumagem variada e colorida dos pássaros brilha mesmo lado, a ideia entra na consciência somente como
quando não vista, seu canto ressoa, mesmo não escutando; determinação abstrata ou indeterminação, e, de outro lado,
há flores que vivem apenas o espaço de uma noite e a congruência entre “sentido” e “forma” deve permanecer
estiolam-se sem terem sido admiradas, nas florestas sempre defectiva e portanto abstrata. Essa dupla falha
virgens do sul; e estas selvas investidas das mais belas e desaparece na arte clássica, onde se depara a livre e
luxiriantes vegetações, de aromas capitosos e flagrantes; adequada assimilação da ideia e da forma, que é
perecem e por vezes desaparecem sem jamais terem sido congruente ao seu próprio conceito. Daí resulta o perfeito
conhecidas”. (HEGEL. Estética. São Paulo: Abril Cultural, acordo entre sentido e expressão. Destarte, a arte clássica
1974). 283 dá-nos a primeira criação e intuição do ideal completo,
apresenta-o como realidade. (...) O corpo humano, na forma
[TRÊS PERÍODOS: SIMBOLISMO, CLASSICISMO, em que se apresenta na arte clássica, não é simplesmente
ROMANTISMO] representado em sua mera existência sensível, mas
também como existência e forma natural do espírito deve,
Os três grandes momentos da arte: Simbolismo, portanto, ser despido de todas as exigências peculiares
Classicismo, Romantismo sensível e à finitude contingente da aparência.” 284-285

[História da Arte e da Cultura - Concepções de Mundo] ARTE ROMÂNTICA


Na obra “Estética”, Hegel analisa o sentido da arte à luz dos
seus momentos essenciais que coincidem com os “A forma romântica da arte é a unidade perfeita da ideia e
momentos históricos significativos. Procura unir história d da sua realidade, em mais alto nível, para a diferença e
arte e história da cultura através das formas de concepções oposição dos dois, que a arte simbólica deixara sem
de mundo (Weltanschauung) que têm seu próprio ciclo de conciliação. A forma clássica de arte avançara o mais alto
vida. Refere-se a três típicas visões de mundo onde a Ideia grau de perfeição de que era capaz o processo de
passa por três fases de desenvolvimento que se manifestam realização da expressão sensível; e se mostra alguns
nas três modalidades de expressões artísticas defeitos, derivam eles da própria arte, em virtude da
particularizadas em diferentes artes. 283-284 limitação de sua esfera artística (...) Daí a indiferença, a
inadequação, o divórcio entre a ideia e a forma, como na
[Três Períodos de Hegel: Simbolismo, Classicismo e arte simbólica – que reaparece no tipo romântico, embora
Romantismo] com essa diferença essencial: na realidade romântica, o
Analisa os três momentos fundamentais da história da arte: espírito, cujas lacunas resultavam das formas insuficientes
Simbolismo, Classicismo, Romantismo. [SIMBOLISMO] Na da arte simbólica, revela-se agora mais perfeita dentro do
arte simbólica, arte oriental com predomínio da arquitetura, espírito e do sentimento, de cujo fundamento extrai a mais
na qual há apenas um esboço de representação do divino, alta perfeição de adequada união com as formas exteriores
a ideia-forma não domina a matéria. [CLASSICISMO] Na de adequada união com as formas exteriores, podendo
arte clássica, arte grega, destaca-se a escultura e a ideia- buscar e atingir em si mesma apenas verdadeira realidade
forma consegue dominar a matéria e nela transparece sua manifestação.” (HEGEL. Estética, a ideia e o ideal. São
haromonia entre natureza e espírito, relacionando o Paulo: Abril Cultural, 1974).
humano e o divino, exprimindo o universal no singular
através da forma sensível. Assim a arte clássica é NIILISMO DE NIETZSCHE
considerada mais perfeita porque nela forma e conteúdo se
equilibram belamente. [ROMÂNTICA] E a romântica, A BELEZA E A APARÊNCIA
moderna, surgida inicialmente na pintura, em seguida com (Por que a beleza como aparência da obra de arte tem
mais força na música e, finalmente, na poesia – vista como mais sentido que a verdade?)
síntese de todas as artes. Na arte romântica, a liberdade
espiritual faz o artista buscar a realidade dentro de si [Dionisíaco e Sócrates]
mesmo, nesse sentido a beleza se interioriza na junção Nietzsche na obra “Sobre o nascimento da tragédia no
matéria/forma. Quanto mais a forma for universal mais espírito da música” apresenta as linhas iniciais da sua

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estética. Confessa que nesse livro há duas inovações conceito, não mais importa a habilidade técnica nem a
decisivas, primeiro o entendimento do fenômeno Dionísio criação. 291
entre os gregos a revelar a psicologia e arte deste povo. E
a denúncia do papel do Socratismo, enquanto corrente de [Final do naturalismo]
pensamento que acentua o valor da lógica formal, Em clima de desmantelamentos e de sobras, o que ficou da
desprestigiando o vigor dos instintos. 286 história da arte? A ruptura absoluta do modernismo com o
naturalismo parece ter significado, de fato, o corte com a
[Grécia Dionísio e Apolo] mimesis, enquanto imitação da realidade, afinal morreu a
[...] Na criação da mitologia e das tragédias instauradas em figuração. 291
linguagem poética, o povo grego faz da arte uma forma
capaz de harmonizar as formas do homem: apolínea [Dadaísmo e surrealismo]
(medida-razão) e dionisíaca (transbordamento-paixão). 286 Aconteceu em 1914 a primeira grande guerra e, em 1916,
surgiu com garra e ímpeto de destruição, o Dadaísmo. Em
O NASCIMENTO DA TRAGÉDIA NO ESPÍRITO DA seguida, se afirma o Surrealismo, mais aberto à novas
MÚSICA concepções de homem e de mundo, colocando à prova a
Psicanálise. E num pulsar ininterrupto de experimentações
ASSIM FALOU ZARATUSTRA vão se alastrando novas correntes com surpreendentes
mostras e concepções de arte. 292
[...] Os que amam foram sempre, e os que criam, os que
criaram bem e mal. Fogo do amor arte nos nomes de todas [Entrada no contemporâneo]
as virtudes, e fogo a ira. 288 No início e no desenrolar do século, cada vanguarda luta
por inovação e ruptura com os cânones do passado. Numa
CAPÍTULO 7 – IDADE CONTEMPORÂNEA efervescência que revela as mudanças que se processam
no mundo cultural, às avessas. A arte morreu. Viva a arte.
Período: Século XX e XXI Neste clima, muitas vezes, de desorientação, as
Regime Social e Econômico: Revolução tecnológica, experiências estéticas e artísticas de grande intensidade
rompimento com a tradição exigiram novas ordenações e descobertas e experimentos
Formas de Arte: Arte modernista, Fauvismo, Cubismo, até a náusea. E chegamos à década de 70 onde artistas e
Futurismo, Dadaísmo, Surrealismo, Abstracionismo, Neo- filósofos denunciam e proclamam: afinal, o que vale? Nada
construtivismo, Bauhaus, Concretismo, Arte conceitual, Arte vale? Por que o passado tem de ser destruído? É verdade
cinética, Pop-art, Minimalismo, Arte cibernética, Happening que chegamos ao atual desgaste e saturação do moderno,
e Arte pós-moderna. apesar dos processos de criação passarem pelo carimbo
Filosofia da Arte: Pluralismo estético, várias correntes em tecnológico e virtual. Mas ingressamos no mundo pós-
choque moderno sem grande esperança e com “muita suspeita” do
Problemas Estéticos: a obra de arte e a beleza, a origem que vem do moderno. 292
da obra de arte.
[Construção e desconstrução]
[Gerd Bornheim] [...] O que passa um artista não é a paisagem, não é o
(...) No passado, a arte vivia de respostas. E, eu completo retrato, não é uma mancha, nem pontos, nem linhas, é um
que havia uma resposta em cada período. Hoje, ela vive do trabalho inventivo, imagístico, que exige construção a partir
problema e existem milhares de problemas no nosso tempo. de uma desconstrução que apresenta sempre novas
Quer dizer que há essa fantástica diversidade essa riqueza possibilidades de criação. 293
enorme de arte e se quer sempre um problema. [...] Quer
dizer, essa criatividade quase que não tem limites. Ela é a [Cotidiano]
experiência originária da arte do nosso tempo, a ausência Se o artista do século passado ainda se volta para as cenas
total de norma... Então aquele problema que se refere mundo cotidiano e para noções como beleza e
Hegel está longe de ser a morte da arte. É claro que em expressividade, o que vai marcar o nosso século é a
função desse excesso, a partir desse excesso, pode haver desrealização, a desmaterialização, a desconstrução. 294
desmedidas de toda ordem. Mas muitas vezes, como diz
Duchamps, a desmedida mesmo é uma espécie de Escola de Frankfurt
interesse fatal para a evolução da arte. Quer dizer que, de No campo da filosofia há muitas interpretações do novo
fato, a morte não se verifica, o que se verifica é essa mundo, movido pelos fios da tecnologia. Nenhum pensador
perplexidade que deriva de um excesso de riqueza, que pode negar a sua força, nem Habermas, nem M. Foucault,
deriva todo ele, não mais de uma resposta pré-dada, mas mas muitos criticam o lixo que a indústria cultural produz. A
da criatividade da condição humana. (BORNHEIM, GERD. escola de Frankfurt, com Adorno e Horkheimer, levantara
“Hegel e a morte da arte”. In: a morte da arte. Rio de Janeiro: ao extremo essa crítica ao consumismo no campo da arte.
UERJ, 1995). 289-290 Embora da mesma escola, Marcuse prega à volta a
natureza como meio de romper com o nefasto princípio de
DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE desempenho que cria necessidades supérfluas. 294

[Contexto] ARTE PÓS-MODERNA


O que caracteriza o século XX é a tensão que se dá no jogo
da multiplicidade de correntes artísticas e de interpretações [Ruptura com modernismo]
estéticas. E o choque do modernismo com suas rupturas e Arte pós-moderna começa com as obras de ruptura com o
a pós-modernidade com seus retrocessos e novidades. modernismo e se abre às novas perspectivas criativas e
Ainda não temos distanciamento para caracterizar o pós- adere às formas antigas, através de um processo de
modernismo, mas encontramos este movimento a partir da desconstrução, evitando ser um movimento de repetição.
década de 70 como crítica de acirrada ironia às saturadas 294
formas do modernismo. Nesse jogo: onde a verdade? O que
é a beleza? E arte morreu? A obra de arte foi bem
substituída pelo design? A razão de ser da arte, sendo o

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[Caminhos da arte] estabelecidas pela Razão!”. Surge como grito de protesto


Hoje, a arte seguindo novos caminhos, parece só ter contra uma civilização que se porta de modo hipócritas e
importância para os artistas e seus fruidores. Apesar de bárbara, uma reação ao desprezo pelos valores humanos
vivermos num sistema de globalização, onde tudo parece demonstrados na guerra mundial. 299
se interligar – países, costumes, produtos, intercâmbios – o
que vemos é a arte ser notícia como grande exposição ou [ARTE SURREALISTA]
peça valiosa no mercado. Embora persistam os artistas da Arte que nega os valores da realidade e da natureza como
resistência e no bojo das vanguardas e do desenvolvimento conteúdo da arte.
científico, estes sentem necessidade de inventar estranhas O surrealismo é o movimento que prega no campo
técnicas e exaltam os novos recursos tecnológicos. Em das artes um automatismo puro. A característica principal
exposições aparecem exóticas instalações que não são de deste novo estilo é a expressão plástica dadas às imagens
imediato acolhidas pelo público leigo, embora muitas sejam do subconsciente (influência da psicanálise). 300
criadas para interagir com ele. Há um hiato entre as obras
de arte e o fruidor. 295 [ARTE ABSTRATA]
A arte abstrata é a grande conquista no campo da pintura e
[Anti-técnica; anti-arte; anti-história da arte] da escultura, e caracteriza por experimentalismos e
Muitos não veem necessidade de estudar nem técnicas readymades.
artísticas, nem estética. Fazem questão de desconhecer a O abstracionismo como movimento artístico
herança do passado e negam o valor de um saber filosófico aponta qualidade ou propriedade do objeto, sem
ou mesmo artístico. 296 representa-lo de forma definitiva. Um choque para os olhos
que buscam a figuração. A obra de arte visando criar com
FORMAS DE ARTE total autonomia de qualquer forma determinada. Ex.:
Kandiski, Mondrian, Mathieu. 301
ARTE MODERNA E PÓS-MODERNA [...] O Abstracionismo recoloca a questão da
operação mimétca, principalmente, no campo das artes
[ARTE MODERNISTA] plásticas. Trata-se de um movimento que, despreza a mera
Arte Modernista: arte de vanguarda, ruptura com a arte do cópia das formas naturais, e por fim criar formas puras, que
passado. Prega absoluta independência dos tradicionais não imitem e nem dupliquem as naturais. [...] 302
estilos históricos; Art Nouveau e Modern Style. 297
[BAUHAUS]
[ARTE FAUVISTA] Escola de artes, arquitetura e desenho industrial que tem
Caracteriza-se pela exaltação e pelo uso de cores puras, nova concepção de arte e de funcionalidade e pretende
consideradas agressivas. Arte que se manifesta pelas cores eliminar a contradição arte e indústria. Fundador: Gropius.
fortes e intensas que evocam um mundo fantástico. [...] 302
Segundo Matisse “é pela cor que eu existo”, a cor é a
alegria de viver. A eles se juntam Braque, Modigliani e [Objetivo da escola]
outros. 296 O objetivo da escola é integrar o homem à vida natural,
social e política através da arte. Combate “a arte pela arte”,
[ARTE CUBISTA] critica a arte decorativa como a arte nouveau. Estimula o
Em Vez da visão figurativa do mundo propõe uma visão processo criativo que tem de ser experimentado mediante
abstratizada. O cubismo é o movimento que inicia a arte materiais que possibilitem a descoberta das potências
moderna ao procurar representar e criar técnicas para criativas. Não pretende criar um estilo Bauhaus, mas indica
reduzir os objetos a formas geométricas, com predomínio que a marca da obra de arte é aquela despojada de
de linhas retas. Arte que se caracteriza por uma composição ornamentos, bem feita e a serviço da produção em série.
bidimensional, cuja profundidade é conseguida pela 303.
superposição dos planos no espaço. O resultado é o jogo
superposto de imagens. 296-297 [VANGUARDISMOS]
Nas últimas décadas do século XX, e ainda de forma
[ARTE FUTURISTA] persistente nesse século, surge uma enxurrada de novos
Arte que visa mudanças radicais e força uma espécie de movimentos de vanguarda no afã de fazer experiências.
anarquia artística. Cada um pretende inovar formas novas e se diferenciar das
O futurismo é o movimento que em artes rejeita a tradição e anteriores. 303
as convenções. Surgiu com Marinetti, em Milão, como um
movimento radical que adota temas básicos da vida [ARTE CINÉTICA]
moderna, velocidade, dinamismo. Os futuristas adeptos das Arte que se volta para o movimento e a luz, em busca de
mudanças, entusiasmados por transportes, maquinaria, e efeito visual. Originária das técnicas de projeção
comunicações modernas, representam de certa forma, uma cinematográfica, deixa em destaque o movimento físico
reação ao cubismo. 297-298 num espaço em profundidade. Ex.: Alexandre Calder, obra
em movimento, móbiles de luz. 303
[ARTE DADAÍSTA]
A arte Dadá foi uma reação ao tradicionalismo da arte [POP ART]
estabelecida. Novo tipo de realismo que se utiliza de objetos banais,
O dadaísmo é o movimento que preconiza a volta formas de expressão publicitárias tópicos de histórias em
da arte a um primitivismo do tipo infantil. Surge em Zurich, quadrinhos. De certo modo, ele se manifesta como um
na Suíça em 1916, com adeptos em toda a Europa e mesmo protesto à ideologia do consumo, da sociedade capitalista.
nos Estados Unidos. O próprio nome é provocador, sem 303-304
sentido. Seria dadá o incompreensível linguajar infantil?
Uma palavra apreendida ao acaso num dicionário? O que [ARTE CIBERNÉTICA]
caracteriza o bando de artistas, poetas, teatrólogos, É aquela que usa os computadores na elaboração de obras
cineastas é a vontade de criar uma espécie de antiarte para pictóricas, como as esculturas de N. Scheffer. 304
marcar a ruptura com a tradição. “Fora as normas estéticas

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[COMPUTER GRAPHICS] perigos da indústria cultural e analisando criticamente a


Aparecem em filmes animados ou desenhos feitos por relação arte e sociedade, enquanto que a obra de arte é
computadores. A cibernética, palavra grega empregada por vista como mercadoria vinculada ao lucro. 306
Platão na República, significa hoje, como nunca, a arte de
pilotar, dirigir e controlar o animal-homem mediante a FILOSOFA DA ARTE
máquina. [...] 304
[W. BENJAMIN: FILOSOFIA CRÍTICA]
[OP-ART]
Considerada sinônimo de arte cinética tem por temática o Filosofia Crítica de W. Benjamin (1892-1940) – Berlim
movimento visual como ilusão de óptica. [...] 304 O jovem colaborador da Escola de Frankfurt investigou a
questão da linguagem e da obra de arte a partir do seu
[MINIMALISMO] interesse pela poesia, principalmente de Baudelaire e do
É a arte que tem o mínimo possível de elaboração formal, cinema. 308
procurando reduzir as formas aos elementos mais simples, [...] E, em suas obras, trata de temas instigantes
cubos, triângulos. Busca materiais já industrializados como como a desintegração da “aura” da obra de arte, a pobreza
fibra de vidro e alumínio, destaca-se o artista Morris. 304- do narrador da história, estudo da obra de arte de um
305 Proust ou de um Kafka. 308

[HAPPENING] [M. HEIDEGGER: FILOSOFIA HERMENÊUTICA]


É a arte instantânea, do evento imediato, visando a
participação ativa do espectador. Passou a ser uma Filosofia Hermenêutica de Martin Heidegger (1889-1976),
constante nos centros culturais com espetáculo de arte, Messkirch.
música, poesia, dança e outros. 305
[Arte e Ser]
[KITSCH] O pensador M. Heidegger no seu livro fundamental Ser e
Como tendência artística é a busca do efeito pré-fabrcado, tempo apresentou como questão central: rever a filosofia à
em geral se caracteriza pelo mau-gosto. Choca por se achar luz do esquecimento do ser dos entes, na história do
fora de medida, fora de época; exagero em cores, tons, pensamento, que significou o esquecimento do sentido
palavras, enfeites. Nasceu no mundo da contra-cultura essencial das coisas à medida que elas foram sendo
numa atitude que bem denuncia anti-arte. 305 explicadas por conceitos abstratos, por conhecimentos
objetivos e por cálculos ou à luz de representações
[ARTE CONCEITUAL] subjetivas. 309
É aquela que o artista prega que a ideia de arte e arte são Para o pensador alemão, a estética não é um saber
a mesma coisa, “uma possibilidade significativa”, aberta ao disciplinar, mas uma dimensão ontológica presente ao ser
receptor. A obra não depende da construção, mas da ideia dos entes que possibilita desvelar o sentido da relação do
significativa. 305 homem com o mundo. 309

FILOSOFIA DA ARTE [Arte e Liberdade]


Que relação existe entre a obra de arte e a essência da
O PLURALISMO ESTÉTICO liberdade? A liberdade é um comportamento indispensável
ao desvelamento do ente no mundo. Ela se dá num duplo
O que se processa no século XX? Uma certa perplexidade movimento, de abertura e de acolhimento ao ente na sua
que se manifesta num processo que espelha, de certo rede reenvio, possibilitando assim que ele surja no horizonte
modo, a indefinição da estética diante da morte da arte de ex-posição onde ele se revela. 310
clássica e da multiplicidade de correntes artísticas e de Como aparece o ente, a coisa, um quadro, um
teorias que se acham com o direito de enunciar o sentido do mito, um poema? A liberdade consiste num poder de
belo e da arte, às avessas do tradicional. De tal maneira vontade eminentemente projetivo a lançar o homem para
que, no meio cultural, não se sabe mais a essência da arte fora de si mesmo, sempre em vista de, não tendo
e da beleza e, muito menos, da estética. 305 fundamento fixo, é contínuo movimento de libertação
(transcendência) e produção (desvelamento). Ela se
[Wittgenstein] caracteriza como liberdade para fundar sem se fundamentar
A filosofia analítica de Wittgenstein pondera a em nenhum poder transcendente, divino, mas somente
desnecessidade de definir a beleza. Analisa as palavras em transcendência, em direção ao mundo. 310
busca de semelhanças de família, mostrando que não há
propriedade comuns entre as artes tão díspares, portanto é [...] A liberdade é a razão do fundamento (o fundamento do
inútil tentar defini-las. 306 fundamento). 310

[Sartre e Heidegger] [Arte e Metafísica]


Já a fenomenologia, na linha de Sartre e Heidegger, No livro “A origem da obra de arte” e em outras obras, fala
embora tenham fundamentos diferentes, mostram o valor da destruição da estética como ciência comprometida com
da linguagem e da arte como meios do homem conseguir a interpretação metafísica de beleza e arte. Assim não tem
viver livremente, com consciência no âmbito da finitude, razão de se colocar em pauta a questão de valor estético.
vencendo a queda no cotidiano de modo criativo, Mas isto significa que a beleza e a verdade deixaram de ter
enfrentando a verdade da morte. 306 vez? De fato deixaram de ser vistos como valores absolutos
segundo a linha dualista da filosofia tradicional que
[Escola de Frankfurt] estabelecia a ruptura entre o sujeito e o objeto, o espírito e
O grupo de Frankfurt, Adorno, Benjamin, Marcuse e a natureza. Neste ângulo não estabeleciam os estetas a
Habermas levaram adiante as questões estéticas relação do processo de criação ao sentido da obra, do
apontadas por K. Marx tais como: o valor da arte no tempo artista, do ser, e interpretavam a beleza como qualidade
histórico, a relação produção e criação, a participação da imanente ao objeto tendo por garantia a verdade da
massa na vida artística. Vão adiante, denunciando os realidade divina, perfeita. 311

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[Poesia] HEIDEGGER
Em “A origem da obra de arte” Heidegger apresenta a (Qual a origem da obra de arte?)
Poesia como Dichtung, ação de fundamentar, diferente da
Poesia como gênero literário que nela se fundamenta. [Níveis de Realidade]
Poesia como Dichtung é a poesia-raiz que, como forma de Procurando analisar a relação arte e realidade fala de três
pensar inaugural, ilumina o que está presente, oculto no níveis de realidade: coisa, útil e obra de arte. A simples
nível ordinário e nomeia-o ao lhe dar sentido e ele irrompe coisa carece de finalidade prática, o útil é o que está
de modo extraordinário, no esplendor da obra de arte. Seja disponível para o serviço. 315
uma tragédia, um poema, uma canção, uma escultura. [Obra de arte] Mas o que caracteriza a obra de
Nesse enfoque, a Poesia não somente é a essência da arte é um pôr-se em obra da verdade Tanto o objeto útil
linguagem, mas de qualquer arte, porque sendo poder de quanto a obra são produções, mas a confecção do útil não
reunir, possibilita a instauração da unidade concreta da obra cria nenhuma obra, mas a produção da obra de arte cria,
de arte, onde se instala belamente a verdade do ser. 311- “faz pro-vir o ente por sua aparência à presença”. A obra de
312 arte é uma criação no sentido que no seu processo de
produção faz algo vir à presença, processo que se dá numa
PROBLEMAS ESTÉTICOS luta entre velamento e desvelamento. Ela se singulariza por
ser a produção de algo que não se repete, antes não era e
OBRA DE ARTE E BELEZA posteriormente nunca voltará a ser. [...] 315
Que função tem a obra de arte hoje, se já não tem de criar
beleza na sua dimensão duradoura? 312 [Instauração do Mundo]
Para Heidegger a obra de arte é sustentada por duas
W. BENJAMIN estruturas fundamentais: pela materialidade e pelo sentido,
fazendo a terra vir à presença e instaurando um mundo. O
[Perda da Aura] confronto acontece na obra de arte e os dois reunidos
W. Benjamin, ao constatar que a arte perdeu a sua “aura”, permanecem, em jogo de cores, de formas e palavras. 315
não faz apelas para que se volte a posições passadas, [...] Segundo M Heidegger, na obra de arte a
apenas constata que estamos vivendo uma nova fase de verdade do ente se coloca em obra. Sem ela não se diria o
civilização tecnológica, fase em que o objeto real e artístico advento da verdade do mundo porque o mundo não é um
são reproduzidos em série e como tal estão mais próximos conjunto de coisas externas, mas é a forma instauradora de
do povo que quando eram obras-primas exemplares inteligibilidade que possibilita que as coisas apareçam com
inacessíveis e únicas. 312 sentido. De tal modo que a obra de arte não espelha o real,
desvela-o na sua subsistência íntima, na sua presença em
[O Valor da Arte sem a Aura] repouso. 316
Segundo este pensador, temos de entender as grandes
mudanças históricas para redefinir o sentido da obra de arte [Ocultamento e desocultamento]
que afinal perdeu a sua aura. Se da Grécia até o século XIX, Para Heidegger a essência da obra de arte é, portanto, o
a obra de arte era considerada obra original, autêntica, pôr-se em obra da verdade. A obra é o modo como a
exemplar de única aparição, aparição única de uma verdade fica presente como desocultamento. Para tornar
realidade longínqua, divina; hoje, na época das técnicas da clara esta questão da verdade em obra, analisa as obras:
reprodução em série e do império da difusão das imagens, um par de botas de Van Gogh e um templo grego. 317
a obra de arte não se impõe mais como obra que exige
contemplação, nem valor de culto. A obra de arte não se [Desocultamento e estar-aí]
esconde no véu divino, nem aponta o mistério das origens, Como desvelar a obra de arte senão surpreendendo-a no
não parece ser mais fonte de inesgotável significado. O que seu estar-aí que significa no seu repouso revelando o jogo
ela vale? Valor de uso? De troca? Valor do trabalho do das tensões e das inter-relações? Ao analisar o par de
artista? Ele responde: o valor de exposição, de recreação, votas, não fala da cópia do real porque não se trata de uma
acessível à massa. O cinema, a fotografia estão aí para fotografia a indicar o desgaste das botas, lançadas à terra.
contestar definições passadas. 312 No jogo de cores, onde predomina a cor escura, a obra
remete à tensão homem/terra, homem/mundo, a natureza e
[W. BENJAMIN] a cultura, a tensão e o jogo espetacular da terra, céu,
A OBRA DE ARTE NA ÉPOCA DA REPRODUTIBILIDADE imortais e mortais. A terra pisada espelha o labor e as
TÉCNICA oferendas e a espera de alimentos dados pela terra. Em
outras palavras, um par de botas não mostra somente as
A obra de arte, por princípio, foi sempre suscetível de botas, mostra pela circularidade dos elementos, a situação
reprodução. O que alguns homens fizeram podia ser refeito do camponês a trabalhar, a caminhar, a habitar a terra, a
por outros. [...] Com ela [isto é, a fotografia], pela primeira existir na provisoriedade. O quadro não deixa de ser um
vez, no tocante à reprodução de imagens, a mão encontrou- modo de reconstruir um mundo onde o tempo revela seu
se demitida das tarefas artísticas essenciais que, daí em jogo com a terra até à morte. 317-318.
diante, foram reservadas ao olho fixo sobre a objetiva. [...]
No fim do século passado, atacava-se o problema pela [Obra de arte: pôr-se em obra de verdade]
reprodução dos sons. Todos esses esforços convergentes Para Heidegger, a essência da obra de arte, um pôr-se em
facultavam prever uma situação assim caracterizada por obra da verdade, significa a revelação de algo que e dá
Valéry: “Tal como água, o gás e a corrente elétrica vêm de devido a uma rede de relações onde sobeja o sentido de
longe para as nossas casas, atender à nossa necessidade uma totalidade única, que não é toda a totalidade. A obra,
por meio de um esforço quase nulo, assim seremos ao liberar possibilidades do que é o mundo das relações do
alimentados de imagens visuais e auditivas, passíveis de homem no tempo histórico instaura a verdade da aparição.
surgir e desaparecer ao menor gesto, quase que a um Aí, a beleza se mostra como vigor da verdade que se
sinal”. (BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época da sua desoculta. 319
reprodutibilidade técnica”. In: Obras escolhidas. São Paulo:
Brasiliense, 1985). 313-314

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[Arte e Verdade]
Segundo Heidegger a essência da obra de arte é o
desvelamento da verdade e não da coisa, de tal modo que
nas botas pintadas de Van Gogh ou no templo grego não
se esgota a objetividade da bota ou do templo, mas deixa
emergir o existente em sua totalidade. Aí, juntos se acham
o mais longe e o mais perto, o mais e o menos profundo, o
ocultamento e o desvelamento do jogo da terra e mundo,
em recíproca iluminação, que nada mais é que o vigor da
verdade que se mostra na beleza, efêmera beleza de um
raio. 321

A ORIGEM DA OBRA DE ARTE

A instalação da verdade em obra é a produção de um ente


que antes todavia não era e posteriormente nunca voltará a
ser. A produção por conseguinte coloca este ente em
manifesto, de tal maneira que unicamente o produto ilumina
a potência do patente que se produz quando a produção
traz consigo a abertura do ente à verdade, o produto é uma
obra. Tal produção é criação que é um receber e um dentro
da relação com o não oculto (...). 321
(...) A verdade se coloca dentro da obra. A verdade
só existe como a luta entre luz e sombras, na inter-relação
do mundo e terra. A verdade se coloca na obra como essa
luta de mundo e terra. 321-322

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