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1. Introdução
Prezado aluno, boas-vindas!

Iniciaremos o estudo de Estética para a Educação Musical, por meio do qual


você obterá as ferramentas essenciais para o embasamento teórico-�losó�co
da sua futura pro�ssão como educador musical.

Baseado na concepção estética do �lósofo italiano Luigi Pareyson (1918 –


1991), abordaremos, neste material, conceitos que proporcionarão re�exões
signi�cativas para o posicionamento crítico e re�exivo de um futuro educador,
cujo trabalho deverá levar em consideração aspectos envolvendo tanto a sua
produção artística como a de seus próprios alunos. Esses aspectos vão desde a
atividade de invenção até o complexo campo da recepção, além de uma com-
preensão da estética a partir do seu caráter �losó�co.

Este material nos traz estudos de caráter re�exivo e especulativo, e, para faci-
litar a apresentação desses conteúdos, estruturamos cada um dos ciclos com
apresentações teóricas e práticas, de modo que você possa conhecer os princi-
pais conceitos pareysonianos e as apropriações que podemos fazer desta abor-
dagem para o campo da educação musical.

À luz do pensamento de Luigi Pareyson, lançaremos, a cada ciclo, re�exões


sobre a prática do ensino musical fundamentadas a partir de suas considera-
ções estéticas, proporcionando a você um olhar atento para a grandeza e pro-
fundidade de cada etapa do processo artístico que emerge das mãos de cada
um dos nossos alunos. Para tanto, é importante também que sejam compreen-
didos os desdobramentos da estética como estudo ao longo dos séculos.

Antes de darmos início aos estudos que trazem como fundamento a aborda-
gem de Luigi Pareyson, é importante compreendermos e localizarmos, ao lon-
go da história da estética, alguns desdobramentos que marcaram esse ramo �-
losó�co. Vamos lá?

O que é estética?
Inicialmente, é importante compreendermos o que é estética e algumas im-
portantes ressigni�cações do conceito ao longo dos séculos.

Em primeiro lugar, o conceito de estética, assim como o ofício do esteta, deve


ser cuidadosamente distinguido do termo de estética que remete ao ofício do
esteticista. Resulta em ampla confusão conceitual relacionar os estudos �lo-
só�cos que proporemos aqui às particularidades desse campo que vem cres-
cendo tanto no mercado, como no âmbito cientí�co.

O problema ocorre pelo fato de que o ideal estético sempre esteve relacionado
à ideia do belo, ou seja, temática presente em ambas as áreas.

Oriunda da tradição grega, a palavra estética – do grego aísthesis – carrega


em seu cerne o signi�cado de "sentido" ou "sensibilidade".

De acordo com o panorama histórico da estética, podemos a�rmar que a data


do seu batismo como disciplina �losó�ca ocorreu em 1735, quando o conceito
foi apresentado de forma substancial na obra do �lósofo alemão Alexander
Gottlieb Baumgarten (1714 – 1762).

Embora a estética como disciplina �losó�ca tenha seu marco registrado a par-
tir da obra de Baumgarten, é importante ressaltar que as bases �losó�cas que
fundamentam seus estudos vêm sendo discutidas desde a Antiguidade grega.
Filósofos como Pitágoras e seus seguidores, no século 6 a.C., contribuíram sig-
ni�cativamente para os estudos dessa disciplina �losó�ca (MATUCK; BERTOL;
MIELZYNSKA, 2013).

Para Quadros (1981, p. 39),


Estudar estética é estudar o ser humano do ponto de vista estético. E, se o humano
é a questão �losó�ca, o estético é o humano sob um determinado ponto de vista �-
losó�co. Estuda-se todo o ser humano, enfocando-o do prisma da sua sensibilidade,
do seu gosto, dos seus juízos, de valor estético, de suas interpretações. Estuda-se to-
do o ser humano, a partir daquilo que o homem faz, porque, quando ele faz, mani-
festa e “objetivável” se torna a natureza do seu sentir, as suas características, impli-
cações, seus �ns, valores e consequências

Breve panorama histórico


Ao longo dos séculos, os ideais que embasaram a disciplina de estética apre-
sentaram formas diferentes de compreender o belo e os fenômenos que cir-
cundam a arte como um todo. A partir de uma perspectiva histórica, podemos
observar que o conceito de estética e suas atribuições foram se transforman-
do, de acordo com autores que, imbuídos das concepções de suas épocas, com-
partilharam visões diferentes para o termo. Segundo Luigi Pareyson (1997, p.
1),

[...] o termo foi se ampliando cada vez mais, quer para designar as teorias do belo e
da arte que, desde o início da história da �loso�a, apresentaram-se sem nome espe-
cí�co, quer para compreender também as teorias mais recentes que não já se reme-
tem a beleza a sensação ou a arte ao sentimento como nem mesmo ligam a arte a
beleza.

No século 18, o conceito de estética �rmou-se como uma teoria que legislava
sobre o caráter do belo na arte. A beleza foi constituída neste período como
um objeto do conhecimento relativo à sensibilidade do seu apreciador
(PAREYSON, 1993). Ainda neste momento histórico, houve, entre os alemães,
uma tentativa de separar a estética compreendida como teoria do belo para di-
fundir uma teoria geral da arte.

No �nal do século 18, sob a in�uência das múltiplas atribuições ao termo, a es-
tética passou também a legislar na condição de �loso�a da arte. O �lósofo
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831) foi responsável por difundir essa
vertente entre os �lósofos alemães. Segundo Talon-Hugon (2008, p. 55), a �lo-
so�a de Hegel:
[...] não se interessará pela recepção das obras, pela experiência, pelo prazer ou pelo
juízo estético: não é uma crítica do gosto. Enquanto a estética kantiana se concen-
tra nas características da experiência estética que a diferencia de outras experiên-
cias (a do conhecimento ou da ação), a estética hegeliana sublinha os signi�cados e
os conteúdos das obras.

Uma importante prática nasce nesse contexto: �lósofos e artistas dialogam


sobre arte e �loso�a, partindo de seus respectivos campos. Assim, artistas-
�lósofos e �lósofos-artistas possibilitam a tomada de caminhos signi�cativos
para os estudos da estética.

De certa forma, pode-se dizer que esse intercâmbio entre áreas do conheci-
mento permanecerá até os dias de hoje, e nossos estudos atestam esta prática.
A apropriação do pensamento pareysoniano como fundamento para os estu-
dos em educação musical parte, por exemplo, de uma sobreposição de cam-
pos: o da estética e o da educação musical. E o que ambos têm em comum? A
atividade artística.

No século 20, será atribuída à estética uma vertente amplamente �losó�ca.

Martin Heidegger (1889 – 1976), �lósofo alemão, difundirá entre “os românti-
cos e os seus sucessores a a�rmação capital segundo a qual a arte possui uma
dimensão ontológica” (TALON-HUGON, 2008, p. 66). Conforme Heidegger (apud
TALON-HUGON, 2008, p. 66),

[ ... ] o erro da estética precedente foi ter pensado a obra de arte sob o paradigma do
produto, quer dizer, da matéria informada, de ter partido da coisidade [onticidade]
da obra e de lhe ter acrescentado qualidades estéticas. Assim fazendo, ela não pode
pensar o caráter de obra da obra.

Imerso na premissa �losó�ca que investiga as origens que dão vida à obra,
Heidegger a�rma que a obra revela o ser, ou seja, “ela é alétheia, revelação,
comparência, ter-lugar do que tem lugar” (TALON-HUGON, 2008, p. 68). Assim,
o autor deixará de conceber a estética tão somente como disciplina responsá-
vel pelos estudos �losó�cos da arte, pois a “arte e a fenomenologia perseguem
a mesma tarefa”. Este paradigma heideggeriano exercerá grande in�uência
nos estudos da estética até os dias atuais.

Na Itália, a concepção estética tradicionalmente em voga entre os estetas no


início do século 20 consistia em uma abordagem estruturada, a princípio, em
parâmetros sensíveis e expressivos do belo na arte. Benedetto Croce (1866 –
1952) foi responsável por exercer grande in�uência entre artistas e �lósofos do
início do século 20, tendo seu pensamento atrelado a essa abordagem.

Embora contemporâneo de Benedetto Croce, Luigi Pareyson segue uma ver-


tente oposta e toma o conceito de estética como abordagem inteiramente re-
�exiva, a�rmando também que “era mais que tempo, na arte, de pôr ênfase no
fazer mais que simplesmente no contemplar” (PAREYSON, 1993, p. 9). E, na
contramão de seus contemporâneos, Luigi Pareyson apresenta uma nova con-
cepção de arte: arte como forma. E, assim, de�nirá: arte é forma. E justi�ca: ar-
te é forma, pois nasce de um extenso processo formativo. E o que vem a ser o
processo formativo? Veremos, de forma detalhada, no terceiro ciclo.

Não é possível compreender a estética de Pareyson sem concebê-la como teo-


ria geral da atividade humana e, ao mesmo tempo, como teoria da arte. Ambos
os caminhos – arte e vida – se constituem inseparáveis. Abordar a estética
pareysoniana sem considerar seu caráter essencialmente humano ou apro-
fundar os fenômenos da arte, desconsiderando toda espiritualidade humana
que a constitui, seria um equívoco. O pensamento pareysoniano se constitui
como um tratado �losó�co que contempla a obra, o autor e a vida. A�nal, a
obra de arte se faz pelas mãos do artista imbuído de sua percepção e re�exão
de mundo.

Para o autor, a estética como experiência tem por natureza um caráter especu-
lativo, podendo ser compreendida como o ofício do �lósofo.

Podemos a�rmar que a estética como atividade inteiramente �losó�ca e a de-


�nição de arte como forma se constituem como duas grandes contribuições
do autor para a disciplina de estética.

A partir da ótica de Luigi Pareyson, torna-se possível compreender cada uma


das etapas do trabalho artístico que é realizado em sala de aula. Com a possi-
bilidade de olhar, com maior profundidade, o processo de invenção e produção
artística de cada aluno, podemos adentrar a sala de aula como verdadeiros es-
tetas em seu ofício.

Agora, sugerimos que dê uma pausa em seus estudos para entender como a
experiência e a re�exão se tocam. Para isso, assista ao vídeo a seguir.

Síntese dos conteúdos que serão estudados nos ciclos

Nossos ciclos de estudos estão divididos em cinco etapas. Em cada um dos ci-
clos, apresentaremos importantes conceitos da �loso�a pareysoniana e exem-
plos práticos, com o objetivo de ilustrar possibilidades de apropriação da esté-
tica como fundamento da prática educativa.

É importante frisar que os exemplos vivenciados em diferentes contextos edu-


cativos consistem em fragmentos isolados. Ao mesmo tempo que se apresen-
tam de forma particular, esses fragmentos cumprem uma função ilustrativa, e
as possibilidades interpretativas que deles poderão ser extraídas aos olhos de
todos aqueles que tiverem acesso a essa leitura não se esgotam. São propostas
que devem ser apreciadas como um start ou mesmo um insight.

Observe, a seguir, resumos dos tópicos que serão tratados em cada um dos cin-
co ciclos:
No primeiro ciclo, apresentaremos três importantes conceitos da estética pa-
reysoniana. São eles: estética, poética e crítica. Ao lado da apresentação de ca-
da conceito, poderemos compreender, de forma prática, como o educador mu-
sical poderá se valer dessas ferramentas conceituais em seu ofício.

No segundo ciclo, apresentaremos três principais atribuições destinadas à ar-


te ao longo dos séculos de�nidas pelo esteta: a arte como um fazer, como um
exprimir e como um conhecer. Compreenderemos a importância desses con-
ceitos na formação do educador musical.

Nas palavras de Alfredo Bosi (1986, p. 8), "Luigi Pareyson, ao retornar a discus-
são dos temas centrais da Estética", considera esses três momentos "como de-
cisivos do processo artístico", podendo ocorrer de forma simultânea. Embora
cada um desses atributos possa se sobressair em determinados momentos da
história ou do próprio processo artístico, a ênfase em um ou outro não signi�-
ca a anulação dos demais.

No terceiro ciclo, apresentaremos a teoria da formatividade. Abordaremos a


concepção de arte como forma e sua principal de�nição: arte é forma.
Apreciaremos cada uma das etapas da atividade artística em seu extenso pro-
cesso formativo.

No quarto ciclo, abordaremos o papel do educador como esteta em sala de au-


la. Discutiremos sobre o despertar do educador musical para a estética como
ferramenta �losó�ca voltada para a sua prática quando há plena consciência
do complexo itinerário pelo qual percorrem artistas, alunos e todos aqueles
que, tentando, corrigindo, fazendo e refazendo, buscam dar forma à obra.

No quinto e último ciclo, faremos uma revisão dos principais conceitos abor-
dados, da importância do diálogo entre estética e educação musical e trare-
mos indicações de leituras e autores para que essa “porta” re�exiva seja pre-
servada, permanecendo sempre aberta em sua dinâmica investigativa!

2. Informações da Disciplina
Ementa
Introdução à estética enquanto disciplina �losó�ca da arte. À luz do pensa-
mento do �lósofo Luigi Pareyson, os conceitos de estética, poética, crítica e
formatividade serão apresentados como ferramentas re�exivas voltadas para
o campo da educação musical, bem como sua aplicabilidade em diferentes
contextos educativos. Propõe-se re�etir sobre o processo de invenção, execu-
ção e recepção artística como prática educativa. O educador musical como um
esteta em sala de aula. Re�exões sobre o processo de criação musical em sala
de aula; discussões sobre os problemas da leitura da obra de arte; a arte en-
quanto matéria formada; propostas especulativas acerca dos problemas da le-
gitimidade do trabalho artístico em práticas educativas; atividades práticas
que possibilitem re�exões estéticas, poéticas e críticas; apresentação de pro-
postas estéticas em diversos contextos educativos.

Objetivo Geral
Os alunos da disciplina de Estética para a Educação Musical, na modalidade
EaD do Claretiano, dados o Sistema Gerenciador de Aprendizagem e suas fer-
ramentas, serão capazes de compreender a estética como ferramenta �losó�-
ca do educador musical. Para isso, contarão não somente com as obras de re-
ferência, mas também com outras referências bibliográ�cas, eletrôni-
cas, links de navegação e vídeos.

Ao �nal desta disciplina, de acordo com a proposta orientada pelo professor


responsável e pelo tutor a distância, terão condições de entender de que forma
o campo da estética, em sua natureza �losó�ca, dialoga com o campo da edu-
cação musical, possibilitando que o educador musical também compreenda
seu papel de esteta em sala de aula. Para esse �m, cada uma das leituras reali-
zadas, as re�exões compartilhadas no ambiente virtual, bem como o desen-
volvimento de cada atividade serão fundamentais para o entendimento dos
nossos estudos.

Objetivos Especí�cos
• Compreender as três principais de�nições atribuídas à arte e o conceito
de estética segundo Luigi Pareyson.
• Compreender o conceito de formatividade.
• Compreender a importância desses conceitos voltados para o campo da
educação musical.
• Compreender os estudos da estética como ferramenta �losó�ca do educa-
dor musical.
• Compreender a importância da pergunta como caminho para o despertar
do pensamento �losó�co.
• Re�etir sobre os fenômenos da arte de forma crítica e especulativa.
• Vivenciar experiências estéticas.
• Ter clareza do papel do educador como esteta em sala de aula.
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Ciclo 1 – Estética, poética e crítica: compreendendo os


conceitos

Objetivos
• Compreender os conceitos de estética, poética e crítica.
• Compreender a importância de cada um desses conceitos como ferra-
menta �losó�ca do educador musical.
• Vivenciar os conceitos de forma prática.

Conteúdos
• Luigi Pareyson: breve biogra�a.
• Estética, poética e crítica: abordagem pareysoniana.
• A estética como ferramenta �losó�ca voltada para a prática do educador
musical.

Problematização
Estética pareysoniana: como podemos compreendê-la? Qual é a de�nição de
poética? E o conceito de crítica? De que forma esses conceitos permeiam as
práticas em educação musical? De que forma podem fundamentar o trabalho
do educador musical em diferentes contextos educativos?

Orientação para o estudo


Neste ciclo, você compreenderá a estética pareysoniana e sua aplicação na
educação musical. Para isso, a partir de obras musicais e artísticas que aqui
apresentaremos, você poderá desenvolver-se como um educador esteta.
Além disso, é importante que você assista aos vídeos e faça as questões pro-
postas para que sua aprendizagem seja efetiva. Por �m, note aqueles temas
que tiver maior di�culdade de compreensão e, em um momento oportuno, fa-
ça uma pesquisa em artigos ou em obras disponíveis nas bibliotecas virtuais
conveniadas para um melhor aprofundamento e entendimento. Lembre-se
de que a pesquisa é fundamental para que você tenha um aprendizado
abrangente e de qualidade.

Vamos lá? Bons estudos!

1. Luigi Pareyson: biogra�a


Nascido em 1918, em Piasco (Cuneo), localizado no Valle d'Aosta, o esteta itali-
ano Luigi Pareyson realizou seus estudos de �loso�a na Universidade de
Turin, onde foi aluno de Augusto Guzzo (https://it.wikipedia.org/wi-
ki/Augusto_Guzzo). Lecionou e produziu importantes obras ao longo de sua
carreira, tendo dois importantes discípulos: Giovanni Vatimo (https://biogra�-
eonline.it/biogra�a-gianni-vattimo) e Umberto Eco (https://www.ebiogra-
�a.com/umberto_eco/).

Oriundo de uma linhagem �losó�ca com a�nidades com �lósofos como Hans-
Georg Gadamer (https://maestrovirtuale.com/hans-georg-gadamer-biogra�a-
deste-�losofo-alemao/) e Paul Ricoeur (https://biogra�eonline.it/biogra�a-
paul-ricoeur), mas sobretudo Heidegger (https://biogra�eonline.it/biogra�a-
martin-heidegger) e Schelling (https://biogra�eonline.it/biogra�a-friedrich-
schelling), sua concepção estética deve ser compreendida como um campo in-
teiramente �losó�co.
Figura 1 Luigi Pareyson (https://www.iisf.it/index.php/pinakes-

ritratti/luigi-pareyson.html).

É importante relembrar que compreender a estética de Luigi Pareyson pressu-


põe o entendimento de uma estética que abrange tanto uma teoria geral da
atividade humana quanto uma teoria especí�ca da arte, sem esquecer-se de
que ambas se constituem inseparáveis. Não é possível compreender a estética
pareysoniana sem também considerar seu caráter essencialmente humano,
ou mesmo adentrar ao campo da obra de arte desconsiderando toda a espiritu-
alidade humana que a constitui. As questões �losó�cas apresentadas pelo au-
tor trazem, em sua concretude, obra, autor e vida.

Para aprofundamento de seus conhecimentos, na sequência, assista ao vídeo


Notas sobre Luigi Pareyson.

2. Estética pareysoniana: uma abordagem �lo-


só�ca
Para dar início aos estudos de estética de Luigi Pareyson, é fundamental que
compreendamos, em essência, a distinção que o �lósofo estabelece entre os
conceitos de estética, poética e crítica. Vejamos, a seguir, os pressupostos de
sua abordagem estética.

O conceito de estética tem como característica uma natureza especulativa.


Podemos compreendê-la como ofício do �lósofo. Para Pareyson (1997, p. 8, gri-
fo nosso),
A Estética é constituída deste dúplice recâmbio ao caráter especulativo da re�exão
�losó�ca e ao seu vital e vivi�cante contato com a experiência: não é estética aque-
la re�exão que, não alimentada pela experiência da arte e do belo, cai na abstração
estéril, nem aquela experiência de arte ou de beleza que, não elaborada sobre um
plano decididamente especulativo, permanece simples descrição.

A partir desse excerto, podemos compreender a ação do conceito de estética


segundo Pareyson. Seu propósito reside no diálogo re�exivo e especulativo
em face da experiência artística. O ponto que con�rma a estética como disci-
plina inteiramente �losó�ca sob a ótica pareysoniana reside no fato de que,
assim como a �loso�a requer um encontro entre experiência e re�exão, a ex-
periência estética também se dá no encontro entre experiência artística e re-
�exão. Assim, tanto na �loso�a como na estética de Luigi Pareyson, concebida
como própria �loso�a, experiência e re�exão caminham juntas.

Desde que experiência e re�exão se tocam, ou seja, a experiência para estimu-


lar e veri�car a �loso�a, e a �loso�a para explicar e fundamentar a experiên-
cia, é possível a�rmar que há experiência �losó�ca ou estética. Veri�ca-se, en-
tão, um processo de inseparabilidade entre experiência e re�exão, "e o círculo
que entre ambas se estabelece não é vicioso, mas extremamente fecundo, e
condição essencial para a validade do pensamento �losó�co" (PAREYSON,
1993, p. 10). Portanto, estética e experiência caminham juntas. A contemplação
estética não é possível sem a experiência de um fenômeno artístico.

Que tal, antes de prosseguir, você veri�car se entendeu bem o que foi apresen-
tado? Para isso, responda à questão a seguir. Boa sorte!

Agora, uma re�exão: de que forma a experiência estética pode estar presente
na prática educativa? Vejamos a seguir.

3. Experiência e re�exão em sala de aula


Numa determinada atividade musical, caso você, educador, opte por uma pro-
posta de apreciação musical com o objetivo de trabalhar a sensibilidade e o
pensamento re�exivo de seus alunos, tendo como fundamento uma prática
inteiramente especulativa, é correto a�rmar que sua proposta seja uma ativi-
dade estética.

A fruição de obras, sejam musicais, plásticas, arquitetônicas, cinematográ�cas


ou teatrais, quando contemplada de forma especulativa, é possível nomeá-la
como uma atividade estética.

Atividades educativas conduzidas por esse viés despertam em nossos alunos


autonomia e ímpeto para que re�itam sobre fenômenos transcendentes à pró-
pria arte. Nas palavras de Gabriel Perissé (2009, p. 36),

A arte educa na medida em que, atraindo nossa visão, encantando nossa audição,
agindo sobre nossa imaginação, dialoga com a nossa consciência. Mais do que nos
fazer reagir à melodia, à rima, à composição pictórica, às cenas do �lme, esses estí-
mulos que nos chegam pela arte criam um espaço de liberdade, de beleza, no qual
nos sentimos convidados a agir criativamente.

Como trabalharia, então, um educador, ao optar por esse caminho �losó�co em


suas aulas? Deixaria seus alunos pensarem livremente sobre o que quiserem?
Antes de responder a essas questões, vejamos uma a�rmação do próprio autor
sobre a atividade estética: "Não é estética aquela re�exão que, não alimentada
pela experiência da arte e do belo, cai na abstração estéril" (PAREYSON, 1997,
p. 8). Assim sendo, é importante que haja, inicialmente, uma "re�exão alimen-
tada pela experiência" (PAREYSON, 1997, p. 8) e, em seguida, que esta re�exão
não caia numa abstração estéril, ou seja, vazia e a crédito de qualquer coisa;
muito menos uma experiência em que permaneça uma ação de simples des-
crição.

Nesse sentido, como poderíamos orientar uma atividade dessa natureza sem
cair na armadilha de de�nições e signi�cados unívocos ou de uma re�exão
apressada e descompromissada?

Um trabalho pedagógico dessa natureza requer uma ação prática mediada por
questionamentos re�exivos e especulativos, diretamente ligados aos proble-
mas �losó�cos da arte, de modo a propiciar uma experiência substancial e
signi�cativa.
No exemplo a seguir, demonstraremos duas propostas estético-educativas co-
mo atividade de apreciação. Usaremos dois exemplos: um exemplo musical e
outro extraído do campo das Artes Visuais de forma que você possa compre-
ender, de formas diferentes, a experiência estética. Você está pronto para essa
experiência? Comecemos com a apreciação de um quadro.

Por se tratar de uma proposta especulativa, não apresentaremos a você, de


imediato, o nome da obra e nem do autor, tampouco traremos informações ou
características dela. Importa, neste momento de experiência estética, que haja
uma abertura para um diálogo investigativo e especulativo. Convidamos você,
então, para um exercício �losó�co. Atuaremos como estetas! Imaginem a nos-
sa sala de aula como uma galeria de arte. Vamos entrar?

Uma proposta dessa natureza, mediada por perguntas elaboradas, é um exem-


plo de atividade estética. Quando há um encontro entre obra e leitor a partir de
um diálogo re�exivo, a experiência estética acontece. Dizer, por exemplo: "co-
mo esta obra é bonita", "esta obra me agrada" ou "esta obra transmite calma" é
válido diante de uma obra, porém, tratam-se de a�rmações fracas e sem pro-
fundidade do ponto de vista de uma experiência estética signi�cativa.

Como educadores, é importante que tenhamos clareza quanto à diversidade de


pensamento e problemáticas que serão levantadas no decorrer de uma ativi-
dade dessa natureza, no entanto, o mais importante dessa proposta é o próprio
exercício �losó�co.

O ponto mais desa�ador desse tipo de atividade para o educador é mediar as


diferentes colocações apresentadas por cada aluno, e é nesse momento que
seu papel como esteta em sala de aula deve se fazer presente. Embora seja de-
sa�ador, o educador precisa compreender que tais colocações não precisam
ter uma resolução; é importante encarar, de forma legítima, os pontos de cada
aluno, conduzindo-os para re�exões ainda mais profundas. Essa é a natureza
da estética e o ofício do �lósofo!

Nesse sentido, como estetas em sala de aula, o nosso papel é oferecer aos alu-
nos experiências e, ao mesmo tempo, ferramentas para vivenciar a própria ex-
periência de maneira fecunda, possibilitando aos alunos o desenvolvimento
de habilidades para pensar os fenômenos da arte.

Além do próprio conhecimento sobre a natureza da estética, como educadores


musicais, é importante que se saiba elaborar as perguntas. A capacidade de
formular perguntas também é uma habilidade que se adquire. "Estudar é pra-
ticar a arte da pergunta. E ensinar nossos alunos a perguntarem" (PERISSÉ,
2009, p. 96). Falemos sobre a importância dessa habilidade.

Antes de prosseguir com seus estudos, responda à seguinte questão. Se você


errar, volte e revise o que foi estudado.

Perguntar: uma habilidade do educador esteta


A porta de entrada para uma relação dialógica e conscientizadora dos proble-
mas �losó�cos que circundam o fazer artístico depende muito da postura do
educador. Trata-se de uma conduta que requer saber perguntar e estar aberto
para o inesperado das respostas. Nas palavras do escritor e poeta José
Saramago, "tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das
perguntas" (1994, p. 225).

O princípio de uma abordagem educacional pautada pela estética reside no


exercício re�exivo entre alunos e professores, sendo o professor responsável
por alimentar um diálogo de caráter especulativo neste campo de comparti-
lhamentos mútuos.

Atividades artísticas de apreciação, por exemplo, requerem ações imaginati-


vas e especulativas como ferramenta construtiva. Assim, se o professor opta
por respostas prontas como caminhos verdadeiros na orientação desse pro-
cesso, impede que seus alunos percorram caminhos inusitados e criativos.
Havendo perguntas e tempo para que cada resposta seja compartilhada, é pos-
sível que todos vivenciem experiências signi�cativas.

João Wanderley Geraldi (2010), em sua obra A aula como acontecimento, con-
cebe o exercício de formular perguntas como uma prática socialmente dialó-
gica, capaz de transformar as experiências e os saberes que cada pessoa car-
rega em novas formas de conhecimento. Segundo Geraldi (2010, p. 96),

[...] aprender não é se tornar um depósito de respostas já dadas. Saber não é dispor
de um repertório de respostas. Saber é ser capaz de compreender problemas, for-
mular perguntas e saber caminhos para construir respostas.

E, como estetas em sala de aula, esse é o nosso maior desejo: que nossos alu-
nos compreendam os problemas da arte e sejam habilidosos para pensar os
fenômenos da atividade artística, encontrando sempre novos caminhos para
construir suas respostas.

Portanto, formular perguntas e estar aberto ao encontro de respostas não es-


peradas promove aberturas para acontecimentos que possibilitam a elabora-
ção de novos pensamentos, propícios ao enriquecimento da produção e re�e-
xão sobre a arte como um todo.

A nossa próxima experiência estética será a partir de uma obra musical.


Vejamos, no exemplo a seguir, como o exercício �losó�co pode estar presente
também numa aula de apreciação musical. Pronto para entrar? Ao longo de
nossas experiências estéticas, esteja ciente de uma questão muito importante
para Pareyson (PAREYSON, 1997, p. 9-10, grifo nosso):
Todos se encontram na estética, cada um trazendo, na tarefa comum, a particular
sensibilidade e competência que deriva de sua proveniência pessoal e mentalida-
de. A estética torna-se assim um frutífero ponto de encontro, um campo no qual
têm direito de falar os artistas, os críticos, os amadores, os historiadores, os psicólo-
gos, os sociólogos, os técnicos, os pedagogos, os �lósofos, os metafísicos, com a
condição de que todos prestem atenção ao ponto em que experiência e �loso�a se
tocam, a experiência para estimular e veri�car a �loso�a, e a �loso�a para explicar
e fundamentar a experiência.

E acrescentamos: a estética torna-se uma rica experiência artístico-�losó�ca


na qual têm direito de falar também educadores musicais dentro e fora da sala
de aula!

Após a apreciação dessa obra musical, propomos a você uma breve re�exão
sobre a concepção de interpretação a partir de Luigi Pareyson. Além da apre-
sentação conceitual, compartilhamos com você um dos problemas da estéti-
ca. Vejamos a seguir.

Segundo Lauand, um dos obstáculos para que o educador possa pensar a prá-
tica educativa e transformadora sob a ótica da arte aparece pelo fato de o pró-
prio professor não ter vivenciado experiências estéticas outrora. Vejamos
(LAUAND apud PERISSÉ, 2009, p. 7):
É que nós, professores, carecemos de experiências estéticas signi�cativas, pois
nossa formação para a beleza, para a arte, para a criação é de�ciente. Dá-se que, em
consequência, seja de�ciente, nesse aspecto nossa prática educativa.

Portanto, caro aluno, o objetivo desta disciplina, além de apresentar a estética


como ferramenta voltada para a prática do educador musical, desempenha o
papel de mostrar a importância das experiências estéticas como fonte de re-
�exão e potência criativa no processo de formação do educador, seja como ar-
tista, seja como esteta em sala de aula. O educador leva para a sala de aula sua
formação e suas experiências. Assim, a sala de aula revela o educador como a
obra de arte revela o mundo do artista. Para tanto, cabe destacar que "somos
nossas decisões. Somos o que aprendemos e o que ensinamos" (PERISSÉ,
2009, p. 96).

Sugerimos, agora, que você avalie como foi sua aprendizagem até então. Para
isso, responda:

 Aprofunde seus conhecimentos

A indicação a seguir contribui para uma compreensão ainda maior da


importância da Estética como ferramenta re�exiva para o educador mu-
sical. A leitura do capítulo Olhar e ver (p. 30-33) é su�ciente como com-
plemento para os nossos estudos.

CARBONELL, S. Arte e educação estética para jovens e adultos: as trans-


formações no olhar do aluno (https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis
/48/48134/tde-22062007-094232/publico
/DissertacaoSoniaCarbonell.pdf). Dissertação (Mestrado em Educação) -
Universidade de São Paulo, Faculdade de Educação. São Paulo, 2006.

4. Poética
Agora, observaremos, a seguir, uma aula de apreciação embasada na concep-
ção de poética.

O conceito de poética aqui apresentado está relacionado a aspectos normati-


vos em torno da construção e características da obra, abrangendo aspectos
técnicos, de movimentos artísticos, da tradição de escolas, narrativas, elemen-
tos estilísticos, históricos e biográ�cos. Podemos de�nir o conceito de poética
como sendo aquilo que é normativo. Nesse caso, o ofício do próprio artista.

É importante ressaltar que não há abordagem poética despida de um pensamento estético.


Poética e estética caminham juntas. O ofício do artista não é possível sem qualquer re�exão
estética.

Voltemos, agora, para a mesma galeria com o objetivo de compreender como


seria a apreciação da mesma pintura tendo como fundamento a concepção de
poética. Vamos lá?

Ainda sob a ótica da concepção de poética, voltemos a nossa sala de concertos


para apreciar a mesma obra musical de acordo com essa abordagem. Para
ouvi-la, clique no ícone.

Nesse sentido, podemos observar que a experiência artística, segundo os pres-


supostos da poética, conduz a uma atividade de apreciação baseada em consi-
derações preestabelecidas.

A apresentação de uma obra, quando voltada para o seu contexto, sua histori-
cidade, análise técnica, aspectos biográ�cos ou estilísticos, está no campo da
poética. Tais aplicações normativas não são comportadas no campo da estéti-
ca.

Com o objetivo de distinguir os conceitos anteriores, destacaremos mais uma


citação do autor em relação a eles (PAREYSON, 1997, p. 15):
A distinção entre estética e poética é particularmente importante e representa, en-
tre outras coisas, uma precaução metodológica cuja negligência conduz a resulta-
dos lamentáveis. Se nos lembrarmos que a estética tem um caráter �losó�co e es-
peculativo, enquanto que a poética, pelo contrário, tem um caráter programático e
operativo, não deveremos tomar como estética uma doutrina que é, essencialmen-
te, uma poética, isto é, tomar como conceito de arte aquilo que não quer ou não po-
de ser senão um determinado programa de arte.

No que diz respeito à proximidade existente entre os conceitos de poética e


crítica, em síntese, podemos a�rmar que o primeiro cumpre a tarefa de regular
e instaurar um programa de arte à obra feita; e o segundo, de analisar e julgar
seus resultados. Vejamos, a seguir, os princípios que orientam a concepção de
crítica segundo Pareyson.

É importante que saibamos identi�car e legitimar esses fenômenos de forma


atenta e cuidadosa, de modo a não atribuir a produção de um aluno, por exem-
plo, como sendo muito expressiva e sem técnica, ou muito conceitual e sem
expressividade. Lembremo-nos sempre das observações de Pareyson (1997, p.
21): essas "concepções ora se contrapõem e se excluem umas às outras, ora,
pelo contrário, aliam-se e se combinam de várias maneiras", sem, no entanto,
perder em sua totalidade suas funções técnicas, expressivas e cientí�cas. De
acordo com Milena Guerson (2010, p. 6),

É relevante que o professor de Arte, em sua formação, compreenda as pertinências


das áreas aqui explicitadas, adquirindo a capacidade de conferir ao fazer, à contex-
tualização, à leitura da obra de Arte, o que de maneira diferencial for pertencente à
Técnica, à Poética, à Crítica, à História, à Estética.

Agora, para encerrarmos este tópico, responda à questão a seguir e veri�que se


você compreendeu bem o que foi apresentado. Em caso de dúvidas, retome a
leitura com mais atenção. Boa sorte!

 Aprofunde seus conhecimentos


Para conhecer outra apropriação dos conceitos pareysonianos, leia tam-
bém o artigo de Milena Guerson (2010), Ana Mae Barbosa e Luigi
Pareyson - um diálogo em prol de "re-signi�cações" sobre ensino/apren-
dizagem de artes visuais (https://docplayer.com.br/7548993-Ana-mae-
barbosa-e-luigi-pareyson-um-dialogo-em-prol-de-re-signi�cacoes-
sobre-ensino-aprendizagem-de-artes-visuais.html).

5. Crítica
Em se tratando de uma atividade voltada para desenvolver autonomia e críti-
ca como proposta pedagógica, cabe ao educador mediar, de forma atenta e cui-
dadosa, os pontos que quali�cam ou desquali�cam a obra perante a tomada
crítica de cada um de seus alunos. Para que o aluno amplie, signi�cativamen-
te, suas considerações críticas, é importante que o educador saiba questionar
os motivos.

Embora a atuação do leitor crítico seja a de avaliador, intérprete e juiz, cabe ao


educador não abandonar seu papel como esteta, de modo que possa transitar
entre os julgamentos e as críticas de forma ponderada e re�exiva.

As práticas educativas em música englobam momentos de fruição estética,


atividades ligadas à poética ou mesmo tomadas críticas. Dessa forma, é fun-
damental que o educador conheça tais concepções estéticas para compreen-
der e atuar com profundidade diante dos fenômenos da arte sempre presentes
no contexto educativo.

Para complementar seus estudos e compreender a estética a partir de outras


lentes, na sequência, assista ao vídeo Pensar e Fazer Arte - a experiência esté-
tica do entusiasmo pelo conhecimento (52). O vídeo traz pontos que dialogam
com o nosso conteúdo, especialmente no que diz respeito ao entusiasmo com
que devemos levar a arte para a sala de aula.
 Aprofunde seus conhecimentos

Com as leituras propostas a seguir, você ampliará seus conhecimentos


em torno dessa abordagem, não somente no que diz respeito a um diálo-
go entre estética e educação musical, mas também de uma apresentação
fundamental dos conceitos de Luigi Pareyson.

CESCA, S. C. SCHROEDER, J. L. A teoria da formatividade voltada para o


processo inventivo em sala de aula: por uma estética do fazer
(http://www.ufrgs.br/se�m/ojs/index.php/sm/article/viewFile/129/149).
In: SIMPÓSIO DE ESTÉTICA E FILOSOFIA EM MÚSICA. Porto Alegre,
anais 2013, p. 750. Para que a indicação seja ainda mais especí�ca, suge-
rimos a leitura somente das páginas 753 a 755.

GARCEZ, M. H. N. A estética de Luigi Pareyson (http://dlcv.f�ch.usp.br


/estetica-de-luigi-pareyson-alguns-principios-fundamentais-e-alguma-
aplicacao-da-articulista): alguns princípios fundamentais e alguma apli-
cação da articulista. Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas.
Universidade de São Paulo - USP, 2020.

Agora que você concluiu o estudo deste ciclo, sugerimos que avalie como foi
sua aprendizagem. Para isso, responda às questões a seguir.

6. Considerações
Concluímos este ciclo deixando como tarefa especulativa outros novos questi-
onamentos: a interpretação de obras de arte contribui para o nosso aperfeiçoa-
mento ético? Ajuda-nos a repensar nossa maneira de viver e conviver? Pode
ser, em resumo, uma interpretação educadora? (PERISSÉ, 2009).

É possível que muitas dessas indagações sobre os problemas da arte �quem


sem respostas, mas não tenha pressa em respondê-las! Vamos levá-las para
os estudos do próximo ciclo. A�nal, a experiência estético-�losó�ca requer
tempo para vivenciar, dialogar e pensar. Levemos para os nossos estudos as
palavras de Bondia (2002, p. 24) como guia para as nossas experiências
estético-educativas:

A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer [...] pa-
rar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar
mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar,
demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, sus- pender a
vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir
os olhos e ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos
outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espa-
ço.
(https://md.claretiano.edu.br/estedumus-

g00907-dez-2021-grad-ead/)

Ciclo 2 – Arte como um fazer, como um exprimir e co-


mo um conhecer

Objetivos
• Conhecer as atribuições pareysonianas sobre arte como fazer, como
um exprimir e como um conhecer.
• Compreender a importância de cada um desses conceitos como ferra-
menta �losó�ca do educador musical.

Conteúdos
• Conceito de arte como um fazer, como um exprimir e como um conhe-
cer.
• A estética como pano de fundo das práticas educativas.

Problematização
Como podemos compreender as atribuições de Luigi Pareyson sobre arte co-
mo um fazer, como um exprimir e um conhecer? Tais de�nições devem ser
compreendidas de forma isolada ou como parte de um todo? De que forma
essas concepções estão presentes nas práticas em educação musical?

Orientação para o estudo


Para complementar seus estudos, �zemos indicações de artigos cientí�cos e
de vídeos referentes aos conceitos pareysonianos sobre arte como fazer, co-
mo um exprimir e como um conhecer. Além disso, você poderá compreen-
der, por meio de relatos de experiências, como esses conceitos são importan-
tes como ferramenta �losó�ca do educador musical em sua prática docente.
Então, vamos aos estudos?

1. A arte como um fazer, um conhecer e um ex-


primir: a porta de entrada para uma re�exão
estético-educativa
As três de�nições sobre arte atribuídas por Luigi Pareyson, embora distintas e
conceitualmente opostas, segundo a �loso�a pareysoniana, ora se alinham,
ora se contrapõem, ora se ocultam, mas permanecem, de�nitivamente, como
sendo três pilares necessários na produção de qualquer atividade artística.

É certo que, em determinados momentos da história, cada uma dessas de�ni-


ções de arte atingiu um ápice, assim como no Romantismo prevaleceu a arte
em sua forma de expressão, isto é, residindo num padrão artístico cuja beleza
se propaga "na íntima coerência das �guras artísticas com o sentimento que
as anima e suscita" (PAREYSON, 1997, p. 21), ou como prevaleceu, na
Antiguidade, o culto ao fazer, tendo como elemento acentuado seu aspecto
executivo, fabril e manual. O destaque para a de�nição de arte como conhecer
pode ser identi�cado em todo decurso do pensamento ocidental, quando se
atribui à arte um papel exclusivo de conhecimento, visão e contemplação que
coloca em xeque, e até de forma dispensável, o aspecto executivo e expressivo.
No entanto, embora distintas, essas concepções colhem caracteres essenciais
da arte, conquanto não sejam isoladas entre si e absolutizadas (PAREYSON,
1997).

Assim sendo, a �loso�a pareysoniana examina o imbricamento dessas três


de�nições e destaca que, em toda operação humana, reside a força expressiva
daquele que executa, portanto, a arte possui um caráter expressivo. Porém, a
força expressiva não pode caracterizá-la essencialmente, uma vez que, para se
alcançar determinada expressividade, é preciso a constante operosidade do
fazer. Fazer este que "revela, frequentemente, um sentido das coisas e faz com
que um particular fale de modo novo e inesperado" (PAREYSON, 2001, n.p.), e, a
cada olhar que inaugura uma nova maneira de ver e perceber a realidade, a
arte também se expande no ato de contemplar e conhecer.
E por que trazer essas concepções para o campo da educação musical?

O conhecimento dessas três de�nições é fundamental ao trabalho do educa-


dor musical. É no reconhecimento da arte como um fazer, como um conhecer
ou exprimir que as bases críticas e re�exivas tanto dos educadores musicais
como dos próprios alunos em torno do processo artístico aos poucos vão se
consubstanciando. De acordo com Perissé (2009, p. 41),

[...] interessa-nos aquilatar como a formação estética contribui para a vida intelec-
tual e pro�ssional do professor. Formar-se é entrar em contato com valores de toda
ordem. Especi�camente, o contato com valores estéticos (e também com informa-
ções, dados, terminologia estéticas...) deve ser ocasião para vislumbrarmos projetos
de vida humanizadores.

Partindo dessa a�rmação, a atividade artística como um fazer, como exercício


expressivo e também como um conhecer nos interessa na medida em que nos
ajuda a reconhecer a grandeza e o valor de cada um desses aspectos incutidos
no processo artístico como um todo. Longe de tecer uma breve história da arte
fragmentada em cada uma dessas concepções, a apresentação a seguir tem o
intuito apenas de localizar o leitor naquilo que é essencial e que levou o esteta
às três atribuições.

2. A arte como um fazer


A partir de agora, mergulhemos um pouco na concepção artística que prevale-
ceu na Antiguidade, cujo momento histórico teve o belo atrelado ao fazer e a
técnica como instrumento de êxito.

Em consonância com as de�nições apresentadas por Pareyson, Alfredo Bosi


(https://www.academia.org.br/academicos/alfredo-bosi/biogra�a) (1986) dis-
corre, de maneira bastante especí�ca, a respeito de cada uma das três concep-
ções artísticas em sua obra Re�exões sobre arte. No primeiro capítulo, Bosi
apresenta o processo artístico como uma forma de produção, reforçando o pe-
ríodo da Antiguidade como um momento histórico de exaltação à técnica.
Techné, assim chamada entre os gregos, consistia no "modo exato de perfazer
uma tarefa" (BOSI, 1986, p. 13). É importante frisar que o apreço à atividade do
fazer, do pensar ou mesmo do apreciar, no sentido artístico, é fruto da tradição
grega, fortemente enraizada na nossa cultura ocidental.

Segundo o teórico e musicólogo Roland Candé (2001, p. 66, grifo nosso),

É na Grécia que aparecerão pela primeira vez, no nível de uma consciência musi-
cal, a ambição de criar e o gosto de escutar. Há milênios a música visava a e�cácia;
religiosa, mágica, terapêutica, lisonjeira, militar, ela se dirigia aos deuses e aos reis,
às forças invisíveis e visíveis. Entre os gregos, ela se torna arte, maneira de ser e
de pensar, revela sua beleza ao primeiro público socialmente consciente.

Entre os gregos, a produção humana era concebida e diferenciada de acordo


com as condições econômicas e sociais daqueles que produziam. Conhecidas
por artes liberales e artes servilles, as atividades adquiriam posto superior ou
inferior mediante a origem de seu autor. As artes liberales eram identi�cadas
e reconhecidamente legítimas quando realizadas por homens livres. Estes
eram concebidos, então, como artistas.

Contrária a isso estava a produção dos homens que pertenciam a um contexto


economicamente baixo. Toda produção oriunda desse contexto social era re-
conhecida como uma produção servil, ou artes servilles. O domínio da técnica
adquire um status ainda maior no contexto das artes liberales à medida em
que a execução se aprimora, alinhando a um pensamento teórico.

Em �nais do século 5 a.C., os artistas já possuíam plena compreensão de suas


habilidades e maestrias, e a mesma percepção já permeava o grande público
espectador.

Caracterizado pelo ideal de leveza, perfeição, equilíbrio e regularidade das pro-


porções, as esculturas e estátuas dos grandes templos do mundo grego nos sé-
culos 4 a.C. e 1 a.C. passam a ser objetos de arte, e, nesse momento, os gregos
doutos assumem uma postura de apreciadores e críticos, discutindo sobre as
pinturas, estátuas, poemas e teatro igualmente, seja pontuando aspectos de
sua beleza ou criticando suas formas e concepções (GOMBRICH, 1999).
Figura 1 Acrópole, Templo de Atenas (c. 510-500 a. C.) (https://www.asisbiz.com/Greece/Acropolis/pages/Site-01-

Parthenon-columns-or-pillars-Acropolis-Athens-Greece-11.html).

O aspecto técnico e a concepção de perfeita simetria oriunda dessa tradição


perderão suas forças no cenário do período Romântico. Nas palavras de
Pareyson (1997, p. 21), é no romantismo que a arte estabelecerá seus valores
como forma de expressão, de modo que sua beleza consista "na beleza da ex-
pressão, isto é, na íntima coerência das �guras artísticas com o sentimento
que as anima e suscita", e não mais com suas formas.

Para entender um pouco mais a respeito da arte como um fazer, ouça aos pod-
casts indicados na sequência:
Podcast 1

00:00 00:00

Podcast 2

00:00 00:00

3. A arte como um exprimir


A de�nição de arte como expressão é identi�cada por Bosi como uma ativida-
de centrada na expressividade dos afetos. Será neste momento histórico que o
homem conceberá a arte como fonte de expressão humana.

Podemos ilustrar essa manifestação poética do século 19 por meio da obra do


francês Eugène Delacroix (https://pt.wikipedia.org/wiki/Eug
%C3%A8ne_Delacroix) (1798-1863). Na força expressiva e na simbologia que
carregam a personagem central com a bandeira, contemplamos ímpeto e bra-
vura que transcendem sua feminilidade. Observe:
Figura 2 A liberdade guiando o povo (1830), Eugène Delacroix (https://stat.ameba.jp/user_images/20191217/15/wine-

red1007/ff/05/j/o1632122414680355950.jpg).

Será no século 19 que as artes vão adquirir força, sendo tomadas como a pró-
pria religiosidade do artista, como linguagem universal; e seus fragmentos,
concebidos como re�exo da incompletude do homem. No ideário romântico
(FUBINI, 2002, p. 254.),

[...] a música não tem necessidade de expressar aquilo é linguagem comum, pois
vai muito além: captura a realidade em um nível muito mais profundo, desprezan-
do a expressão do mundo, em favor do pensamento, do espírito, e da in�nitude.

A arte romântica busca transcender os paradigmas da época que lhe antece-


de. Tem como objetivo a busca pelo in�nito, a necessidade de abarcar o mun-
do inteiro, alcançando a eternidade. "Por oposição aos ideais clássicos na or-
dem, do equilíbrio, do autodomínio e da perfeição dentro de limites bem de�-
nidos, o romantismo ama a liberdade, o movimento, a paixão e a busca do ina-
tingível" (GROUT; PALISCA, 2007, p. 572). No entanto, do ponto de vista �losó�-
co, a�rmar, por exemplo, "que 'a arte é expressão dos sentimentos' pode ter
uma importância no plano da poética, mas é uma perigosa asserção no plano
da estética" (PAREYSON, 1997, p. 22).

Vamos apreciar algumas obras desse período? Para visualizá-las, clique nos
ícones.
Neste momento, sugerimos que ouça, no podcast a seguir, a uma síntese a res-
peito da arte como um exprimir.

Podcast 3

00:00 00:00

4. A arte como um conhecer


A arte como forma de conhecimento, segundo Bosi (1986, p. 27), tem suas raí-
zes �ncadas na tradição cientí�ca ocidental, quando há um retorno intencio-
nal para aquilo que esteja alinhado ao conhecimento cientí�co:

Que a obra de arte deite raízes profundas no que se convencionou chamar 'realida-
de' (natural, psíquica, histórica), constitui uma dessas evidências fulgurantes que
deveriam dispensar qualquer discurso demonstrativo, bastando-lhe a constatação
a olho nu.
Como exemplo de uma arte concebida como forma de conhecimento,
Pareyson (1997, p. 23) menciona as produções artístico-cientí�cas de
Leonardo da Vinci como meio de conhecimento próprio, de interpretação do
mundo e até de fazer ciência. Vejamos dois exemplos:

Figura 8 O homem vitruviano (1490), Leonardo da Vinci. (https://pt.wi-

kipedia.org/wiki/Leonardo_da_Vinci#)
Figura 9 Estudos de embriões (1510-1513) nos quais retratam

imagens impossíveis de se ver na época, mas completamente atuais.

(https://pt.wikipedia.org/wiki/Leonardo_da_Vinci#)

A partir de uma observação re�exiva e dialética dessas considerações que, por


muito tempo, de�niram a arte ao longo dos séculos, o autor dedica parte dos
seus escritos para demonstrar como essas de�nições sempre estiveram imbri-
cadas umas às outras. Para Pareyson (1997, p. 22),

Estas diversas concepções colhem caracteres essenciais da arte, conquanto não se-
jam isoladas entre si e absolutizadas. Certamente, a arte é expressão. Mas é neces-
sário não esquecer que há um sentido em que todas as operações humanas são ex-
pressivas. Toda operação humana contém a espiritualidade e personalidade de
quem toma a iniciativa de fazê-la e a ela se dedica com empenho; por isso, toda
obra humana é como o retrato da pessoa que a realizou [...]. Dizer, por exemplo, que
a arte é 'expressão dos sentimentos', pode ter importância no plano da poética, mas
é uma perigosa asserção no plano da estética.

Considerando a nossa proposta dialógica entre estética e educação musical,


julgamos que a análise e re�exão dessas diferentes formas de conceber a arte
consistem em estudos fundamentais à prática do educador musical. Na atua-
ção do educador musical como esteta em sala de aula, é essencial que saiba
localizar essas atribuições no processo artístico, pois se trata de saber estimu-
lar, de forma criativa, os caminhos que cada um dos alunos estará desbravan-
do em sala de aula na condição de artista.

Por meio de uma atividade de composição, por exemplo, o educador pode con-
duzir, de forma signi�cativa, o processo de invenção de seus alunos,
incentivando-os em cada uma das etapas desse fazer. Ao mesmo tempo em
que os alunos percorrem seus trajetos inventivos, o educador pode enriquecer
ainda mais a vivência de criação, fazendo do ambiente um espaço de experi-
mentações musicais (como um verdadeiro laboratório cientí�co!) e, assim,
apresentar a ciência do fazer musical.
Fazer com que os alunos se sintam estimulados para expressarem aquilo que,
de fato, traduz suas emoções e conhecimentos reforça a potencialidade ex-
pressiva de cada um. A�nal, qualquer ato inventivo estará imenso em sua sin-
gularidade expressiva, realizativa e cientí�ca.

Podemos a�rmar que a arte, em sua natureza cientí�ca, está presente desde as
civilizações antigas. Embora tenhamos documentos históricos que atestem
sua e�cácia religiosa, terapêutica, festiva, entre outras funções, sua própria
engenharia sonora engloba um fazer cientí�co, ainda que não seja esse o foco
de sua apresentação. Será entre os gregos que a música será concebida como
forma de ser e de pensar, se tornará obra de arte (CANDÉ, 2001).

Para os gregos, a palavra música tinha um amplo sentido, sendo concebida


por musa, simbolizando as nove deusas irmãs que regiam as artes e as ciênci-
as. De acordo com Grout e Palisca (2007, p. 19):

Nos ensinamentos de Pitagóras e dos seus seguidores a música e a aritmética não


eram disciplinas separadas; os números eram considerados a chave de todo o uni-
verso espiritual e físico; assim, o sistema dos sons e ritmos musicais, sendo regido
pelo número, exempli�cava a harmonia do cosmos e correspondia a essa harmo-
nia.

Na visão pitagórica,

As distâncias entre os planetas obedeciam às mesmas razões entre números intei-


ros satisfeitas pelas notas da escala musical. Ao girar em torno da Terra em suas
órbitas, o Sol e os planetas gerariam uma melodia cósmica, o sistema solar se
transformando em um gigantesco instrumento que ressonaria a música divina, a
harmonia das esferas celestes (GLEISER, 1997, p. 56).

Com raízes �ncadas no cienti�cismo grego, a arte como um conhecer se faz


presente em toda atividade artística.

Na música do século 20, podemos veri�car o renascimento desse fazer musi-


cal cientí�co de forma ainda mais concreta. Compositores como Edgar Varèse
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Var%C3%A8se) (1883-1965), Pierre
Schaeffer (https://sarauparatodos.wordpress.com/2015/08/21/pierre-schaeffer-
1910-1995-musica-concreta/) (1910-1995), Pierre Henry (https://pt.wikipedia.org
/wiki/Pierre_Henry) (1927-2017), Karlheinz Stockhausen (https://pt.wikipe-
dia.org/wiki/Karlheinz_Stockhausen) (1928-2007), Olivier Messiaen
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Olivier_Messiaen) (1908-1992) e Iánnis Xenákis
(https://pt.wikipedia.org/wiki/I%C3%A1nnis_Xen%C3%A1kis) (1922-2001), para
citar apenas alguns, certos da dimensão cientí�ca da música, dedicaram-se
de formas variadas ao estudo dos princípios cientí�cos da música.

A cidade de Colônia, na década de 1950, foi berço da música concreta e as cha-


madas músicas eletroacústicas. A experimentação sonora a partir de gerado-
res elétricos, ondas sinusoidais, ruído branco marcou a música experimental
do século 20. Apreciemos, a seguir, algumas imagens, obras e vídeos que retra-
tam esse período (BIBLIOTECA SALVAT DE GRANDES TEMAS, 1979).

Não se esqueça de clicar nos ícones para visualizar as imagens e assistir aos
vídeos!

Como poderíamos compreender tais atribuições artísticas do ponto de vista de


uma atividade educativa? Pois bem, uma atividade de composição musical,
por exemplo, pode ter como objetivo pedagógico a incumbência de comunicar
algum dado cientí�co, ou o próprio educador pode identi�car aspectos dessa
natureza no decorrer da produção dos alunos.

O mais importante é que o educador esteja apto para identi�car e legitimar


tais aspectos de forma atenta e cuidadosa, de modo que não atribua a produ-
ção de uma obra como sendo muito expressiva e sem técnica, ou muito cientí-
�ca e sem expressividade. Lembremo-nos sempre das observações de
Pareyson (1997, p. 21): essas "concepções ora se contrapõem e se excluem
umas às outras, ora, pelo contrário, aliam-se e se combinam de várias manei-
ras", sem, no entanto, perder, em sua totalidade, suas funções técnicas, expres-
sivas e cientí�cas.

Para encerrarmos, ouça a mais uma breve explicação a respeito da arte como
um conhecer.

Podcast 4

00:00 00:00

Agora, sugerimos uma pausa para re�etir sobre sua aprendizagem e se avaliar,
por meio da resolução da questão proposta a seguir.

5. A estética pareysoniana na prática


Convidamos você a ver como as concepções estéticas podem fundamentar, na
prática, o nosso olhar como educadores estetas em sala de aula. Para isso, faça
a leitura do relato de experiência de Maria, uma aluna de violino que criou sua
composição musical sob a ótica pareysoniana. Clique no ícone a seguir e boa
leitura!

 Relato de experiência: Maria e sua arte - compondo com o violino

Profa. Sara Cecília Cesca


Este relato traz considerações de um processo artístico vivenciado no
contexto de um conservatório, também conhecido por oferecer aulas de
curso livre.

Como professora de violino para crianças, pude vivenciar, ao lado de


muitos desses pequenos intérpretes-compositores, incríveis trabalhos de
composição musical, como este que vou apresentar. No entanto, você po-
de estar se perguntando: trabalho de composição musical em uma aula
de violino de curso livre? Como trabalhar uma atividade de composição
pode ser compreendido sob a ótica pareysoniana? Sim, re�exões estéti-
cas são possíveis e necessárias em um contexto como este!

Um curso de música, cujo enfoque é a formação do aluno como um todo,


importa que o educador tenha consciência para além das questões técni-
cas do instrumento, sobre a importância de um fazer artístico que conce-
ba o aluno como verdadeiro autor nesse processo e sua obra como opor-
tunidade para experiências estéticas.

Geralmente, as aulas individuais de instrumento têm como prioridades


conteúdos técnicos, revisões de estudos, execução de peças de diferentes
estilos e períodos (escritas especi�camente para o instrumento) e a apre-
sentação de tudo aquilo que podemos quali�car como sendo da tradição
do instrumento. Mesmo nesse formato de aula, é possível apresentar ou-
tras experiências artísticas.

Como educadora musical, estou sempre avaliando a possibilidade de ex-


plorar atividades que contemplem a inventividade, pois, ao meu ver, o
ofício do violinista engloba também ser músico, artista, esteta, crítico e
intérprete. Para tanto, é preciso adquirir habilidades para pensar os pro-
blemas da arte e, assim, desenvolver autonomia para sua inventividade,
isto é, para sua própria arte.

Para que a habilidade de pensar o processo inventivo faça parte de suas


tarefas desde as primeiras aulas, juntamente com as prioridades técni-
cas que vou aos poucos apresentando aos alunos, procuro tecer diálogos
re�exivos no intuito de conscientizá-los sobre o processo de invenção
musical, especialmente quando esse percurso envolve o fazer do próprio
aluno. Aqui, trago as palavras de Regis Duprat (2001, p. 29) no seguinte
sentido:

Os que fazem as coisas bem seriam justamente os que re�etem bem sobre o
que fazem; porque se não souberem re�etir sobre o que fazem, jamais se tor-
narão bons no fazer. Insisto em que não há fazer sem a re�exão sobre esse
fazer; que existe uma instância pragmática em toda re�exiva, e uma instân-
cia re�exiva em toda tarefa pragmática. O homem culturalizado de hoje não
pode mais abdicar dessa verdade. E toda vez que o faz ou que é constrangido
a fazê-lo, se robotiza.

Vamos conhecer a história da pequena Maria, de sete anos, e o nasci-


mento de uma de suas composições. É importante frisar que Maria já vi-
nha se relacionando com os estudos de violino há mais de um ano, por-
tanto, vários recursos técnicos já faziam parte da sua bagagem violinísti-
ca.

Com o intuito de revisar e explorar suas habilidades de forma inventiva,


sugeri como tarefa da semana uma atividade de criação musical.

Ao perceber seu desconforto por não saber por onde começar, pedi, então,
que observasse os sons de sua casa, de sua escola, das ruas ou dos par-
ques, com o objetivo de encontrar alguma ideia inspiradora para a sua
obra, ou seja, um insight (CESCA, 2015).

A proposta consistia na elaboração de uma obra para violino solo.


Combinamos que a invenção poderia ou não ser baseada em alguma ce-
na do cotidiano, �cando a cargo dela os critérios de escrita e registro da
obra.

Na semana seguinte, Maria retorna à aula trazendo no semblante um


sorriso e muitas novidades para contar. De um lado, o instrumento e, de
outro, uma bolsa e um papel escorregando pelas mãos. Esse papel era
sua composição. Ao darmos início à aula, optei por deixá-la livre na com-
pleta apresentação do seu trabalho. Sem muitas explicações, ela preferiu
pegar seu violino e tocar. Após a execução, aplaudi e parabenizei Maria
pela obra. Em seguida, Maria contou-me os detalhes.

Enquanto narrava seu processo de invenção e elaboração da escrita, pu-


de apreciar, em cada detalhe do seu trabalho, cada uma das concepções
sobre arte de Luigi Pareyson.

Da busca pelo insigth até a execução da obra, quanta coisa Maria desbra-
vou sozinha! Ela alçou voos por meio dos diálogos que teceu com a sua
própria obra, o que Pareyson compreende por diálogo entre autor e maté-
ria, nesse caso, seu próprio instrumento.

Foi tentando, inventando, corrigindo, fazendo, refazendo e relembrando


outras vivências musicais que Maria obteve êxito, e, por meio da escolha
de cada elemento, a jovem instrumentista e compositora exibiu criativi-
dade e estilo próprio. No entanto, você pode estar se perguntando: mas de
onde Maria tirou tantas ideias e recursos técnicos? Explico.

Maria explorou técnicas que havia vivenciado em aulas anteriores e, no


processo de elaboração da sua tarefa, descobriu que sabia muita coisa
que achava que não sabia. Eu mesma não podia imaginar o quanto Maria
se lembraria daquelas técnicas!

Nas ilustrações a seguir, apresentarei a você uma das atividades lúdicas


que realizamos diversas vezes antes dessa tarefa. O objetivo dessa ativi-
dade consistia na apresentação de habilidades da técnica expandida do
violino. Vejamos nas Figuras 13 e 14:
Fonte: Acervo pessoal do autor.

Figura 13 Cartinhas de técnica expandida.

Fonte: Acervo pessoal do autor.

Figura 14 Cartinhas de expressões de andamentos.

As "cartinhas" das �guras são ferramentas lúdicas, construídas com an-


tigos trabalhos de aquarela reciclados. Eu as utilizo no ensino de introdu-
ção à técnica expandida do violino, às expressões de andamentos, entre
outros aspectos musicais. A partir de um estudo ou peça que já tenha si-
do trabalhada pela criança, apresento as cartinhas como novidade e de-
sa�o. Cada técnica ou expressão de andamento sorteada pelo aluno é tra-
balhada ao longo do estudo ou da peça. É uma forma de praticar recor-
rentemente, por meio de novos recursos.

O mais importante desse trabalho foi reconhecer que Maria percebeu sua
capacidade de inventar, combinar e transformar seus conhecimentos em
outras formas de fazer música.

E, para �nalizar esse episódio construtivo, decidimos inscrever sua com-


posição no concerto didático que aconteceria no auditório da escola no
próximo mês. Maria foi aplaudida de pé!
Eis o registro de sua obra.

Fonte: Acervo pessoal do autor.

Figura 15 Registro da obra solo para violino da aluna Maria, sete anos.

Compreendendo a escrita da obra

A temática da composição de Maria descreve o momento do banho ins-


pirado no seu próprio cotidiano. O primeiro quadro apresenta sons de
porta se fechando com a indicação de batidas leves no tampo inferior do
violino, descritos pela autora como "bater atrás do violino".

No segundo quadro, a autora registra a seguinte frase: "tirar a roupa" e,


neste momento, a execução é realizada com um movimento de detaché
na lateral do violino, produzindo um som levemente "raspado".

No quadro seguinte, produz-se o som da torneira, indicando uma execu-


ção atrás do cavalete, o que resulta em um som ríspido e ruidoso. Na ce-
na seguinte, a água do chuveiro que cai é representada mediante o uso da
técnica sul ponticello, descrita pela autora como "tocar na ponte na cor-
da sol e cantar". O cantar faz menção àqueles que gostam de "cantarolar
no chuveiro".

No quinto e no sexto quadros, as gotas do chuveiro caem enquanto se fe-


cha a torneira (novamente representada pelos sons expressos atrás do
cavalete).

No sétimo e no oitavo quadros, o movimento de detaché na madeira late-


ral do instrumento mais uma vez remete aos sons deslizantes da toalha e
das roupas secas.

Na última cena, a porta se fecha, representada por batidas no tampo infe-


rior do instrumento, que nos remete ao término do banho e �nal da exe-
cução.

A atividade de invenção foi um caminho para que Maria pudesse explo-


rar não só sua musicalidade e criação, mas também os saberes adquiri-
dos ao longo de sua rotina de estudos, bem como sua capacidade de
transformá-los. Segundo as re�exões de Pareyson (1993, p. 157),

A habilidade de quem domina o ofício é a resultante da simples routine (roti-


na, em francês no original): repertório de soluções, depósito de truques e ca-
tálogo de 'macetes'. Mas se a habilidade se alimenta das obras-primas e faz
seu ninho em uma memória operativa em que os modos de fazer,
entrelaçando-se organicamente entre si em uma progressiva acumulação,
enriquecem a própria energia formante da personalidade do artista,
manifesta-se então como a habilidade de quem, possuindo o do- mínio do
ofício, possui igualmente o próprio estilo.

Por meio de atividades como esta, podemos despertar em nossos alunos


mudanças transformadoras quando se veem como violinistas capazes de
criar, registrar, interpretar, pensar sobre a obra e, muitas vezes, para além
dos fenômenos da própria arte.

Anos depois, quando Maria me entregou uma cópia da composição para


compor as ilustrações deste material, notei que havia manchas que po-
deriam comprometer a leitura da sua obra e logo chamei a atenção para
os problemas estéticos em torno das mutilações, do desgaste do material
ou da pátina do tempo. Esses são também alguns problemas estéticos
para os quais Luigi Pareyson chama a atenção e que não podem ser des-
cartados por aqueles que lidam com a escrita musical. Qualquer altera-
ção na �sicidade do material pode comprometer sua interpretação.

Embora o registro de Maria demonstre aquilo que compreendemos como


pátina do tempo, produzindo deformidade ao colorido de seus desenhos e
textos, a nossa disciplina contribui para que a obra de Maria seja lembra-
da por todos os leitores que por aqui passarem, lançando a ela novos
olhares e novas interpretações, pois, de acordo com Pareyson, "a mutila-
ção da forma lhe compromete o per�l e a extensão, sem todavia destruir-
lhe a integridade" (1993, p. 108).

Após ler este relato experiência, ouça, agora, a composição de Maria com a in-
terpretação de Miguel, de 11 anos.

Agora que você conheceu um pouco como as concepções estéticas podem


fundamentar, na prática, o nosso olhar como educadores estetas em sala de
aula, sugerimos que resolva as questões indicadas a seguir, com o intuito de
avaliar seu nível de aprendizado.

Antes de prosseguir, assista ao vídeo, nele, vamos destacar alguns pontos rele-
vantes dos conteúdos de Estética para Educação Musical, bem como algumas
re�exões a respeito desse assunto.
Agora, neste próximo exemplo, convidamos você a conhecer uma atividade
realizada com crianças entre seis e oito anos de idade num contexto educacio-
nal de uma rede particular de ensino. Com esse depoimento, ilustramos, de
maneira mais abrangente, de que forma a concepção de arte como um fazer,
como um exprimir e como um conhecer podem orientar o olhar do educador
musical, ajudando-o a compreender cada uma das etapas do processo artísti-
co e seus desdobramentos estéticos. Venha conhecer esse trabalho!

Relato de experiência: uma orquestra, vários regentes e um dicio-


 nário de música

Profa. Sara Cecília Cesca

Este cenário se constitui como mais um exemplo estético-educativo


apresentado segundo os conceitos pareysonianos.

Vivenciada por mim na cidade de Ribeirão Preto/SP, a presente atividade


descreve o processo de invenção e registro de um material literário de
música.

Como professora responsável pelo ensino de música, ministrei, nessa


instituição, as seguintes disciplinas: ensino coletivo de violino, prática de
orquestra e apreciação musical. Caracterizado por um ambiente acolhe-
dor, o espaço físico dessa escola é conhecido entre a comunidade de fa-
miliares e alunos por fazer menção a uma grande casa.

O complexo do Ensino Fundamental é composto por três amplas salas,


denominadas nível I, II e III. Em cada um dos níveis, são agrupadas cri-
anças com faixas etárias distintas, o que viabiliza experiências signi�ca-
tivas entre os mais velhos e os mais novos. Institucionalmente, esse mo-
delo organizacional entre as séries recebe o nome de salas de auxílio
mútuo ou salas multisseriadas.

A principal �loso�a por detrás desse trabalho reside na valorização das


distintas formas de pensar, tendo como princípio a participação do outro
como fonte do próprio aprendizado.
A condução dos conteúdos desenvolve-se por meio de projetos interdisci-
plinares, e uma característica dominante nesses projetos é o uso recor-
rente de metáforas. Nesse contexto, a metáfora dispõe-se como uma por-
ta de entrada especulativa, possibilitando às diferentes áreas de conheci-
mento uma relação dialógica entre os conteúdos. Assim, a abertura das
aulas de todas as disciplinas se dá sempre por meio da mesma metáfora.

A partir das experiências interdisciplinares que pude vivenciar e com-


partilhar nesse contexto, apresento a você mais uma mostra dessa pro-
posta estético-educativa, por meio de uma atividade que intitulei como
Construção de um dicionário de música.

Oh! Abre alas! A caminho do dicionário de música


Antes de este trabalho ser desenvolvido, as crianças que compunham a
sala de nível I, isto é, crianças com faixa etária entre seis e oito anos, ti-
nham vivenciado conteúdos correspondentes ao Segundo Reinado do
Brasil, enfocando aspectos sociais e culturais da cidade do Rio de
Janeiro.

Com o intuito de dar continuidade aos estudos desse contexto, a profes-


sora responsável pelo projeto interdisciplinar apresentou aos docentes
uma nova proposta a ser desenvolvida em conjunto, com o objetivo de es-
treitar ainda mais o projeto a partir dos conteúdos de artes.

Visando aprofundar aspectos artísticos em voga nessa época, como tam-


bém à possibilidade de realizar um trabalho inventivo, a professora res-
ponsável pelos conteúdos que dariam unidade ao trabalho elegeu a arte e
a vida da compositora Chiquinha Gonzaga como �o condutor. E, como
premissa metafórica desse projeto, apresentou a seguinte frase: "Oh! Abre
alas!", referenciando a música Ó abre alas, da compositora.

Como professora de música e parceira desse projeto interdisciplinar, dia-


logamos sobre possíveis atividades de criação que poderiam envolver
produções tanto musicais como literárias.
E, assim, propus aos alunos a construção de um dicionário de música,
para compor o acervo de música da escola.

O processo se deu da seguinte maneira: em vez de escolher uma palavra


e dizer às crianças o seu signi�cado, combinamos de vivenciar e re�etir
sobre o signi�cado de cada um dos termos de forma prática. Primeiro, a
prática e, depois, uma possível de�nição. Nessa etapa da atividade, meu
olhar compreendia todo o processo no sentido do fazer.

Os primeiros passos da aula de música foram dados com atividades de


apreciação baseadas em algumas obras da compositora. Em seguida, co-
mo de costume, lancei às crianças algumas perguntas acerca das pro�s-
sões desempenhadas pela artista ao longo de sua carreira.

Partindo das nossas considerações estéticas, quando o educador musical


se propõe a conduzir suas atividades por meio de perguntas e diálogos
especulativos, é importante estar ciente dos caminhos inusitados que o
curso das respostas muitas vezes acaba tomando. Segundo Perissé (2009,
p. 88),

Abrir caminhos, dedicar-se à arte de ensinar, é atividade repleta de incerte-


zas quanto ao desenrolar dos acontecimentos, à reação dos alunos, aos resul-
tados. Incertezas não assustam o artista. A vida é incerta, a despeito dos nos-
sos esforços e conjecturas. O relacionamento humano é incerto. A arte nos
ensina que a vida é uma obra de arte em andamento, repleta de surpresas.

Seguindo com o nosso trabalho, propus às crianças que recriássemos em


nossa aula um dos trabalhos da artista, de modo que pudéssemos com-
preender, na prática, alguns dos seus ofícios e, por meio dessa vivência,
levar ao dicionário de música nossas considerações.

O tema eleito como primeiro passo dessa aventura foi regência.


Organizamos uma pequena orquestra com o objetivo de conhecermos a
função do regente. A nossa orquestra experimental foi composta por dois
naipes (percussão e madeiras), e aos músicos foi proposto um reveza-
mento para que todos pudessem experimentar o exercício da regência.
Todos tiveram a oportunidade de conduzir a orquestra.

Foi interessante observar o trabalho que as crianças realizaram. Cada


uma que se propunha a reger trazia um estilo e um gestual bastante dife-
rente.

Considerando a proposta re�exiva desse trabalho, durante os ensaios, eu


perguntava aos membros da orquestra quais dentre os regentes estavam
atuando com maior clareza em seus movimentos. E, assim, de forma di-
nâmica, fazíamos da aula um verdadeiro laboratório de veri�cação e ex-
perimentação. Tínhamos a prática como esboço para a de�nição dos ter-
mos que levaríamos para o dicionário. Fazíamos da orquestra um estudo
e da lousa nosso rascunho. Como educadora musical, identi�quei, em to-
da essa etapa da atividade artística, a força da arte como um conhecer!
Reconhecendo sempre o fazer dos alunos, a expressão e individualidade
de cada criança na construção do trabalho.

Os regentes explicavam o que queriam musicalmente, e, assim, fomos


experimentando o modo de fazer e a expressividade de cada um. Naquele
contexto, de regentes e intérpretes, apreciamos o encontro de ideias e a
con�uência das múltiplas possibilidades interpretativas que nasciam a
partir da prática de cada um.

Ao longo de duas aulas, todos puderam vivenciar o ofício do regente a


partir da marchinha Oh! Abre alas!

Em continuidade ao trabalho, as crianças optaram por eleger um regente


o�cial que pudesse conduzir o trabalho, considerando um possível con-
certo de encerramento da atividade.

Faço uma observação interessante: ao propor o exercício de regência, to-


dos quiseram reger, a princípio, sem nenhuma explicação prévia sobre
como fazer. É importante considerar também que, nesse espaço educati-
vo, a música é realizada como prática diária dos estudos dessas crianças,
e determinadas vivências acabam sendo familiares a elas. A reação das
crianças ao se disporem a reger sem nunca antes terem regido dá mos-
tras de habilidades nascidas de um ambiente estimulado musicalmente.

No início da atividade, o ato de reger resumia-se apenas à movimentação


dos braços, mas, aos poucos, as crianças foram se deparando com as di�-
culdades que um "ensaiador" encontra em seu ofício. Dinâmicas solicita-
das por meio de gestos e não atendidas, cortes não respeitados, anda-
mentos sem sincronia foram algumas das di�culdades observadas por
elas.

Em contrapartida, os membros da orquestra também se depararam com


a problemática de conceber um acabamento musical em equipe, no en-
tanto, o diálogo e a aceitação de cada uma das propostas aos poucos se
concretizava num trabalho concebido por todos. Segundo Pareyson
(1993, p. 36),

Um modo de formar se torna comum sobretudo pela participação em uma


mesma situação histórica e no ambiente cultural em que estão igualmente
imersos os vários autores, por um lado ligados a seu tempo e, por outro, capa-
zes de reagir livre e originalmente à sua época.

Dessa maneira, pude observar que o processo construtivo de cada crian-


ça cria vínculos signi�cativos com os processos umas das outras.

Na terceira aula, seguimos com a escolha do regente titular e um assis-


tente, bem como um spalla para a orquestra, com o objetivo de organizar
um concerto para todos da comunidade escolar.

Ao término dessa etapa experimental, procuramos pontuar aspectos ca-


racterísticos do ofício da regência, e foi a partir das considerações apre-
sentadas por cada criança que conseguimos dar os primeiros passos na
elaboração do dicionário de música. Ao longo das aulas, a lousa nos ser-
viu como esboço provisório para a elaboração conjunta de tais de�ni-
ções.

A colaboração do professor responsável pela sala foi de grande impor-


tância para �nalizar a construção desse material. A revisão gramatical
foi orientada por ele, e, em seguida, o esboço foi transcrito por algumas
das crianças na aula de Língua Portuguesa para as páginas originais do
dicionário.

Passível de revisão ou novas edições, o dicionário de música está dispo-


nível a todas as crianças da escola, e, sempre que surgem dúvidas refe-
rentes aos temas por elas vivenciados, procuram recorrer a ele.

Dicionário de música
E, percorrendo esse mesmo caminho, da experiência para a compreen-
são, construímos mais quatro verbetes: música, ritmo, pulso e melodia,
todos sendo frutos desse mesmo projeto interdisciplinar. Vejamos, a se-
guir, as páginas e considerações em cada verbete do dicionário.

Regente
Transcrição do material do Aluno 1

"O regente é a pessoa que ajuda os músicos a tocar juntos; às vezes, o re-
gente rege apenas alguns músicos. O instrumento do maestro é a batuta
que serve para ajudar os músicos. O regente usa gestos para ajudar os
músicos com sons mais altos ou mais baixos. Quando ele abre muito os
braços eles tocam forte e quando não abre muito eles tocam fraco".
Fonte: Arquivo pessoal. Produção coletiva (2011).

Figura 16 Página do dicionário de música contendo considerações sobre o regente.

Pulso
Transcrição do material do Aluno 2

"O pulso sempre se mantém. Pode ser lento ou rápido".


Fonte: Arquivo pessoal. Produção coletiva (2011).

Figura 17 Página do dicionário contendo considerações sobre pulso.

Música
Transcrição do material do Aluno 3

"É uma aula onde tocamos, cantamos, imaginamos e ouvimos música. É


ter imaginação e atenção. Pode ter muitos estilos a sua frente. Pode ser
calma e agitada. Pode ser criada a partir do silêncio e da audição. Pode
servir de consolo na tristeza".
Fonte: Arquivo pessoal. Produção coletiva (2011).

Figura 18 Página do dicionário contendo considerações sobre música.

Música
Transcrição do material do Aluno 4

"Pode nos fazer sentir alegria, tristeza, raiva, medo, susto. Nasce a partir
dos sons dos instrumentos musicais, das notas musicais com diferentes
durações, do jeito que se ouve, dos estilos e das ideias do compositor. É o
tempo que passa".
Fonte: Arquivo pessoal. Produção coletiva (2011).

Figura 19 Continuação das considerações sobre música.

Com o objetivo de valorizar, ainda mais, o material produzido pelas crian-


ças, organizamos, em nossa sala de música, um espaço que pudesse aco-
modar, além do dicionário, composições (escritas), áudios das apresenta-
ções e instrumentos também confeccionados por elas.

Ações dessa natureza legitimam e valorizam não somente a atuação de-


las como intérpretes em concertos e demais apresentações, mas também
suas produções literárias, fomentando um ambiente re�exivo, de produ-
ção e pesquisa.

Nesse caso, o registro escrito torna-se tão relevante quanto o registro so-
noro. A partir de um trabalho dessa natureza, podemos registrar e revisi-
tar a nossa história.

Pensemos rapidamente sobre esta questão: quantas considerações e ex-


periências signi�cativas são construídas, reelaboradas, descartadas e es-
quecidas ao longo de uma aula? Quantas observações nos levam a res-
postas que, no dia seguinte, esquecemos?

Partindo do pressuposto de que a Ciência nunca deve se estancar, mas se


manter sempre aberta a novas investigações, penso que as atividades
que desenvolvemos com nossos alunos deveriam consubstanciar-se
sempre como fonte de pesquisa, de forma a contribuir para o desenvolvi-
mento re�exivo, criativo e, acima de tudo, do humano. Acredito ser possí-
vel tornar a sala de aula um campo de cientistas, estetas, criadores e pes-
quisadores da arte para um campo maior que a própria arte, isto é, a vida.

Agora, assista ao nosso próximo vídeo, nele, relatamos, em detalhes, os basti-


dores desta incrível experiência.
Após os estudos deste tópico, responda às questões propostas, a �m de confe-
rir seu desempenho no estudo deste ciclo.

6. Considerações
Os conceitos e as atividades aqui apresentadas oferecem ao educador ferra-
mentas �losó�cas para olhar a produção artística de seus alunos, assim como
um esteta olha para a arte, seu objeto de estudo e re�exão.

Dialogar com nossos alunos no âmbito dos problemas da estética a partir de


suas produções estimula a valorização do processo inventivo, seja individual
ou coletivo, o autoconhecimento, o respeito para com o processo formativo do
próximo, consciência e responsabilidade artística como autor, intérprete e lei-
tor. A�nal, a estética como ferramenta de ensino reside mais na forma de con-
ceber e mediar o trabalho artístico perante o seu processo do que propriamen-
te em seu resultado concreto.

Considerando, pois, o convívio como uma prática imbuída de trocas e experi-


ências mútuas, con�rma-se a importância de uma �loso�a que facilite o trân-
sito do educador musical perante a dinâmica e plural conduta socializadora,
envolvendo atividades artísticas em diferentes contextos do ensino de músi-
ca.

Nas palavras de Geraldi (2010, p. 100), "o que importa é aprender a aprender,
para construir conhecimentos. Ensinar não é mais transmitir e informar, en-
sinar é ensinar o sujeito aprendente".
(https://md.claretiano.edu.br/estedumus-

g00907-dez-2021-grad-ead/)

Ciclo 3 – Teoria da formatividade: estética em sala de


aula

Objetivos
• Conhecer cada uma das etapas do processo formativo.
• Re�etir sobre cada uma dessas etapas a partir das práticas educativas.
• Compreender a importância da teoria da formatividade como instru-
mento de re�exão do educador musical.

Conteúdos
• O processo inventivo e realizativo da obra.
• O estágio da obra como forma formada.
• Estágio da execução e leitura da obra. Campo da intepretação.

Problematização
Como estabelecer uma meta para meu negócio? O que são indicadores de
performance? Quais as principais métricas para avaliar ações de marke-
ting digital? Como é estabelecido um funil de conversão?

Orientação para o estudo


Durante o estudo deste ciclo, você deverá complementar seus estudos aces-
sando os links indicados, pois neles você terá acesso a artigos, vídeos, capí-
tulos de obras disponíveis na Biblioteca Virtual Pearson etc. Portanto, é fun-
damental que você acesse os links e estude todos os conteúdos disponíveis,
pois eles serão imprescindíveis para seus estudos.
Vamos lá! Bons estudos!

1. Teoria da formatividade: fazer, refazer, for-


mar, transformar, tentar, descobrir, inventar,
criar, recriar, arranjar, conseguir, praticar, pro-
duzir, realizar, expressar
Conheceremos, agora, a teoria da formatividade, que foi elaborada por Luigi
Pareyson, bem como suas contribuições como ferramenta estético-�losó�ca
na atuação do educador musical como esteta em sala de aula. Também, iden-
ti�caremos aspectos importantes desta teoria estética e as relações que pode-
mos estabelecer a partir dela com os conteúdos e práticas no ensino de músi-
ca. Por meio de relatos de experiências, demonstraremos possibilidades de
uma abordagem estética pautada segundo os conceitos pareysonianos.

Viver é um ato de criação, e toda atividade humana requer práticas inventivas,


realizativas e executivas.

De acordo com Pareyson (1993, p. 20), "todos os aspectos da operosidade hu-


mana, desde os mais simples aos mais articulados, têm um caráter, não elimi-
nável e essencial, de formatividade". É possível a�rmar que vivemos em plena
condição "formante", e é por essa razão que optamos pela estética de
Pareyson, com o objetivo de lançar um olhar cuidadoso para o "fazer" dos nos-
sos alunos em diferentes contextos educativos.

Luigi Pareyson dedicou longo período de sua carreira como �lósofo ao lado de
artistas, críticos e intérpretes com o intuito de apreender os fenômenos que
permeiam o complexo itinerário da produção artística, do seu nascimento até
o campo da recepção, isto é, etapa na qual a obra corre o risco de cair no es-
quecimento. A partir dessa experiência e contato vivo com a atividade artísti-
ca, nasce sua teoria da formatividade.

A teoria da formatividade consiste em um amplo tratado �losó�co sobre o pro-


cesso de invenção e produção humana no âmbito da arte.
A partir dessas observações, Luigi Pareyson atribuirá à arte a seguinte de�ni-
ção: arte é forma. É concebida como forma pelo fato de nascer de um extenso
processo de formatividade. Mas, a�nal, como a formatividade pode ser de�ni-
da? O autor de�nirá esse conceito como um "tal fazer que, enquanto faz, inven-
ta o por fazer e o modo de fazer" (PAREYSON, 1997, p. 26).

Em seu tratado sobre fomatividade, Pareyson apresenta uma complexa malha


de questões �losó�cas que permeiam a atividade artística desde sua forma
embrionária, isto é, quando a obra ainda se constitui em forma de ideia ou in-
sight. Do insight até sua estrutura como forma formada, ou seja, como obra
acabada, o autor tece importantes re�exões sobre o processo de invenção, rea-
lização, interpretação e recepção da obra. Vamos entender um pouco mais a
esse respeito? Para isso, assista ao vídeo Arte é forma.

Nos Grá�cos 1 e 2, a seguir, destacaremos algumas questões signi�cativas


apontadas pelo autor sobre a atividade artística em três importantes etapas do
processo formativo: seu estágio como forma formante, como forma formada e
obra entregue ao campo da recepção. Em seguida, compartilharemos com vo-
cê dois depoimentos que ilustram a importância dessa teoria como ferramen-
ta �losó�ca voltada para a prática do ensino de música.
Fonte: elaborado pelo autora.

Grá�co 1 Estágio de invenção e produção.

No Grá�co 1, destacamos quatro aspectos importantes que substanciam o pro-


cesso da obra em seu estágio de invenção e produção. São eles:

• O nascimento do insight.
• O diálogo entre o autor e a matéria.
• Os limites técnicos do autor e seus conteúdos espirituais.
• O complexo e aventuroso itinerário pelo qual o artista percorre tentando,
corrigindo e refazendo.

Esses pontos serão apresentados pontualmente nos relatos de experiência


narrados a seguir.

Quando nos deparamos com alguma tarefa de natureza inventiva, o primeiro


fenômeno que nos ocorre é o insight. O insight é a ideia, o esboço, o assunto ou
o tema daquilo que queremos realizar. Nesse momento, a obra reside em sua
fase embrionária; possuímos apenas imagens e fragmentos do projeto inventi-
vo.
O diálogo entre autor e matéria ocorre quando escolhemos este ou aquele ma-
terial para dar forma e concretização ao projeto inventivo. É a partir deste en-
contro dialógico, entre autor e matéria, que provamos, manipulamos, experi-
mentamos e analisamos diferentes formas de explorar e tocar a matéria; uma
etapa de realização e manipulação tátil do processo inventivo.

Mas, a�nal, de que tipo de matéria estamos falando no caso da música? Para
essa questão, propomos uma breve especulação estética: tomando o ofício do
escultor, por exemplo, �ca mais fácil para compreendermos o ponto sobre a �-
sicidade do material. Podemos citar, por exemplo, o mármore, a argila e a ma-
deira. No entanto, no caso da música, a questão daquilo que é concebido como
�sicidade do material torna-se mais complexa e menos palpável diante da sua
concretude sonora que se realiza no tempo.

Bem, em se tratando de música, podemos conceber como material musical


desde os sons produzidos pela natureza até o campo diversi�cado dos instru-
mentos musicais.

No processo de escolha do material, a percepção de suas características e


compreensão de seus limites físicos é fundamental. Na concepção pareysoni-
ana, para essas características e limites físicos da matéria, é atribuída a de�-
nição de leis internas da matéria. Vamos exempli�car: esculpir uma obra na
madeira não é o mesmo que esculpir uma obra no mármore. Pintar uma tela
com tinta a óleo não é o mesmo que pintar um afresco. A composição física
dessas matérias cobra do autor ações diferentes no fazer.

No caso da música, podemos compreender essa diferença no processo compo-


sicional de uma peça eletroacústica e uma peça para quarteto de cordas, por
exemplo. Para citar outro exemplo: um processo composicional que nasce da
escrita musical, seja convencional ou não convencional, e o processo em que a
obra musical nasce no ato da execução ou de uma experimentação prática.
Nesse caso, a natureza dos materiais é diferente: uma requer domínio da escri-
ta musical e um entendimento prévio dos instrumentos para o qual se escreve,
e a outra, habilidades e domínio na execução do instrumento. No entanto, to-
das essas possibilidades contemplam o que o esteta de�ne como diálogo do
autor com a matéria.
Vamos aprofundar um pouco mais nossos estudos? O Vídeo indicado a seguir
tratará exatamente desse aspecto.

 Aprofunde seus conhecimentos

Para ilustrar essa etapa de diálogo entre autor e matéria, assista aos ví-
deos a seguir e considere como re�exão os pontos abordados anterior-
mente:

Modelando a tradição

Escultura em papel

Terra de Minas (Arte em Pedra Sabão Bretas)


Cerâmica

Outro importante aspecto destacado por Luigi Pareyson nesse processo de


diálogo do autor com a matéria diz respeito aos limites técnicos do autor, ou
seja, quando suas limitações técnicas impedem que haja uma experimentação
ainda mais ampla desse material.

O grá�co destaca, também, o complexo e aventuroso itinerário pelo qual o ar-


tista percorre tentando, corrigindo e refazendo suas intenções inventivas até
que se alcance êxito.

No grá�co a seguir, vamos observar importantes considerações re�exivas que


circundam a obra de arte em seu estágio como forma formada.
Fonte: elaborado pelo autora.

Grá�co 2 Estágio da obra como forma formada.

Neste próximo vídeo, você entenderá, em detalhes, o conceito de obra de arte


como forma formada

O estágio da obra como forma formada pode ser compreendido como a con-
cretização do insight. Uma vez acabada, a obra de arte nos proporciona um
encontro com outras problemáticas �losó�cas. Neste momento, convidamos
você para um exercício �losó�co e apresentamos essas problemáticas em for-
ma de perguntas. Vejamos:

Na obra em sua forma acabada, podemos identi�car as marcas e o estilo do


seu autor? Ela comunica? A obra é capaz de nos servir como ferramenta edu-
cativa? E quanto às possibilidades de tradução, transcrição, redução e repro-
dução? Corre-se o risco de a obra perder sua verdadeira essência? Re�exões
dessa natureza contribuem para o aprimoramento de um olhar �losó�co e crí-
tico da obra?

Considerando os conceitos até aqui apresentados, as leituras e estudos realiza-


dos sugerimos, agora, uma questão para �xar seu conhecimento sobre o tema.

No Grá�co 3, apresentaremos as questões �losó�cas que se apresentam na úl-


tima etapa desse longo e intenso processo formativo. Vejamos:

Fonte: elaborado pela autora.

Grá�co 3 Estágio da execução e leitura da obra. Campo da intepretação.

Sugerimos que você dê uma pausa na sua leitura e re�ita sobre sua aprendiza-
gem, respondendo a mais uma questão.
Compreendemos a etapa �nal do processo inventivo como o campo da execu-
ção, leitura e recepção da obra.

Mas por que campo da execução? Por que devemos submeter a obra à execu-
ção? De acordo com Pareyson (1997), a obra de arte deve ser submetida à exe-
cução por ser fruto de um extenso processo executivo e realizativo. Nesse ce-
nário em que transitam autor, obra, intérprete e receptor, novas problemáticas
surgem, e as possibilidades interpretativas que permeiam as impressões de
cada ouvinte con�uem para um problema ainda maior: as múltiplas interpre-
tações da obra.

Em destaque no grá�co, observamos também o caráter social e comunicativo


da arte. Esse fenômeno poderá ser observado nas atividades de prática coleti-
va, que serão apresentadas a seguir.

Sobre a concepção de �delidade ou liberdade da execução, eis um ponto muito


importante a ser ponderado pelo educador esteta em sala de aula. Como deve-
mos proceder em face de uma problemática dessa natureza? É importante res-
saltar, segundo Pareyson (1993, p. 179), que, "como caráter especí�co da inter-
pretação, pode-se dizer que ela visa a compreensão somente através de um
processo que corre sempre o risco da incompreensão" ou, conforme a�rma
Umberto Eco (2012, p. 8),

Nem sempre o privilégio conferido à intenção do leitor é garantia da in�nidade de


leituras. Se privilegiarmos a intenção do leitor, será mister também prevermos um
leitor que decida ler um texto de modo absolutamente unívoco e opte pela busca,
quiçá in�nita, dessa univocidade.

Como educadores musicais, é importante que tenhamos acuidade re�exiva e


saibamos olhar para cada uma das situações em busca de ações transforma-
doras e criativas, de modo que cada uma das considerações postuladas por
nossos alunos possam ser mediadas de maneira respeitosa e humana.

Agora, teste seus conhecimentos a respeito dos assuntos tratados até aqui.
Com base nos pontos apresentados anteriormente, vamos apreciar o depoi-
mento a seguir, trazendo como pano de fundo recortes desse itinerário que
compõe a formatividade.

 Relato de experiência: depoimento

Profa. Sara Cecília Cesca

O relato a seguir foi vivenciado pela Profa. Sara Cecília Cesca (autora des-
ta obra) durante sua atuação como educadora musical num projeto soci-
al; no entanto, são apresentados pequenos recortes em face da pluralida-
de dos diversos contextos de atuação. Esperamos que este recorte possa
ajudá-lo como uma amostra que pode inspirar ideias re�exivas e a cons-
trução de novos saberes e olhares estético-educativos. Pronto para co-
nhecer este trabalho? Vamos lá!

Com base nas re�exões estéticas de Pareyson, demonstraremos as con-


tribuições de sua teoria da formatividade como recurso �losó�co voltado
para a prática educacional.

É importante frisar que os nomes aqui mencionados são �ctícios, e os es-


paços institucionais, mantidos em sigilo. A descrição dessas atividades
tem como principal objetivo ilustrar formas de apropriação da �loso�a
estética como ferramenta educativa.

Os relatos de experiência desta obra podem ser compreendidos como


"obras" no sentido pareysoniano, isto é, "obras" em seu estágio de forma
acabada. No entanto, devem ser considerados como fonte inesgotável de
ressigni�cação, pois, uma vez concluída, a obra só pode ser vista na sua
perfeição se considerada dinamicamente (ECO, 1972, p. 20).

Compartilho com você esses exemplos de forma simbólica, com o objeti-


vo de ilustrar possibilidades de uma abordagem estética em sala de aula.
Vamos ao depoimento.

Insight: o começo de tudo


A partir deste relato, contarei como crianças entre oito e 13 anos pude-
ram vivenciar uma tarefa de composição musical realizada em um con-
texto institucional que tem como objetivo maior a formação integral de
seus alunos. Falarei um pouco do cenário desse espaço educativo, de mo-
do que você possa compreender o pano de fundo desse trabalho.

A presente instituição desenvolve atividades culturais e artísticas, sendo


gerenciada por leis estaduais de incentivo à cultura. Atualmente, os cur-
sos oferecidos contemplam as disciplinas de música, artes visuais, dan-
ça, teatro e ética e cidadania.

O curso de música oferece aos alunos aulas de instrumento (violino, vio-


la, violoncelo, contrabaixo, clarineta, trompete, trompa, trombone, �auta,
percussão e saxofone - alto e tenor), canto coral, prática em conjunto e
fundamentos teóricos, que incluem percepção e apreciação musical.
Essas crianças são alunas da rede pública de ensino e frequentam, de du-
as a três vezes por semana, os cursos oferecidos por essa instituição, nos
quais estão matriculadas formalmente.

Vamos, agora, conhecer o trabalho realizado por elas?

Como se apropriar de uma abordagem �losó�ca, de modo que seja possí-


vel transformá-la em um diálogo acessível entre jovens e crianças em
um contexto de ensino como este? Como extrair re�exões acerca dos
problemas da produção e da invenção artística, com o intuito de propor
uma conscientização sobre a formatividade como fenômeno da arte e da
vida?
Como professora responsável pela disciplina de prática de orquestra, jun-
tamente com outro professor, demos início ao presente trabalho pergun-
tando aos alunos se, naquele semestre, eles gostariam de produzir um
trabalho de própria autoria, além da prática interpretativa de outros com-
positores. A resposta se concretizou com um suspense no ar e olhares
descon�ados. Talvez estivessem pensando: "Nossa própria música?
Como assim? Será que a professora está falando sério?".

Aos poucos, as crianças foram se manifestando timidamente, interessa-


das na tal composição autoral. Uma vez decididas pela proposta de com-
por, lançamos a seguinte re�exão: "Antes de qualquer coisa, é preciso en-
contrar uma ideia que possa inspirar a composição; algo que sirva de
guia".

Deixá-los livres para imaginar e tomar como orientação qualquer tema


seria uma possibilidade pedagógica, mas o intuito da proposta consistia
em mostrar aos alunos o quanto a arte de outros artistas poderia ajudá-
los nessa atividade de invenção. Segundo Perissé (2009, p. 38),

A arte educa, in�uenciando nossa maneira de sentir e pensar, de imaginar e


avaliar. In�uência forte e sutil. E renovadora. Para o bem ou para o mal, não
saímos incólumes de uma experiência estética verdadeira. Os artistas são
educadores, perturbadores, levam-nos aos extremos de nós mesmos.
Educadores provoca- dores, desestabilizadores.

Com o intuito de enriquecer nossa tarefa inventiva e construtiva, media-


mos o trabalho por meio de perguntas que pudessem suscitar re�exões
em torno do processo de invenção, optando pelo caminho da apreciação
musical como fonte para o despertar do insight.

Nessa etapa de fruição e contemplação, disponibilizamos aos alunos al-


gumas das obras em estilo madrigalesco do compositor Gilberto Mendes
(1922 - 2016) sob a in�uência do movimento literário Noigrandes, como
Motet em Ré Menor (Beba Coca-Cola), Vai e Vem, Nascemorre e
Asthmatour, devido ao caráter descritivo das obras.
Creio que foi por meio dessa experiência musical que as crianças come-
çaram a vislumbrar os primeiros passos da inventividade, e assim pude
observar atentamente o nascimento de muitos insights que permeavam
o pensamento delas.

O ponto de apoio dessa atividade teve como base inicial a arte de outros
autores. Recorremos a essas produções em busca de ideias e diferentes
formas composicionais. Segundo Perissé (2009, p. 36), a arte dos poetas,
dos compositores, dos escultores e dos artistas plásticos também nos
educa:

[...] na medida em que, atraindo nossa visão, encantando nossa audição,


agindo sobre nossa imaginação, dialoga com a nossa consciência. Mais do
que nos fazer reagir à melodia, à rima, à composição pictórica, às cenas do
�lme, esses estímulos que nos chegam pela arte criam um espaço de liberda-
de, de beleza, no qual nos sentimos convidados a agir criativamente.

E, de acordo com Pareyson (1993, p. 149, grifo nosso),

O vínculo entre exemplaridade e imitação, com a possibilidade ainda de um


preceituário operativo e de uma imitação transformadora, serve para expli-
car antes de mais nada a formação do artista, formação que de outra manei-
ra seria processo misterioso e incompreensível, pois nenhum artista conse-
gue fazer arte a não ser passando pela imitação entendida como reconheci-
mento operativo da exemplaridade.

É importante ressaltar que as nuances do processo formativo não se de�-


nem em categorias precisas. Tomando o nascimento do insight como
exemplo, devemos compreender que, nesse estágio inventivo, as ideias e
fragmentos inacabados tentam ganhar formas ainda como esboço.

É exatamente nesse momento de nebulosidade, confusão e incertezas


que o educador tende a atuar com cuidado e atenção, pois as possibilida-
des revelativas que o processo formante proporciona se evidenciam so-
mente enquanto se formam.
Além dessas obras, apreciamos outras do mesmo gênero artístico. Fomos
lançando as primeiras re�exões estéticas acerca da possibilidade de re-
lacionar música e texto em uma composição.

Diante desses diálogos e experiências musicais, as crianças foram en-


contrando apoio para darem início ao trabalho, e, neste momento,
lembro-me das palavras de Arquimedes (Siracusa, 287 a.C. - 212 a.C.), que
sintetizam o começo desse nosso trabalho de criação: "Dá-me um ponto
de apoio e erguerei o mundo".

Música e poesia: um diálogo inventivo


Após trilharmos esse percurso em busca de um começo, os alunos deci-
diram dar início à composição partindo de uma poesia. Alguns que a�r-
mavam serem "bons" na escrita de poemas se dispuseram a escrevê-los.

Por meio de uma seleção, o grupo escolheu quatro poesias para compor o
trabalho. Para ajudá-los na estruturação da composição e no aproveita-
mento do material (poesias), sugerimos que organizassem a obra em
quatro partes, de modo que cada poema pudesse ser desenvolvido sepa-
radamente. Foi assim que iniciamos a construção do primeiro movimen-
to da composição. Mediante tentativas, incertezas e descobertas, fomos
trabalhando, sempre apoiados na poesia como guia desse processo de in-
venção.

De acordo com Pareyson (1993, p. 73, grifo nosso), a atividade inventiva


consiste em puro tentar, no entanto, é importante frisar que não é um
tentar destituído de imagens prévias.
Tentar não é nem andar às cegas nem caminhar com plena segurança; nem
vaguear no escuro até o momento da súbita iluminação, nem seguir um ca-
minho todo iluminado. O tentar não é tão incerto que signi�que puro tatear,
nem tão seguro que siga pela estrada principal, mas antes se constitui de um
misto de incerteza e segurança, onde enquanto durar a busca, o risco não
instaura o reino do acaso e a esperança não se torna ainda certeza. A tentati-
va tem algo de ordem e desordem ao mesmo tempo, de sorte que a norma
que a guia nunca é assim tão evidente que indique de antemão a sua desco-
berta, e a série dos fracassos não é nunca tão desastrosa que não se conver-
ta em alguma sugestão do resultado feliz.

Fonte: Acervo pessoal do autora.

Figura 1 Poema que inspirou o primeiro movimento da compo-

sição.

Fonte: Acervo pessoal do autora.

Figura 2 Poema selecionado para o segundo movimento da

obra.

Apreciamos, cuidadosamente, cada um desses poemas e, a cada leitura,


vivenciávamos o surgimento de novas impressões.
De volta aos acontecimentos em torno desse trabalho, conforme as crian-
ças compartilhavam ideias musicais, também dialogavam sobre insights
e buscavam pelas possibilidades expressivas conseguidas por meio da
matéria (a partir de seus próprios instrumentos). A composição aos pou-
cos ganhava forma e gestos sonoros.

Com o intuito de lançar a elas questões estéticas incutidas na inventivi-


dade artística, fomos conduzindo a presente proposta por meio de per-
guntas e questionamentos, propiciando um trabalho de imersão, consci-
entização do processo formativo e, ao mesmo tempo, apresentando ou-
tros problemas que a obra de arte traz em sua condição acabada.

Para conscientizá-las da existência desses fenômenos, presentes não so-


mente no processo artístico, mas também nas nossas vidas, enquanto
trocavam ideias e mudavam o que já estava pronto em busca de outras
saídas e experiências sonoras, julgamos ser oportuno interrompê-las
com a seguinte re�exão:

Diálogo
Professor:
- Vocês estão percebendo que as ideias parecem não ter �m? Por que isso acontece?
Alunos:
- São muitas pessoas criando - respondeu uma aluna.
Professor:
- Você tem razão... são várias "cabecinhas" criativas funcionando ao mesmo tempo.
É isso que acontece quando começamos a inventar. Parece que nossa imaginação
não tem �m. Mas vamos continuar e ver aonde essas ideias nos levarão.

Em meio aos diálogos que realizávamos acerca da nossa capacidade


imaginativa e das in�nitas possibilidades inventivas, procuramos desta-
car, também, o cenário de ressigni�cação que a obra de arte despertava
em seu estágio acabado, a variedade de leituras que poderia gerar, sua
natureza comunicativa, a importância do seu registro, bem como o domí-
nio técnico em sua fase de execução.

Diante dessas considerações estético-�losó�cas, pudemos veri�car a im-


portância e as contribuições do exercício especulativo na condição de
atividade coletiva voltada para a formação dos alunos como um todo,
pois acreditamos que "somente quem aprende percorrer caminhos ine-
xistentes, porque eles se fazem no percurso, será capaz de compreender
as respostas e os caminhos antes percorridos" (GERALDI, 2010, p. 96).

As ideias fervilhavam na construção de cada detalhe da obra que se rein-


ventava no processo formativo, e assim a composição foi se materiali-
zando sonoramente, passo a passo, no bojo da inventividade.

É neste momento de invenções, tentativas e erros que o formar pareyso-


niano pressupõe o ato de buscar, pois, conforme suas palavras, "'formar'
signi�ca 'fazer' inventando ao mesmo tempo 'o modo de fazer', ou seja,
'realizar' só procedendo por ensaio em direção ao resultado e produzindo
deste modo obras que são 'formas'" (PAREYSON, 1993, p. 12).

A cada nova fase do trabalho, convidávamos as crianças a re�etirem so-


bre a importância desse "tentar" que acompanha não somente o artista
no ato da criação, mas as ações de cada um em seu viver. De acordo com
Pareyson (1993, p. 61, grifo nosso), o ato de tentar:

[...] se estende a toda a vida espiritual e abrange todos os campos da operosi-


dade humana, o que con�rma que seu âmbito coincide com o da formativida-
de, pois toda a vida espiritual é formativa. E certamente este destino do ho-
mem, de não poder atuar a não ser procedendo por tentativas, é sinal de sua
miséria e grandeza ao mesmo tempo: o homem não encontra sem procurar e
não pode procurar a não ser tentando, mas ao tentar �gura e inventa, de mo-
do que encontra, de certo modo já fora, propriamente, inventado.
Cada criança escreveu sua partitura de acordo com a clave do seu instru-
mento. Após a conclusão do registro, executamos a obra e contemplamos
a sensação do dever cumprido. Mesmo com o trabalho �nalizado, o espí-
rito inventivo ainda se fazia presente, e outros palpites não queriam si-
lenciar.

Diante de observações como essas, veri�ca-se que a essência do processo


inventivo reside na eterna novidade do fazer.

A primeira versão do material foi editada e entregue às crianças de for-


ma que pudessem visualizar o primeiro movimento da composição com
todos os instrumentos. Con�ra, a seguir, a edição grá�ca deste trabalho.
Fonte: Acervo pessoal do autora.

Figura 3 Partitura da obra Sinfonia Poética (1ª edição).

Diante da partitura impressa, levantamos outras indagações em relação


ao material que estava em nossas mãos. Eis um recorte desse diálogo:

Diálogo
Professor:
- Aqui está a composição de vocês. O que faremos com ela agora?
Alunos:
- Temos que tocar!
Professor:
- Mas isso (referindo-se ao papel) não é uma música?
Alunos:
- Não, professora, é uma partitura!

Neste momento, nosso diálogo caminhou no sentido de compreender a


importância da execução da obra e daqueles que a executam, isto é, os
intérpretes. A seguir, nosso diálogo:
Diálogo
Professor:
- Daqui a alguns anos, vocês estarão trabalhando, cursando uma universidade e tal-
vez até morando em outra cidade, mas a composição de vocês continuará fazendo
parte do repertório da instituição. Outras crianças a executarão. Então, gostaríamos
de saber de vocês o seguinte: e se estes novos alunos resolverem dar outra interpre-
tação para a música?
Alunos:
- Não, isso não pode acontecer, professor! É errado! - uma resposta quase unânime
entre as crianças.
Professor:
- Nós já interpretamos de formas diferentes músicas de outros compositores! Por que
eles não poderiam também?
Alunos:
- Porque fomos nós que �zemos!

Conversamos por alguns minutos a respeito dos problemas que existem


em torno da execução da obra, de suas múltiplas possibilidades interpre-
tativas e seu contínuo ato de ressigni�cação, que provém da capacidade
imaginativa daqueles que também a apreciam.

Ao término do nosso trabalho, pudemos veri�car que a obra em seu está-


gio como forma formada não mais pertence ao autor, mas, sim, ao mun-
do das interpretações e da imaginação daqueles que a encontram. De
acordo com as re�exões elaboradas por Seincman (2008, p. 25),

A obra musical só se efetiva, de fato, na performance, em sua relação com os


ouvintes. Quando um compositor �naliza uma obra, ela já não mais lhe 'per-
tence', passando a fazer parte de um 'campo estético': é nesse palco que irá se
consubstanciar seu 'jogo'. A despeito de o senso comum acreditar que o com-
positor teria mais condições de 'explicar' a obra, ele passou à condição de
mais um de seus ouvintes e, devido à transcendência da experiência estética,
jamais poderá dar conta da in�nitude de questões que ela suscita.

Ao lado de outras grandes obras, hoje, a Sinfonia Poética compõe o acer-


vo de peças dessa instituição, possibilitando aos alunos dizerem ao pú-
blico "Nós compusemos!"(CESCA, 2015, p. 82).
Após conhecer esse relato de experiência, vamos, novamente, veri�car se o
conteúdo abordado até aqui foi assimilado? Para isso, responda às questões a
seguir e, em caso de dúvidas, retome a leitura com mais atenção.

Após veri�car como está sua aprendizagem, aprofunde seus conhecimentos


sobre os assuntos tratados neste ciclo. Para isso, acesse os links a seguir e boa
leitura!

 Aprofunde seus conhecimentos

As leituras indicadas na sequência consistem em estudos dedicados aos


processos criativos na infância.

FONTERRADA, M. Educação musical: propostas criativas


(http://www.amusicanaescola.com.br/pdf/Marisa_Foterrada.pdf).
Fundamentos da educação musical, 2020.

GALON, M. S. Criação musical coletiva com crianças: possíveis contribui-


ções para processos de educação humanizadora (https://repositorio.ufs-
car.br/bitstream/handle/ufscar/2749/6565.pdf?sequence=1&
isAllowed=y). (Dissertação de Mestrado). São Carlos: UFSCar, 2015 (p.
44-53).

No capítulo intitulado Criação Musical (p. 44-53), a autora apresenta dife-


rentes autores e pesquisas em educação musical dedicados aos estudos
da criação musical como prática pedagógica no ensino de música. Esta
leitura poderá contribuir como referência para o conhecimento de outras
abordagens pedagógicas em torno do processo de criação musical.

2. Considerações
Segundo a ótica pareysoniana, o que alimenta o processo formativo inventivo
e produtivo provém da energia formante do sujeito que a realiza, isto é, a capa-
cidade de imaginar e inventar dos nossos alunos. De acordo com o autor, "eis
aí o mistério da arte: a obra de arte se faz por si mesma, e, no entanto, é o artis-
ta quem a faz" (PAREYSON, 1993, p. 78).

Diante dessa a�rmação, não podemos descartar as vivências trazidas pelos


nossos alunos, sejam elas artísticas ou não, pois são esses acontecimentos hu-
manamente histórico-sociais que nutrem e abastecem a invenção e o percur-
so formativo daquele que faz.

Segundo esses princípios, somente por meio do ímpeto humano de "formar


por formar" podemos alcançar êxito.

No próximo ciclo, apresentaremos outras formas de transportar essa aborda-


gem estética para o nosso campo educacional. Preparado para continuarmos
nossa empreitada re�exiva?
(https://md.claretiano.edu.br/estedumus-

g00907-dez-2021-grad-ead/)

Ciclo 4 – Educador e educadora musical: estetas em


sala de aula

Objetivos
• Re�etir sobre o papel do educador musical na condição de esteta em sa-
la de aula.
• Compreender a importância das re�exões estéticas como ferramenta �-
losó�ca do pro�ssional de ensino.

Conteúdos
• O per�l do educador esteta.
• O papel do educador musical como esteta em sala de aula.
• A re�exão estética como ferramenta �losó�ca.
• Abordagens para uma formação re�exiva.

Problematização
Pode o educador musical assumir o papel de esteta em sala de aula? A con-
duta de um educador musical, quando caminha por uma abordagem
estético-educativa, deve ser pautada por um diálogo mediado por perguntas
ou pelos seus conhecimentos a priori? Como poderíamos de�nir o per�l do
educador esteta? É possível conceber alunos como legítimos estetas e artis-
tas diante do processo inventivo?

Orientação para o estudo


Durante o estudo deste ciclo, você re�etirá sobre o per�l do educador musical
como um esteta em sala de aula frente ao processo de invenção e produção
artística de seus alunos em diferentes situações do ensino de música. Para
isso, é imprescindível que assista aos Vídeos Complementares indicados no
decorrer deste ciclo. E, para aprofundar seu conhecimento a respeito desse
assunto, sugerimos a leitura de alguns artigos complementares.

Vamos lá? Bons estudos!

1. Educador musical: um esteta em sala de aula


Apreciar nossos afazeres cotidianos como a partir da ótica da formatividade
consiste em um exercício signi�cativo no entendimento do processo criativo,
pois, conforme observamos nos ciclos anteriores, a inventividade não é um
atributo especí�co da atividade artística, mas uma ação essencialmente hu-
mana.

Ao preparar uma aula, uma atividade musical ou qualquer tipo de proposta pe-
dagógica, é importante que consideremos a essência formativa. Do insight di-
dático até as múltiplas interpretações dos alunos, percorremos um extenso
caminho de mudanças, transformações e ressigni�cações. Basta uma breve
revisão ao término de cada aula.

Mesmo diante de uma atuação docente substanciada teórica, técnica e �loso�-


camente, é importante estar ciente de que determinadas situações (possivel-
mente todas) nessa empreitada escapam do controle do educador.

Foge do nosso controle o modo como nossos alunos compreendem e assimi-


lam o conteúdo. O processo formativo, de�nido por um fazer que se reiventa
enquanto faz, encontra eco no campo da recepção e se perpetua na potenciali-
dade inexaurível da interpretação humana.

Assim sendo, é preferível pensar que lançamos convites aos alunos, mas o que
cada um fará com esses convites não mais compete ao educador (GALLO,
2016).

Nesse sentido, o educador tem um programa pedagógico a ser desenvolvido,


no entanto, como esteta, carrega consigo somente a certeza de um encontro
com diferentes artistas, estetas, compositores, intérpretes e muitas formas de
vivenciar a atividade artística. Apreciar as múltiplas possibilidades interpre-
tativas compartilhadas por esses pequenos é também vivenciar o processo
formativo que consiste na aprendizagem como um todo. De acordo com
Perissé (2009, p. 88),

Abrir caminhos, dedicar-se à arte de ensinar, é atividade repleta de incertezas


quanto ao desenrolar dos acontecimentos, à reação dos alunos, aos resultados.
Incertezas não assustam o artista. A vida é incerta, a despeito dos nossos esforços
e conjecturas. O relacionamento humano é incerto. A arte nos ensina que a vida é
uma obra de arte em andamento, repleta de surpresas.

Diante dessas considerações, podemos compreender que o processo inventivo


e construtivo, seja na arte, seja na vida, pressupõe tentativas, erros, descober-
tas, trocas, compartilhamentos, revisão, transformação, interação, entre outras
condições próprias do humano.

Assim, conceber a presença da formatividade pareysoniana em situações do


cotidiano como re�exão diária para tudo aquilo que formamos contribui para
uma compreensão signi�cativa daquilo que fazemos tanto na arte como na vi-
da. Nas palavras de Ana Cristina Rossetto Rocha (2011, p. 30), autora da disser-
tação Educação musical e experiência estética: encontros e possibilidades,

A con�guração do professor-artista, a pedagogia do encontro e a integração de lin-


guagens não acontecem separadas umas das outras. Acontecem no �uxo da expe-
riência, entre linguagens, entre lugares, pelas brechas e desvios, pelo inesperado,
entre o artístico e o pedagógico - navegando no campo da experiência estética.

É nesse �uxo de encontros e experiências que a individualidade desse pro�s-


sional se constitui, e suas múltiplas atuações, seja como educador, artista ou
esteta, vão se integrando continuamente. Assim sendo, nesse espaço de convi-
vência, respeito e compartilhamentos mútuos, suas funções são amplas, cum-
prindo, essencialmente, o papel de (PERISSÉ, 2009, p. 83),
[...] investigar os princípios e os valores que (em tese) devem orientar as ações hu-
manas, descobrindo formas de suscitar essa re�exão entre os alunos.
Esteticamente, cabe ao docente despertar em si e nos demais a re�exão sobre a arte
[...] eticamente, cabe ao docente inventar formas belas-boas de pensar e agir, for-
mas atraentes e inesquecíveis de atuar em sala de aula.

Conforme a abordagem estética dos nossos estudos, diante de uma atividade


artística que envolva a composição musical, por exemplo, é importante que o
educador apresente a tarefa inventiva como uma ação humana que se cons-
trói por meio de tentativas em tentativas, esclarecendo aos alunos sempre que
só se formará formando, ou seja, fazendo.

Neste momento, vamos entender como nós, educadores musicais, podemos


desempenhar nosso papel como estetas. Para isso, assista ao vídeo indicado a
seguir.

Agora, faça uma pausa em seus estudos e veri�que como está sua aprendiza-
gem, respondendo à questão a seguir.

Este é o primeiro passo de um trabalho que tem como princípio uma estética
da formatividade. Guiados por algum tema proposto pelo educador musical ou
à vontade para encontrarem um propósito ou um assunto que servirá como o
insight de uma composição, por exemplo, o educador atua como um esteta, ao
mediar as ideias que vão surgindo, dando voz à experiência artística de cada
criança, mesmo em uma turma com trinta (CESCA, 2015, p. 162).

Acompanhar, com atenção e cuidado, as ideias que aos poucos vão ganhando
formas nas mãos dos alunos consiste em compreender também que o frag-
mentado esboço não é a obra acabada, no entanto, já contém, em essência, tu-
do quanto a obra formada deve conter.

O esteta, em sala de aula, não se inibe com as mudanças repentinas e altera-


ções que ocorrem no percurso do trabalho em conjunto, pois considera e sabe
apreciar a potência da formatividade humana.

É um pro�ssional atento para a produção artística dos seus alunos, mesmo em


fase de construção, pois, para o educador esteta, a obra como forma formada é
apenas uma das etapas desse incrível trajeto da inventividade.

É um pro�ssional consciente de que a obra dos seus alunos como processo


formante ainda aguarda por seu êxito, pois, somente "operando e fazendo, ou
seja, escrevendo ou pintando ou cantando o artista encontra e inventa a for-
ma. Enquanto não se encerra este processo, não há forma, e tudo ainda está
em jogo" (PAREYSON, 1993, p. 69).

O educador esteta concebe o seu trabalho como atividade �losó�ca e transfor-


madora, indo ao encontro dos seus alunos com ânsia de apreendê-los e de
aprender com eles.

Nesse sentido, reiteramos que a estética pareysoniana como abordagem


estético-educativa consiste em uma �loso�a signi�cativa ao campo da educa-
ção musical por sua clareza e princípios didático-�losó�cos, como também
pelas re�exões que nos possibilitam compreender a inseparabilidade entre ar-
te e vida.

É importante que o esteta em sala de aula reconheça também que é preciso


"arte" para realizar qualquer tarefa, ou seja, se arte é um processo de invenção
que se materializa somente por meio da capacidade humana de formar, pode-
mos concluir que, por meio do exemplo educativo que a prática artística ofere-
ce, é possível conquistar ainda mais sensibilidade, inventividade e êxito para
o percurso do viver, pois, de acordo com Pareyson (1993, p. 64):
Precisa-se de 'arte' para fazer qualquer coisa, e nada se pode fazer bem sem 'arte':
não existe ocupação humana, por humilde, singela e insigni�cante que pareça, que
não exija, de quem a ela se dedica, alguma 'arte', ou seja, a capacidade de inventar o
modo de fazer fazendo, e de fazer sabendo fazer, e em nada se obtém um bom resul-
tado se o fazer não se faz inventivo além de produtivo, tentativa e �gurativo, além
de executivo e realizador.

Neste momento, é fundamental que você assista ao nosso próximo vídeo, o


qual aborda o per�l do educador esteta:

 Aprofunde seus conhecimentos

A leitura indicada aponta para outras re�exões acerca da formação do-


cente sem desconsiderar o aspecto re�exivo. Para complementar seus
estudos, dedique um pouco mais de seu tempo e acesse-a.
PELLANDA, N. M. C. A música como reencantamento: um novo papel pa-
ra a Educação (http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas/re-
vistaabem/index.php/revistaabem/article/view/357). Rev. ABEM. Porto
Alegre, n. 10, p. 13-18, 2004.

Bom, agora é o momento de você testar mais uma vez seus conhecimentos.
Sugerimos que dê uma pausa na sua leitura e re�ita sobre sua aprendizagem,
respondendo às questões a seguir.

Posicionar-se como um educador-esteta é, portanto, acreditar que a atividade


artística em seu estágio formante pode revelar, mediante o diálogo �losó�co, o
"mundo" do artista (do aluno) tal qual se apresenta no ato do formar, e um edu-
cador, para Perissé (2009, p. 54),

[...] esteticamente mais bem formado cultivará (eis um pressuposto somado à espe-
rança) um comportamento especial no cotidiano escolar, porque olhará de modo
especial os seus alunos, verá neles artistas em potencial, respeitando essa possibi-
lidade, acreditando nela como realidade alcançável.

Além de toda observação voltada para o desenvolvimento artístico de cada


aluno, cabe ao educador observar os princípios e valores que esse fazer pode
suscitar como veículo de transformação e aprendizado. Assim, o culto ao res-
peito e a legitimidade para com a produção do próximo, considerando suas ex-
periências e limites individuais, nos capacita sempre mais para ações solidá-
rias e mutuamente respeitosas.

Um dos problemas que impedem o pro�ssional de atuar de forma mais atenta


frente aos diferentes fenômenos que compõem a atividade artística em sala de
aula ocorre pelo fato de o próprio educador não compreender em profundidade
a importância do seu papel, bem como do seu ofício na formação de seus alu-
nos como um todo.

Não nos esqueçamos de que o educador esteta é também um artista em sala


de aula. Nesse sentido, de acordo com Perissé (2009, p. 49),

A formação estética do professor requer atividades que extrapolem a leitura teóri-


ca. Por exemplo: frequentar exposições de pinturas, expondo-se o próprio observa-
dor àqueles quadros. Dupla exposição, em que a pessoa mergulha no quadro e o
quadro mergulha naquele que o contempla. Outro exemplo: conhecer programas
populares de teatro em sua cidade, para ver como os atores, expondo-se, expõem-se
a nós mesmos. Cada qual deverá cuidar da sua agenda cultural, da sua agenda ar-
tística.

A experiência estética possibilita que ele examine e reveja, na prática, suas


concepções de ensino e de arte em geral, proporcionando a si mesmo novas
formas de contato com o novo.
Em outras palavras, vivências dessa natureza suscitam estranhezas, no en-
tanto, permitem que o educador, na atividade de espectador, reviva a mesma
sensação de estranheza que confrontam seus alunos diante das experiências
artísticas, a�nal, "para navegar por um mar de possibilidades, se deleitar com
a viagem e usufruir as descobertas que ela pode proporcionar, é preciso ter
olhos e ouvidos apurados" (ROCHA, 2011, p. 20).

Acreditamos, portanto, em uma proposta de educação estética que, por meio


da atividade artística, exerça em seus espectadores um espírito crítico e re�e-
xivo da arte para a vida. E, nesta via de mão dupla, destacamos a vida daquele
que educa por meio da arte, trazendo de suas próprias vivências experiências
estéticas; um movimento da vida para a sala de aula, a�nal, segundo Perissé
(2009, p. 48):

O professor é mediador do encontro entre alunos e arte, mas obviamente precisa ter
intimidade necessária (ou seja, bastante intimidade!) com a arte que pretende apre-
sentar, quase corrigia o verbo - com que pretende presentear seus alunos.

Mesmo entremeando diariamente diferentes tipos de experiências estéticas, o


educador jamais poderá compreender a complexidade que reside no encontro
entre seus alunos e a obra.

A mesma estranheza que assola um adulto em face de uma experiência artís-


tica, bem como a possibilidade de uma não compreensão da obra, também de-
ve ser considerada quando vivenciada entre seus alunos.

Dessa forma, o educador cumpre o papel como de quem presenteia os seus


alunos com diferentes situações estéticas, porém ciente de que a apropriação
que cada um fará está fora do seu controle, e esse fenômeno de caráter incerto
e fugidio deve ser sabido pelo esteta em sala de aula. Para Rocha (2011, p. 20),
Para navegar por um mar de possibilidades, se deleitar com a viagem e usufruir as
descobertas que ela pode proporcionar, é preciso ter olhos e ouvidos apurados.
Saber ler tanto as estrelas quanto quaisquer instrumentos de que se puder dispor,
para não perder o sentido de direção; mas poder observar os detalhes, as mudanças
de paisagem, seus sons e silêncios, dando tempo e lugar às explorações, transfor-
mações e devires.

Mediante a abordagem estética da qual nos apropriamos como instrumento


de investigação �losó�ca voltada para os processos de invenção e produção
artística em diferentes contextos educativos, seja no estágio de invenção, de
execução, seja no de interpretação, concluímos que os diálogos entre estética
e práticas educativas em música podem contribuir signi�cativamente para
um olhar profundo e transcendente para além do próprio fazer artístico; um
encontro entre pessoas que se reconhecem neste processo de formatividade
artística e humana.

Como experiência que comprova esta a�rmação, apresentamos, no vídeo a se-


guir, o relato de uma experiência prática realizada com crianças em uma aula
de violino. Não deixe de assisti-lo.

Para encerrarmos este ciclo, indicamos algumas leituras caso queira comple-
mentar seus estudos.

 Aprofunde seus conhecimentos

Para complementar seus estudos, dedique um pouco mais de seu tempo


e faça essas leituras com atenção.

• BELLOCHIO, C. R. A formação pro�ssional do educador musical: al-


gumas apostas (http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas
/revistaabem/index.php/revistaabem/article/view/410). Rev. ABEM,
Porto Alegre. v. 8, p. 17-24, mar. 2003.
• MATEIRO, A. N. O comprometimento re�exivo na formação docente
(http://www.abemeducacaomusical.com.br/revistas/revistaabem
/index.php/revistaabem/article/view/413). Rev. ABEM, Porto Alegre,
v. 8, 33-38, mar. 2003.

Agora, responda às questões para testar seus conhecimentos após os estudos


deste ciclo. Em caso de dúvidas, retome a leitura com mais atenção.

2. Considerações
Neste ciclo, falamos um pouco mais do per�l do educador como um esteta em
sala de aula.

Considerando o fato de que aprendemos e inventamos mediante o convívio, a


estética pareysoniana nos permitiu compreender que, por trás do "tal fazer
que, enquanto faz, inventa o por fazer", existe um diálogo mútuo entre sujeito e
as várias vozes que compõem o seu cenário social. Conforme Pareyson (1993,
p. 263):

Já se viu, por um lado, que toda a vida espiritual prepara a arte, no sentido de haver
sempre um caráter formativo inerente a todas as suas manifestações, e justamente
por esse presságio de arte, que mesmo a vida do dia-a-dia traz consigo, a arte se po-
de especi�car como operação determinada. E, por outro lado, justamente no ato em
que a arte se especi�ca como operação distinta, toda a vida penetra dentro dela, e é
este o motivo pelo qual a arte pode tornar-se a razão de vida para o homem que a
exerce e a contempla.

O intuito das re�exões apresentadas nesta obra não consiste na invalidação


de qualquer outro tipo de abordagem estética, mas na apresentação de uma
abordagem capaz de contribuir signi�cativamente para uma relação dialógica
e transformadora entre professores e alunos.
As nossas re�exões também não pressupõem o esvaziamento ou a diminui-
ção dos conteúdos que substanciam as práticas educativas em música. Por
meio delas, almejamos aprofundar ainda mais os saberes que circundam os
conteúdos musicais.

Não descartamos outras considerações estético-�losó�cas. Ao contrário disso,


consideramos a natureza desses estudos como importantes suportes teórico-
�losó�cos para a formação superior.

E, assim, caminhamos rumo à docência ao lado dos nossos alunos, como me-
diadores, inventores ou intérpretes de seus trabalhos artísticos. De acordo com
Seincman (2008, p. 23):

Não importa de que lado estejamos, quer do palco quer da plateia, a constante troca
de papéis é permanente e fundamental: não há comunicação e experiência estética
sem desdobramento, pois só sendo um duplo para obter alternar as posições. Só me
faço entender por ouvinte quando, ao mesmo tempo em que falo (ou toco, interpre-
to, crio), coloco-me como ouvinte de meu próprio discurso; o mesmo vale para
quaisquer das posições assumidas.
(https://md.claretiano.edu.br/estedumus-

g00907-dez-2021-grad-ead/)

Ciclo 5 – Despertar para a estética: um novo modo de


ver e ser

Objetivos
• Revisar os conceitos pareysonianos.
• Compreender o exercício da estética como instrumento da arte para a
vida.

Conteúdos
• Revisão dos conceitos de Luigi Pareyson.
• A estética como estudo da atividade humana.
• A função da estética na arte e na vida.

Problematização
Qual o lugar da estética? Como despertar para a �loso�a estética? A estética
como uma �loso�a do humano é possível? Como se valer do pensamento �lo-
só�co para um campo não propriamente de �lósofos? De estetas para não es-
tetas, da arte para a não arte, do artista para o não artista? É possível dizer
que, em sala de aula, residam artistas e estetas educadores?

Orientação para o estudo


Durante o estudo deste ciclo, você revisará os principais conceitos pareysoni-
anos, bem como entenderá, ainda mais, qual é o papel do esteta educador na
sala de aula. Para isso, leia o conteúdo, assista ao vídeo proposto e faça os
exercícios. Para complementar seus estudos, sugerimos que busque artigos,
vídeos, obras disponíveis nas bibliotecas virtuais, entre outros conteúdos so-
bre o assunto estudado.

Vamos lá? Bons estudos!

1. O lugar da estética
Tomar a �loso�a estética como instrumento educativo, seja numa aula de
apreciação musical, de invenção, execução ou interpretação, requer do educa-
dor uma conduta que, antes de mais nada, conceba seus alunos também como
verdadeiros artistas, estetas e intérpretes em sala de aula. Artistas no sentido
de que são capazes de inventar, descobrir, transformar e ressigni�car; autores
e autoras dotados de competência inventiva e realizativa, potência que é pró-
pria do humano.

Mas, a�nal, podemos dizer que a sala de aula é um lugar para a estética? Sim.
A estética reside onde estiver o estético. Nas palavras de Quadros (1986, p. 38),
estudioso da obra de Luigi Pareyson,

(...) o estético está onde quer que exista qualquer fazer humano, de qualquer ordem,
dimensão ou nível. Está em todo o pensamento, em toda a ação e em toda a realiza-
ção humana. Isto é: está onde quer que o homem 'faça' um pensamento, 'faça' uma
ação, 'faça' uma realização. Porque os pensamentos, as ações e as realizações hu-
manas só existem se 'feitas' pelo homem.

A sala de aula se constitui como um amplo laboratório de veri�cação e re�e-


xão sobre o fazer, e o educador esteta, um facilitador dessas experiências.
Munido de metodologias e estratégias pedagógicas, o esteta em sala de aula
possui instrumental �losó�co para conduzir os problemas de ordem �losó�ca
que se apresentam. O educador esteta sabe que o processo formativo se faz
presente em qualquer contexto. Suas estratégias de ensino, essencialmente,
pressupõem o exercício do pensar. Um modo de fazer e um conhecer do pró-
prio pensamento. Nesse sentido, podemos sim a�rmar que "estudar estética é
estudar o ser humano do ponto de vista estético. E, se o humano é a questão �-
losó�ca, o estético é o humano sob um determinado ponto de vista �losó�co"
(QUADROS, 1986, p. 39).
A seguir, responda à questão proposta a �m de conferir seu desempenho no
estudo deste excerto:

2. Despertar para a estética


Em se tratando de práticas pedagógicas mediadas pela música, seja qual for o
contexto educativo, despertar para a estética é estar atento à bagagem cultural
que se revela no fazer de cada aluno e, num processo de acolhida e legitimida-
de, oferecer-lhes outras novas formas de olhar.

Assim, podemos a�rmar que a presente disciplina desempenha essa função:


despertar, no futuro educador musical, um novo modo de ver. Vejamos nas pa-
lavras de Quadros (1986, p. 39):

A estética pretende despertar em nós um novo modo de ver. [...] É um ver no senti-
do mais profundo. Um ver tomado no seu sentido mais elevado e mais pleno. Um
ver a partir do nosso "si mesmo", "it self", "my self", "Selbst". Um ver do 'fundo da al-
ma'. Um ver capaz de ver até mesmo o que não se vê. Capaz de ver de olhos fecha-
dos. Um ver capaz de degustar, vendo. Um ver capaz, até mesmo, de se ver, isto é, de
se saber vendo. E alegrar-se no ver. E comprazer-se em ver. E pleni�car-se no ver. E
crescer no ver.

O surgimento de um olhar para aquilo que de mais profundo é revelado na prá-


tica dos nossos alunos, aliado ao contentamento dessa nova percepção, pres-
supõe o nascimento de uma atitude estética; uma percepção aguda para os
problemas da estética que se apresentam não somente na atividade artística
de seus alunos, como também no seu próprio fazer. E, nesse caso, a estética de
Luigi Pareyson, em seu amplo tratado estético-�losó�co, possibilita que tome-
mos ciência, ponto a ponto, desses problemas que o ofício do �lósofo, do esteta,
do artista, do crítico, do intérprete, do público e também do educador musical
nos apresenta.

O excerto a seguir, extraído da obra Estética e Educação, de Perissé, corrobora


com a citação anterior e destaca que a experiência estética, para além do fazer
artístico, "torna-nos mais con�antes no poder criativo do ser humano, em
nossa capacidade para admirar belezas, ansiar verdades, realizar coisas boas"
(2009, p. 94). Esse é o despertar profundo, um avivamento da arte para a vida.
A�nal,

Um modo de ver que implica em um modo de ser. E se esse ver for um novo modo
de ver, isto só se exercitará com um novo modo de ser. Um modo de ser que vê com
todo o ser. Um ser que é vendo. E um ver que vê o ser. Este é o ver estético. O ver
abrangente. Um novo modo de ver e de ser (QUADROS, 1986, p. 42).

Vamos, novamente, veri�car se o conteúdo abordado até aqui foi assimilado?


Para isso, responda às questões a seguir e, em caso de dúvidas, retome a leitu-
ra com mais atenção.

3. Revisando os conceitos pareysonianos e o


papel do esteta em sala de aula
Vamos revisar o que pressupõe o papel do esteta em sala de aula?

Papéis do esteta em sala de aula


1. Compreender que a estética é �loso�a. É �loso�a justamente porque é re�exão especulativa sobre a ex-
periência. No âmbito da experiência, "incluem-se a experiência do artista, do leitor, do crítico, do historia-
dor, do técnico de arte, e de todo aquele que sabe ver, contemplar e gozar dos fenômenos naturais, espiritu-
ais ou arti�ciais" (QUADROS, 1986, p. 50).
2. Compreender que, "só se faz algo, só se forma alguma coisa, só se produz o que quer que seja, de teórico
ou de prático, tentando fazer, tentando realizar, tentando alcançar o melhor resultado, isto é, formando"
(QUADROS, 1986, p. 48, grifo nosso).
3. Atingir plena consciência para o complexo itinerário pelo qual percorrem artistas, alunos e todos aque-
les que, tentando, corrigindo e refazendo, buscam dar forma à obra.
4. Dispor de orientações que favoreçam o diálogo do autor com a matéria e o domínio sobre ela, consegui-
do justamente por meio da obediência que ela reclama.
5. Proporcionar aos alunos a oportunidade de ressigni�car aquilo que podemos de�nir como falha ou inca-
pacidade, reconhecendo os limites da matéria e buscando caminhos para desenvolver as habilidades do
autor.
6. Conduzir alunos de forma motivada para aquilo que diz respeito ao início da obra: a busca pelo "tema"
ou "esboço" da obra.
7. Agir de forma respeitosa e acolhedora para o ponto em que a obra revela o autor, a pessoa do artista, seu
conteúdo, suas in�uências e sua biogra�a.
8. Destacar aquilo que é estilo da pessoa do que possa ser um estilo coletivo; estar atento à divisão e à dis-
tinção das artes - suas possibilidades de tradução, transcrição, redução e reprodução.
9. Conscientizar alunos acerca das alterações físicas da obra, como, por exemplo, o desgaste do material, o
esquecimento do homem, as ranhuras do tempo.
10. Compreender diferentes caminhos no processo de formação do artista, incluindo o ensino da técnica e
a orientação por meio de imitação de modelos.
11. Compreender aquilo que compete ao âmbito da poética: as escolas, os estilos, os gêneros, a tradição e a
possibilidade da história da arte.
12. Ter ciência do caráter social e comunicativo da arte e as possíveis relações entre arte e moral e entre
arte e �loso�a.
13. Dispor de ferramentas especulativas com o objetivo de compreender o ímpeto profundamente humano
de formar por formar.
14. Compreender o fazer artístico como "puro êxito".
15. Saber distinguir os conceitos de poética, estética e crítica e identi�cá-los em sua natureza.
16. Dispor de oportunidades para vivenciar a etapa de interpretação da obra; proporcionar diálogos acerca
da "�delidade" ou "liberdade" da execução.
17. Compreender os problemas que nascem da obra em sua forma acabada naquilo que concerne à etapa
de execução pública da obra de arte.
18. Desenvolver autonomia para um pensamento crítico e especulativo.

Para �nalizar os estudos deste ciclo, assista ao nosso último vídeo. Você apro-
fundará seu conhecimento a respeito dos conceitos mais importantes relacio-
nados à abordagem pareysoniana.

Após esta revisão, para encerrar nossos estudos, sugerimos que você responda
às seguintes questões e veri�que se realmente entendeu os conteúdos apre-
sentados neste ciclo.

4. Considerações
Despertar para a estética em seu amplo percurso como educador e educadora
pressupõe uma reavaliação do ver e, consequentemente, um reaprender a ser.

Importa que não tenhamos medo de nossos percursos, tampouco do percurso


dos nossos alunos. Despertar para a estética é acordar para tudo aquilo que es-
tá fora do controle; é proporcionar caminhos, deixando que outros sigam nele,
traçando outros novos. Despertar para a estética requer abrir-se para o novo e
compreender que a arte daquele que ensina pressupõe uma jornada "repleta
de incertezas quanto ao desenrolar dos acontecimentos [...]", a�nal, "incertezas
não assustam o artista. A vida é incerta, a despeito dos nossos esforços e con-
jecturas" (PERISSÉ, 2009, p. 88).

Ter uma conduta de esteta em sala de aula signi�ca estar ciente de que sua
função como educador e educadora em sala de aula:

[...] não precisa dar conta dos sentidos todos de cada um dos elementos constituin-
tes da resposta à pergunta formulada, mas é seu dever organizar com os alunos
mais perguntas e buscar em colegas, em pro�ssionais, nas fontes, na herança cul-
tural, os esclarecimentos disponíveis; é aqui que a pesquisa começa, é aqui que o
caminho começa a ser construído e ele somente passa a ter existência depois de
percorrido, na narrativa que se escreve deste processo de produção (GERALDI, 2010,
p. 97).

Eis um processo de produção no qual todos criam, modi�cam e combinam o


seu entorno a um só tempo. E, partindo desse mesmo lugar, cada um renasce
na sua particularidade, instaurando mutuamente seu próprio mundo. "Embora
o mundo não tenha sido inventado e produzido pelo homem [...], ele se dá ao
homem, no sentido. Enquanto o homem o interpreta" (QUADROS, 1981, p. 194).

Despertar para a estética é ter olhos para ver aquilo que é essencial ao fazer: a
vontade de fazer. A vontade de alcançar êxito. Vontade de estudar, praticar e
se lançar naquilo que sempre será novo e desconhecido: os encontros da sala
de aula. Um espaço que requer disposição e vontade de todos para que se torne
núcleo e laboratório de invenção, realização, pesquisa e descoberta.

O educador esteta em sala de aula (mais bem formado) saberá olhar, de forma
diferenciada, o cotidiano de suas práticas, pois olhará, de modo especial, seus
alunos e alunas, concebendo legitimidade a todos em sua potência de fazer
qualquer coisa com arte; saberá olhar com respeito ao fazer de cada um, sem-
pre atento à presença formativa, sua vontade e desejo de êxito (PERISSÉ,
2009).

Concluímos esta exposição retomando pontos que inicialmente foram coloca-


dos como problemáticas para sua re�exão a respeito das considerações da
operosidade do pensamento pareysoniano em cada questão.

Problemática 1
Como se valer do pensamento �losó�co para um campo não propriamente de �lósofos? De
estetas para não estetas, da arte para a não arte, do artista para o não artista?
Clique aqui (https://149607072.v2.pressablecdn.com/estedumus-g00907-dez-2021-grad-
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Problemática 2
É possível dizer que, em sala de aula, residam artistas e estetas educadores?
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