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José e
Arte M.filosofia:
Gomes; aJessé
perspectiva
S. Rêgoda estética dialética ARTIGO

ARTE E FILOSOFIA: a perspectiva da estética dialética e hermenêutica como


ensino e pesquisa em filosofia*

ART AND PHILOSOPHY: the perspective of dialectic and hermeneutic aesthetics as tea-
ching and research in philosophy

ARTE Y FILOSOFIA: la perspectiva de la estética dialéctica y hermenéutica como en-


señanza e investigación en filosofia

Almir Ferreira da Silva Junior

Resumo: O presente artigo tem como objetivo justificar o idealismo estético hegeliano e a estética
hermenêutica de Gadamer como propostas relevantes para o ensino e pesquisa na graduação em filosofia.
Para tanto, tomaremos como fundamento algumas referências anunciadas nos Parâmetros Curriculares
Nacionais e nas Diretrizes Curriculares para o Curso de Filosofia, propostas pelo Conselho Nacional de
Educação, bem como a pluralidade de horizontes que emergem da relação conceitual entre filosofia e
estética. Ressaltaremos o problema da arte e verdade como discussão filosófica central contemplada na
estética hegeliana e na ontologia hermenêutica de Gadamer. bem como a importância que esses horizontes
investigativos apresentam enquanto propostas de ensino e pesquisa estética na graduação em filosofia.
Palavras-chave: Estética. Dialética. Hegel. Hermenêutica. Arte. Verdade. História. Ensino.

Abstract: This articler aims to justify Hegel’s aesthetics idealism and Gadamer’s hermeneutics aesthetics
as important proposals for teaching and research in undergraduate courses of Philosophy. For this, it is
taken as basis some references announced in the National Curriculum Parameters and in the Curriculum
Guidelines for the Course of Philosophy, proposed by the National Education Council, as well as the plurality
of horizons that emerge from the conceptual relationship between philosophy and aesthetics. The question
of art and truth is emphasized as the central philosophical discussion considered in Hegel’s aesthetics and in
Gadamer's hermeneutic ontology, as well as the importance that those investigative horizons present while
proposals of aesthetics teaching and research in undergraduate courses of Philosophy.
Keywords: Aesthetics. Dialectics. Hegel. Hermeneutics. Art. Truth. History. Teaching.

Resumen: Esta artículo tiene por objeto justificar el idealismo estético hegeliano y la estética hermenéutica
de Gadamer como propuestas pertinentes a la enseñanza y la investigación de pregrado en filosofía. Para
ello, vamos a tomar algunas referencias como base del anuncio en el Currículo Nacional y Lineamientos
Curriculares para el Curso de Filosofía, propuestos por el Consejo Nacional de Educación, y la pluralidad de
perspectivas que surgen de la relación conceptual entre la filosofía y la estética. Vamos a poner de relieve
el problema del arte y la verdad de la discusión filosófica central contemplado en la estética de Hegel y en
la ontología hermenéutica de Gadamer. Además de la importancia que estos horizontes de investigación
significan como propuestas para la enseñanza y la investigación en la estética de la filosofía de pregrado.
Palabras clave: La estética. La dialéctica. Hegel. La hermenéutica. El arte. La verdad. La historia. La
enseñanza.

1 INTRODUÇÃO

Dentre as diversas indagações filosóficas, duação e pós-graduação. Suas reflexões sus-


a investigação sobre a estética não apenas citam um amplo horizonte de pesquisas que
se manifesta como uma questão clássica com vão desde a discussão sobre a mimesis , crítica
desdobramentos modernos, mas também se do gosto, a arte como experiência de verdade,
constitui uma das grandes matrizes temáticas, como expressão de uma “indústria cultural”,
atualmente, privilegiadas no ensino da filosofia testemunho de uma “sociedade espetáculo” ou
tanto em nível do ensino médio quanto na gra- mesmo de um “sensível partilhado”, etc.
* Esse texto é uma versão elaborada da comunicação apresentada no IX Simpósio Sulbrasileiro do Ensino de Filosofia na
Universidade Metodista em março de 2010 em Porto Alegre
Artigo recebido em abril 2011
Aprovado em maio 2011

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Arte e filosofia: a perspectiva da estética dialética

Uma vez que esse domínio nos insere za tangível do real - a aisthesis - à autonomia
na discussão sobre o homo aestheticus, no da razão, redescobrindo, nesse intento, uma
conjunto de seus problemas histórico-temá- pluralidade de aparências e um mundo trans-
ticos acerca da aisthesis, da arte, do belo e figurado repleto de sentidos. Uma vez que a
de outros fenômenos estéticos, o seu ensino natureza e o mundo criado pelo homem cons-
tem se ampliado, significativamente, no nível tituem uma realidade cheia de sentido, tudo
médio e nas instituições universitárias. Se por que os constitui em suas respectivas amplitu-
um lado, os Parâmetros Curriculares Nacio- des fenomênicas se mostra e, ao aparecer, im-
nais (1997) apontam que a proposta de uma pressiona nossa percepção. Se de modo ime-
educação cidadã apresenta seus fundamentos diato, ser vivo no mundo é expor-se enquanto
pedagógicos e administrativos ancorados em presença sensível, contemplar as coisas como
valores estéticos, éticos e políticos, ressaltan- nos aparecem, por outro lado sua condição es-
do a proposta de uma “estética da sensibili- tética também implica em sua capacidade de
dade” como um dos princípios de transversa- modificá-las e realçá-las mediante habilidades
lidade, por outro, as Diretrizes Curriculares criativas e talentosas.
para o curso de Filosofia (Parecer CNE/CES nº. Em seu caráter filosófico, a estética lança
492/2001) recomendam a Estética como um um convite à reflexão do sensível – aisthesis,
domínio de conteúdo a integrar a matriz curri- o conceito fundante da estética – não simples-
cular das graduações em filosofia - licenciatura mente como experiência originária do existir e
e bacharelado. Isto significa o reconhecimento do conhecer, mas também como projeção con-
dos problemas filosóficos estéticos como re- templativa e transgressora do real, na medida
ferenciais significativos para interpretarmos e em que, por exaltação ou incontentamento,
compreendermos a totalidade das experiên- os seres humanos alteram o sentido imediato
cias que integram o mundo sócio-político e cul- da exterioridade e emitem um parecer sobre o
tural dos homens. O domínio estético é então mundo. Submetidos à diversidade das aparên-
abordado como expressão do pensamento e cias, se por um lado, somos envolvidos pela
submetido ao logos filosófico, permitindo-nos pluralidade e pelo fascínio das imagens, por
refletir sobre sentimentos e prazeres desin- outro, reagimos ao curso ordinário de suas ex-
teressados ou mesmo sobre as possibilidades posições e respondemos a ele mediante uma
criativas de transfiguração e compreensão da transfiguração de aparências revelando distin-
realidade em seus diversos horizontes. tas expressões do belo e criações artísticas.
Restringindo-nos ao ensino da graduação Pensar o sensível do ponto de vista de sua
e mais precisamente a referenciais da estética autonomia, buscando em suas manifestações
filosófica como elemento de formação, o nosso uma racionalidade que justifique suas con-
propósito é ressaltar a importância do ensino e templações, a expressão de um gosto e um
da pesquisa acerca da Estética na graduação, domínio de realizações humanas regido pelas
considerando as perspectivas dialética e herme- leis da beleza: eis o que confere especificidade
nêutica de G.W.Hegel e Hans-Georg Gadamer. da especulação estética. Ao longo da história do
Para tanto, tomaremos como ponto de partida pensamento, as reflexões estéticas foram sus-
uma breve exposição conceitual sobre a estéti- tentadas por diferentes abordagens e definidas
ca, em seu caráter filosófico e, posteriormen- a partir de distintos problemas. Todavia, se a
te, uma sucinta apresentação dos fundamentos especulação sobre aisthesis, póiesis, techne
dialéticos da estética hegeliana e da estética e kállos nos remontam à tradição clássica da
hermenêutica de Gadamer. Por último, destaca- filosofia; apenas na época moderna a estéti-
remos algumas inferências teórico-conceituais ca foi legitimada em sua autonomia como co-
como indicadores de questões e problemas re- nhecimento, sendo consequentemente definida
levantes a serem abordados como proposta de por Alexander Baumgarten1 como ciência do
ensino e pesquisa estética na graduação. sensível. Trata-se de uma reflexão filosófica
de caráter eminentemente racionalista que se
2 ESTÉTICA E FILOSOFIA propõe a pensar o domínio do sensível, embora
reduzido a uma esfera de conhecimento infe-
A estética constitui-se como uma análise rior. Desse modo, a estética se revela como um
que revela uma experiência singular e decisi- discurso filosófico moderno estruturando suas
va entre o homem e a realidade. Trata-se de análises a partir do paradigma da subjetividade
uma reflexão que, na fundamentação dos seus moderna. Seus principais representantes são
princípios teóricos, elege e submete a nature- teorias filosóficas que pensam as experiências

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Almir F. S. Júnior

da arte, do belo e do sublime como expressões uber die Ästhetik,1835) apresentam como
do sentimento, do juízo do gosto (Kant), mas ponto de partida a definição da estética como
também como produto da Razão (Vernunft), filosofia do belo artístico, o que somente
verdade histórica do Pensamento (Hegel). pode ser entendido mediante a compreensão
Ademais, sua mediação para o pensamento con- sistêmica da filosofia e o desdobramento
temporâneo, dentre várias abordagens metodo- histórico-dialético da Razão (Vernunft) nos
lógicas, suscita discussões que contemplam sua limites da finitude sensível. A abordagem
relação com ciência, com a indústria cultural e filosófica do belo artístico implica em submetê-
o mundo da técnica, assim como sua descons- la um “esforço conceitual”2, abarcando-o,
trução enquanto discurso da consciência cientí- não abstratamente como um mero objeto
fica moderna, em benefício de sua abordagem no mundo da existência, de acordo com os
enquanto acontecimento ontológico e expressão esquemas unilaterais e fixos de um pensamento
dialógica da finitude sob os efeitos da história. conceitual, mas pensando-a na dinâmica e
Como a relação estética-hermenêutica nos necessidade interior do seu conceito.
indica várias direções em suas abordagens, A filosofia da arte, forma, pois, um elo
tomamos como referência para justificar a im- necessário no conjunto da filosofia e só à luz
portância das perspectivas de estudos estéti- desse conjunto compreende-se “como uma to-
cos na graduação em filosofia e, consequente- talidade orgânica em si mesma, que se desen-
mente, melhor definir o propósito da presente volve a partir do seu próprio conceito e, em sua
análise, a diretriz nuclear da estética da forma- necessidade de se relacionar consigo mesma,
tividade desenvolvida por Luigi Pareyson (1997, como um todo que retorna a si, se une a si
p. 5): “a estética é filosofia justamente porque como um mundo de verdade” (HEGEL, 1999,
é reflexão especulativa sobre a experiência es- p. 47). Cada parte da filosofia apresenta sua
tética, na qual entra toda experiência que tenha singularidade identificada e reconhecida como
a ver com o belo e com a arte”. Segundo o her- particularização do universal, pois é somente
meneuta italiano, a elucidação do caráter filo- na recondução à unidade que a unilateralida-
sófico da estética implica na sustentação do seu de é ultrapassada como absolutização de um
caráter concreto mediante o apelo à experiên- momento e a Razão (Vernunft) reconhecida
cia direta do fenômeno da arte; do contrário a como seu fundamento. Eis o que legitima o
mesma pode restringir-se à pura especulação e caráter de uma fundamentação científica da
reduzir-se a um mero jogo verbal. Em sua con- arte em sua indispensável referência espiritual
dição especulativa e não normativa, cabe à es- e, consequentemente, sua abordagem como
tética, fundamentalmente, discutir e problema- realização efetiva (Wirklichkeit) da Razão.
tizar a natureza e significados dos fenômenos Pensar filosoficamente o domínio da arte é, por
estéticos na diversidade de suas manifestações conseguinte, colocarmo-nos do ponto de vista
históricas. Sem dispensar precisões conceitu- da Razão. O Absoluto (Absolut) é efetividade
ais universais, sua tarefa é realizada extrain- enquanto determinação do seu próprio ser, pois
do dados da experiência e seu caráter crítico seu processo de transformação é a negação de
decorre necessariamente de sua disposição à sua permanência em si, em seu fazer-se outro,
abertura e historicidade da experiência. alienando-se e realizando-se progressivamen-
Com base nesse fundamento, seleciona- te. Auto-afirmando-se na infinitude de sua li-
mos investigações estéticas que desenvol- berdade, põe-se como seu próprio mundo e,
vem suas especulações sobre o belo e arte pressupondo-o como seu próprio ser, revela-se
não somente como juízos ou reflexos de uma como passagem no interior de suas determina-
subjetividade isolada, mas como expressões ções sob a forma de um processo de revelação
de verdades históricas devidamente contextu- progressiva. Em sua definição como esfera de
alizadas a partir de relações concretas entre determinação do Absoluto, a arte constitui-se
Razão e finitude e do caráter de verdade da como apresentação (Darstellung) da Ideia na
finitude (Endlichkeit). Pensando a si mesmo, o
arte – a estética dialética de Hegel e estética
pensamento engendra a bela arte opondo-a à
hermenêutica de Gadamer.
consciência imediata e finitude sensível.
3 HEGEL E A ESTÉTICA: o belo Neste sentido, tomar a arte a partir do
artístico como produto da Razão primado de Razão significa afirmá-la como
manifestação do infinito na finitude, ou seja,
De modo categórico e devidamente como reconhecimento histórico do espírito
justificado, os Cursos de estética (Vorlesungen (Geist) nas fronteiras do sensível. O fenômeno

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Arte e filosofia: a perspectiva da estética dialética

da arte é um produto histórico da Razão, de fenomênica (Dasein), ao apresentar-se como


modo que não podemos prescindir da media- realidade em sua generalidade, refere-se à
ção histórica para pensarmos filosoficamente a contingência acidental e não assume o caráter
pluralidade de suas manifestações e as várias de verdade, pois apenas em parte refere-se ao
faces da beleza. Portanto, a estética implica, efetivo. A efetividade, por sua vez, constitui-se
necessariamente, situar-se no próprio desdo- como o conteúdo próprio da filosofia, ou seja,
bramento histórico da Razão no interior do qual como o dever ser da Ideia - aquilo que, na
a mesma exteriorizou-se sob a licença poética passagem do contingente, permanece por ser
do belo e da arte. Nesse sentido escreve Brás eternamente presente.
(1990, p. 28): “Se a arte é criação, a estética Ao determinar-se, a Ideia progride no
é reflexão e supõe, portanto, que seu objeto verdadeiro sentido do real. Exteriorizando-se
seja efetivamente constituído, desdobrado em numa existência definida, a Ideia objetiva-
toda sua dimensão histórica”. -se, afirma-se no mundo da finitude sensível
Desse modo, a estética hegeliana desen- e manifesta-se de formas diferenciadas. Nesse
volve um discurso sobre a finitude sensível, horizonte de expressão, ela então se apresen-
admitido como horizonte necessário de reali- ta sob a singularidade do belo - “[...] o belo é
zação da Razão. Todavia, se faz parte de sua a Idéia enquanto unidade imediata do concei-
natureza determinar-se na exterioridade e to e de sua realidade, isto é, ele é a Idéia na
reconhecer-se nos limites da finitude, as cria- medida em que esta sua unidade está presen-
ções artísticas são produtos espirituais, mas te de modo imediato no aparecer [Scheinen]
na condição de alterarem a feição imediata do sensível e real”. (Hegel, 1999 p.131). Sendo
sensível, negando-o e tornando-o espiritual- o belo o reflexo da Ideia na existência finita,
mente mais verdadeiro. É sob essa perspecti- resta buscar o horizonte de exteriorização em
va que podemos pensar a dialética histórica do que a Ideia se apresenta como expressão sin-
Infinito na finitude, a relação entre arte e sen- gular, verdadeira e bela. A Ideia se concretiza
sível e, consequentemente a uma ponderação como ideal e se mostra no mundo da arte, cuja
especial sobre o conceito estético de aparência individualidade comporta a síntese entre o uni-
(Schein). versal da ideia e o particular inerente à forma
Embora o belo artístico corresponda ao exterior que a reveste. Enquanto um momento
cultivo da espiritualidade humana, suas deter- de triunfo da Razão sobre as necessidades da
minações estão limitadas a um modo particular vida, a arte
de manifestação do Espírito (Geist): o âmbito consolida em duração o que na natureza é passa-
da finitude sensível. Referem-se apenas à geiro; um sorriso que desvanece rapidamente..., um
olhar, um brilho de luz fugaz, bem como traços espi-
apresentação (Darstellung) do divino no seio rituais na vida dos seres humanos,...acontecimentos
do sensível, de modo que, nesse domínio, que vão e passam... tudo e cada coisa ela arranca
constituem-se, particularmente, determina- da existência momentânea e também neste sentido
supera a natureza (HEGEL, 1999, p.175)
ções livres e efetivamente verdadeiras. Além
do saber imediato e sensível, outras formas Se, do ponto de vista da subjetividade, o
trazem à consciência o Absoluto: a represen- homem emerge em criações poéticas, é exata-
tação consciente subjetiva na Religião e o livre mente porque, face a si mesmo, ele nega sua
pensamento na Filosofia. Enquanto produto es- permanência natural. Além de estar inserido na
piritual, a arte aponta para além de si mesma, exterioridade de um mundo comum submeti-
ou seja para sua superação enquanto realiza- do às referências de suas condições abstratas,
ção efetiva do Pensamento. ele vive, também, em uma realidade concreta
Ora, a Ideia não pode ser tomada como de laços espirituais, organizados numa estru-
uma abstração separada do seu aparecer, tura social e política, os quais proporcionam
de modo que no ato de exteriorizar-se, tudo a manifestação de diferentes modos de vida.
depende de como o conceito se insere na ex- Projetando-se, desdobra-se; e efetivando-se,
terioridade real. Se o exterior é independente reconhece-se nas suas representações.
da unidade de seus elementos, temos obje- Uma vez que o caráter universal e absoluto
tivações meramente abstratas; do contrário, das expressões artísticas conduz-nos à esfera
o sinal da exterioridade constitui-se uma ex- do Pensamento, do Absoluto, este ao tornar-
pressão da interioridade. Apenas atentando-se -se para si nos remete à sua atividade prática,
à condição de sua unidade conceitual podemos no impulso de reconhecer-se no imediatamen-
entender a Ideia como ponto de referência para te dado. Na medida em que imprime na re-
a compreensão filosófica de algo. A existência alidade externa o “selo de sua interioridade”,

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transforma-a em sua determinação, abstrain- nando-se em duas direções fundamentais. Por


do-a de sua “dura estranheza” e levando-a ao um lado, ela traduz um investimento de refle-
nível de idealidade. Portanto, as criações ar- xão no universo genérico da interpretação; por
tísticas constituem concretudes sob a forma outro, remete-nos a compreender a linguagem
de presenças reveladas, cujas determinações como médium privilegiado dessa nossa tarefa
são consoantes ao progresso da ideia no real interpretante e compreensiva na qual nos de-
no horizonte de suas determinações particula- terminamos como seres no mundo. A lingua-
res. É assim que a história da arte nos coloca gem de modo algum pode estar dissociada da
diante de diferentes formas de expressão, universalidade de nosso horizonte interpretati-
distintas formas de figurações3 sensíveis. Ao vo por ser ela que articula nossa humanidade
extrair de si próprio sua aparência exterior de ao espaço da interpretação e compreensão dos
modo adequado, o Espírito, enquanto ideia em fenômenos e acontecimentos, dentre eles a
si e para si, ingressa na finitude sensível, bus- expressão do belo e o fenômeno da arte.
cando nas formas da sensibilidade – espaço e Entre as tantas experiências que viven-
tempo – configurações dignas de revelar o seu ciamos enquanto seres naturais e históricos,
conteúdo. O Infinito transparece sob as fron- a arte constitui-se, diz Gadamer (1993, p. 1),
teiras do sensível, altera seu sentido imediato como aquela
natural espiritualizando artisticamente a reali- “[...] que nos fala algo de modo mais imediato [...]
dade prosaica e natural. O testemunho de sua respira uma familiaridade enigmática que prende
todo o nosso ser, como se não houvesse aí nenhuma
presença então se revela, seja imediatamente
distância e todo encontro com uma obra de arte sig-
através de edificações ambientais, seja sob a nificasse um encontro com nós mesmos”.
forma escultural atribuindo à matéria a per-
Essa formulação implica algo determinan-
feita encarnação do espírito; seja pelo desafio
te na reflexão estética gadameriana: sua força
de libertar-se da espacialidade, na tentativa de
declarativa. A arte é declaração (Aussage), e
exprimir sua interioridade subjetiva, via o jogo
o fato de dizer-nos algo insere-a na ordem de
de luz e cor; ou de um modo mais radical pela
tudo aquilo que temos de compreender.
vibração sonora da música - apenas um ponto
Assim, a hermenêutica propõe uma inter-
no tempo - ou ainda, quando, afastando-se das
pretação sobre o fenômeno estético – seja ele
formas da sensibilidade, representa a consci-
uma experiência do belo na natureza ou na
ência subjetiva, através do artifício engenhoso
arte – tendo em vista o processo de media-
da palavra: o som se torna palavra poética.
ção pelo qual a existência humana constrói
Sob os fundamentos do idealismo hegelia-
sua própria experiência de mundo, integra-se
no, o pensamento sobre a arte nos coloca em
e forma sua própria tradição. Neste âmbito,
uma encruzilhada: da mesma forma que o seu
sobressai a presença declarativa da arte ra-
registro nos remete a pensar a Razão Absolu-
dicada no caráter permanentemente presen-
ta nos limites da finitude, suas expressões não
te da obra, sua especial atualidade (Gegen-
podem ser entendidas como um objeto esgo-
wartigkeit). Diz Gadamer (1993, p. 2): “Faz
tado nos limites de uma determinação exterior
parte da experiência artística que a obra de
fenomênica. Sob o testemunho de sua manifes-
arte sempre tenha seu próprio presente [...]
tação apresenta-se um reaparecer do mundo
que seja expressão de uma verdade que de
finito sob as matizes da Razão. O que pode
modo algum coincida com a intenção de seu
parecer uma atitude antiestética do pensamen-
criador”. Na qualidade de obra, a arte é uma
to hegeliano, ao assinalar o caráter de indigên-
declaração atualizada.
cia e abstração do fenômeno, constitui-se como
Nessas considerações sobre o fenômeno
discurso filosófico sobre a finitude no progres-
artístico destacam-se dois aspectos constitu-
sivo processo de seu desdobramento histórico
tivos da hermenêutica: o ontológico e o refe-
em decorrência das manifestações artísticas e
rente à linguagem (Sprachlich). Uma reflexão
culturais do humano. O caráter de negação da
hermenêutica sobre o domínio da arte tem,
aisthesis aponta para a reabilitação poética da
pois, o propósito de pensá-la em sua essência,
finitude criando a singularidade de um mundo.
indagando sobre a especificidade de seu modo
4 A ESTÉTICA NO HORIZONTE DA HER- de ser, sobre aquilo que a constitui, ontologi-
MENÊUTICA: Gadamer e a arte camente, como experiência e linguagem. Sua
inesgotável capacidade de expressão, sempre
A ideia hermenêutica circunscreve o hori- aberta a novas integrações da existência
zonte do pensamento contemporâneo determi- humana revela em seu ser uma presença que,

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Arte e filosofia: a perspectiva da estética dialética

no entanto, ultrapassa a limitação histórica Perguntar pela verdade da arte é desde já


(geschichtliche Beschränktheit). Por isso, en- tomá-la como fenômeno hermenêutico, cuja
quanto expressão de verdade (Ausdruck einer compreensão só se torna possível por meio
Wahrheit), tal análise não se limita à simples da análise ontológica da experiência artística.
busca do significado histórico-original de sua É na reflexão sobre seu modo de ser que a
criação. Como esfera de realização humana, ontologia da obra de arte constitui-se como
a arte é experiência que ultrapassa o próprio chave decifratória da experiência hermenêu-
tempo, o que lhe confere um caráter específico tica, anunciando, por sua vez, os elementos
quanto a sua temporalidade. fundadores do compreender: sua disposição à
Assim, torna-se compreensível que a abertura, à alteridade e ao âmbito da lingua-
questão nuclear em torno da qual Gadamer gem, horizonte radical que estabelece nosso
desenvolve a relação temática hermenêutica e encontro com o mundo.
estética concentre-se, fundamentalmente, na Se, como anteriormente destacamos, o
dimensão interpretativa da obra de arte, tendo que torna hermenêutico o universo estético é
em vista o questionamento de seu sentido e o próprio caráter declarativo da obra de arte
a investigação de seu modo de ser. Eis o que a partir do qual esta vem a nosso encontro, a
estimula a discussão hermenêutica da arte. análise sobre sua verdade não pode prescindir do
No entanto, a hermenêutica, além de assumir conceito mesmo de experiência, “uma genuína
o desafio de atualizar a pergunta pela verdade experiência em obra, que não deixa inalterado
da arte, o que implica sua compreensão como aquele que a faz”(GADAMER, 1990, p.106). A
experiência hermenêutica propriamente dita arte é experiência hermenêutica, e, enquanto
como acontecimento histórico de linguagem, tal, sua análise remete-nos aos elementos es-
também nos convoca a uma leitura crítica sobre senciais que perfazem a natureza do conceito
o processo de formação da estética como des- de experiência hermenêutica. Considerando sua
dobramento do cientificismo moderno. A crítica essencial abertura, a presença da arte deve ser
hermenêutica dirigida à tradição científica da necessariamente pensada como experiência de
modernidade vincula-se a uma tendência con- finitude, de efetuação histórica (Wirkungsges-
trária a reivindicação universal da metodologia chichte) e, sobretudo, como experiência de lin-
científica, no âmbito da ciência moderna. Por guagem (dialógica), cuja representação instaura
isso, segundo Gadamer, em vez de a hermenêu- uma específica declaração de verdade atualizada
tica buscar assegurar-se por meio de regras, o no tempo e celebrada na história.
que acarretaria a fragilidade de uma compre-
ensão, seus fundamentos devem ser buscados 5 A RELEVÂNCIA DA ESTÉTICA
em uma experiência de verdade que não se DIALÉTICA E HERMENÊUTICA COMO
submeta cegamente ao ideal de seguridade da PERSPECTIVAS DE ENSINO E PESQUISA
metodologia científica moderna. É no apelo às
tradições mais antigas4 que o testemunho da Mediante a breve exposição sobre os fun-
arte é especialmente tomado como “[...] a mais damentos filosóficos pertinentes à teoria es-
insistente advertência à consciência científica, tética de Hegel e à hermenêutica estética de
no sentido de que se reconheçam seus limites” Gadamer, o nosso propósito agora é destacar a
(GADAMER, 1990, p. 2). Em sua particularida- importância desses referenciais teórico-filosófi-
de, nela revela-se uma concepção de compre- cos para o ensino e pesquisa na graduação em
ender que, todavia, não é instrumental. filosofia, licenciatura ou bacharelado, conside-
Reivindicar para a arte seu valor de verdade rando a pluralidade de questões suscitadas.
constitui um grande impulso não só para va- O ensino da estética nas instituições de
lorizar a base ontológica de seu pensamen- ensino superior assume diversos horizontes
to hermenêutico gadameriano, mas também tendo em vista, sobretudo, o interesse e as
implica a necessidade e o reconhecimento pesquisas estéticas desenvolvidas pelos pro-
interpretativo de toda e qualquer experiência fessores que ministram a referida disciplina.
humana. Resgatar para a arte uma condição Isto implica a oferta de cursos que privilegiem
de tal importância resulta em reconsiderá-la, problemas ou autores ora mais tradicionais, ora
paradigmaticamente, como esfera privilegiada mais modernos ou pós-modernos, ou mesmo
em que a verdade se expõe como experiên- um diálogo entre pensadores no propósito de
cia. Daí emerge o ponto de partida da clássica ampliar o nível de investigação estético-filosó-
obra hermenêutica do século XX, “Verdade e fica. Todavia, do ponto de vista da formação
método” (Wahrheit und methode). dos graduandos em filosofia, ressalta-se con-

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Almir F. S. Júnior

tinuamente a importância de autores e teorias mia considerável, é precisamente porque ela


clássicas por se constituírem referenciais a assegura à sensibilidade um lugar de verdade.
partir dos quais a cultura filosófica foi erigida e Sua espiritualidade, no entanto, advém de uma
a tarefa crítica do pensamento exerceu o seu necessidade geradora de conflito e negação
desdobramento, anunciando crise de paradig- que leva o pensamento a sobrepor-se aos me-
mas, propondo novas leituras e reorientando canismos da natureza
as próprias investigações estéticas. Ultrapassando uma ponderação filosófica
Selecionamos duas matrizes teóricas da que reflete o domínio do belo como juízo do
estética - a dialética e a hermenêutica - porque gosto e expressão de um sentimento desinte-
ambas desenvolvem suas reflexões a partir de ressado (Kant), Hegel reapresenta o problema
experiências estéticas propriamente ditas, o clássico da verdade da arte, conferindo às suas
que nos permitem análises junto a particula- manifestações o estatuto de verdade históri-
ridades artísticas clássicas ou modernas, na ca. Porém, como está consignada às frontei-
tentativa de pensá-las filosoficamente. ras do sensível sua verdade apresenta uma
Contemplá-las como referencial para o limitação ideal. A verdade da arte confere à
ensino e pesquisa justifica-se pela diversidade particularidade do seu aparecer, um sentido
de questões histórico, ético-políticas e episte- que ultrapassa o significado de mero engano
mológicas que as mesmas sugerem à proble- ou ilusão, colocando-nos diante de um proces-
matização filosófica, conforme abaixo se segue. so dinâmico em que os fenômenos aparecem
A filosofia da arte hegeliana, enquanto para nós e nos fazem pensar.
referência para o ensino e para pesquisas es- O problema da verdade da arte assume
téticas na graduação, apresenta como mérito na estética de Hegel um caráter relevante, na
inicial o fato dessa perspectiva pensar a ideia medida em que o mesmo ainda instaura uma
do belo artístico fundamentalmente articulado tese que se tornou paradigmática nas análises
à história – história da Razão –. Uma filosofia estético-filosóficas contemporâneas - o fim da
da arte não pode prescindir de sua determi- arte. Tal anúncio que decreta uma formulação
nação histórica mesmo porque sua reflexão conhecida como “a morte da arte” implica na
revela os testemunhos do “espírito do tempo”. verdade sua afirmação, já que sua presença
A estética apresenta-se a nós como uma his- objetiva não foi exaurida como manifestação
tória da filosofia da arte, oferecendo-nos uma cultural. Sua atualidade, expressa no pensa-
análise histórico-conceitual sobre as formas de mento estético contemporâneo (Adorno, Ben-
artes particulares – arte simbólica, clássica e jamin, Heidegger, Gadamer, etc), indica os
romântica – e, também, sobre a particularida- mais diversos desdobramentos e perspectivas
de da Arquitetura, Escultura,Pintura, Música e de análise sobre a arte moderna, oportunizan-
Poesia; expressões de verdade na finitude. do uma interlocução promissora entre teorias
Os Cursos de estética de Hegel nos ofere- estéticas contemporâneas e modernas.
cem uma abordagem filosófica sobre a dimensão A teoria estética hegeliana da idealiza-
estética, enfatizando a produção artística como ção, enquanto última expressão da estética
necessidade espiritual histórica resultante do in- moderna, nos sugere diferentes leituras. Por
contentamento humano diante da regularidade um lado, um olhar nostálgico ao passado,
das vicissitudes da natureza. Daí a importância rememorando um tempo em que a arte era
de suas criações serem pensadas em sua relação verdadeiramente expressão de verdade; por
dialética com a natureza. Tal horizonte promove outro, a consciência das efervescentes trans-
uma discussão significativa acerca da identidade formações sob as quais estavam submetidas
do homo aestheticus enquanto agente contem- as artes na modernidade, o que sugeria a ne-
plador e transfigurador da realidade no exercí- cessidade de uma análise mais fecunda sobre
cio espiritual da Razão. Pensar a arte enquan- os seus produtos.
to realidade efetiva significa, por conseguinte, A estética hermenêutica de Gadamer, por
questionar o outro lado de sua presença mate- sua vez, assim como a perspectiva dialética
rial e sensível vislumbrando as particularidades hegeliana, apresenta como eixo central a exi-
das experiências estéticas viabilizadas pelo belo gência de analisar o domínio do estético e da
natural e pelas belas artes. arte à luz da experiência histórica da finitude.
Na qualidade de uma reflexão racional Das diversas abordagens inerentes à estética,
sobre o belo artístico, a estética de Hegel não a discussão hermenêutica enquanto perspec-
deixa de ser uma obra dedicada à finitude sen- tiva de ensino e pesquisa na graduação em
sível. Pois, se à arte é garantida uma autono- filosofia ocupa um lugar central, não apenas

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Arte e filosofia: a perspectiva da estética dialética

por submeter o fenômeno estético ao proces- bem como à consciência estética, sobretudo a
so de interpretação, mas, sobretudo, porque partir de Kant. Eis um elemento que funda-
essa reflexão mobiliza uma discussão sobre a menta a especificidade das reflexões estéti-
relação entre modernidade e cultura estética, cas a partir do pensamento hermenêutico de
bem como confere ao fenômeno da arte, sua Gadamer, possibilitando ainda uma discussão
recuperação como experiência de verdade com o processo de legitimação das ciências
Analisar a dimensão da experiência esté- humanas (Geisteswissenchaften).
tica no horizonte hermenêutico de Gadamer Inserindo-se nessa argumentação susten-
significa identificar as etapas de um procedi- ta-se a tese de que o desenvolvimento do con-
mento que é paradigmático. Pensá-la, primei- ceito de “aisthesis”, na conquista de seu esta-
ramente, como procedimento de crítica, des- tuto epistemológico, ao longo do pensamento
truição e recuperação e, posteriormente, como moderno, acarretou um “prejuízo” significativo
desenvolvimento de uma reflexão sobre seu à relação arte, pensamento e verdade5. Pre-
modo de ser, enquanto experiência de finitu- juízo aqui também entendido como Vorurteil,
de essencialmente determinada pela noção de pré-condição inevitável para a compreensão
consciência histórica e pela cifra da linguagem. – no sentido ontológico-heideggeriano – que
Por isso, não basta questionar a justificativa nos distancia do esquecimento e nos projeta à
da experiência estética ou mesmo a experiên- abertura de novos questionamentos.
cia da arte - acontecimento de verdade - ser Ao que parece, a relação estética e herme-
privilegiada como reflexão inicial acerca dos nêutica, no modo como ela se desenvolve na
fundamentos da hermenêutica filosófica, em filosofia de Gadamer, não nos oferece formu-
Verdade e método, mas investigar como é lação sólida e objetiva de uma estética, nem
construída a argumentação que a sustenta em tampouco de uma teoria sobre as artes. Entre-
seu caráter paradigmático. Pensar a questão tanto, afirmar a especificidade dessas reflexões
da verdade a partir da experiência da arte como um simples momento de desvio pode
apresenta-se como condição de possibilidade também parecer um tanto quanto insuficiente,
hermenêutica para análise sobre a compreen- para um pensador que reconhece na impor-
são humana na tentativa de ampliar os seus tância de pensar sobre a experiência misterio-
horizontestes interpretativos da realidade. sa da arte um desempenho necessário para as
A esse propósito, uma leitura mais ciências humanas, bem como uma experiência
atenta desta obra, sobretudo, em seu primei- dialógica e confronto com nós mesmos.
ro momento, nos remete ao esclarecimento A crítica à consciência estética desenvolvi-
quanto ao uso das expressões “experiência da por Gadamer, desde o começo de Verdade
estética e experiência da arte” em suas desig- e método é, portanto, a crítica à estetização
nações conceituais; termos usados, algumas e subjetivação como tentativa de resgate do
vezes, quase que indistintamente. Inde- espaço e abertura da obra, abstraídos pela
pendentemente da articulação que se possa consciência estética e que nos remetem, como
fazer entre essas duas expressões, do ponto contraponto, ao resgate de sua historicidade.
de vista de suas significações terminológicas, Da destruição da estética segue-se a ressigni-
precisamos a respeito ter claro o seguinte: a ficação do fenômeno da arte como tentativa de
expressão “estética” é utilizada tanto como ca- tornar inválida sua abstração de temporalida-
racterização da consciência – consciência esté- de e historicidade, asseguradas pela noção de
tica –, como a partir do estatuto epistemológi- consciência estética. Faz-se necessário reatar
co cunhado nos tempos modernos a partir de o laço rompido da obra com seu mundo.
Baumgarten (Estética) e com dedobramentos A proposta hermenêutica de “destruição da
na filosofia de Kant e no neokantismo. A refe- estética” inaugura, assim, uma nova pergunta
rência à estética representa para Gadamer não pela arte, cuja essência nos remete à sua re-
apenas a proposta de uma reflexão histórico- consideração como acontecimento de verdade
-conceitual, mas de modo significativo e ne- (alétheia). A recuperação de seu laço originá-
cessário o procedimento crítico-hermenêutica rio com o mundo, no entanto, está radicalizada
que propõe sua “destruição” enquanto um pro- em sua natureza histórica e linguística. Tal pro-
longamento do discurso científico moderno. A posta de pensamento nos reorienta a contem-
crítica aos pilares da filosofia moderna enquan- plar a história da arte, no sentido de perceber
to crítica da subjetividade, inevitavelmente se na tradição das experiências artísticas o des-
realiza sob a forma de uma crítica ao fenôme- velamento concreto de um mundo constituído
no da estetização dos conceitos humanísticos, pela facticidade das condições sócio-históricas

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Almir F. S. Júnior

e políticas que por sua vez se atualizam nas ritual, sendo portanto em si e por si significante
discussões contemporâneas acerca da estética 4. Essa experiência extracientífica de verdade é
buscada por Gadamer em tradições valiosas,
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS cujo esquecimento implica a necessidade de
sua reabilitação como uma forma de conside-
A relevância das duas propostas acima ex- rável contribuição. Assim, tem-se a tradição
postas emerge do universo de suas abrangên- retórica, a filosofia prática e a hermenêutica ju-
cias histórico-culturais. São reflexões estéticas rídica e teológica.
que priorizam a concretude da experiência da 5. A possibilidade dessa hipótese não é indiferente a
arte na positividade de suas manifestações uma das máximas da estética hegeliana: a arte
contextuais, oportunizando-nos um diálogo como manifestação sensível da ideia no horizonte
com a tradição, com as condições sócio-histó- do sensível define-se como momento de verdade.
ricas do seu fazer e, também com os elemen-
tos subjetivos de sua fruição. Em um contexto
REFERÊNCIAS
de problematização da subjetividade na mo-
dernidade, a estética, nessas duas vertentes, BAYER, Raymond. Historia de la estética.
culmina em uma discussão ética sobre a finitu- Traducción de Jasmin Reuter. México Fondo
de e ontológica sobre a verdade, o que amplia, de Cultura Económica, 2000.
consideravelmente, sua interface com as ciên- BRÁS, Gérard. Hegel e a arte. Rio de Janeiro:
cias e com a cultura em geral. Desse modo, Zahar editora,1990.
redimensionando o horizonte estético do belo
artístico como momentos de verdade e experi- Diretrizes Curriculares para o curso de
ência histórica da finitude nas quais os serem filosofia. Parecer CNE/CES nº. 492/200.1
humanos se reconhecem e dialogam entre si, FERRY, Luck. Homo Aestheticus: a invenção
a estética dialética de Hegel e a estética on- do gosto na era democrática. São Paulo: Ed.
tológico-hermenêutica de Gadamer se consti- Ensaio, 2003.
tuem em propostas teórico-metodológicas que
GADAMER.G.-H. Verdade e método: traços
incrementam o ensino de filosofia na gradua-
fundamentais de uma hermenêutica filosófica.
ção. Ademais, a pluralidade de investigações
Tradução de F.P. Meurer. 7 ed. Petrópolis:
suscitadas por essas teorias filosóficas privile-
Vozes, 2005.
giam a possibilidade de uma ampla interdisci-
plinaridade com ciências humanas e naturais, _______. Wahrheit und Metod: grundzüge
com as teorias da arte e com filosofia como um einer philosophischen Hermeneutik.
todo, estimulando desdobramentos de ques- Gesammelte Werke 1, Hermeneutik I. 6 ed.
tões acerca da relação estética e ética, arte e Tübingen: J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1990.
política, arte e linguagem, arte e cultura, arte _______. Ästhetik und Poetik I: kunst als
e inconsciente, arte e ontologia etc. Aussage. Gesammelte Werke 8. Tübingen:
J.C.B. Mohr (Paul Siebeck), 1993.
NOTAS _______ . Estética y hermenéutica. 2 ed.
Tradução de A.G. Ramos. Madrid: Tecnos,
1. É fundamental a leitura do texto de Baumgarten
AEstética: a lógica da arte e do poema(1750), no
1998.
qual o estético, embora definido como conheci- GRONDIN,Jean. Introdução à hermenêutica
mento inferior, é submetido a uma investigação
filosófica. Tradução de B. Dischinger. São
que nos conduz ao fenômeno do belo e da arte.
A esse propósito também é relevante consultar o Leopoldo: Editora Unisinos, 1999.
texto Homo aestheticus.Cap.I e II (FERRY,1994) HEGEL.G.W. Cursos de Estética. Tradução
2. A expressão “esforço conceitual” ou “esforço ten- Marco Aurelio Werle e Oliver Tole. São Paulo:
so do conceito” é usada por Hegel no prefácio à Edusp, 1999. V.I.
Fenomenologia do Espírito. Aí é ressaltada a im-
portância e uma atenção criteriosa ao conceito no _______ Enciclopédia das Ciências Filosóficas
propósito do estudo da ciência. Registra-se, ain- em Epítome. Tradução Artur Morão. Lisboa:
da, uma diferença hegeliana entre o “pensamen- edições 70, 1993. V. III.
to que raciocina” e o “pensamento conceitual”.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS:
3. O termo figura (Gestalt) apresenta um significa-
do especial na Estética de Hegel, designando a apresentação dos temas transversais, ética
matéria espiritualizada propriamente dita, isto é / Secretaria de Educação Fundamental. –
o elemento sensível em que se manifesta o espi- Brasília : MEC/SEF, 1997.

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