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Pré-projeto de extensão

Filosofia e Teatro
(um esboço)

RESUMO

Em linhas gerais, trata-se de trabalhar sobre algumas das dualidades que se apresentam na
medida em que põe-se, lado a lado, os campos da filosofia e do teatro, tendo em vista não só
a aquisição teórica, mas também um algo de natureza prática. Tal possibilidade lastreia-se na
percepção de que, ao longo da nossa história escrita, encontram-se, teatro e filosofia, em
íntima relação, evidenciando-se então o primeiro de nossos objetos: as manifestações e
modificações desta na passagem do tempo. De explorar, através da experiência teatral, os
mecanismos que reconfiguram a forma de expor os objetos de natureza imediatamente
conceitual. A possibilidade de investigar e disputar os campos de discurso somente acessíveis
pelos mecanismos artísticos; a lida direta com politização da arte.

OBJETIVOS

Este poderia então ser apresentado como o primeiro dos objetivos visados pelo projeto
em questão: a formação de indivíduos capazes de análise e, até mesmo, produção de uma arte
política que tenha seu conteúdo fundamentado pelo rigor de um edifício construído e
consolidado ao longo da história; pelas produções acadêmicas mais recentes e, sobretudo, na
precisão que subjazem.
Dado seu largo espectro de atuação, nosso objetivo, para ser eficiente, demanda que
seja subdividido em duas frentes. A primeira delas seria um estudo próprio à filosofia ou,
mais especificamente, o recorte que discute e analisa a natureza do discurso; as formulações
da razão expressas pelo processo de comunicação. Simultaneamente, a necessidade de
estudar o recorte que tem como objeto tudo o que diga respeito à questão da sensação; das
formas de manifestação, recepção e percepção do belo e do artístico.
Trata-se de fazer uma reconstrução do percurso histórico da relação entre filosofia e
teatro, destacando a natureza desta, em referência ao período selecionado. Antes mesmo dos
tateios dos filósofos pré-socráticos, na constituição de uma nova forma de organização e
exposição de conhecimento e valores, encontrar-se-ia o teatro. Na medida em que a filosofia
ruma em direção à sua consolidação, o faz através de uma relação, de natureza sempre
mutável, para com a cultura teatral de seu tempo.
A segunda delas, diz respeito ao teatro, na medida em que suas ferramentas estéticas
são largamente utilizadas, ou ao menos uma precisa seleção de seus mecanismos, como o
meio pelo qual é veiculado o conteúdo propriamente conceitual. Assim, torna-se necessário
um debruçar-se sobre sua história, buscando compreender as leis que servem de princípio
organizador da construção narrativa, bem como das estratégias utilizadas pelo indivíduo que
as performa. Por outro lado, toma-se como pressuposta a necessidade de não manter-se,
exclusivamente no campo teórico, levando-nos às atividades práticas que nos aproximem da
realidade de tais artes.
É possível notar que, mesmo assumindo Homero como pedagogo de todos os helenos,
Platão, bem como em alguns dos que o antecedem, questiona a validade desta posição,
propondo, em sequência a manutenção de tal estado de coisas1. Neste sentido, compreende-se
que a filosofia, ao longo de seu processo de consolidação, dos fragmentos daqueles que
antecedem o período socrático aos escritos de Platão, como nascendo em disputa pela posição
a poesia, a posição de pedagogo do homem grego; como mais capazes de propor e regular um
princípio de de formação e ordenamento das ações individual e coletiva.
Ainda tratando-se da modificação da relação entre os dois campos, encontrar-se-iam
fartos exemplos, como os processos osmóticos entre a cultura teatral e a cultura filosófica da
idade moderna. Em Shakespeare, por exemplo, encontramos um intenso diálogo com a
produção filosófica de seu tempo. Através de seus personagens, põe em pauta questões da
política que em muito se assemelham aos desenvolvimentos de Maquiavel em “O príncipe”,
como o pragmatismo que guia seus antagonistas, especialmente tratando-se de Edmund2 e
Iago3, na medida em que buscam cumprir seus objetivos. Além destas, podemos encontrar
reflexões acerca da loucura4, pautada nos desenvolvimentos de Giordano Bruno e uma
intensa discussão acerca de aspectos da natureza humana, na lida direta com os escritos de
Michel de Montaigne5.

1
Na medida em que estudamos a relação entre a filosofia nascente e o teatro grego, torna-se possível
encontrar passagens nas quais alguns filósofos pré-socráticos poriam em pauta a validade da educação de seu
tempo, que se fundiária nos princípios herdados através da poesia grega, passada para o povo através de grandes
festivais. Dentre estes, podemos encontrar menções como as de Xenófanes e Heráclito, através das quais
propõe-se que “Homero como Hesíodo atribuíram aos deuses tudo/ quanto entre os homens é infâmia e
vergonha/ roubar, raptar e enganar mutuamente” (Xenófanes, B11); “Esse Homero merece ser expulso dos
concursos e bastonado” (Heráclito, B42)
2
Falar um pouquinho desta trama de Rei Lear
3
Falar um pouquinho desta trama de Otelo
4
Falar um pouco sobre a decadência de Lear
5
Pegar citação direta, feita por shakespeare acerca da obra de montaigne
Para além disso, a consolidação de uma filosofia teatralizada e um teatro capaz de
construir uma estrutura filosófica que se auto-sustenta. Tem-se como exemplo a íntima
ligação entre os escritos de Deleuze e Guattari e os desenvolvimentos encontrados nas obras
de Artaud; a importância de Artaud para a concretização do conceito de corpo sem órgãos,
que viria aparecer mais tarde nos escritos de Deleuze e Guattari.
Contudo, ainda lida com a relação histórica entre filosofia e teatro, poderíamos nos
debruçar sobre a perspectiva pouco mais próxima ao desenvolvimento do teatro enquanto
dotado de uma métrica – as leis da ação dramática – que se reconfigura ao longo da história.
De Aristóteles a Hegel, temos acesso às poéticas responsáveis por fornecer o arcabouço do
gênero que atravessa obras de períodos históricos diversos.
Na medida em que é realizado o desenvolvimento desta cultura teatral, buscar-se-á
por localizar os elementos componentes de algo que poderíamos compreender como sua
essência6 ou, ao menos, as configurações de uma construção bem sucedida. E, para além
destas – as leis que, mesmo se modificando no tempo, enquadram seu produto em um mesmo
gênero –, buscar-se-á por compreender e absorver tanto quanto possível os modos de fazer
teatro que se pautem por poéticas próprias.
Dentre estes, ocupam uma posição de destaque. O primeiro deles seria teatro
experimental, de Antonin Artaud e Bertolt Brecht, na medida em que propõe uma crítica às
poéticas tradicionais. Aliado a este, evidencia-se também o teatro do oprimido, de Augusto
Boal, na medida em que este busca não só tratar de temas cotidianos, mas possui uma série de
ramificações voltadas para uma atuação prática e reflexão política.

PLANO DE TRABALHO

A fim de alcançar os objetivos propostos, buscar-se-á por estabelecer uma espécie de


interpenetração entre teoria e prática; entre conceito e atividade; entre a filosofia e o teatro.
Entretanto, não se pode estabelecer uma previsão absolutamente certeira, na medida em que
trata-se de um trabalho de construção coletiva, deixando-nos, apenas, com algumas
orientações iniciais.
Inicialmente, será feita uma apresentação geral dos objetivos e meios pelos
quais estes serão perseguidos. Em seguida uma recuperação histórica visando traçar um
panorama geral do que se tem acesso na medida em que trabalhamos sobre os respectivos
recortes da filosofia e das artes cênicas. Disso, uma série de atividades que possibilitem uma
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Novamente, mutável conforme o período e espaço que ocupa no vasto campo do artístico.
maior compreensão do conteúdo propriamente conceitual dos dois campos, sendo dada a
preferência para leituras7 e análises de textos épicos dramáticos líricos ou narrativos, tentando
captar os elementos acessados anteriormente, através da parte teórica.
Simultaneamente, atentar-se-á para a necessidade de realizar um desenvolvimento que
não trabalhe no enfoque exclusivo da filosofia, visando estabelecer a consciência de que
trata-se de um processo que a une a um campo de natureza – relativamente – diversa. Para
isso, contaremos com a participação de alguns convidados com experiência e atuação no
campo prático das artes. Estes, conduzirão exercícios que, originalmente, iniciam os
encontros e ensaios das escolas e companhias de teatro, visando aprimorar habilidades
individuais como as de respiração, oralidade, corporeidade etc.

JUSTIFICATIVA

Esta, por sua vez, se funda em uma análise dos movimentos político-culturais de
nossa contemporaneidade mais imediata. Entretanto, ainda no que diz respeito à produção
cultural, sobretudo aquela que emerge ao longo dos últimos quase quatro anos, nota-se uma
espécie desbalanço entre as produções de diferentes matrizes8, privilegiando aquelas de teor
reacionário e, arriscando uma definição mais precisa, fascista. Tem sido crescente o
aparelhamento da produção cultural para a disseminação de ideias políticas, em especial por
parte de correntes reacionárias. O "marketing" torna-se, a cada dia mais, ferramenta principal
para a disseminação do fascismo, com características semelhantes ao que Benjamin, em "A
obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", crítica como "a estetização da política".
Poderíamos citar alguns exemplos desse aparelhamento. Olavo de Carvalho,
conhecido filósofo da Direita brasileira, foi um dos personagens centrais na elaboração e
atuação de uma estética política que ressaltou um ideário conservador e neoliberal como meio
de conquistar eleitores e militantes. Um dos produtos de maior sucesso nessa empreitada é o
Brasil Paralelo, produtora de conteúdo abertamente política que tem como projeto a
divulgação de "entretenimento e educação", como dizem em sua propaganda, e que busca
uma "verdade histórica, ancorada na realidade dos fatos, e sem qualquer tipo de

7
Podendo esta se modificar, na medida que, com o avançar do projeto, os participantes se sintam mais à vontade
para realizar leituras dramatizadas e/ou montagens em menor escala de pequenas peças, atos ou cenas,
utilizando das técnicas absorvidas através dos exercícios práticos.
8
Note que, aqui, não se trata de pressupor a necessidade de equilibrar uma balança, entre um conteúdo
propriamente revolucionário e um conteúdo notadamente reacionário, muito menos povoar o meio-caminho do
eixo que têm tais conjuntos de valores como seus extremos. Trata-se – para que não restem dúvidas – de um
plano de trabalho-pesquisa que privilegie a produção radical e revolucionária.
ideologização na produção de conteúdo.". Abordando temas que vão desde o "fim da beleza"
à "cultura do agronegócio", ao contrário da superfície de suas intenções "libertárias",
mascaradas de neutralidade, sua produção se funda no uso de mecanismos estéticos, que,
embora agreguem alto teor de aceitabilidade pelo público, são subjugados a uma distorção de
fatos históricos, contrariamente às produções acadêmicas mais recentes.
Este trabalho se justifica na necessidade de ocupação desse espaço discursivo e
estético, quase monopolizados pela extrema direita. É necessário, para a boa ordem da
democracia, a ampliação dos participantes nesse campo de comunicação estética para a
disseminação de outras vertentes políticas, em especial as antifascistas; isto é, se trata de
buscar dar sequência ao que Benjamin contra propõe à estetização da política: a politização
da arte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Arte retórica e arte poética - Aristóteles


O teatro e seu duplo - Artaud
Teatro do oprimido - Boal
European Theories of Drama - Clark
Uma anatomia do drama - Esslin
Estética. Poesia - Hegel
Técnica teatral moderna - Heffner
Teatro pós dramático - Lehmann
Iniciação ao teatro - Magaldi
Introdução à dramaturgia - Pallottini
O teatro épico - Rosenfeld
A morte da tragédia - Steiner
Ensaio sobre o trágico - Szondi
Teoria do drama moderno - Szondi
Teoria do drama burguês - Szondi

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