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GELL, Alfred.

“Definição do problema: a necessidade de uma antropologia da


arte”(tradução de Paulo Henriques Britto). “The problem defined: the need for
ananthropology of art” e “The theory of the artnexus”. Art and Agency. An
Anthropological Theory. Oxford : Clarendon Press. 1998. pp. 1-27. Revista
Poiésis, n 14, p. 245-261, Dez. de 2009.

O autor inicia a discussão retomando três campos teóricos que envolvem arte e
antropologia:

1º Teoria antropológica da arte visual  evoca uma teoria que lida com
a produção de arte nas sociedades coloniais e pós-coloniais estudadas
pelos antropólogos = a chamada “arte primitiva” – “arte etnográfica” (nos
acervos de museus)

2º Teoria antropológica da arte  uma teoria da arte aplicada à arte


antropológica

Mas não é isso que o autor tem em mente – segundo o autor a arte das
margens coloniais ou pós-coloniais, na mediada em que é arte, podem ser
abordadas por qualquer “teoria da arte” existente, até onde elas são úteis.

As discussão das teorias da arte e da estética edificaram um campo vasto e


bem estabelecido. Não faz sentido criar uma teoria da arte ocidental (estética)
e outra para a produção artística não ocidental. Se essas teorias se aplicam a
nossa arte, podem muito bem ser aplicadas à arte de todos.

Sally Price (arte primitiva em mundos civilizados)  critica a guetificação da


“arte primitiva”. Aponta que essas produções devem ser apreciadas pelos
espectadores ocidentais de acordo com os padrões e critérios que aplicamos a
nossa própria arte. Destacando que a arte não-ocidental não é essencialmente
diferente da nossa, na medida em que é produzida por artistas individuais,
talentosos e imaginosos. Estes não devem ser vistos como filhos de da
natureza “instintivos”, exprimindo espontaneamente impulsos primitivos nem
tampouco subservientes de algum estilo “tribal” rígido. Para Price cada cultura
possui uma estética específica e é tarefa da antropologia da arte definir
essas características – perspectiva de uma estética e teoria da arte relativista.
O autor aponta que essa postura de Price é coerente e faz uma relação
estreita entre história da arte e teoria da arte no ocidente evidenciando uma
analogia obvia entre – “estética específica de uma cultura” e “estética
específica de um período”.

Baxendall aponta a dinâmica no modo de enxergar a arte que muda ao longo


da história e aponta que é papel do historiador da arte fornecer o contexto para
orientar a compreensão do espectador diante de uma produção de um período.
Na perspectiva de Price a antropologia da arte teria o mesmo objetivo, embora
seja a maneira de ver de um sistema cultura e não de um período histórico.

Gell é categórico: “não obstante, não acho que a elucidação dos sistemas
estéticos não-ocidentais constitua uma “antropologia da arte”.

Mas indica alguns pontos:

1º um programa como esse é exclusivamente cultural, e não social. A


“antropologia da arte” focaliza o contexto social da produção, circulação e
recepção da arte, e não avalia as obras de arte específicas, o que, a meu ver, é
função do crítico. “As nossas preferencias estéticas não podem por si só dar
conta da existência dos objetos que coletamos em museus e apreciamos
esteticamente. Os juízos estéticos são apenas atos mentais interiores; já os
objetos de arte são produzidos e entram em circulação no mundo físico e social
exterior. Essa produção e essa circulação têm de ser mantidas por certos
processos sociais (troca, política, religião, parentesco, etc.)”.

O autor aponta que mesmo que reconhecêssemos a existência de uma estética


como um traço de um sistema ideacional de toda cultura, estaríamos longe de
formular uma teoria que desse conta da produção e circulação de objetos de
arte específicos em meios sociais específicos.

O autor diz que ver a arte de outras cultura esteticamente nos diz mais sobre a
nossa própria ideologia e a veneração quase religiosa de objetos de arte como
talismãs estéticos, do que respeito pelas outras culturas.

Um projeto de “estética indígena” esta voltado essencialmente para a expansão


das sensibilidades estéticas do publico de arte não ocidental, fornecendo o
contexto cultural dentro dos quais os objetos de arte não-ocidentais possam ser
assimiladas às categorias da apreciação de arte da estética ocidental. Não há
nada de mal nisso, mas está longe de ser uma teoria antropológica da
produção e da circulação da arte.

Gell aponta que os relatos descritivos das estéticas de outras culturas não
constituem como uma teoria antropológica. O autor aponta que as teorias [MQ1] Comentário: obviamente que
propor uma compreensão de que a
antropológicas possuem certas características e são de interesse antropológico estética é algo presente em todas as
aquela que focam um papel dentro dos processos sociais de interação. A culturas, mas que é necessário observar
isso de uma maneira relativista é plausível.
antropologia da arte não pode ser o estudo dos princípios estéticos desta ou Até porque pensar em critérios morais e
éticos é pensar sobre a organização das
daquela cultura, e sim a mobilização de princípios estéticos (ou algo ideias e o modo de estruturação do
semelhante) no decorrer da interação social. cotidiano e do mundo.

A teoria da estética não se assemelha a uma teoria antropológica dos


processos sociais, ela é uma teoria da arte ocidental embora não mais aplicada
a arte ocidental, e sim a uma arte exótica ou popular.
A proposta de Gell é tomar as teorias da antropológicas e aplica-las a uma
novo objeto e não tomar uma teoria emprestada e aplica-la a antropologia. [MQ2] Comentário: Mas e o que é
antropologia? De que antropologia se está
falando?
O autor retoma a sua critica e lança uma questão sobre o que ele defendeu
como a teoria estética não ser uma teoria antropológica: que base tenho eu
para afirmar que esquemas de codificação por avaliação estética não se
enquadrariam nessa categoria?

Para Gell a antropologia tem um objeto definido  as relações sociais

Reconhece que antropólogos que seguem a tradição de Boas e Kroeber como


Price pensa que o objeto da antropologia é a cultura, no entanto só é possível
pensar e compreender um determinado comportamento cultural de pessoas
num contexto especifico e como eles se relacionam com os outros através das
interações sociais. A cultura não tem uma existência independente das suas
manifestações nas interações sociais.

O problema do programa da “estética indígena” é que ele tende a reificar a


resposta estética, assim como a antropologia de Boas reifica a cultura. Como
se a preocupação com a estética foi uma espécie de preocupação com a
tradução dos contextos, como se o pesquisador tivesse a preocupação em
fornecer o contexto para arte não acidental ser assimilada pelo publico
ocidental contudo Gell aponta  “ as respostas do “publico” de arte indígena a
arte indígena não se esgotam de modo algum com a enumeração daqueles
contextos em que algo semelhante a um esquema avaliador estético é utilizado
para na apreciação da arte.

O que interessa ao autor é formular uma teoria da arte que se encaixe no


contexto da antropologia, dada a premissa de que as teorias antropológicas
são reconhecíveis inicialmente como teorias sobre as relações sociais. “a
maneira mais simples de imaginar isso é supor que pudesse existir uma
espécie de teoria antropológica em que as pessoas ou agentes sociais fossem,
em certos contextos, substituídos por objetos de arte”.

O objeto de arte

O autor logo aponta que esse problema de definição teórica específica da arte
dentro da disciplina da antropologia levanta de imediato a questão de definição
de “objeto de arte”.
Howard Morphy rejeita a indefinição institucional de arte – que arte seria aquilo
que se considera como arte pelos membros do mundo da arte, pois não existe
mundo da arte em muitas das sociedades pesquisadas por antropólogos e no
entanto, essas sociedades produzem objetos muitas vezes reconhecidos como
arte pelo mundo de arte ocidental. Crítica: “aceitar a definição de arte como
dada pelo mundo da arte obriga o antropólogo a impor à arte das outras
culturas um referencial de caráter abertamente metropolitano”.

Morphy não está inclinado a aceitar o veredicto do mundo da arte ocidental


quanto a definição de arte, além das fronteiras físicas do ocidente e propõe
uma definição dualista:

Definição dualista de Morphy: “Os objetos de arte são aqueles que “têm
propriedades semânticas e/ou estéticas, usadas para fiz de apresentação ou
representação, isto é, os objetos de arte ou são signos-veículos que
transmitem “significados”, ou são objetos feitos com o fim de provocar uma
resposta estética endossada pela cultura, ou então as duas coisas.”

O autor aponta que essas duas condições são sobre o status do objeto de arte
são questionáveis:

1º é impossível abstrair antropologicamente as “propriedades estéticas” dos


processos sociais que cercam a concessão do status de “objeto de arte” em
contextos sociais específicos.

“O efeito da “estetização” da teoria da resposta é simplesmente o


de igualar as respostas do Outro etnográfico, na medida do
possível, às nossas (p. 251).”

2º Rejeita categoricamente a ideia de que qualquer coisa, salvo a própria


linguagem, tem “significado” na acepção que se quer dar ao tempo.

“os objetos de arte visual são objetos a respeitos dos quais


podemos falar, e o fazemos com frequência – mas eles próprios
não falam, ou então seus proferimentos em linguagem natural se
dão em código grafêmico” (p. 251).

O autor diz que não acredita numa linguagem visual em arte e possui vários
aspectos que são importantes para examinar separadamente e sugere ao leitor
que evite o termo significado simbólico – Gell não da ênfase a comunicação
simbólica, e sim a agência, intenção, causação, resultado e transformação. E
encara a arte como um sistema de ação cujo fim é mudar o mundo, e não
codificar proposições simbólicas a respeito do mundo.

O autor considera a abordagem baseada na ação como inerentemente


antropológica, do que qualquer abordagem semiótica alternativa. Gell propõe
que o antropólogo não tem a necessidade de definir um status do objeto de
arte antecipadamente de modo a satisfazer os estetas, ou os filósofos, ou os
historiadores pois a definição utilizada não é institucional, nem estética, nem
semiótica; é uma definição teórica.

Nada pode ser dito antecipadamente sobre a natureza dos objetos de arte, pois
essa natureza é uma função da matriz das relações sociais na qual está
inserida. Não possui uma natureza intrínseca, independente do contexto
relacional.

“qualquer coisa poderia ser tratada como objeto de arte do ponto de vista
antropológico, inclusive pessoas vivas, porque a teoria da arte antropológica se
encaixa perfeitamente na antropologia social das pessoas e dos seus corpos”
(p. 252).

Sociologia da Arte

O autor retoma uma provisória definição de antropologia da arte  “o estudo


teórico das relações sociais na vizinhança dos objetos que atuam como
mediadores da agência social” (p. 253).

O autor destaca que a proposta de formulação de uma antropologia da arte


teria que, em certos aspectos relevantes, os objetos de arte equivaleriam a
pessoas. E propõe um questionar dessa postura  ainda que a teoria
antropológica não seja uma “estética transcultural” ou um ramo da “semiótica”
ou uma sociologia das instituições. (o que é sociologia nesse caso?) e lembra
que há uma florescente sociologia da arte que investiga os parâmetros
institucionais da produção, recepção e circulação dos objetos artísticos, porém
o interesse está voltado para produção de arte ocidental. E aponta que não
pode haver uma sociologia institucional da arte se não houver a menos
instituições relevantes.

O autor compara a sociologia da arte com a sua proposta de antropologia da


arte

Autores da sociologia da arte: Berger e Bourdieu

Estudam as características institucionais específicas das sociedades de massa,


e não a rede de relacionamentos que se formam em torno de obras de arte
específicas em contextos interativos específicos.

Antropologia: interessa-se mais pelos contextos imediatos das interações


sociais e suas dimensões “pessoais”;
Sociologia: interessa-se mais pelas instituições

O autor afirma que há uma complementaridade entre a Sociologia/institucional


e a antropologia/relacional, os antropólogos não podem ignorar as instituições
na medida em que elas existem.

Obviamente, há muitas sociedades que as instituições que fornecem o contexto


para a produção e circulação da arte não são instituições especializadas em
arte  são instituições de âmbito geral: cultos, sistemas de trocas, etc.

O autor aponta que a sociologia da arte está representada na antropologia da


arte basicamente sob a forma de estudos de mercado de arte etnográfica.

Em dois caminhos:

1º a recepção da arte não-ocidental pelo publico de arte ocidental

2º o modo como os “povos indígenas” respondem a recepção de sua produção


artística nesse mundo artístico que lhes é alheio.

O autor aponta que a proposição dessa postura teórica não exclui a


possibilidade de se refletir esse mercado de arte organizado no ocidente, ainda
mais quando a produção de determinados grupos possam levar em
consideração esse mercado. Assim como, há a possibilidade de refletir sobre
esse mercado através dessa postura teórica.

Não é necessário haver um mercado de arte (especializado) para se pensar


arte, ou seja, a antropologia da arte pode ser separada do estudo das
instituições da arte ou do “mundo artístico”.

O autor aponta que a ideia de pensar os objetos artísticos como pessoas pode
ser estranha  o autor aponta que isso ocorre pois se levarmos em conta
que toda tendência histórica da antropologia vem em direção a uma
radical desfamiliarização e relativização do conceito de “pessoa”. Desde
os primórdios da disciplina a antropologia tem dado uma atenção especial a
relações claramente estranhas entre pessoas e coisas, as quais parecem de
algum modo manifestar-se ou atuar como pessoas.

O autor retoma alguns exemplos

Tylor em Cultura Primitiva  discussão sobre o animismo

Frazer  discussão sobre magia simpática e por contágio

Malinowski e Mauss  além da magia, relaciona com a questão de trocas


O autor aponta que essa proposta que procura enxergar os objetos como
pessoas é identificável como maussiana  dado que as prestações ou dons
são tratados nas relações de troca por Mauss como “pessoas”.

O autor propõe que uma teoria da arte antropológica seja semelhante a teoria
de maus sobre as prestações, pois essa proposta teórica é antropológica por
excelência - aponta que a teoria do parentesco de Levi-Strauss nada mais é
que a teoria de Mauss, só que ele substitui as trocas pelas mulheres. O autor
afirma que faz essa analogia para que o leitor compreenda a sua proposição
básica.

“o que estou tentando dizer é que a uma teoria antropológica a respeito de


qualquer tema só é “antropológica” na medida em que se aproxima, quanto a
certos aspectos básicos, de outras teorias antropológicas; do contrário, a
palavra “antropológico” perderia o significado.” (p.255).

A silhueta de uma teoria antropológica

O autor tenta caracterizar o que seria uma teoria antropológica da arte – para
ele a teoria antropológica da arte precisa se identificar com uma teoria que
tenha características da área da antropologia e não com a estética ou com a
teoria da arte.

O autor levanta a questão: o que diferencia a antropologia de outras disciplinas


vizinhas. Ele aponta que o que a antropologia faz de melhor é descrever
comportamentos tidos como “irracionais” (acredito que irracionais aqui está
relacionado com a ideia de exótico, diferente, estranho)  o que uma boa
antropologia faz é descrever esses comportamentos e localiza-los ou
contextualizar o comportamento e não exatamente a cultura, e sim a dinâmica
da interação social, a qual pode sem dúvida ser condicionada pela cultura.

E passa a refletir sobre o lugar da antropologia da relação com os sujeitos


pesquisados. A antropologia interpretativa do comportamento social é
compartilhada com a sociologia (suprabiográfica) e psicologia social
(infrabiográfica). A antropologia tende a focar o “ato” no contexto da vida, o
estágio de vida – do agente. E quando o antropólogo exagera numa das duas
perspectivas ou está fazendo uma coisa ou outra.

“As teorias antropológicas podem-se distinguir na medida em que eles


tipicamente dizem respeito a relações sociais; estas, por sua vez, ocupam um
certo espaço biográfico, no decorrer do qual a cultura é recolhida, transformada
e passada adiante através de uma série de etapas de vida.”(p. 257)

“O objetivo da teoria antropológica é dar sentido ao comportamento no contexto


das relações sociais” - assim: “o objetivo da teoria da arte antropológica é
dar conta da produção e circulação dos objetos de arte em função desse
contexto relacional” (p.258).

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