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Alfred Gell
Apresentação:
A apresentação cumpre bem o que se propõe: apresentar a obra. São dadas algumas
pistas de leitura para os pensamentos de Gell. A princípio, é colocado que ele é um antropólogo
britânico, situando o entorno do autor. Seus pensamentos se fundam a partir do debate em torno
dos objetos e materialidade presentes a partir dos anos 1990. Sobre a arte propriamente dita, se
tem que ela sempre esteve presente na antropologia, mas na segunda metade do século XX ela
foi colocada como algo secundário. O regresse do tema como algo central se deu a partir dos
anos de 1970 com os estudos de cultura material marcada pela arqueologia culturalista e a
antropologia simbólica. O interesse na materialidade se dá com a releitura da obra clássica de
Marcel Mauss, a associando com questões técnicas, corporalidade e a noção de pessoa. Um
outro pensamento que guia essas noções são as divisões modernas dualistas: nós-outros,
natureza-cultura, humano-não humano, sujeito-objeto, etc., colocando em pauta as divisões
clássicas da arte e a transformação e multiplicação de critérios para exposições de objetos
etnográficos. Nesse contexto ocidental nasce as divisões entre artesanato, folclore, objeto
etnográfico, destinadas a criar um olhar exorcizante para as culturas não ocidentais. A partir
disso, os objetos de “arte primitiva” se converteram em instrumentos de luta política,
reinvindicação étnica e denúncia de exploração colonial.
Nessa perspectiva de luta, passou a se procurar qualidades estéticas em objetos
etnográficos de acordo com critérios universais (obra, artista, criação, repertório, etc.) na busca
de reverter algumas tendências antigas, mas as próprias divisões não foram questionadas. A
“arte etnográfica” continuou sendo avaliada pelos “cultos” e seus critérios hegemônicos de arte
ocidental. Se percebe, então, a necessidade de se produzir uma aproximação simétrica das
tradições culturais do mundo, incluindo a própria tradição ocidental, como uma entre outras.
Com isso é apresentada, mesmo que brevemente, a teoria antropológica da arte. Ela se
fundamenta em um tratado entre as relações de arte e antropologia, colocando o sentindo em
arte de e na vida social. De início, ela se focou em buscar padrões estéticos universais, depois
a contextos particulares de significados. A diante, se buscou compreender a produção e
circulação dos objetos visuais nativos, a partir de uma reflexão de sua natureza e as
características de sua eficácia simbólica e ritual, entendendo a lógica das diferentes expressões
em seus próprios termos. A antropologia da arte focou muito nos alcances das valorizações e
categorias estéticas, e nos debates sobre forma-função. Para Gell, nesses moldes, nunca foi
produzido uma verdadeira antropologia da arte, pois sempre se apoiou muito em disciplinas
como a estética, semiótica ou linguística, deixando de lado o foco antropológico.
A proposta de Gell é analisar as produções artísticas (ocidentais e não ocidentais) a
partir de um esquema de relações, não priorizando a interpretação de significados simbólicos
de objetos, mas sim a rede de relações que os originou, identificando os afetos ou respostas que
esses objetos produzem no receptor ou recebem de outros elementos da mesma rede de
intencionalidades. Se trata então de mudar a análise da estética para a da intencionalidade.
Nessa perspectiva, se tem que os objetos fundamentalmente constituem índices das relações
sociais que os originaram. O trabalho da antropologia, então, se trata em reconstruir as relações
dos objetos no meio social, como se fossem pessoas dotadas de agência (capazes de produzir
efeitos ou respostas) em uma cadeia de agenciamentos. Gell entende que o comportamento dos
objetos na rede é do mesmo tipo que o das pessoas em interação, na medida que o índice é o
resultado e/ou instrumento da agência social. Para ele, falar de arte é falar de situações que
produzem índices que podem incluir desde a obra convencional (de museu), até um fetiche
africano em seu contexto de ritual. A arte é um sistema de ações.
A existência dos objetos não pode se fazer a parte do fluxo de relações ou interações
sociais concretas. A chamada rede da arte, proposta pelo autor, tem um esquema composto por
quatro elementos: artista, índice, protótipo e receptor. Esse esquema tem a posição do agente e
do receptor, permitindo abordar um amplo leque de situações empíricas nas quais os diferentes
elementos podem ocupar alternadamente ou simultaneamente as duas posições. O objeto
constitui o índice a partir de sua análise antropológica supõe, ou concretamente abduz a agencia
e a rede de relações presentes no processo de produção do objeto. A agência se encontra
distribuída na cadeia de casualidades, e as pessoas não são entidades fechadas e homogêneas,
são múltiplas e fracionadas, partes de um todo que constituem em si mesmas um primas do
todo. A agência é social e não exclusivamente individual ou psicológica, na medida em que se
insere em um meio de relações sociais, resultando em ações e efeitos de ações entre agentes
(coisas também). Ou seja, todo objeto ou pessoa é um agente em potencial, podendo ocupar a
posição de agente em um modelo relacional na medida em que forma parte de um meio casual
de relações sociais. A agência seria uma posição dentro de uma relação, não uma essência fixa
e imutável ou um fenômeno mental. Os objetos e pessoas se colocam em posição de agentes
em determinadas situações e contextos: só podendo ser quando estão relacionados com outros
objetos e pessoas.
As obras são momentos de séries temporais, constituem verdadeiras linhagens. Em seu
conjunto, configuram um macro objeto que evolui com o passar do tempo. Essa acumulação
de agências para frente e para trás no eixo temporal, são chamadas por Gell de proteção e
retenção. Ele argumenta que as obras de arte são partes de um objeto distribuído que se
relacionam com todas as obras de um sistema determinado (individual ou coletivo), que se
distribui no tempo e espaço: perceber um estilo é essencialmente captar as relações entre as
relações das formas como partes do todo. Por meio de uma analise formal, morfológica, é
possível determinas as transformações no tempo que as formas experimentam, e assim, seguir
a biografia dos objetos como se fossem pessoas. A pessoa, conforme Gell, é a soma dos índices
que demostram, não só na vida, mas na existência biográfica. O índice não seria o ponto final
de uma ação, mas uma extensão distribuída ou disseminada de um agente. De forma geral, se
busca superar a oposição clássica entre objeto de arte ocidental estetizado e o artefato não
ocidental funcional: o encantamento da magia é equiparável ao encantamento estético da obra
em um museu.
Antes de continuar com o quadro, se faz necessário, assim como foi feito no texto,
apontar colocações sobre a importância central do índice. O ponto central é que a teoria da
antropologia da arte proposta por Gell precisa de um índice para fazer abduções de agência,
sem ele não é possível. Podem ser construídas fórmulas sem artista, destinatário e protótipo,
mas não sem o índice. Fórmulas como Artista A – Destinatário P sempre implica em Artista A
– Índice A – Destinatário P. O autor explica também a lógica dos agentes e pacientes primários
e secundários. Resgatando a ideia de agente primários, eles são aqueles que tem o poder de
iniciar e realizar ações por vontade ou intenção; e os secundários, aqueles que não possuem
vontade ou intenção por si mesmos, mas são essenciais na formação, aparição ou manifestação
das ações intencionais. Nesse contexto, normalmente os índices são agentes secundários, pois
tomam sua agência de fonte externa e servem como meio para transferi-la ao paciente. Com
isso, o autor coloca que os artistas e destinatários são agentes ou pacientes primários, pois
causam ações por si mesmos. Os protótipos ocupam uma posição ambígua: em geral não são
primários.
Uma maçã não tem intenção de aparecer entre nós ou para o pintor com forma redonda,
vermelha, etc. Ela é um agente secundário. Mas eles também podem ser primários, como o
Luís XIV retratado, que ostenta a aparência que o próprio Luís elegeu. Por mais que ele seja o
mecenas da obra, ele é também o protótipo a ser representado. No caso da maçã, a agência do
artista é primária, no caso de Luís, as agências do artista e do mecenas protótipo são primárias.
Se o protótipo é um objeto que se considera incapaz de exercer agência primaria no mundo,
então ele só transmitirá agência secundária. Se ele é uma entidade capaz de determinar sua
própria aparição, então ele pode ser de maneira parcial ou total um agente primário assim como
secundário. O centro da trama da arte é sempre o índice, que nunca, ou raramente, é agente ou
paciente primário. O índice, para o autor, é a perturbação do entorno casual que revela e
potencializa a agência que exercem e a condição de paciência que sofrem os agentes primários
(os destinatários os artistas e os protótipos). O índice é a região do entorno casual que se
encontram e sobrepõe a esfera de ação do agente primário e a esfera de vulnerabilidade do
paciente primário. A teoria se ocupa das relações entre os agentes e os pacientes primários que
aparecem nos pontos de partida e final, passando por uma cadeia de transição mediadas pela
arte que ambos compartilham no entorno casual: agente primário – paciente secundário –
agente secundário – paciente primário. Com isso, voltamos à tabela:
Tabela 02 – As expressões “ilegítimas”
É a forma geral para as imagens imaginárias elaboradas por
artistas. O índice é um caso de criação de imagens imaginárias
Artista A – Protótipo P quando se considera que seu aspecto decidiu o artista e que é
um índice da agência desse como o imaginador da forma da
coisa. O exemplo é a forma de uma entidade fictícia, a pintura
de um unicórnio.
Designa a criação de imagens realistas, pois o aspecto do
Protótipo A – Artista P protótipo define o que o artista vai fazer. A representação do
Duque.
Essa forma expressa o poder do artista como agente social sobre
Artista A – Destinatário P o destinatário como paciente social. Muitas obras de arte
inspiram as pessoas a ficarem maravilhadas, assombradas, com
medo e outras emoções poderosas ao espectador.
Se trata da forma do artista como artesão; alguém contratado
para seguir as indicações do destinatário (esse aparece mais
como mecenas que espectador passivo). O índice pode
Destinatário A – Artista P manifestar a agência independente do artista e sua
predominação sobre o espectador, enquanto, de outro lado, o
mesmo índice indica a subordinação do artista perante o
mecenas.
A forma do ídolo. O paciente destinatário abduz do índice à
agência do protótipo, que provoca que o índice tome uma forma
Protótipo A – Destinatário P determinada enquanto exercita a agência social no destinatário.
Os exemplos típicos desses são os ditadores como Stalin, que
colocou enormes imagens suas nas paredes para manter uma
vigilância e controle continuo sobre a cidade.
Nessa fórmula pode ser aplicado também o exemplo da bruxaria
por imagem (algo próximo ao “voodoo”). De forma geral, esse
se refere à situações das quais o protótipo é incomodado de
alguma forma através de sua imagem (que é diferente de uma
ideia de Artista A – Destinatário P). É possível que a agência
Destinatário A – Protótipo P
venha do ato de um destinatário que distorce uma imagem:
pintar um bigode em uma foto. Uma mesma imagem pode atuar
duplamente na agência do protótipo ao destinatário, mas
também do destinatário ao protótipo de uma só vez.