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MEDIDAS DO

C O M P O RTA M E N T O
ORGANIZACIONAL
FERRAMENTAS DE DIAGNÓSTICO E DE GESTÃO

MIRLENE MARIA MATIAS SIQUEIRA


E C O LAB O RAD O RES
M489 Medidas do comportamento organizacional [recurso
eletrônico] : ferramentas de diagnóstico e de gestão /
Mirlene Maria Matias Siqueira (Org.) ; Álvaro Tamayo
... [et al.]. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed,
2008.

Editado também como livro impresso em 2008.


ISBN 978-85-363-1494-5

1. Psicologia - Trabalho. I. Siqueira, Mirlene Maria


Matias. II. Tamoyo, Álvaro.

CDU 159.9:331

Catalogação na Publicação Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023.


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Medidas do comportamento organizacional

Identificação organizacional
Áurea de Fátima Oliveira

Identificação organizacional é um conceito que diz respeito à maneira


como as crenças do indivíduo sobre uma organização passam a fazer parte da
sua identidade. A fundamentação teórica desse conceito respalda-se nas Teo-
rias da Identidade Social e da Autocategorização (Tajfel, 1978; Pratt, 1998).
A Teoria da Identidade Social afirma que as pessoas constroem a si mes-
mas a partir de um conjunto de características essenciais que é usado para a
definição de seu autoconceito, especificando também que as pessoas se engajam
em interpretações e práticas com o intuito de dar continuidade a esse autocon-
ceito no tempo e no espaço. Segundo Tajfel (1978), o autoconceito compreen-
de a identidade pessoal que abrange atributos idiossincráticos (disposições,
habilidades) e a identidade social que se refere à classificação em grupos sali-
entes, por exemplo, nacionalidade e afiliação política. O autor afirma que a
identidade social é uma parte do autoconceito derivada do conhecimento do
indivíduo sobre o grupo social, juntamente com a importância e o significado
emocional atribuído à inclusão em um dado grupo.
Em termos da identificação organizacional, no mínimo três aspectos da
Teoria da Identidade Social são importantes. Primeiro, a categorização é vista
como um processo cognitivo básico. De acordo com essa teoria, os membros
de um grupo não precisam interagir ou mesmo sentir um forte elo interpessoal
para perceberem a si mesmos como membros de um grupo. Em resposta à
questão “Quando os indivíduos se identificam?”, a Teoria da Identidade Social
sugere que a identificação ocorre sempre que os indivíduos percebem a si
mesmos como membros de uma coletividade.
Segundo, a identificação social tem resultados comportamentais e per-
ceptuais. Quando uma identidade social é saliente, o indivíduo tende a perce-
ber e agir de modo a se conformar com as normas e os estereótipos daquele
grupo social. Dessa forma, as percepções das diferenças entre membros do
próprio grupo tornam-se minimizadas. Por outro lado, os membros do grupo
externo podem ser percebidos de forma estereotipada e, às vezes, depreciati-
va. Isso resulta na maximização das diferenças entre o grupo de inclusão e o
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grupo externo. Machado (2003) reforça essa posição ao afirmar que a identi-
dade social é constituída não somente pela representação que o indivíduo faz
dele mesmo no seu ambiente social, mas também considera os grupos de opo-
sição aos quais ele não pertence.
Terceiro, a Teoria da Identidade Social supõe que os indivíduos são moti-
vados a realizar uma distinção positiva de seu grupo ao compará-lo com ou-
tros grupos, tendendo a preservar e promover uma imagem positiva. Freqüen-
temente, o indivíduo engaja-se em várias estratégias visando essa finalidade.
A Teoria da Autocategorização, por sua vez, explora como os indivíduos
se classificam enquanto membros de um grupo social, maximizando as seme-
lhanças intracategoria e diferenças intercategorias (Pratt, 1998), focalizando
as cognições subjacentes ao processo de comparação social. Especificamente,
esta teoria procura estabelecer um elo entre identidade pessoal e grupal e
examinar a interação entre os níveis intragrupo e intergrupo. Os grupos são
representados como protótipos ou modelos que capturam características do
grupo de inclusão, embora nem sempre de forma precisa. Exemplos de mode-
los são os membros típicos do grupo (membros reais que melhor representam
o grupo) ou tipos ideais (uma abstração de características do grupo). A forma-
ção da identidade se dá através do processo de comparação e o indivíduo
consegue estabelecer o lugar dele no ambiente social. Nesse processo são consi-
deradas as semelhanças e as diferenças entre os vários grupos de comparação.
A Teoria da Autocategorização difere da Teoria da Identidade Social por
explicar como os membros formam categorias sociais em vez de destacar o
impacto dessas categorias sobre o conflito entre grupos. Além disso, é relevan-
te na categorização a influência do contexto no sentido de evocar identidade
pessoal ou social, ou seja, utilizar recursos e habilidades particulares ou se
valer do seu grupo social.
O trabalho de Tajfel (1978) realiza a ligação entre os conceitos de iden-
tidade social e categorização social, sendo esta compreendida como o or-
denamento do ambiente social em termos do agrupamento de pessoas de ma-
neira que isso faça sentido para o indivíduo. Esse ordenamento ajuda a estru-
turar a compreensão causal do ambiente social e contribui enquanto um guia
para a ação. Em toda categorização social são feitas diferenciações entre o
grupo de inclusão do indivíduo e grupos externos usados na comparação. Nes-
se processo de categorização, o indivíduo utiliza vários significados, por exem-
plo, a divisão de pessoas em categorias sociais cujo significado, para o indiví-
duo é, geralmente, associado com avaliações positivas ou negativas dessas
categorias. Estes significados diferenciais tendem a promover diferenças sub-
jetivas em certas dimensões entre as categorias e as similaridades subjetivas
dentro de categorias.
Esse suporte teórico fundamenta o trabalho dos autores que investigam o
construto identidade organizacional e como se dá o processo de identificação
do indivíduo com sua organização de trabalho.
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“A identidade organizacional é uma forma específica da identidade social
na qual o indivíduo define a si mesmo em termos de sua inclusão em uma
organização particular” (Mael e Ashforth, 1995, p. 312). O pressuposto é que
as organizações e seus grupos são categorias sociais e, portanto, existe em
seus membros a percepção de que fazem parte dela. Dito de outra forma,
Machado (2003) considera a existência das organizações na mente de seus
membros e a identidade organizacional é uma parte da identidade individual.
A organização, enquanto categoria social, pode ser percebida como per-
sonificando atributos que são prototípicos dos membros ou da própria organi-
zação, enquanto uma abstração. No sentido real, os indivíduos que se identifi-
cam vêem a si mesmos como uma personificação da organização. Esta concep-
ção da identidade organizacional é compartilhada por Dutton, Dukerich e
Harquail (1994) ao considerar que o autoconceito de um indivíduo abrange
os mesmos atributos da organização por ele percebidos, configurando uma
ligação cognitiva denominada identidade organizacional. No processo de cons-
trução da identidade organizacional está presente a identificação, pois não há
identidade sem identificação (Machado, 2003).
A conceituação de Pratt (1998) sugere que a identificação ocorre quando
as crenças do indivíduo sobre a organização tornam-se auto-referentes ou
autodefinidoras, ou seja, o indivíduo integra àquelas crenças em sua identida-
de. O ponto central da concepção desse autor está nas crenças do indivíduo
em relação ao objeto que pode ser outro indivíduo, grupo ou mesmo idéias. A
identificação organizacional, explicitamente, refere-se ao aspecto social do
autoconceito.
As razões que levariam o indivíduo a se identificar com a organização são
atribuídas por Pratt (1998) às necessidades de segurança, de afiliação, de
autopromoção e holísticas. O indivíduo procura encontrar formas de lidar com
situações que geram insegurança. Além disso, Tajfel (1978) afirma que o gru-
po social realiza sua função de proteger a identidade social de seus membros
mantendo uma distinção positiva e valorizada do grupo de inclusão quando
comparado a outros. Se o grupo não oferece condições adequadas para pre-
servar a identidade social, o indivíduo, psicológica ou objetivamente, o deixa-
rá. Assim, a inclusão em um grupo oferece segurança ao indivíduo, e, prova-
velmente, afeta seu autoconceito. A identificação também se relaciona às ne-
cessidades de vincular-se a uma pessoa ou grupo (afiliação). Assim, a identifi-
cação parece estar relacionada às necessidades sociais do indivíduo. O autor
também afirma que os indivíduos são motivados a perceber os grupos dos
quais participa como sendo mais positivos do que os grupos externos, promo-
vendo autovalorização através do status e do prestígio. Por fim, as necessida-
des holísticas referem-se à busca de um significado para a vida.
Se na perspectiva do indivíduo há ganhos decorrentes do processo de
identificação, do ponto de vista organizacional Cheney (1983 apud Dutton,
Dukerich e Harquail, 1994) destaca que a identificação organizacional tem
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sido ligada também, teórica ou empiricamente, a uma variedade de atitudes


no trabalho, no comportamento e nos resultados – incluindo motivação, satis-
fação no trabalho, desempenho, orientação de papel e conflito, interação en-
tre empregados e realização do serviço. O estudo da identificação organizacional
pode contribuir na explicação de políticas e atividades organizacionais, inclu-
indo socialização, seleção de pessoal, treinamento, promoção e transferência
e auxiliando também na compreensão das bases do “poder de referência” no
contexto organizacional.
A partir dessas considerações, compreender o processo de identificação
poderá contribuir tanto para o indivíduo quanto para a organização. A propos-
ta articulada por Pratt (1998) relativa aos modos de identificação é que será
descrita a seguir e se constituirá na fundamentação da medida apresentada na
segunda parte deste capítulo.
Dois modos da identificação são propostos por Pratt (1998):

1. identificação por afinidade (reconhecimento) – O indivíduo identi-


fica-se com uma organização que ele acredita ter valores e crenças
similares aos seus. “Usamos organizações que nós vemos como si-
milares a nós mesmos para nos referirmos a nós mesmos” (Pratt,
1998, p. 174). É um processo onde “igual procura igual”. Identifica-
ção, nesse sentido, não envolve mudança da identidade, mas é um
meio de compreender o relacionamento do indivíduo com a organi-
zação, pois há uma espécie de parentesco entre ambos. O autor
propõe que o indivíduo não precisa tornar-se um membro da orga-
nização para identificar-se com ela. A idéia contida aqui é o concei-
to ampliado de membro organizacional, onde os limites entre o pú-
blico interno e externo são mais difusos. Essa posição de Pratt (1998)
já era defendida por Mael e Ashforth (1995), que consideraram a
possibilidade da identificação mesmo na ausência de interação do
indivíduo com um grupo. Por outro lado, há de se considerar a dis-
tinção entre níveis de estudo da identidade proposta por Machado
(2003) que argumenta a favor da construção da identidade social
como um processo permanente na vida do indivíduo ao interagir
com grupos sociais com finalidades diversas. Tal suposição conduz
ao conceito expandido de membro organizacional em que o indiví-
duo, de alguma forma, tem acesso a informações da organização,
sem estar em contato freqüente com ela.
2. identificação por imitação (o ato de tornar-se idêntico) – Aqui, o
indivíduo incorpora crenças e valores da organização, de forma gra-
dual ou rapidamente, em sua identidade. Esse processo pressupõe
uma consciência do indivíduo. A última modalidade da identifica-
ção encontra um paralelo na Teoria da Identidade Social, que esta-
belece um processo no qual o indivíduo muda a visão do “eu” por
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meio da incorporação das crenças que ele possui a respeito do gru-
po social, nesse caso, sua organização de trabalho.
Este levantamento da literatura aponta como núcleo básico das de-
finições da identidade organizacional a idéia de que a identificação
ocorre quando as crenças do indivíduo acerca da sua organização
tornam-se auto-referenciais ou autodefinidoras. Outro aspecto com-
partilhado pelos autores diz respeito à natureza cognitiva do construto
(Abrams, Ando e Hinkle, 1998; Dutton, Dukerich e Harquail, 1994;
Elsbach e Kramer, 1996; Mael e Tetrick, 1992; Pratt, 1998).

Todavia, é necessário apresentar a distinção entre internalização e iden-


tificação. A Teoria da Identidade Social ao postular que o autoconceito é com-
posto, em parte, por uma identidade social, levanta a questão da internalização,
uma vez que a incorporação das identidades sociais implica algum grau de
internalização para que ocorra uma mudança no autoconceito.
Uma tentativa de distinguir esses conceitos foi realizada por Ashforth e
Mael (1989) quando definiram identificação como uma percepção da unicidade
do indivíduo com a organização, o que significa a adoção de valores organiza-
cionais. Posteriormente, Mael e Ashforth (1995) apresentaram outra posição,
na qual a “internalização dos valores percebidos de um grupo (Eu acredito)
pode também induzir o indivíduo a se identificar com o grupo (Eu sou), e
identificação e internalização podem estar reciprocamente relacionadas” (p.
311). Eles acrescentaram que a imersão na identidade percebida do grupo
pode levar à autodefinição, em termos daquele grupo, e à adoção de seus
valores e suas atitudes.
Frente a essa questão, Pratt (1998) procurou realizar a distinção conceitual
utilizando três aspectos: grau, permanência e motivação.
A identificação é motivada pela atração e envolve a adoção de alguns
valores e crenças de outros, mas é motivada pela necessidade de estar certo. A
internalização envolve um grau maior de profundidade que a identificação, e
mudanças mais fundamentais e duradouras dentro do indivíduo. Em suma,
identificação e internalização diferem em magnitude (forte versus mais forte),
permanência (menos versus mais permanente) e drive motivacional (atração
versus estar certo).
A contribuição oferecida por Pratt (1998) pode ser comparada com a
teoria da identificação de Patchen (1970 apud Johnson, Johnson e Heimberg,
1999) que contém três aspectos:

a) similaridade – refere-se à percepção de reciprocidade compartilhada em


relação às metas e aos interesses de outros membros da organização;
b) inclusão no grupo – grau em que o autoconceito de um indivíduo está
ligado à organização;
c) lealdade – apoio do empregado e defesa de sua organização de trabalho.
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Esta teoria deu origem a um instrumento de medida que em seu último


estudo de validação confirmou a existência de dois fatores: imagem/identida-
de, cujo conteúdo abrange os aspectos de lealdade e similaridade, e – similari-
dade especializada, missão e proposta organizacionais (Johnson, Johnson e
Heimberg, 1999).
Na identificação por imitação, o indivíduo percebe os valores, as metas, os
interesses de outros colaboradores e as características da própria organização
internalizando-os em sua identidade (similaridade e lealdade). A inclusão na or-
ganização, por sua vez, já pode ser considerada um indicador de que o autoconceito
do indivíduo de alguma forma possui afinidade com determinada organização.
Conhecer os modos de identificação do indivíduo com sua organização
de trabalho sem o auxílio de um instrumento confiável é uma tarefa difícil,
acarretando o risco de se obter informações duvidosas. Diante disso, propõe-
se a construção e a validação de uma escala que pudesse indicar os modos de
identificação dos empregados com suas organizações, considerando que não
havia um instrumento que se prestasse a essa finalidade na literatura consul-
tada, tanto internacional quanto nacional. Trata-se, portanto, de uma ferra-
menta inédita que poderá ser utilizada por pesquisadores e profissionais da
área de gestão de pessoas.
As próximas seções deste capítulo apresentarão o método aplicado à cons-
trução e validação da Escala de Identificação Organizacional (EIO), os resulta-
dos que revelaram seus indicadores psicométricos, bem como as orientações
para o cômputo e a interpretação dos seus escores fatoriais médios.

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