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MEDIDAS DO

C O M P O RTA M E N T O
ORGANIZACIONAL
FERRAMENTAS DE DIAGNÓSTICO E DE GESTÃO

MIRLENE MARIA MATIAS SIQUEIRA


E C O LAB O RAD O RES
M489 Medidas do comportamento organizacional [recurso
eletrônico] : ferramentas de diagnóstico e de gestão /
Mirlene Maria Matias Siqueira (Org.) ; Álvaro Tamayo
... [et al.]. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed,
2008.

Editado também como livro impresso em 2008.


ISBN 978-85-363-1494-5

1. Psicologia - Trabalho. I. Siqueira, Mirlene Maria


Matias. II. Tamoyo, Álvaro.

CDU 159.9:331

Catalogação na Publicação Mônica Ballejo Canto – CRB 10/1023.


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Valores organizacionais
Álvaro Tamayo

O estudo dos valores organizacionais é de grande relevância, tanto na


área da pesquisa quanto na área do diagnóstico e da gestão organizacionais.
Segundo Deal e Kennedy (1988), os valores definem uma direção comum para
todos os trabalhadores de uma empresa e influenciam fortemente o comporta-
mento organizacional. Os valores constituem o componente fundamental da
identidade de uma instituição. Na opinião de Katz e Kahn (1978), as normas,
os papéis e os valores constam entre os principais componentes de uma orga-
nização. Enquanto as normas expressam expectativas coletivas e os papéis pres-
crevem e definem formas de comportamento, os valores atuam como elemen-
tos integradores, já que eles são compartilhados pelo grupo. Apesar da impor-
tância dos valores no âmbito organizacional, na literatura internacional en-
contram-se poucos instrumentos específicos para a sua avaliação. No Brasil, a
situação é diferente. Já foram elaborados e validados três instrumentos para a
mensuração dos valores organizacionais. O objetivo deste capítulo é de apre-
sentar esses instrumentos.
Este capítulo está estruturado em duas partes:

1. introdução teórica sobre os valores organizacionais e


2. os instrumentos brasileiros de avaliação dos valores organizacionais.

Na segunda parte serão apresentados e discutidos a Escala de Valores


Organizacionais (Tamayo e Gondim, 1996), o Inventario de Valores Organiza-
cionais (Tamayo, Mendes e Paz, 2000) e o Inventario de Perfis de Valores
Organizacionais (Oliveira e Tamayo, 2004).
310 Mirlene Maria Matias Siqueira & cols.

INTRODUÇÃO TEÓRICA SOBRE OS VALORES ORGANIZACIONAIS

Origem
A organização escolhe os seus valores desde os alvores da sua existência,
desde o momento mesmo da sua fundação. Freqüentemente, os valores prece-
dem a existência mesma da organização. A razão é simples, já que, como afir-
ma Nietzsche, “os valores caracterizam a vontade de existir e de se afirmar de
uma coletividade”. Assim, por meio dos valores, a organização expressa as
suas metas e se afirma como diferente na sociedade e no mercado. Dessa for-
ma, para a organização os valores constituem um elemento fundamental e
necessário para dar identidade coletiva a um grupo de pessoas e colocá-las a
trabalhar em torno de ideais comuns, permitindo e favorecendo o máximo de
desenvolvimento do talento individual. Para a escolha dos seus valores e da
prioridade dada aos mesmos, a organização inspira-se nos valores da socieda-
de e nos valores dos seus membros, particularmente dos fundadores e daque-
les com maior poder de influência. Como afirma Claude (2003, p. 105): “Os
valores organizacionais enraízam-se naquilo que a empresa acredita, naquilo
que constitui a sua força, a sua diferenciação, a sua vontade de se afirmar
como uma coletividade e de perdurar enquanto tal. Se a empresa deve-se reter
uma única categoria, seria certamente esta”.
Os valores da organização só existem efetivamente na mente dos seus
membros. É importante que este aspecto fique claro. Cada um dos trabalhado-
res constitui um ponto fundamental para que os valores da organização sejam
efetivos. Se o trabalhador não subordina os seus valores pessoais aos valores
coletivos da empresa, estes ficarão no nível de uma declaração de intenções. A
aceitação e a ratificação por parte dos trabalhadores são essenciais para a
existência efetiva dos valores organizacionais, isto é, enquanto princípios que
dinamizam e influenciam a vida organizacional. A aceitação e a ratificação
dos valores da organização por parte do empregado, bem como a subordina-
ção dos seus valores aos organizacionais não implicam o sacrifício dos seus
valores pessoais, mas o mero reconhecimento da prioridade dos interesses
coletivos sobre os individuais.

Conceito
O que são os valores organizacionais? Quais são as suas dimensões fun-
damentais? As seguintes características descrevem os elementos mais relevan-
tes deste conceito.
Medidas do comportamento organizacional 311
1. Os valores são formas de conhecer a realidade organizacional.
Este conhecimento pode ter sido adquirido coletivamente ou ter
sido transmitido aos outros por algum dos membros da organiza-
ção (fundador, gestores, colaboradores). Por exemplo, se em uma
organização, no decorrer do tempo, a produtividade individual se
revela como um elemento mais positivo para a produção organizacio-
nal global e para a satisfação dos empregados do que a pontualida-
de, muito provavelmente esta organização considerará a produtivi-
dade individual como um fator importante no trabalho, transfor-
mando-a em um valor prioritário. Assim, os valores expressam o
aprendizado organizacional cumulativo, a experiência adquirida.
Esta dimensão cognitiva dos valores revela a filosofia fundamental
da organização sobre o que é bom e desejável para a mesma.
2. Os valores organizacionais funcionam como necessidades que de-
terminam o comportamento orientado a um fim. A importância
que uma organização atribui a certos valores pode influenciar a quan-
tidade de esforço que os seus membros investem na emissão de de-
terminados comportamentos, bem como a sua persistência na exe-
cução dos mesmos. Assim, se uma determinada organização valori-
za a criatividade, esta prioridade axiológica determinará a decisão e
os esforços dos trabalhadores para apresentar comportamentos de
inovação e criatividade, bem como a sua persistência através do
tempo na emissão destes comportamentos. Os valores expressam
metas e interesses da organização enquanto coletividade de interes-
ses e motivações dos seus membros.
3. Os valores organizacionais são elementos estruturantes da em-
presa, constituindo padrões coletivos que orientam o trabalho e o
cotidiano na organização e aos quais devem-se subordinar os va-
lores pessoais dos membros organizacionais. Esta subordinação,
porém, não significa negação dos valores dos empregados, mas
orientação do comportamento organizacional a partir dos valores
organizacionais. Para garantir a convivência produtiva e maximizar
o potencial, a eficiência e o funcionamento sadio dos seus recur-
sos humanos, a organização precisa criar, por meio dos seus valo-
res, um ambiente que atenda às aspirações fundamentais do ser
humano de se realizar e de ser feliz. Os valores organizacionais,
enquanto padrões coletivos, constituem um compromisso entre os
interesses da empresa como coletividade e as expectativas e moti-
vações dos empregados. Dessa forma, eles não expressam exclusi-
vamente interesses e motivações do fundador ou dos dirigentes e
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gestores, mas incluem também motivações e expectativas dos mem-


bros da empresa.
4. Os valores organizacionais somente assumem o seu status de valo-
res se eles são compartilhados. Tratando-se de valores de uma co-
letividade é lógico que eles sejam comuns aos membros desta cole-
tividade. Toda empresa, todo grupo social, produz valores coleti-
vos. Estes servem de ponto de referência para todos os membros
que fazem parte da organização. Para orientar a vida da organiza-
ção, os valores têm que ser endossados pelos membros da organiza-
ção. O nível ou grau em que os valores são compartilhados pelos
membros da organização não pode ser definido a priori. Ele somen-
te pode ser identificado de forma empírica e varia de uma organiza-
ção para outra e, inclusive, de um setor organizacional para outro.
A identificação do grau em que os valores são compartilhados pelos
membros da empresa pode ser realizada confortavelmente por meio
dos instrumentos de medida apresentados na segunda parte deste
capítulo.

Estratégias de identificação
Como identificar os valores de uma organização? Três estratégias encon-
tram-se descritas na literatura. A primeira consiste em identificar os valores da
organização a partir dos valores individuais dos seus membros (Sego, Hui e
Law, 1997). Esta abordagem é uma aplicação direta da forma de estudar os
valores de uma sociedade. Assim, por exemplo, a identificação dos valores da
sociedade brasileira pode ser realizada a partir dos valores de uma amostra
representativa de brasileiros. Da mesma forma, os valores de uma organiza-
ção poderiam ser identificados levantando os valores pessoais dos membros
desta organização ou de uma amostra significativa dos mesmos. Obviamente,
a análise não seria realizada ao nível individual, mas ao nível grupal. Esta
abordagem, contudo, não representa adequadamente certos valores específi-
cos da organização. Nesta categoria encontram-se, por exemplo, valores rela-
cionados com lucro e produtividade que são fundamentais para a organização
e que podem ser subestimados ao nível dos valores pessoais dos membros da
organização. Além disso, como freqüentemente existem incongruências entre
os valores pessoais dos empregados e os valores organizacionais, o resultado
obtido por meio desta abordagem pode não expressar de forma adequada os
valores da organização.
Uma segunda estratégia avalia os valores a partir de documentos oficiais
da empresa (relatórios anuais, estatutos, discursos, revistas internas...). Por
meio de análise de conteúdo, identificam-se nos textos selecionados os valores
Medidas do comportamento organizacional 313
organizacionais mais relevantes no discurso oficial. Recentemente, Kabanoff e
Daly (2000), utilizando esta abordagem, desenvolveram uma tipologia de va-
lores organizacionais composta por duas dimensões: a estrutura e o processo
da organização. Estas duas dimensões dão origem a quatro tipos: elite, lide-
rança, meritocrática e participativa. A quase totalidade dos estudos publica-
dos sobre os valores organizacionais é proveniente da análise de documentos
da organização. Esta abordagem é adequada particularmente para identificar
os valores proclamados pela organização. Freqüentemente, porém, existe in-
congruência entre os valores apresentados em documentos oficiais ou repre-
sentativos da empresa e os que são realmente praticados na organização. Os
valores enfatizados em textos oficiais da empresa podem não ser compartilha-
dos pelos membros da organização.
A terceira abordagem, desenvolvida particularmente no Brasil (Oliveira
e Tamayo, 2004; Tamayo, 1996; Tamayo e Gondim, 1996; Tamayo, Mendes e
Paz, 2000), consiste em utilizar a percepção dos trabalhadores para avaliar os
valores da organização. No discurso cotidiano dos empregados podem ser
observadas, freqüentemente, análises diretas dos valores da sua organização
ou alusões indiretas aos mesmos. Os empregados têm uma visão relativamen-
te clara dos valores que predominam na sua organização. Esta abordagem
estuda os valores organizacionais e a sua hierarquia de acordo com a repre-
sentação mental que os empregados têm do sistema axiológico da empresa.
Os valores compartilhados pelos membros da organização estão imbricados
nas práticas organizacionais e influenciam inevitavelmente o comportamento
de gestores e empregados. Para estudar os valores percebidos pelos emprega-
dos utilizam-se questionários previamente elaborados a partir de várias fon-
tes: análise de documentos de empresas, entrevistas com empregados de vári-
as organizações e modelos teóricos existentes na literatura ou elaborados pelo
próprio pesquisador (Oliveira e Tamayo, 2004; Tamayo, Mendes e Paz, 2000;
Tamayo e Gondim, 1996). Os valores da empresa e o seu conteúdo não são
definidos a priori, mas a partir da realidade da empresa e do que já existe na
literatura. Esta abordagem adota, portanto, uma perspectiva de integração
das informações provenientes da empresa e da literatura científica. Além dis-
so, os valores apresentados no questionário são avaliados pelos trabalhadores
por meio de uma escala de intensidade, de forma a expressar mais diretamen-
te a prioridade percebida para cada um dos valores analisados. Este método
permite identificar a importância acordada a cada um dos valores e determi-
nar o grau ou a intensidade de compartilhamento dos valores entre os mem-
bros da organização. Os questionários geralmente utilizados nesta abordagem
são constituídos por valores apresentando uma estrutura previamente ve-
rificada. Isto significa que os valores não são considerados isoladamente, mas
em conjuntos ou fatores. Cada um dos fatores avalia uma única dimensão
axiológica.
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Modelos teóricos
Um modelo é uma representação simplificada da realidade. Ele não se
limita a descrever, ele explicita relações estruturais entre os elementos do fe-
nômeno estudado. Assim, para estudar os valores organizacionais e, particu-
larmente, para elaborar instrumentos para a sua avaliação, a realidade axio-
lógica da organização geralmente é representada por meio de um modelo. A
adequação do modelo para representar o fenômeno estudado deve ser verificada
por meio de estratégias e procedimentos metodológicos apropriados. Os va-
lores organizacionais, como qualquer outra realidade, podem ser abordados
a partir de diversos modelos. Estes constituem diversas aproximações da
mesma realidade. A multiplicidade de modelos não é exclusiva ao estudo dos
valores organizacionais. Ela é comum em todas as ciências. Por exemplo, a
física estuda a luz a partir de vários modelos. O modelo corpuscular conside-
ra que a luz está composta por partículas diminutas, explicando assim por-
que os raios de luz passam através de uma porta entreaberta. Já o modelo
ondulatório considera que a luz é uma vibração, uma onda que se propaga
em linha reta. Qual dos dois modelos é verdadeiro? Para responder esta ques-
tão, Einstein propôs um novo modelo que postula que a luz é composta si-
multaneamente de partículas e de ondas... Devido à complexidade da reali-
dade esta pode ser explicada por modelos, cada um deles constituindo uma
aproximação do fenômeno a ser explicado. Um modelo nunca esgota a com-
plexidade do fenômeno estudado.
Na literatura internacional não se encontra praticamente nenhum mode-
lo para estudar e avaliar os valores organizacionais. A maioria das avaliações
dos valores organizacionais tem sido realizada a partir da análise de documen-
tos oficiais da empresa (relatórios anuais, estatutos, discursos, revistas inter-
nas...) sem hipóteses prévias, isto é, sem um modelo da forma como esses
valores estão estruturados. Às vezes, o pesquisador elabora um modelo a
posteriori para tentar integrar nele os resultados observados.
Dois modelos têm sido elaborados a priori para representar a estrutura
dos valores organizacionais: o modelo cultural e o modelo das motivações
pessoais. O modelo cultural dos valores organizacionais baseia-se no fato de
que toda organização é e possui uma cultura. Da mesma forma que as socieda-
des em geral, as organizações encontram exigências universais que têm que
ser satisfeitas para garantir a sua sobrevivência. Assim, elas enfrentam três
problemas fundamentais:

1. conciliar os interesses do indivíduo e do grupo. A relação entre o


indivíduo e o grupo é facilmente conflituosa, já que é difícil conci-
liar as metas e os interesses individuais e coletivos;
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2. para poder subsistir, a organização tem que elaborar uma estrutura,
definir papéis, normas, subsistemas organizacionais, relações entre
eles, estratégias de trabalho, etc.;
3. a relação da organização com o meio ambiente natural e social, já
que toda organização existe em um ponto determinado do planeta
e está inserida em uma sociedade concreta.

Para poder subsistir, tem que interagir continuamente com o ambiente


físico (por exemplo, extração de matéria prima), com a sociedade e com ou-
tras organizações. O modelo cultural dos valores organizacionais postula que
estes estão organizados em três dimensões bipolares que representam as alter-
nativas de resposta da organização aos dilemas mencionados: autonomia versus
conservadorismo, hierarquia versus igualitarismo e harmonia versus domínio.
O modelo das motivações pessoais postula que existe isomorfismo
motivacional entre os valores pessoais e organizacionais. Trata-se de dois con-
juntos diferentes de valores que expressam e representam motivações seme-
lhantes do indivíduo e do grupo, do trabalhador e da organização. Os valores
são representações cognitivas, socialmente compartilhadas, de necessidades
individuais, no caso dos valores pessoais, e de exigências e objetivos grupais,
no caso dos valores organizacionais. As características gerais dos valores são
comuns aos dois sistemas. O isomorfismo motivacional consiste na correspon-
dência biunívoca dos tipos motivacionais de valores do trabalhador e dos valo-
res organizacionais, isto é, na relação entre os tipos motivacionais de valores
do trabalhador com os conjuntos de valores da organização. Isto implica a
correspondência de metas entre o trabalhador e a organização. Por exemplo, o
trabalhador conta entre suas metas e motivações cotidianas a procura de su-
cesso, de prestígio, de respeito à tradição. A organização também procura
sucesso, prestígio e respeito da tradição. No exemplo aqui apresentado é fácil
ver a correspondência de metas do empregado e da coletividade organizacional.
Segundo Schwartz (2005), as motivações básicas do indivíduo são: autodeter-
minação, estimulação, hedonismo, realização, poder, segurança, conformida-
de, tradição, benevolência e universalismo. Cada uma destas motivações tem
metas específicas. O modelo das motivações pessoais postula que na organiza-
ção existem metas axiológicas que correspondem a cada uma destas motiva-
ções básicas, isto é, que os valores organizacionais arranjam-se em torno do
conjunto das motivações pessoais, mas com metas coletivas em vez de indivi-
duais. De acordo com a teoria dos valores é possível que na correspondência
biunívoca um fator organizacional seja constituído pela fusão de dois ou mais
tipos motivacionais adjacentes (Schwartz, 2005). Por exemplo, benevolência
e universalismo podem ser representados por um único fator, expressando a
preocupação com a coletividade.
Encerra aqui o trecho do livro
disponibilizado para esta Unidade de
Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da
Instituição, você encontra a obra na íntegra.

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