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Os Lusíadas: características da obra


Luís de Camões, um poeta fora do seu tempo, com um conhecimento profundo das culturas grega
e romana, é considerado o maior poeta português de todos os tempos. Através da sua obra épica
Os Lusíadas (1572) mostra toda a sua dedicação e amor à pátria lusa. N'Os Lusíadas culmina
toda uma cultura e civilização.

► Os Lusíadas: um poema épico


Os Lusíadas narram a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama e
apresentam uma síntese da História de Portugal. É uma epopeia clássica, fiel às regras e
convenções impostas pelo género, tem como fontes a Eneida (Virgílio) e a Poética (Marco
Girolamo Vida).

O sonho de qualquer poeta do século XVI era a criação de uma epopeia, à imitação de Homero e
Virgílio. Os Descobrimentos eram um assunto de interesse nacional e universal. Era necessário
imortalizá-los. Antes de Camões, outros eruditos chegaram a projetar epopeias como forma de
imortalizar os Descobrimentos. António Ferreira encorajou a escrita de versos sobre os feitos
portugueses. Estava criada a temática, só faltava um poeta de génio. Esse foi Camões.

Para o tratamento literário da sua obra, Camões inventou uma fábula mitológica onde os deuses,
como se fossem humanos, entram em conflito por causa da viagem de Vasco da Gama. Gera-se
uma verdadeira intriga, no fim da qual os homens são mitificados. Ao mesmo tempo, são
evocadas as glórias da nacionalidade, na narrativa do próprio Gama que apresenta a verdadeira
síntese da História de Portugal. O poeta introduz, de acordo com a tradição da Antiguidade
Clássica, a mitologia (pagã e cristã), as profecias (futuro), alternando o tom épico com o lírico, e
imprimindo à obra uma intencionalidade pedagógica. Durante muito tempo não se compreendeu a
função mitificadora da presença da mitologia pagã. Mas dela depende a coesão narrativa, a
diversidade, a vida e a criatividade presente na obra. O Poema apresenta um tom grandioso e
eloquente, que contrasta com a 'humildade do lirismo'.

► Características da obra:
— estilo culto, erudito;
— recurso a latinismos;
— perífrases mitológicas;
— alusões à História antiga;
— criatividade do poeta (faz rivalizar os heróis humanos com os deuses);
— herói coletivo — o povo português (representado pela sinédoque — 'O peito ilustre lusitano') —
visando o engrandecimento do Império e a expansão da Fé e da cultura europeia.
— vivências coletivas e dinamizadoras fundamentadas na História de Portugal;
— cunho pessoal (tema), com o objetivo de lhe conferir uma maior veracidade;

• tema histórico (narra ações realmente acontecidas, recorrendo a fontes diversas);


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• A experiência e a experimentação vividas pelo poeta são fundamentais nas descrições:


. da natureza;
. de fenómenos como a tromba-marinha;
. do fogo de santelmo;
. da tempestade;
. da informação geográfica e civilizacional;
. da referência a povos e costumes;
. da flora e fauna exóticas.

Camões procura ser objetivo e verídico mas faz a sua interpretação da História de Portugal
permitindo olhar a obra de dois lados:
• Apresenta um texto elogioso dos feitos heroicos dos portugueses (Proposição - vai de encontro à
ideologia oficial);
• Demonstra uma posição crítica face à política oficial da expansão que tem demasiados perigos e
riscos para os portugueses:

São exemplos desta posição crítica:


— O episódio do 'Velho do Restelo' que personifica a oposição do 'homem da rua' a este
empreendimento;
— Os perigos futuros através das profecias do Adamastor no Canto V (representam a face negra
da história que concretizámos).

São estes acontecimentos narrados com grandes preocupações de veracidade, associados a uma
grande beleza literária, que fazem de Os Lusíadas uma obra universal.

Estrutura de Os Lusíadas
Os Lusíadas cantam a voz da alma do povo português. Camões propôs-se cantar os feitos
heroicos dos Portuguesas, atribuindo-lhes uma categoria universal. Através da epopeia
enobreceu a língua portuguesa.

► Planos temáticos da obra


Em Os Lusíadas há quatro planos que se vão entrelaçando ao longo da obra.

• Plano da Viagem
• Cantos I, II, IV, V, VI, VII e VIII

• Plano central com a narração dos acontecimentos ocorridos durante a viagem entre Lisboa e
Calecute (partida, peripécias da viagem, paragem em Melinde, chegada à Índia, regresso e
chegada a Lisboa).
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• Plano da História de Portugal


• Cantos III, IV, VIII

• Plano encaixado que aparece com o relato dos factos marcantes da História de Portugal (em
Melinde, Vasco da Gama narra ao rei os acontecimentos da nossa História, desde Viriato até ao
reinado de D. Manuel I; em Calecute, Paulo da Gama apresenta ao Catual episódios e
personagens representados nas bandeiras; em prolepse, através de profecias, é narrada a
História posterior à Viagem do Gama).

• Plano da Mitologia
• Cantos I, II, VI, IX, X

• Plano paralelo que permite e favorece a evolução da ação (os deuses assumem-se, uns como
adjuvantes, outros como oponentes dos Portugueses).
A mitologia constitui, por isso, a intriga da obra. São os deuses que apoiam ou criam dificuldades
à ação dos portugueses: Consílio dos Deuses no Olimpo; Consílio dos Deuses Marinhos; A Ilha
dos Amores.

• Plano do Poeta
• Canto III e no fim dos Cantos I, V, VI, VII, VIII, IX, X

• Plano ocasional com as considerações e as opiniões do autor expressas, nomeadamente, no


início e no fim dos Cantos.

► Elementos da epopeia
O género épico remonta à antiguidade clássica grega e latina (Homero e Virgílio). A epopeia é um
género narrativo em verso, em estilo elevado que pretende celebrar feitos grandiosos de heróis
fora do comum reais ou lendários.

• Elementos da epopeia
• Ação: assunto no seu desenvolvimento
• Personagem/herói: o agente principal/actante-sujeito
• Maravilhoso: intervenção de seres superiores
• Forma: forma natural de literatura, estrutura versificatória

Elementos da epopeia em 'Os Lusíadas'


• Ação: Viagem marítima de Vasco da Gama à Índia.
• Personagem/herói: O Povo Português, representado simbolicamente na figura do comandante
das naus, Vasco da Gama.
• Maravilhoso:
Maravilhoso cristão: intervenção do Deus dos Cristãos.
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Maravilhoso pagão: intervenção das divindades da mitologia.


Maravilhoso céltico ou mágico: intervenção da feitiçaria, da magia, de crenças populares.
• Forma: Narrativa
• Versos: -decassílabos geralmente heroicos, com o acento rítmico na 6.ª e 10.ª sílaba.
• Estâncias: oitavas: estrofes de oitos versos com estrutura rimática abababcc - rima cruzada nos
6 primeiros versos e emparelhadas nos 2 últimos.

► Estrutura Interna d'Os Lusíadas


Na sua estrutura interna Os Lusíadas seguem a organização da epopeia clássica. De acordo com
as regras do género, a epopeia clássica estrutura-se em três partes obrigatórias: Proposição,
Invocação e Narração. Pode incluir uma parte facultativa, a Dedicatória (oferecimento da obra). Na
Narração, é possível encontrar o Epílogo (fechamento da epopeia) com a consagração dos heróis.

• Proposição
• Canto I, estâncias 1 a 3:
— O Poeta indica aquilo que se propõe cantar.

• Invocação
• Canto I, ests. 4 e 5:
1.ª — Súplica às Tágides (ninfas do Tejo) para que o ajudem na organização do poema e lhe
deem inspiração para cantar os feitos heroicos lusitanos;
• Canto III, ests. 1 e 2:
2.ª — Súplica a Calíope, porque estão em causa os mais importantes feitos lusíadas;
• Canto VII, ests. 78 a 87:
3.ª — súplica às ninfas do Tejo e do Mondego, queixando-se dos seus infortúnios;
• Canto X, ests. 8 e 9:
4.ª — Novo pedido a Calíope para que o inspire para terminar a obra.
• Dedicatória
• Canto I, ests. 6 a 18:
— O oferecimento do poema a D. Sebastião

• Narração
• Canto I, estâncias 19 e seguintes:
— A narração é iniciada in medias res (quando a frota se encontra no Canal de Moçambique), tem
momentos retrospetivos (da história de Portugal e da viagem), momentos prospetivos
(sonhos, presságios, profecias) e Epílogo (regresso dos nautas incluindo o episódio da
Ilha dos Amores).
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Mitificação do herói em Os Lusíadas


O Homem, pela ousadia, sacrifício e estudo, conseguiu conquistar o mar, venceu forças
desconhecidas (personificadas pelos Deuses) e conseguiu superar-se a si próprio. Foram tão
grandiosos os atos realizados pelos navegadores que se tornaram amados pelos deuses
(divinização dos heróis).

► Mitificação do Herói
Os Lusíadas são um texto renascentista. Na obra traduz-se o espírito otimista do Renascimento e
a inspiração humanista. Aposta-se nas capacidades humanas. Os portugueses são celebrados
como nação e coletividade e a História de Portugal é cantada como uma epopeia.

Os episódios e as personagens foram selecionados para se salientar o lado heroico e exemplar da


nossa História. O poema ultrapassa o lado mais nacionalista e atinge a universalidade, louvando a
capacidade realizadora e descobridora do homem em geral.

Os Descobrimentos mostram a capacidade de superação dos heróis que desvendam o


desconhecido, ultrapassam as forças adversas e os limites da força humana. Camões exalta os
navegadores portugueses (um herói coletivo representante de todo um povo) que ajudaram a
construir e alargar o Império e torna-os verdadeiros símbolos da capacidade de passar além da
'força humana', por isso merecem um lugar entre os seres imortais (deuses). Todos os heróis
lusíadas merecem a mitificação.
Camões destrona certas figuras mitológicas, eleva os homens à condição divina, recompensa-os
com estímulos eróticos, afetivos (episódio da Ilha dos Amores) e intelectuais, permitindo-lhes a
contemplação da 'Máquina do Mundo' e o conhecimento do futuro.

► A Mitificação do herói na obra revela-se:

• no Povo Português (heroismo lusíada) — espírito de aventura e capacidade de vivência


cosmopolita;

• na Viagem à India — exploração dos mares, passagem do desconhecido para o conhecido. A


viagem de Vasco da Gama é a conquista da Verdade ('máquina do mundo');

• no Maravilhoso pagão — transfiguração mítica do povo português (marca a supremacia dos


portugueses, os heróis são imortalizados, tornam-se deuses);

• nos episódios do passado e profecias do futuro — ousadia da aventura marítima e os símbolos


da capacidade de ultrapassar a força humana;

• na Ilha dos Amores (Olimpo simbólico) — exaltação dos navegadores como heróis, capazes de
ascender à divinização. A recompensa pela heroicidade e pelas conquistas. Satisfação dos
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sentidos, a posse do conhecimento e a harmonia do universo (essência da vida: o amor e o


conhecimento).

Em suma, Os Lusíadas celebram a capacidade de alargar e aprofundar o conhecimento, a


realização do homem através do amor, a capacidade de construção da vida relativamente ao
destino, de se libertar do seu próprio destino. Há na obra uma constante comparação do herói
coletivo com os modelos antigos e a divinização dos heróis.

Reflexões do Poeta: críticas e conselhos aos Portugueses n'Os Lusíadas

Em Os Lusíadas, Camões procurou demonstrar a sua base ideológica, deixando de certa forma
um apelo aos vindouros. A forte crença na capacidade de o ser humano se tornar cada vez mais
digno e perfeito estava ameaçada, razão pela qual o poeta sentiu necessidade de deixar
presentes as suas considerações, através nomeadamente de temas como os perigos que cercam
o homem, o Velho do Restelo, honra e glória, o poder do ouro e a aspiração à imortalidade.

► Os perigos que cercam o homem


Grandes dificuldades que o homem enfrenta:
• Ser / Parecer
• no mar e na terra

Terrível insegurança e fragilidade

Exaltação à valentia dos portugueses que mesmo pequenos podem mais que os deuses

► Velho do Restelo
Lançamento de uma maldição a quem pretende desafiar os limites:
• maldição a quem inventou a navegação
• maldição a quem teve ambição (ex.:Prometeu)

Comparação dos portugueses com outros que foram ambiciosos e por isso castigados

Camões, pela voz do Velho do Restelo, lança um alerta: aqueles que são levados pela fama e
pela cobiça ambicionam a honra que nunca poderão ter, essa cabe aos verdadeiramente
autênticos.

► Honra e Glória
Condenação daqueles que se encostam à fama já alcançada:
• enumeração dos obstáculos que impedem o homem de atingir a fama e a glória
• enumeração das condições para alcançar a fama e a glória
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Realce do valor da honra e da glória alcançadas por mérito próprio


Apelo aos portugueses para procurarem ser heróis pelos seus próprios esforços.

► O poder do ouro
Os problemas trazidos pela ambição do ouro:
• traição
• corrupção

Condenação da riqueza fácil (“metal luzente e louro”)


Queixa do poeta de que, tanto os ricos como os pobres, se veem afetados pela ideia de riqueza
fácil.

► Aspiração à imortalidade
Indicação de caminhos para alcançar "o verdadeiro valor":
• renúncia ao poder do dinheiro
• aplicação da justiça na paz
• combate na guerra
• desafio dos próprios limites

Recompensa moral (“Ilha dos Amores”)


Caminho apontado para se ser um herói de verdadeiro valor e assim atingir a imortalidade.

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