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O HERÓI

Baltasar Gracián
Fontes utilizadas: Im Feel DW Pica SC(Capa e Títulos); Im Feel Flowers

(Divisórias) Castellar (Títulos); Georgia (Subtítulos); EB Garamond (Corpo);

Amiri(Esta Página).

Imagem da capa: Jack and His Golden Snuff-Box, por Batten, John Dickson

Château Ultime, por Horton, William Thomas

Gracián y Morales, Baltasar (1601 – 1658)

Obra em domínio público

Título Original: “El Heroe”

Traduzido por H. S. Arsant a partir da edição de 1659;

gratuitamente disponível em:

<http://books.google.com/books?id=FgmTSHFEvrgC&hl=&source=gbs_api>

Tradução Gratuitamente Distribuída por < https://persignumcrucis.wordpress.com >

Desde que igualmente gratuita, toda cópia – Integral ou parcial — deste documento é

permitida e incentivada, aquele que assim fizer será recebido como bom amigo.

MMXXII
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Sumário
x

Sumário.................................................................................................................................................................. 5

Uma Singela Introdução....................................................................................................................................... 8

Ao Leitor............................................................................................................................................................. 11

PRIMOR I..............................................................................................................................................................
Que o Herói Pratique a Incompreensibilidade nas suas Profundezas.......................13

PRIMOR II.............................................................................................................................................................
A Cifração da Vontade................................................................................................ 16

PRIMOR III...........................................................................................................................................................
A Maior Dádiva do Herói........................................................................................... 19

PRIMOR IV...........................................................................................................................................................
Coração de Rei............................................................................................................ 23

PRIMOR V.............................................................................................................................................................
Gosto Relevante.......................................................................................................... 27

PRIMOR VI...........................................................................................................................................................
Eminência no Melhor................................................................................................. 31
PRIMOR VII..........................................................................................................................................................
A Excelência do Primeiro............................................................................................ 35

PRIMOR VIII........................................................................................................................................................
Que o Herói Prefira os Empenhos Aplausíveis..........................................................38

PRIMOR IX...........................................................................................................................................................
Sobre os Quilates do Rei............................................................................................. 41

PRIMOR X.............................................................................................................................................................
Que o Herói Quantifique sua Fortuna ao Empenhar-se............................................44

PRIMOR XI...........................................................................................................................................................
Que o Herói Saiba Descansar, Ganhando com Fortuna............................................48

PRIMOR XII..........................................................................................................................................................
Os Favores das Gentes................................................................................................. 52

PRIMOR XIII........................................................................................................................................................
Da Desenvoltura.......................................................................................................... 56

PRIMOR XIV........................................................................................................................................................
Acerca do Império Natural......................................................................................... 59

PRIMOR XV..........................................................................................................................................................
Acerca da Sublime Simpatia........................................................................................ 62

PRIMOR XVI........................................................................................................................................................
Renovação da Grandeza.............................................................................................. 65

PRIMOR XVII.......................................................................................................................................................
Toda Dádiva sem Afetação.......................................................................................... 69

PRIMOR XVIII.....................................................................................................................................................
Emulação das Ideias.................................................................................................... 71

PRIMOR XIX........................................................................................................................................................
Crítica Paradoxa.......................................................................................................... 74

O VLTIMO E COROANTE PRIMOR...............................................................................................................


Siga com a Melhor das Joias Coroantes e Fênix das Dádivas de um Herói................76
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Uma Singela
Introdução
Em aprendizado do castelhano resolvi traduzir a grandeza para que além da língua
aprendesse eu algo relevante. Pois então quem permitira repousar sob as mãos de um tradutor
tão vulgar o introduzir de tão primorosos escritos? Quiçá tenha sido a presunção misturada ao
orgulho de ter passado tanto tempo ao lado das palavras gracianicas, quiçá seja a necessidade
de explicar e preparar-lhe para sua preparação maior: uma introdução à introdução da vida
prudente, uma explicação do traduzido, um manual pouco paginado de como avançar no
engenho inteligente.

Começo dando-lhe as satisfações devidas sobre a natureza disto que lê. Digo que prezei
muito pela estilística única e as metáforas datadas neste trabalho, tentei afastar-me das
corrupções forçosas dos textos de Gracián, que tolheriam o leitor de uma experiência completa
sob o pressuposto de uma simplificação; acrescentei somente aquilo que julguei
indispensavelmente complementar, suplementar e hodiernizar o passado perdido quando
irrecuperável. Adaptá-lo indiscriminadamente aos contextos modernos é julgar como parvos
os leitores, incapazes de fazê-lo por si mesmos, uma infantilização. Creio que, se tu
verdadeiramente aspira o heroísmo, poderá realizar o esforço nada hercúleo de portar um
dicionário e uma breve enciclopédia histórica como companheiros na sua leitura, ou até
mesmo abrir uma aba a mais de seu navegador para elucidar-se no desconhecido quando
encarado. Acrescentei notas de rodapé naquilo que achei que traria grandes equívocos e penso
que isto basta para os bons entendedores dedicados.

E que se dediquem bem ao ler, aconselho para que não vejam este livro uma vaidade
pessoal, a qual se deve conceder seu tempo curto numa leitura única e infrutífera, tudo para
depós trancafiá-lo no oblívio de suas prateleiras para o deleite das traças, para que a mão de
Saturno rasgue-o em mil frações de pó. A função dele é ser espelho, deve usá-lo como tal.

Leve-o consigo para onde for necessário conselho de prudência, puxe-o quando notar
dúvidas no menor agir e reflita interiormente sobre como tornar mais lustrosos seus feitos.
Consideres em verdade fazer-se reflexo das máximas aqui delineadas a fim de pugnar seus
vícios particulares e exaltar o que mais te aproxima do Altíssimo, zênite da grandeza.

Dir-lhe-ei o que é verídico: uma vez que puder enxergar teu semblante em cada página de
sabedoria aqui escrita, todo penar valerá anóveas no cérulo rol da magnanimidade.

—H. Sales Arsant


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Ao Leitor

Quão singular é o que lhe desejo! Comprometo-me a formar um homem gigante com
um livro anão e com pequenas frases feitos imortais. Tirar o máximo de um homem; isto é
milagre em perfeição, não por reinado da natureza, mas por suas juras é o proveito.

Formá-lo-ão em prudente Sêneca, sagaz Esopo, Homero belicoso, Aristóteles filósofo,


politico Tácito e cortesão Conde.

Eu, copiando alguns primores de tão grandiosos professores, tenho a intenção de


rascunhar-lhe como herói universalmente prodígio. Para isto, forjei este pequenino manual de
cristais estrangeiros e erros meus. Talvez ira lhe lisonjear e avisar, talvez nele verá quem é ou o
que deveria ser.

Aqui terá uma – não politica nem ainda econômica –, senão uma razão de estado de ti
mesmo. Uma bússola guiante à excelência, uma arte de ser ínclito com poucas regras de
discrição.

Escrevo pouco para que muito tu entendas.

Corto por aqui meu parco pensar. Não quero mais obstá-lo para que caminhe adiante.

– Baltasar Gracián
O Herói
PRIMOR I
Que o herói pratique a incompreensibilidade nas suas profundezas

Seja esta a primeira destreza na arte dos entendidos, estimar o ambiente


com seus artifícios. Grande ardil é demonstrar conhecimento mas não o
compreender; preparar a expectativa mas nunca desenganá-la do todo;
promete muito mais e no melhor agir deixa sempre esperanças maiores.

Se deseja que te admirem, não permita que homem culto algum sonde-
lhe o fundo de suas correntezas. Formidável é um rio até que se encontre
seu vau, e venerado é um homem até que se encontre os limites de sua
capacidade; pois ignorada e presumida a profundidade sempre manteve,
com receio, o crédito.

Culta propriedade foi chamar assenhorar à descoberta, alternando logo


a vitória entre sujeitos; se aquele que domina compreende, aquele que se
recata nunca cede.

Compete a destreza do advertido afinar-se segundo a curiosidade do


atento em conhecê-lo, que raramente se dobra nos princípios de uma
tentativa.
Nunca um pródigo em vencer uma grande adversidade o fez no
primeiro lance1, empenhe-se com uma parte depois com outras, e nisso vá
sempre avançando.

As vantagens de ser infinito causam invejar para o resto da infinidade.


Esta é a primeira regra que a grandeza adverte: se não se é ser infinito, que
se pareça ser, pois esta não é sutileza comum.

Neste entender, ninguém aplaudirá escrupulosamente o árduo


paradoxo do sábio Pítaco de Mitilene. “Mais é a metade que o todo”,
porque melhor é metade à mostra e outra em empenho do que um só todo
declarado e definido.

Foi recompensado nisto, nesta como em todas as demais destrezas,


aquele primeiro grande rei do novo mundo, o último de Aragão, ninguém
senão o NON PLUS ULTRA de seus heroicos reis2 Este monarca católico
entretinha, sempre atento, seus conreinates com juras de seu ânimo, que a
cada novo dia brilhavam com as novas coroas que o cercavam.

Mas quem deslumbrou este epicentro dos raios da prudência que era o
grande restaurador da monarquia Goda, fora, quando mais, a sua heroica
consorte, seguida da corte do palácio. Desveladamente tentavam sondar
seu fundo e medir-lhe. Todavia ele estava advertido no ceder e permitir,
Fernando fazia-os com cautela, negava-se a eles para ao final ganhar-lhes.

1 Originalmente a obra faz referência a uma velha brincadeira nativa da região de Gracián (Diz-se “desterrar una barra”),
a metáfora for a desconstruída aqui para que se houvesse inteligibilidade, já que o jogo não transcende às nossas terras.
2 Aqui é referido Fernando II de Aragão
Ó varão ingênuo de fama! Tu que aspiras grandeza, atenta-se ao
conselho. Que todos lhe conheçam, mas que ninguém alcance tuas
profundezas. Com esta artimanha o moderado parecerá muito, o muito
será infinito e o infinito ainda mais.
PRIMOR II
A Cifração da Vontade

Terminaria por falha a Arte se o término de suas capacidades fosse ditar


o recato. Também deve-se encarregar-se no dissímulo dos ímpetos
afetuosos.

Está tão creditada esta parte da sutileza que sobre ela Tibério e Luiz
ergueram toda sua máquina politica.

Se todo excesso habita no segredo de suas profundezas, sacramentar


uma vontade será soberania. Os achaques da vontade são desmaios da
reputação. Caso declarem-se morrerás publicamente.

Seu primeiro esforço é destruir estes vicios; dissimulá-los é seu segundo.


Aquele é mais próprio do valoroso, este é do astuto.

Quem a eles se rende rebaixa-se de homem a bruto, quem os refreia ao


menos mantém aparência e crédito.

Argui eminência das profundezas penetrar toda vontade alheia, e


conclui superioridade fazer zelar sua própria.
Descobrir as paixões de um homem é o mesmo que encontrar uma
porteira aberta à fortaleza de suas profundezas, pois ali maquinam os
politicamente atentos e nas maiores vezes saem triunfantes. Sabendo os
afetos, conhecem-se as entradas e saídas de uma vontade com senhorio
sobre ela todas as horas.

Muitos foram sonhados deuses dentre os inumanos gentios, ainda que


não com a metade das façanhas de Alexandre, e negou-se o predicamento
ao laureado macedônio. Ó caterva de deidades! Aquele que ocupou muito
do mundo não entregaram pouco do céu, donde vem tanta escassez
quando há tanto prodígio?

Alexandre assombrou o ilustre de suas proezas com vulgaridade de seu


furor. Desmentiu seus próprios triunfos ao render-se a vilania dos afetos.
Serviu-lhe pouco conquistar o mundo se perdera o patrimônio de um
príncipe, que é a reputação.

É Caríbdis de excelência, a exorbitância irascível; Cila da reputação, a


demasia concupiscível.3

Atente-se, pois, homem excelente. Primeiro a domar suas paixões,


quando menos solapá-las. Com tal destreza nada há de conseguir decifrar
tua vontade.

Este primor ensina a entender e não ser entendido. Passa adiante, ensina
a ocultar todo defeito das atalaias que vigiam os descuidados e
deslumbrando os linces que habitam na obscuridade do outro.

3 Ambas foram ninfas da mitologia grega, condenadas a tornarem-se monstro pelos seus malfazejos.
Aquela amazona Católica4, pela qual a Espanha nada teve a invejar
Zenóbia, Tômiris, Semíramis e Pantafilea5 pode ser oráculo destas sutilezas.
Quando estava para dar a luz, abrigou-se no quarto mais obscuro e se zelou
com decoro natural. A inata majestade trancou seus suspiros para dentro
de seu seio real para que não se escutasse nenhum “ai” e o véu de trevas
cobrisse seu semblante. Quem mais assim menosprezou tão escusáveis
dores com os mesmos escrúpulos do crédito?

Cardeal Madruzzo não classificava como néscio aquele que faz uma
necedade, mas aquele que, ao cometê-la, não sabe afogá-la.

Acessível é o primor a um varão quiescente, inclinação aprimorada e


qualificada para a arte; dádiva divina, se não por natureza, por semelhança.

4 Refere-se a Isabela de Castela.


5 Todas grandes rainhas de seus respectivos povos. Zenóbia a dos Palmírios, Tomiris a dos Masságetas, Semíramis a dos
Sírios e Pantafilea a rainha das amazonas.
PRIMOR III
A Maior Dádiva do Herói

Grandes partes se desejam para um grande todo e grandes dádivas se


desejam para maquinar-se um herói.

Alcançam em primeiro lugar os apaixonados pelo entendimento, já que


este é origem de toda grandeza; do mesmo modo que não se admite grande
homem sem excessos de entendimento, assim não se conhecem homens
muito entendidos com grandeza ausente.

O melhor do mundo visível é o homem, e o melhor nele é o


entendimento, logo suas vitórias são as maiores.

Esta dádiva capital se adéqua a outras duas: um juízo profundo e uma


engenhosidade elevada. Juntas, elas constituem um prodígio.

A filosofia prodigamente apontou-nos as duas potências que são o


recordar e o compreender. Permitiu-se a politica o direito de introduzir
divisão entre o juízo e o engenho; entre a sindérese e a sagacidade.
Somente esta distinção de inteligências passa a verdade escrupulosa,
condenando tanto a multiplicação de engenhosidades, a confusão da mente
com a vontade.

É o juízo trono da prudência, é o engenho esfera da sagacidade, cuja


eminência, e cuja mediana deve ser preferida. É pleito ante o tribunal do
gosto. Atenho-me a que assim rezava: “Filho, Deus lhe de entendimento do
bem”

A valentia, a prontidão, a sutileza do engenho, sol deste mundo em cifra;


senão raio, vislumbre do divino. Todo herói participou dos excessos do
gênio.

Os ditos de Alexandre, esplendores de seus feitos. Pronto era César no


pensar como era no agir.

Mas, apreciando heróis verdadeiros, equivoca-se em Santo Agostinho


com o Augusto; e no lauro que deu Huesca para coroar Roma, constância e
perspicácia competiram.

São tão felizes as prontidões do engenho quanto são infaustas as


prontidões da vontade. São asas para a grandeza pelas quais muitos
revoaram do centro do pó ao sol luzente.

Dignou-se, certa vez, o grande turco a olhar da sacada o jardim comum


ao invés da praça pública, esta que é prisão da majestade e grilhão do
decoro. Começou a ler um papel que, ou por ato burlesco ou por
desengano de uma soberania maior, o vento fez voar de diante dos seus
olhos até as folhas duma árvore. Aqui, suas páginas emulantes do vento e de
si mesmas, voaram escada abaixo com asas de lisonja. Um dos seus,
Ganimedes de seu engenho, supôs achar atalho pelo ar e jogou-se da sacada.
Voou, tentou agarrar, subia enquanto os outros desciam. Ascendeu com
majestosidade e voltou. Pois então o príncipe, impressionado eficazmente,
ergueu-o em posição por sua valentia.

Se a perspicácia não reina, merece conreinar.

É, em todo porte que se apresente, a manilha das dádivas, grande


proclamadora da reputação, maior é seu realce quanto mais sublime for seu
fundamento.

São argúcias coroadas os ordinários dizeres de um rei. Pereceram grandes


tesouros de monarcas, mas suas sentenças conservaram-se nos guarda-joias
da fama.

Muitas vezes, vale-se mais a muitos campeões uma perspicácia que todas
o ferro de seus esquadrões armados; sendo prêmio da perspicácia a vitória.

Fora teste, proclamação do crédito maior no rei dos sábios e no mais


sábio dos reis, a sentenciosa prontidão naquele extremo pleito, aquele que
as crianças vieram a pleitear. Assim firmou-se: a justiça também credita a
engenhosidade.

Até mesmo nos tribunais bárbaros assiste-se o que é o sol dela. Compete
com a de Salomão a prontidão daquele grande turco. Penalizando-o
usuramente, pretendia um Judeu cortar uma onça de carne de um Cristão.
Insistia nisso com igual teimosia ao seu príncipe, que perfídia a seu Deus.
O grande juiz mandou que se trouxesse peso e faca, condenando a
degolação caso cortasse-se mais ou menos. Terminou por dar um golpe
certeiro na disputa e deu ao mundo um milagre de engenhosidade.
É a prontidão oráculo nas maiores dúvidas, esfinge nos enigmas, fio de
ouro nos labirintos e frequentemente tem portar de leão, que guarda seu
maior potencial para situações de aperto.

Mas há também os perdidos no engenho como há perdidos nas fortunas.


Prodígios na perspicácia para presas sublimes, tagarotes para águias
sublimes. Mordazes e satíricos que, se os cruéis se amassarão com sangue,
estes se amassarão com veneno. Neles a sutileza, por leviana e estranha
contrariedade, abate, sepultando-os no abismo do desprezo, a região do
enfado.

Até aqui, favores da natureza; doravante, os realces da arte. Aquela


engendra a perspicácia, esta a alimenta. Já de outros sai, já com prevenida
advertência.

São os ditos e feitos dos outros um fértil solo para que se semeie astúcia,
pelas quais, fecundado o engenho, multiplica a colheita de prontidão e
abundância de perspicácias.

Não advogo pelo juízo, pois ele por si só já fala bastante.


PRIMOR IV
Coração de Rei

Grande é a cabeça dos filósofos, grande é a língua dos oradores, peito


dos atletas, braço dos soldados, pés dos peregrinos, ombros dos
palanquins. Grande é o coração dos reis. Assim dizem os oráculos de de
Platão e seus textos, pelos quais alguns favorecem o coração em detrimento
da inteligência.

De que vale o entendimento estar a frente se está atrás o coração?


Concebas com dulcidão o capricho que muito lhe custa de trazer luz ao
coração.

São estereis por maior parte as sutilezas de um discurso, fraquejam pela


delicadeza em sua execução.

Grandes efeitos são precedidos de grandes causas, e portentosas façanhas


precedem de um prodígio de coração. São gigantes os filhos de um coração
gigante. Presuma sempre esforços de seu tamanho e apodere-se primeiro
das questões mais importantes.
Grande foi Alexandre e seu arquecoração, pois ele encaixou-se folgado
num canto desde mundo e ainda deixava sobrar espaço para outros seis.

Máximo era o de César, que não achava meio termo entre tudo e nada.

O coração é o estômago da fortuna, que digere seus extremos com igual


valor. Um grande bucho não se acanha com grandes bocados, não se deixa
devastar pelas afetações, tampouco se azeda com a ingratidão. A fome de
um gigante é saciedade de um anão.

Aquele milagre da coragem, falo do Delfim da França que então se


tornou Carlos VII; notificando-lhe a sentença emitida suprema pelos dois
reis, o da França, seu pai, e o da Inglaterra, seu antagonista, onde
declaravam-no incapaz de suceder a coroa dos lírios. Ele respondera com
apelo invicto. Perguntaram-lhe pela admiração de quem ele se instalaria, e
ele respondeu que assim faria pela grandeza de seu coração e a ponta de sua
espada. Assim valorou-se.

Não brilha tão ufano o quase eterno diamante no meio dos vorazes
carbúnculos6, como sole (se assim se pode dizer um fazer de sol) um
augusto coração em meio aos perigos e riscos.

O Aquiles de nossos tempos, Carlos Manuel de Saboya, rompeu, com


só quatro dos seus, pelo meio de quatrocentas couraças inimigas; satisfez a

6 Espécie de pedra preciosa, uma variação de granada também conhecida como almandina
admiração universal dizendo que não há melhor companhia nos maiores
apertos que um grande coração.

Supre a sobra dele a falta do resto, sendo sempre o primeiro que vai até a
dificuldade e vence-a.

Apresentaram a um rei da Arábia um alfanje damasco, lisonja para um


guerreiro. Elogiaram o objeto os grandes de sua côrte, não por cerimônia,
sim com razão; atentos a sua fineza e arte alongaram-se a dizer que o objeto
seria um raio de aço se não pecasse na curteza. O rei mandou chamar o
príncipe para que ele desse seu voto, e ele poderia, porque ele era o famoso
Jacob Almançor. Vindo, examinou e disse que valia uma cidade, próprio
de um apreciar principesco. Entretanto, insistiu o rei para que encontrasse
alguma falha. Em resposta obteve que só haviam sobras. “Pois, príncipe,
estes cavalheiros condenam por ser curto.” Ele então encheu sua mão com
sua cimitarra e disse: “Para um cavalheiro animoso não existe arma curta,
porque dado um passo adiante ela se alarga o bastante, e o que falta de aço
o coração supre em coragem.

Laureie este intento de magnanimidade no insultar, timbre augusto dos


grandes corações. Ensinara Adriano um peculiar e mui excelente modo de
triunfar sobre os inimigos quando ao disse ao maior dos seus: “Tu fugiste.”
Não há encômio igual a um dos dizeres de Luís XII da França: “Que
não venham ao rei as reclamações feitas ao duque de Orleãs7”.

Estes são os milagres do coração heroico.

7 Pois antes de ser tornar rei de toda a França o monarca era o duque de Orleãs.
Há sobeja margem para interpretar este aforismo, gosto de interpretá-lo como uma superação do estado anterior. Uma vez
tendo o coração ascendido já não interessam e tampouco competem a ele a solução de apoquentos menores
PRIMOR V
Gosto Relevante

Toda boa capacidade foi mal contentadiça. Há cultura no gosto assim


como há na engenhosidade. Ambos são relevantes, irmãos do mesmo
ventre, são filhos da capacidade, gerados por igual em excelência.

O sublime engenho nunca criou gosto velhaco.

Há perfeições solares e perfeições luzidas. A águia galanteia o sol, pela


luz de uma vela perde-se a gelada mariposa. Mede-se do mais alto ao mais
profundo pela elevação do gosto.

É alguma coisa tê-lo bom, é muito tê-lo relevante. Deslindam-se os


gostos através da comunicação, e é sorte topar com quem tem-no
superlativo.

Muitos tem por felicidade (de modo um tanto quanto emprestado) o


fruir do que lhes apetece, considerando infelizes os demais; mas o mesmo
vale para o outro lado. Assim, metade do mundo está sempre a rir da outra,
com mais ou menos necedade.

É qualidade um gosto crítico, um paladar difícil de se satisfazer; os mais


valentes objetos temem-no e as mais seguras perfeições tremem diante de ti.

É preciosíssima a estima e seu presentear deve ser discreto; toda escassez


em moeda de aplauso é fidalga; e o contrário, desperdícios de estima
merecem castigo pelo desperdício.

A admiração é comumente sobrescrita de ignorância. Não nasce tanto


da perfeição dos objetos quanto da imperfeição de seus conceitos. As
únicas perfeições são as de primeira magnitude. Seja, pois, raro o apreciar.

Quem teve gosto rei foi o prudente entre os Felipes da Espanha,


acostumado sempre a objetos milagrosos, nunca pagava seu admirar senão
a maravilhas de mesmo patamar.

Um mercador português apresentou-lhe uma estrela terrena, digo, um


diamante do oriente, signo da riqueza, pasmaria do esplendor. Quando
todos aguardavam senão admirações, de Felipe ouviram desdéns, e a ele
lançaram objeções; não é que o grande monarca tenha sido descomedido
ou sério, o fez senão porque um gosto moldado pelos milagres da arte e da
natureza, não se atiça assim tão vulgarmente. O que acontecera para
fantasia tão fidalga!
“Senhor”, disse o português, “foram setenta mil ducados que paguei
neste presente digno do neto do sol, não há o que de se asquear.”

Com trigança ao ponto, Filipe disse-lhe: “O que pensavas quando destes


tanto?”

“Senhor”, acudiu o português, “como tal, pensava haver um rei Felipe II


no mundo.” Caiu, assim, o monarca num aguilhão mais astuto do que
precioso, mandando que com pressa se pagasse pelo diamante e premiasse
o dito, ostentando a superioridade de seu gosto e o preço de seu prêmio.

Bom é o elogio oportuno. Dizem alguns que o aquele que não cansa de
elogiar acaba em vitupério. Eu diria que as obras da bajulação são mínguas
em capacidade, e que aquele que demais o faz ou ri de si mesmo ou ri dos
outros.

Não tenha por comandante o grego Agesilau, ele que calçava um


pigmeu com sapato de Encélado8. Em matéria de elogio é arte medir o
justo.

O mundo estava cheio de suas proezas, dele que foi alvorecer do maior
sol, refiro-me as vitórias de Dom Fernando Alvares de Toledo. Com o
conquistar do mundo não era satisfeito nem sequer metade seu gosto,
estranhavam muito o porquê. Disse ele que, em quarenta anos de vencer,
tendo toda a Europa como campo de batalha, tendo brasões drapejantes
hasteados como as empresas de seu tempo, tudo parecia-lhe nada; pois

8 Gigante da mitologia grega, criado para ser o castigo de Atena


nunca esteve diante dum exercito turco, onde a vitória seria triunfo da
destreza e não do poder, onde a excessiva potência humilhada exaltaria a
experiência e a coragem do caudilho. Tanto é necessário para apascentar a
fome de um herói.

Este primor não lhe afasta de ser um homem culto, isto é destemperança
insuportável, mas sim a ser integro censor daquilo é mais valioso. Alguns
fazem o juízo escravo do afeto, impedindo os oficios sob o sol e sob as
trevas.

Cada coisa merece sua própria estima, não subornos do gosto.

Somente um grande conhecimento, favorecido por uma primorosa


prática, chega a conhecer os preços das perfeições. Onde o discreto não
puder dar seu voto com calma, não tenhais pressa. Não revele suas próprias
faltas quando perante a sobra estranha.
PRIMOR VI
Eminência no Melhor

Só é concedido ao primeiro ser o abarcar de toda a perfeição, por não


recebê-la de outro lugar não sofre limitação alguma.

Das dadivas, umas vem dos céus, outras são liberadas com a construção
interna. Somente as primeiras nem tão-somente as segundas bastam para
concretizar um sujeito. Quando o céu lhe destituir as naturais deixe que a
diligência supra nas adquiridas. Aquelas são filhas do favor, estas do
louvável esforço, e não costumam ser as menos nobres.

Pouco é mister ao indivíduo, muito para o universal. Estes são tão raros
que comumente se nega a realidade caso se conceda ao conceito.

Não é um só o que vale por muitos. Grande excelência em intensa


singularidade está em cifrar toda uma categoria e equivaler-la.
Não é toda arte que merece estima e nem todo emprego logra de crédito.
Não se censura o saber de tudo, mas praticar de tudo seria pecar contra a
reputação.

Ser eminente em profissão humilde é ser grande no pouco, é ser algo no


nada. Permanecer na mediana apoia a universalidade; passar a eminência
desluz crédito.

Distaram muito os dois Felipes, o da Espanha e o da Macedônia. O


primeiro em tudo, segundo apenas em nome, reprimiu seu filho que
cantava no banheiro; o Macedônio abonou o seu, Alexandre, a correr no
estádio. Foi aquele a pontualidade prudente enquanto este último
descuido com a grandeza. Quando correu Alexandre, ele se saiu bem.
Agora antes preferia ser corredor do que competir entre os reis.

Comumente, aquelo que tem mais do deleitável tem pouco do que é


heroico.

Não deve um homem máximo se limitar a uma ou outra perfeição,


senão com ambições infinitas de aspirar a uma universalidade plausível,
correspondente a intenção e excelência das artes.

Nem basta qualquer ligeira sabedoria, que frequentemente será mais


tida como nota de vaziez loquaz que crédito por integridade fundamental.
Alcançar a eminência em tudo não é o menor dos impossíveis. Não é
por frouxeza da ambição, mas sim da diligência e ainda da vida. O exercício
é o meio para a consumação daquilo que se professa, faltando ao melhor só
o tempo e a presteza de gosto em tão prolixa prática.

Muitas mediocridades não bastam para agregar uma grandeza, mas uma
eminência sobra para demonstrar superioridade.

Nunca houve herói sem eminência em algo, porque ela faz parte de um
grande caráter. Quanto mais qualificado seu emprego, mais glorioso seu
aplauso. É a eminência dádiva avantajada e fração da soberania, pois simula
como se dará sua veneração

E se reger uma bola de vento com eminência gera triunfos de admiração.


Quem não dirá o mesmo para reger com aço, uma pena, uma vara, um
bastão, um cetro ou uma coroa?

Aquele Marte castelhano, por conta de quem dizem “Castela para


capitães e Aragão para reis”, Dom Diego Pérez de Vargas. Com mais
façanhas que dias, decidiu findá-los em Xerez da Fronteira. Ele pousava,
mas não sua fama, que cada mais se propagava no teatro do universo.
Impressionou-se com ela o noviço Rei Afonso V, antigo apreciador das
eminências, ainda mais dentre os exércitos. Partiu ele, disfarçado e com
mais quatro cavaleiros, buscar Vargas.
Pois a eminência é ímã de vontades, é feitiço do afeto.

Chegado o Rei em Xerez e a sua casa, não o achou nela, porque Vargas,
ensinado a acampar, enganava nos campos sua generosa inclinação. Para o
Rei, que não se incomodara em ir da corte até Xerez, não foi incomodo ir
donde estava até a alqueira. De lá descobriram-no à léguas, com uma foice
em suas mãos, a podar as vinhas com dificuldade. Afonso mandou que
seus homens ficassem em guarda e escondessem-se. Desceu do cavalo e,
com majestosa galanteria, começou a recolher os sarmentos que Vargas,
descuidado, derrubava. Este fora assertivo ao virar a cabeça, alertado por
algum ruido feito pelo Rei, ou – o que é mais provável – por algum
impulso fiel de seu coração. Quando reconheceu que era sua majestade
catando sua poda, disse-lhe:

“Senhor, o que faz aqui?”

“Prossiga, Vargas”, disse o Rei Afonso, “Pois para tal podador deve-se
haver tão bom sarmentador.”

Ó triunfo de eminência!

O raro varão anseia-a com segurança de que o que ela custará de fadiga
trará de lucros em celebridade.

O boi consagrou, não sem propriedade, a gentileza de Hércules. Neste


mistério mostra-se o louvável trabalho de uma sementeadeira de façanhas,
que promete colheita de fama, de aplauso, de imortalidade.
PRIMOR VII
A Excelência do Primeiro

Alguns tem sido fênix de seus oficios, outros não avançaram adiante.
Grande vantagem é ser o primeiro, se fô-lo com eminência a vantagem é
dobrada. Quem vencer por essa mão ganha em igualdade.

São tidos por imitadores daqueles passados os que os seguem. Por mais
que derramem suor em seus esforços, não podem se purgar da presunção
imitadora.

Sobem os primeiros com a primogenitura da fama, para os segundos


restam as mal pagas sobras.

Deixou-se de estimar a geniosidade inovadora dos inventores das artes e


passou-se a venerá-los. Trocou-se a estima por culto. Erro ordinário,
todavia seu exagero mostra o valor da primeiritude.
Mas a elegância não mora em ser primeiro no tempo, e sim em ser o
primeiro na eminência.

A pluralidade é descrédito em si mesma, ainda que em preciosos


quilates; em contrapartida, a raridade encarece até a perfeição moderada.

É, pois, destreza incomum inventar nova via para excelência, descobrir


rumo moderno para a celebridade. São múltiplas trilhas que levam a
singularidade, nem todas empezinhadas. As mais novas, ainda que árduas,
muito amiúde podem vir a ser atalhos para a grandeza.

Fez-se sabiamente Salomão a passividade, cedendo o ser guerreiro a seu


pai. Mudou seu rumo e chegou com menos dificuldade ao predicamento
heroico.

Esforçou-se Tibério para conseguir pela política o que conseguiu


Augusto pela magnanimidade.

Nosso grande Felipe governou todo o mundo diretamente do trono de


sua prudência, com a admiração de todos os séculos. Se César, seu invicto
pai, fora um prodígio nos esforços, Felipe fô-lo de prudência.
Com este conselho alvoreceram muitos dos sóis da Igreja ao zênite da
celebridade. Uns por santos eminentes, outros por sumos doutores; os
primeiros pela magnificência em suas obras, os segundos por saberem
realçar da dignidade.

Com esta novidade de assuntos, os advertidos sempre tiveram presença


no séquito magnos.

Sem sair da arte o engenhoso sabe sair do ordinário e achar em profissão


grisalha nova trilha à eminência. Sendo Horácio o heroico para Virgílio, e
Marcial o lírico para Horácio. Deu por cômico Terêncio, por satírico
Pérsio, aspirando todos a ufania de serem os primeiros em seus gêneros.
Pois o capricho alentado nunca se rendeu à meras imitações.

Velazquez, um outro galante pintor viu que Ticiano, Rafael e outros


haviam lhe apanhado a dianteira. A fama deles vivia agora que eles estavam
mortos. Valeu-se ele de sua inventividade invencível: deu-se a pintar como
grosso. Objetaram-no alguns para que pintasse de modo suave e polido,
num imitar de Ticiano; todavia ele se galantemente respondeu que preferia
ser o primeiro na grosseria do que o segundo na delicadeza.

Levem o exemplo a todo ofício, todo bom varão entenda bem o


artifício; que na eminente novidade saiba achar extravagante rumo à
grandeza.
PRIMOR VIII
Que o Herói Prefira os Empenhos Aplausíveis

Duas pátrias produziram dois heróis: Tebas produzira Hércules e Roma


produzira Catão; Hércules fora aplauso do mundo, enquanto Catão foi
enfado de Roma. A um foi dado admiração de todas as gentes, ao outro
esquivaram-se os romanos.

Não há controvérsia em dizer que Catão levara vantagem sobre


Hércules, pois ele o excedeu em prudência; porém Hércules ganhou de
Catão em fama.

Mais árduos e primorosos eram os assuntos de Catão, pois ele


empenhara-se em dominar os monstros dos costumes, já Hércules os da
natureza. Todavia a maior fama recaiu sob o tebano.

A distância consistiu no empreendimento de façanhas aplausíveis por


Hércules e odiosas por Catão; a aplausibilidade do emprego levou a glória
de Alcides9 aos confins da terra, e levaria mais longe se houvesse mais
espaço para se espalhar. A inaprazibilidade de seu empreendimento
circunscreveu Catão às muralhas de Roma.

9 Sugerem algumas fontes ser este o nome de nascimento de Hércules.


Contudo, preferem alguns, e não os menos judiciosos, os assuntos
primorosos aos mais aplausíveis. Pode-se mais com a admiração poucos do
que pelo aplauso de muitos, se vulgares.

São chamados de “milagres dos ignorantes” os empenhos aplausíveis.

O árduo, o primoroso de um assunto superior é percebido por poucos,


por eminentes, e assim estes se fazem raros. A facilidade do aplausível
permite que qualquer um se popularize, tem de ordinário tudo o que tem
de universal.

A intenção de poucos vence a numerosidade de um inteiro vulgar.

Todavia há destreza em dedicar-se a obras aplausíveis. É ponto de


discrição subornar a atenção comum naquilo que rende aplausos.
Manifesta-se a todos a eminência e com anuir geral gradua-se a reputação.

Devem-se estimar em mais os mais. É palpável a excelência em tais


façanhas, as primorosas com evidência aplausível têm muito de metafísico,
deixando a celebridade nas opiniões.

Chamo de ofício aplausível aquele que é executado as vistas de todos e


ao gosto de todos, com o fundamento da reputação. Excetuo, contudo,
aqueles que faltam de crédito como os que sobram no ostentar. Um
histrião vive rico de aplauso e perece de crédito.

Sê, pois, eminente fidalgo nos assuntos expostos ao teatro universal; isso
é conseguir augusta aplausibilidade.

Que príncipes ocupam as páginas da fama senão os guerreiros? A eles é


propriamente devido o renome de magnos. Preenchem o mundo de
aplauso, os séculos de fama, os livros de proezas, porque o belicoso tem
mais aplausos que o pacífico.

Entre os juízes, destacam-se os justiceiros a imortais, porque a justiça


sem crueldade sempre foi mais aceita ao povo que a piedade remissa.

Nos assuntos do engenho a aplausibilidade sempre triunfara. O afago de


um discurso aplausível é recreativo para a alma, lisonja ao ouvido;
enquanto a secura do conceito metafísico atormenta-os e os enfada.
PRIMOR IX
Sobre os Quilates do Rei

Fico em dúvida se é inteligência ou sorte que conecta o herói com sua


dádiva relevante, com o atributo rei de suas profundezas.

Em uns reina o coração, em outros reina a cabeça. É ponto de necedade


querer estudar com coragem e pelejar com finura.

Deixe o pavão contentar-se com sua roda de penas, a águia orgulhar-se


de seu voo. Seria monstruosidade enorme aspirar o avestruz a planar diante
de grande penhasco; que ele se console com a bizarria de suas plumas.

Não há homem que em algum esforço não tenha alcançado eminência.


Vemos tão poucos aqueles que se denominam como extraordinários, tanto
como são poucos o que se dizem excelentes; como a fênix, eles nunca saem
da dúvida.
Ninguém se dá por inábil para seu maior ofício; mas o que se lisonjeia
falsamente com a paixão própria desiludir-se-á tarde no tempo.

Desculpa é não ser eminente no mediano por ser mediano no eminente.


Porém ela não existe em querer ser mediano daquilo que é ínfimo,
podendo almejar ser primeiro no sublime.

Aquele que disse ensinou a verdade, apesar de ser poeta 10: “Não
empreendas tu assunto no qual contradiga Minerva”; Porém não há coisa
mais difícil que desiludir alguém de suas próprias capacidades.

Ó se houvessem tantos espelhos do entendimento quanto existem os de


rosto! Ele é obrigado a ser de si próprio, e falsifica-se facilmente. Todo juiz
de si mesmo logo encontra brechas na própria lei e aceita o suborno das
paixões.

Grande é a variedade das inclinações, prodígios deleitosos da natureza.


Vária é como rostos, vozes e temperamentos.

Há tantos gostos quanto há ofícios. Há para os mais vis e ainda para os


infames, o que não falta são apaixonados. O que não pode contar com a
poderosa providência do mais político rei, pode contar com a facilidade
proveniente da inclinação

10 Refere-se a Horácio (Quintus Horatius Flaccus), magnânimo poeta romano conhecido por muito refletir do epicurismo
em seus textos. A referida “Minerva” é considerada no panteão romano como a deusa dos artesanatos.
Se o monarca tivesse de repartir as tarefas mecânicas, dizendo: “Sede vos
lavrador! Sede vos marinheiro!” Render-se-ia logo a impossibilidade.
Ninguém iria se contentar, nem mesmo aqueles com os melhores encargos;
enquanto quando deixados para escolher por si, cegam-se na busca pelo
mais parvo.

Muitíssimo podem as inclinações, se associadas com as forças tudo lhes é


sujeito. Porém o comum é sua desavença.

Pois procure, prudente varão, alargar seu gosto e, sem as violências


despóticas, persuadi-lo a equiparar-se com suas forças. Uma vez
reconhecida sua dádiva relevante, emprega-a alegremente.

O prodigioso marques do vale, Dom Hernán Cortés 11, nunca teria se


tornado o Alexandre espanhol e César das Índias Ocidentais se não tivesse
amalgamado seus oficios. Quando pelas letras havia apenas chegado a
popularidade mediana, pelas armas se empinou ao cume da eminência. Fez
trinca com Alexandre e César, repartindo em três a conquista do mundo
por suas partes.

11 Conquistador espanhol responsável pela queda do império Asteca.


PRIMOR X
Que o Herói Quantifique sua Fortuna ao Empenhar-se

A fortuna, tão aclamada quanto pouco é conhecida, falando para o


atinado e ainda católico, não é outra senão aquela grande mãe de todas as
contingências e filha da suprema Providência, auxilia sempre as suas causas,
as vezes querendo, as vezes permitindo.

Esta é aquela rainha tão soberana, inescrutável, inexorável; risonha com


uns, esquiva com outros; às vezes mãe, às vezes madrasta; não por paixão,
mas sim pela arcanidade dos juízos inacessíveis.

Ter em mente sua fortuna e a de seus compartidários é regra de muitos


professores na discrição política. Aquele que a experimentou como mãe
que aproveite o presente, empenhe-se com bravura, como um amante se
deixa lisonjear de confiança.

Tinha César sua fortuna bem tomada pelo pulso quando gritava em
ânimo ao seu barqueiro enfastiado: “Não temais, isto insulta a fortuna de
César!” Não se achou ancora mais segura que seus dizeres. Não temeu mais
os ventos contrários ele que levava na poupa os alentos de sua fortuna. O
que apoquentam os importunos do ar se o céu está sereno? Quem há de se
importar com os bramados do mar se as estrelas sorriem?

Para muitos soa como temeridade algum empenho, mas não é nada
senão destreza, atendendo ao favor da fortuna. Perderam outros, o
contrário, grandes oportunidades celebres por não terem compreensão de
sua sorte. A ela até o cego jogador consulta ao precipitar-se.

Grande dádiva é ser homem afortunado, a apreciação de muitos carrega


a dianteira. Alguns estimam mais uma onça de sorte que várias arrobas de
sabedoria, que quilates de valor. Outros fazem o contrário, fundam seu
crédito na desgraça e na melancolia. É a sorte dos néscios e mérito dos
desgraçados.

O pai sagaz supre com ouro a fealdade de sua filha, o universal supre sua
fealdade de engenho com boa ventura.

Desejou Galeno a que seu médico fosse afortunado, que Vegécio 12 fosse
capitão e Aristóteles fosse seu monarca. O correto é que todo herói se
apadrinhe da coragem e da fortuna, ambos eixos do heroísmo.

12 Flávio Vegécio, escritor militar romano do século IV. Seu principal trabalho é conhecido como Epitoma Rei Militaris,
mas também pode ser encontrado como De Rei Militaris. Além deste, conta com uma obra sobre veterinária chamada
Digesta Artis Mulomedicae.
Contudo, quem de ordinário provou os dissabores desta madrasta,
neutralizadora de todo empenho, não sejais teimosos, pois geralmente ela
leva o desfavor a ti.

Dissimulei-me neste ponto ao furtar o dito de Horácio, o poeta das


grandes frases, com obrigação de restituí-lo faço assim num conselho aos
amantes da prudência: não faças nem digas cousa alguma tendo a fortuna
por contrária.

O hodierno caçula da felicidade é, com evidência de seu esplendor, o


heroico, invicto e sereníssimo senhor Cardeal Infante da Espanha, Dom
Fernando, nome que se torna brasão ou coroa nominal de tantos heróis.

Tinha ele todo o globo suspenso por sua fortuna, assaz satisfeito com
sua coragem declarou-se galã desta grande princesa em sua primeira
oportunidade. Falo daquela tão imortal para aos seus companheiros
quanto mortal para seus inimigos, a batalha de Norlinga 13, com todos os
finos progressos na França e em Flandres, com o resto de toda sua graça em
Jerusalém.

Parte deste primor político saber discernir os bons dos mal-afortunados,


para chocar ou ceder na competência.

13 Evento decisivo para a guerra dos trinta anos protagonizado por Dom Fernando em Norlinga (Nördlingen), Alemanha
Solimão14 previu grande felicidade por parte nosso Marte católico, o
quinto dos Carlos. Temia sua fortuna sozinha mais do que seus terços 15 ao
ponente, contemplação de outros.

Retirou-se ainda a tempo e isto valeu a pena, não pela reputação, mas
pela coroa que mantinha.

Não tanto foi Francisco I da França, que pecou com ignorar sua fortuna
e a daquele César. Sendo delinquente na prudência foi condenado a prisão.

Pelos lados apanha-se a fortuna próspera e adversa. Atenta-se, pois, o


discreto a inclinar-se corretamente. No jogo do triunfo saiba encantar-se e
desencantar-se com ganho.

14 Solimão, o Magnífico. Califa Otomano que – apesar de nunca ter encontrado com ele pessoalmente – aliou-se com o rei
francês, Francisco I, durante a década de 1530 contra o Sacro Império Romano-Germânico.
15Formação militar majoritariamente utilizada pelos exércitos ibéricos. Caracterizava-se por empregar um terço de lanças,
junto arcabuzes e mosquetes na mesma infantaria; era extremamente efetivo em neutralizar avanços por cavalaria. Outra
batalha, a Cerignola em 1503 foi onde se provou seu valor estratégico e é tida por muitos como uma das primeiras batalhas
onde a pólvora fez-se arma efetiva.
PRIMOR XI
Que o Herói Saiba Descansar, Ganhando com Fortuna

Todo móvel instável tem aumento e declínio. Adicionam também


outros estados, dos quais nenhum tem estabilidade.

Grande providência é saber prevenir o declínio inelutável de uma roda


inquieta. Sutileza enxadrista é saber sair com ganhos quando a
prosperidade está em jogo e a miséria se faz tangível.

Melhor é tomar para si a honra que aguardar pelo passeio da fortuna,


que geralmente com um tombo alça a ganhança de muitos lances.

Faltar-la-á de constância o que sobra de feminilidade, isto sentem alguns


ferroados. Adiciona-se a estes o Marques de Marignano, que ao consolo do
imperador em Métis, disse que a fortuna não somente tinha instabilidade
de mulher mas também a levianidade juvenil em fazer cara aos mancebos.

Mas eu digo que não são levianas as variedades femininas, senão


alternativas de uma providência justíssima
Que acerte o homem em assim ser: recorra ao sagrado em honroso
retiro. Pois tão glorioso é uma bela retirada quanto um galante avançar.

Porém há hidrópicos da sorte, que não tem ânimo para se vencerem a si


mesmo quando dançando nas águas da fortuna.

Seja o augusto exemplo deste primor aquele herdeiro da fortuna e da


sorte, o quinto e máximo dos Carlos16 e ainda dos heróis. Coroou-se este
gloriosíssimo imperador com fim prudente todas as suas façanhas.
Triunfou em todo orbe com imensa fortuna e acabou sua jornada com a
mesma fortuna. Soube deixar-se, e com este selo fechou suas proezas.

Perderam outros, ao contrário, toda a profundeza em sua fama por


conta de sua cobiça. Tiveram monstruosos fins os grandes princípios de
felicidade; se tivessem valendo-se deste ardil teriam assegurado a reputação.

Um anel jogado ao mar e restituído pelo bucho de um peixe fisgado


pudera antes assegurar a inseparabilidade de Polícrates e a fortuna. Porém
foi feito pouco depós, no monte Micaelense, seu teatro trágico do divórcio.

16 O imperador do Sacro Império que retirou-se no Mosteiro de São Jerónimo de Yuste, morrendo tranquilamente pouco
depois. Eugene Delacroix capturou o momento com sua ilustre pintura “Charles-Quint au monastère de Yuste”
Belisário cegou-se para que outros abrissem seus olhos, a Lua da
Espanha17 eclipsou-se para dar a luz a muitos.

Não se encontra arte em tomar a felicidade pelo pulso, justamente por


ser anômalo a este humor. Previne-se seu fim observando os sinais de seu
declínio.

Muito se apressa a prosperidade, atropelando as outras felicidades.


Sempre fora suspeitosa, pois a fortuna cerceia de tempo o que acumula em
favor.

Felicidade envelhecida já se torna caduquez e desgraça extremada, serve-


se disso para melhoria.

Estava Abul, mouro, irmão do rei de Granada, preso em Salobrenha.


Para desmentir suas confirmadas desventuras, pôs-se a jogar xadrez,
apropriado preparo para o jogo da fortuna. Nisto chegara o correio de sua
morte, este que sempre nos corre à postos. Pediu Abul por duas horas de
vida; muitas pareceram elas ao comissário, e fora ele apenas outorgado a
terminar seu jogo começado. Disse-lhe a sorte e ganhou a vida e ainda um
reino; antes de acabá-lo chegara logo outra missiva em alvissara
pronunciando seu viver e a coroa. Pela morte do antigo rei era presenteado
com toda Granada.

17 Gracián aqui referencia o Conde Alvaro de La Luna, numa espécie de trocadilho com seu nome.
Tantos subiram do cutelo à coroa como baixaram da coroa ao cutelo.
Come-se melhor os bons-bocados da sorte com o agridoce de um azar.

É a fortuna um pirata paciente que espera até que se carreguem os


batéis. Faça o contra-artífice e antecipe-a tomando seu porto.
PRIMOR XII
Os Favores das Gentes

A conquista do entendimento é pouca coisa se não ganha com ele a boa


vontade e muito rendimento na admiração e afinco conjuntos.

Com empreendimentos aplausíveis muitos mantém o crédito, mas não a


benevolência.

Conquistar este favor universal tem algo de estelar, mas mais ainda tem
de diligência própria. Discorreram outros ao contrário, quando perante a
igualdade de méritos correspondem desproporcionalmente os aplausos.

O mesmo que foi um ímã das vontades em um, no outro é feitiço. Mas
sempre considerei-o avantajado o partido à arte.

Ainda que pressupostas, não bastam dádivas eminentes para os favores


das gentes. Fácil é ganhar o afeto subornada a opinião, porque a estima é
boneca da afeição.
Aquele incansavelmente ínclito, o Duque de Guisa, alegremente
executou os meios para esta graça comum, fazendo grande um rei por seu
favorecer e ainda mais por sua emulação, embora seu rei nunca o tenha
devidamente agradecido; falo do terceiro dos Henriques da França. Nome
fatal para os príncipes em toda monarquia, em sujeitos tão altos até mesmo
seus nomes tornam-se oráculos.

Um dia este rei perguntou a seus contíguos: “O que faz Guisa para assim
enfeitiçar as gentes?”

Respondera um extravagante conselheiro em tom áulico, único nestes


tempos:

“Senhor, ele faz o bem de mãos cheias. Os que não recebem


diretamente seus influxos benévolos acabam por recebê-los em reflexão.
Quando não por obras, palavras. Não há casamento que ele não festeje,
batismo que ele não apadrinhe, enterro que ele não honre; ele é cortês,
liberal, honrador de todos e murmurador de nenhum. Em suma, ele é o rei
por afeto enquanto vossa majestade é rei em efeito.”

Feliz graça seria se fosse ela feita irmã àquela de seu rei. Não há eficiência
alguma em excluírem-se. Por mais que encareça Bajazeto 18, a
aplausibilidade do ministro causa receio ao patrão.

18 Bajazeto I, O Relâmpago Otomano. Ficou conhecido no ocidente por quase tomar Constantinopla e no oriente por sua
forte rixa com Tamerlão.
Em verdade, os favores de Deus, do rei e das gentes são as três mais belas
que puderam ver os antigos. Dão as mãos uma a outra, entrelaçando-se em
nó apertado todas as três. Se há de faltar alguma, que seja por ordem.

O mais poderoso feitiço para ser amado é amar. O vulgo é arrebatado


em prosseguir se furioso em perseguir.

O primeiro motor de seus favores, depois da opinião, é a cortesia e a


generosidade; com estas, Tito veio a ser tido entre os mais benquistos de
todo o mundo.

Uma palavra favorável de um superior é equivalente a obra de um igual.


Excede a cortesia de um príncipe o dom de qualquer cidadão.

Com somente um breve esquecer de sua majestade, o magnânimo Dom


Afonso19 apeou-se de seu cavalo para socorrer um aldeão, o qual ajudou-lhe
a conquistar as guarnecidas muralhas de Gaeta, que a força das bombardas
nada fizera em muitos dias. Primeiro entrando nos corações, entrou em
seguida no triunfo da cidade.

Ao grande capitão, gigante entre os heróis, seus duros críticos não


encontram outra antonomásia senão a de comum benevolente.

19 Afonso V de Aragão, quem firmou o domínio aragonês sobre Nápoles e apaziguou o reino italiano.
Diria eu que dentre a pluralidade de dádivas concessoras de um renome
plausível, esta é a mais alegrante.

Há também graça nos historiadores, tanto de cobiça quanto de


imortalidade, porque são plumas da fama. Retratam não os acertos da
natureza, senão os da alma. Aquele fênix, Corvino 20, glória da Hungria,
costumava praticar o que dizia, que a grandeza de um herói depende de
dois fatores: ser generoso no fazer e para com as penas, porque estes
caracteres áureos lhe vinculam a eternidade.

20 Matias Corvino, monarca magno, filho do cavaleiro branco da Hungria, tão louvado quanto seu glorioso pai. Ambos são
respeitados como mantenedores da paz e expelidores de otomanos de seu devido solo real.
PRIMOR XIII
Da Desenvoltura

A desenvoltura é alma de toda dádiva, vida de toda perfeição, galardia de


toda ação, graça das palavras e feitos de todo bom gosto; é lisonja de toda
inteligência e estranha a explicação.

É um realce dos mesmos realces e é também uma beleza formal. As


demais dádivas podem adornar a natureza, mas a desenvoltura realça-as. De
sorte é a perfeição da mesma perfeição, com transcendente beldade, com
graça universal.

Ela consiste em certa airosidade, em galardia indizível, tanto em dizer


como em fazer, até no discorrer.

Tenha-a inatamente, no mais reconheça-a pela observação. Ao menos


até agora ela nunca se sujeitou ao preceito, superior sempre a toda arte.
Por ser ladrão dos gostos lhe chamarão de garabulha; pela
imperceptibilidade lhe chamarão de donaire; por ser alentado, brioso; por
ser galã, desenvolto; pelo que fizer com facilidade, desenfadado. Que todos
estes nomes a serem buscados na profunda memória sirvam-lhe para
demonstrar o quão desejoso e a difícil é declará-lo.

Muito grave seria confundir este dom com o aquele da facilidade;


deixa-a muito para trás e adianta-se a coragem. O certo é que toda
desenvoltura supõe desembaraço, e ademais adiciona-se a perfeição.

As ações têm sua cintilância, e seu bom-sucesso deve-se a desenvoltura,


pois ela presta o parto aos luzimentos.

Sem ela a menor execução é estéril, a maior perfeição é desabrida. Não é


acidente que seja ela ponto central alguma vez, não serve a desenvoltura
apenas como ornamento, como também serve de apoio importante.

Porque se é a alma da formosura, é espírito da prudência; se é alento da


gala, é vida da nobreza.

Um líder pousa somente ao lado de sua desenvoltura, o rei coloca-se


também ao lado da prudência.
A desenvolta intrepidez que há na destreza e no valor só é reconhecida
no dia de uma batalha. A desenvoltura constitui-se primeiro num general
senhor de si e, posteriormente, do todo.

Não alcança nossa ponderação, não basta nosso apreciar à imperturbável


desenvoltura que aquele grande vencedor dos reis, emulador maior de
Alcides, Dom Fernando de Ávalos. Nome aclamado por aplausos no cerco
de Pavia.

A desenvoltura no cavalo é tão alentada quanto o majestoso num dossel;


até nas catedrais da coragem habita a agudeza.

Foi heroico o desembaraço daquele Teseu francês, Henrique IV 21, pois


com um fio de ouro da desenvoltura soube desligar-se de tão intricado
labirinto.

A desenvoltura também é artífice político, no qual aquele monarca


global chegou a nos dizer: “Há outro mundo para governar?” 22

21 Rei francês durante o período das guerras protestantes. Estrategista nato e apaziguador de seu povo, converteu-se ao
catolicismo e garantiu a liberdade religiosa de todos os cristãos em vez de perder sua cabeça
22 Assim teria dito Alexandre, o Grande, quando percebera que seu império alcançava vastidões atingidas antes apenas na
cobiça dos poderosos, apesar de ainda não abranger o mundo todo.
PRIMOR XIV
Acerca do Império Natural

Este primor se empenha em dádiva mui sutil, que correrá risco


metafísico se não segurado com devida curiosidade e reparo.

Em alguns o senhorio inato brilha, uma força imperiosa secreta, que


rende-lhes obedecimento sem preceitos exteriores, sem arte de persuasão.

César, cativo de piratas ilhéus, era mais senhor deles do que o contrário,
mandava neles mesmo vencido. Era cativo por cerimônia e senhor por
realidade de soberania.

Homens como estes fazem mais pelo amago23 que outros por sua
diligência. Tem em suas razões um vigor secreto, que os faz alcançar mais
por simpatia do que por luz.

23 Arcaísmo: olhar severo, uma ameaça que obriga alguém a fazer algo. Não confundir com “âmago”.
Sujeitam-se a ele as mais orgulhosas mentes sem saber o porquê, e a eles
se rendem os juízos mais isentos.

Estes tem muito de leão em sua humanidade. Compartilham com eles o


principal, que é o senhorio.

As demais feras reconhecem os leões em presságio natural, sem ter


examinado sua coragem já antecipam seus elogios.

Assim, a estes heróis, reis por natureza, o respeito dos demais adianta-se,
antes que se tente desvendar suas profundezas.

Realce este primor coroando-o, se corresponde a ti, com a eminência do


entendimento e a grandeza do coração. Destarte nada te faltará para que se
torne um grande, primoroso motor político.

Hernando Alvares de Toledo24 vira entronada esta dádiva senhorial,


senhor mais por natureza que por misericórdia. Foi grande e nasceu para o
maior, tanto que até mesmo seu simples falar não negava sua
imperiosidade natural.

24 Grande militar espanhol, conhecido como o Grão Duque de Alba. Liderou diversas campanhas a mando de Carlos V e
Felipe II por todo o oeste europeu. Sendo inclusive o responsável por entregar a coroa portuguesa à Espanha após
descoroar Dom Antônio I.
Isto é muito distante uma falsa gravidade de um tom afetado;
quintessente para o aborrecível, nem tanto se é nativa, mas ainda sim
muito próximo do enfado.

Porém a maior oposição ainda é para com receio de si, com a suspeita da
própria coragem e mais ainda quanto ao abate da desconfiança, que sempre
culmina no se render ao desprezo.

Foi aviso de Catão, e mui próprio por parte de sua severidade, que um
homem deve respeitar-se e ainda temer-se a si mesmo.

Quem perde o medo e respeito de si próprio dá permissão licenciosa


para que os demais façam o mesmo.
PRIMOR XV
Acerca da Sublime Simpatia

Dádiva do herói é ter simpatia com outros dos seus. Basta ser simpática
com o sol para uma planta fazer-se gigante e ter sua flor como coroa do
jardim.

A simpatia é um dos prodígios ocultos da natureza, mas seus efeitos são


causas de esplendor, são assunto de admiração.

Ela consiste num parentesco dos corações, enquanto a antipatia é um


divórcio das vontades.

Alguns concebem-na como correspondente aos temperamentos, outros


dizem que é herdada dos astros.

Aspira a simpatia a obrar milagres, e a antipatia monstruosidades. São


prodígios da simpatia os feitos reduzidos à feitiços pela comum ignorância,
à encantos pela vulgaridade.
A mais culta perfeição sofrera desprezos da antipatia e a mais inculta
fealdade lograra de trato fino através da simpatia.

Até entre pais e filhos sua jurisdição é pretensa e sua potência


diariamente executada, atropelando leis e frustrando privilégios da
natureza e da política. A antipatia tolhe os domínios de um pai, a simpatia
concede-os.

Os meritos da simpatia alcançam todo homem. Persuadem sem


eloquência e recebem o quanto desejam com seu apresentar de memórias
naturalmente harmoniosas.

A simpatia realçada é caráter, é estrela de heroísmo; porém há alguns de


gosto ímã, que tem para si a antipatia com o diamante e a simpatia com o
ferro. Monstruosidade da natureza, apetece-se com a escória e asqueia o
luzimento.

Luís XI fora monstro em realeza, que, mais por natureza que por arte,
estranhava a grandeza e perdia por vezes a categoria politica.

Grande realce é a simpatia ativa se sublime; maior a passiva se heroica.


Vence a em preciosidade a grande pedra do anel de Giges, em eficácia ganha
as correntes do tebano.
Fácil é sua propensão aos homens magnos, mas rara é sua correlação. Às
vezes dá-se voz ao coração sem escutar o eco de correspondência. Na escola
do querer, no lugar da alfabetização, tem-se a simpatia como primeira lição.

Sê, pois, destreza em discrição o conhecer e aproveitar da simpatia


passiva. Valha-se o atento deste feito natural e adiante a arte que começou a
natureza. Tão indiscreta quanto malograda é a porfírea pretensão de
querer conquistar a vontade sem este favor natural, sem estar munido de
simpatia.

Quando acompanhada de realeza ela é a rainha das dádivas, atravessa


toda fronteira do prodígio. É a base para levantar a estátua sempiterna da
imortalidade sobre os plintos da próspera fortuna.

Por vezes esta dádiva augusta se encontra moribunda por não alcançar
os alentos da glória. A calamita não atrai ferro fora de sua região, nem a
simpatia atrai obra fora de sua esfera de ação. É a proximidade a principal
das condições, não assim com intromissão.

Atenção, aspirantes do heroísmo, para que neste primor haja um sol do


alvorecer.
PRIMOR XVI
Renovação da Grandeza

São nossos primeiros empenhos os exames do valor, como por-se às


vistas do mundo sua fama e parte do que tem de profundo.

Não bastam milagres do progresso para realçar começos ordinários, e


quando muito, todo esforço de depois é remendo daquele que veio antes.

Um princípio ousado em estilo faz mais que somente lhe elevar pelos
aplausos, acresce-lhe muito no valor.

A suspeita, em matéria de reputação aos princípios de condição


precitada, se entra uma vez nunca mais sai do desprezo.

Amanheça um herói com os esplendores do sol. Sempre há de se


empenhar em grandes empreendimentos, mas nos princípios, máximas.
Ordinário assunto não pode conduzir crédito extravagante, tampouco
engendro pigmeu pode dar créditos a gigantes.
São fianças da opinião seus começos avantajados, os de um herói hão de
afetar estados cem vezes mais altos que alcança a finura de um comum.
Que seja o ensaio de um a MAGNUM OPUS do outro.

Aquele sol dos capitães e general dos heróis, o heroico Conde de


Fuentes25, nasceu ao aplauso com rufos do sol, que nasce gigante de
luzimentos. Seu primeiro empreendimento pode ser NON PLUS NULTRA de
um Marte; não se fez noviço da fama, senão no primeiro dia professava
imortalidade. Foi conhecido antes por herói que por soldado, contra as
aparências e muito mais no cerco de Cambrai, tudo por ser extravagante na
compreensão como também em seu valor.

Muito é mister para desempenhar o correspondente a grandes


expectativas. Tu concebes altamente o que visa porque custa-lhe menos
imaginar as façanhas que executá-las em obras.

Façanhas inesperadas aparecem mais que um prodígio prevenido das


expectativas.

Na primeira aurora cresce mais um cedro que um hissopo em todo um


lustro26, pois robustos começos anunciam um final em gigantez.

25 Aqui Gracían fala de Pedro Enríquez de Acevedo.


26 Preciosismo para quinquênio – período de 5 anos.
Grandes as consequências de uma máxima em antecedência; declara-se o
valor da fortuna, a insondabilidade das profundezas, o aplauso universal e
a graça comum.

Porém não bastam os princípios vigorosos se são desmaiados os


progressos. Tal como Nero, que inciou tudo a aplausos de fênix e encerrou
aos desprezos de basilisco.

Se juntos os desproporcionados extremos a declaram monstruosidade.

Tanta dificuldade emerge em avançar o crédito como em começá-lo. Se


envelhece a fama, caduca o aplauso como em todo o resto, pois as leis do
tempo não conhecem exceções.

Ao maior luminecer, que é o do sol, por vezes os filósofos acusaram de


velhice e o decaimento no brilhar.

É, pois, artifício tanto de águia como de fênix, renovar a grandeza, trazê-


la de volta a mocidade e renascer de volta ao aplauso.

O sol alterna de horizontes para o esplendor, varia de teatros ao seu


luzir, de modo a ser em uma privação e em outra novidade, sustentando a
admiração e o desejo.
Os Césares voltavam de lustrar o mundo ao oriente de sua Roma e
renascida cada vez tornavam-se monarcas.

O rei dos metais, passando de um mundo para outro, passou de um


extremo de desprezo para outro de estima.

A maior perfeição perde-se por cotidiana, e os admiradores dela


enfadam na admiração.
PRIMOR XVII
Toda Dádiva sem Afetação

Toda dádiva, todo realce, toda perfeição há de encontrar um herói para


si, mas ele não se deve deixar afetar por nenhuma.

É a afetação o lastre de toda grandeza.

Consiste ela num silencioso gabo, sendo ele a forma mais certa de um
vitupério a si mesmo.

A perfeição há de estar em si, o louvar nos outros. Merecido é o castigo


àquele que nesciamente se ostenta, discretamente põe-no no esquecimento
dos demais.

Muito livre é a estima, não se sujeita a artífice tampouco a violência.


Rende-se com mais pressa a uma eloquência tácita de dádivas do que a
uma ostentação desvanecida.
Um pouco de estimação própria roubar-lhe-á muito aplauso alheio.

Os entendidos julgam toda dádiva afetada antes por violenta que por
natural, antes aparente que por verdadeira, e assim dão grande baixa no
próprio estimar.

Todos os Narcisos são néscios, especialmente os de ânimo tem sua


necedade incurável, pois a mazela mora onde seria a casa do remédio.

Porém, se o ostentar das dádivas já é grande necedade, atenta-se ao


defeito ainda pior que é demonstrar suas imperfeições.

Por fugir da afetação dão outros em seu centro, pois afeiçoam-se por não
serem afetados.

Afetou-se Tibério pela arte de dissimular, porém não soube dissimulá-


la. Desmentir consiste no maior primor de qualquer arte, o encobrir faz-se
tão titânico quanto, como outro grande primor.

É duas vezes grande ele que abarca todas as perfeições em si e nenhuma


em sua estima. Com um generoso descuido desperta a atenção comum, e
sendo cego para suas dádivas faz-se Argos aos demais.
Este se chama milagre das destrezas, que, se os outros caminhos guiam as
grandezas, este, por oposto, conduz ao trono da fama, ao dossel da
imortalidade.
PRIMOR XVIII
Emulação das Ideias

Carece de filhos, ou de filhos heroicos, a maior parte dos heróis; porém


não carecem eles de imitadores. Assim parece que o céu aqui os expôs
como exemplares de valor mais do que como propagadores de sua
natureza.

Estes homens são eminentes textos, avivados pela reputação, os quais o


culto deve tomar como lições de grandeza, repetindo seus feitos e
construindo suas façanhas.

Proponha-se a si mesmo os primeiros de cada categoria, não para imitar


nem para emular, não para segui-los, mas para ultrapassá-los.

Aquiles foi o heroico desvelo de Alexandre, dormindo em seu sepulcro


despertara nele a emulação de sua fama. Abriu os olhos o avigorado
macedônio em prantos, e apreciou-o como igual. Chorou, não por Aquiles
sepultado, senão a si mesmo, desprovido de fortuna para fama.
Aquilo que Aquiles fora para Alexandre, Alexandre foi para César;
picou-lhe em carne viva, na generosidade do coração, e ele tanto
ultrapassando-lhe pôs sua fama em controversa e a grandeza em
comparação. Pois se Alexandre fez do oriente o teatro augusto de suas
proezas, César usou do ocidente para suas.

Dizia o magnânimo Dom Afonso V de Aragão e Nápoles: Que não


somente seu generoso cavalo era atiçado pelo rugir do clarim, mas que
também nele se inflamava a fama cesárea.

E que se note como estes heróis herdam seus legados através da


emulação da grandeza e com a grandeza da fama.

Em todo ofício há quem ocupa a primeira classe e a também quem


ocupa a infâmia. Uns são milagres da excelência, outros são antípodas dos
milagres. Que o discreto saiba graduá-los e tenha bem clara a categoria dos
heróis na enciclopédia da fama.

Para os jubilados, Plutarco discursou sobre isso em seu “Vidas


Paralelas”; aos modernos, Paolo Giovio27 o fez em seus “Eulogia Virorum”.

Deseja-se ainda uma avaliação integérrima aos heróis, mas que engenho
a presumiria? Fácil é apontar-lhes lugar no tempo, difícil é apreciar.

27 Biógrafo e historiador nascido no Ducado de Milão.


Poderia ser ideia universal se não passasse de milagre, deixando como
vanidade toda imitação, ocupando toda admiração. O monarca dos heróis,
primeira das maravilhas animadas deste mundo, o quarto dos Felipes
espanhóis, que ao sol austríaco devia a quarta esfera.

Seja o espelho universal quem representa todas as máximas, já não digo


grandezas.

Chama-se emulo comum de todos heróis quem é centro de suas proezas,


quem confunde os aplausos dos brasões com a pluralidade eminente. O
afortunado por sua felicidade, o animoso por sua coragem, o discreto por
seu engenho; o catolicíssimo por seu zelo, o desenvolto por sua airosidade;
aquele que é universal por tudo.
PRIMOR XIX
Crítica Paradoxa

Ainda que o herói esteja seguro do ostracismo em Atenas, perigam as


críticas na Espanha.

Extravagantes críticos o desterrariam logo, e fariam pelos distritos da


fama, aos confins da imortalidade.

Paradoxo este: condena-se o que peca em não pecar. É primor critico


deslizar venialmente na prudência e no valor para entreter a inveja, para
engordar a malevolência.

Julgam estes por impossível sua salvação, ainda que sejam gigantes no
esplendor, porque são tantas harpias que quando não acham presa vil
geralmente atrevem-se ao melhor.
Há intenções com peçonha metafísica, que sabem sutilmente
transformar as dádivas e malear as perfeições, dando sinistra interpretação
ao mais justificado empenho.

Seja, pois, artífice politico permitir-se deslize venial que roa a inveja e
distraia o veneno da emulação. Passe-o por elixir político, por antídoto da
prudência, pois nascendo de uma mazela tem por efeito a saúde. Resgate o
coração expondo-se a murmuração, atraindo a si o veneno.

Além disto, mais de uma travessura da natureza pode ser formosa


perfeição. Um buraco de toupeira talvez de ao campo realces na beleza.

Há defeitos sem defeito. Afetara alguns Alcibíades na coragem, Ovídios


do engenho, chamando-se de fontes da saúde.

Ocioso é como me parece este primor, é mais pudor do confiado que


cultura do discreto.

Quem é sol sem eclipses, diamante sem casta, o reino das flores sem
espinhos?

A arte não é mister onde a natureza basta. Sobra a afetação onde o


descuido basta.
O Último e Coroante Primor
Siga com a Melhor das Joias Coroantes e Fênix das Dádivas de um Herói

Todo reles luzir descende do Pai, vai dele aos filhos. A virtude é filha da
luz auxiliadora e assim é com a herança do esplendor. O pecado é um
monstro vindo do aborto da cegueira, é herdeiro da obscuridade.

Todo herói participa tanto da felicidade e da grandeza quanto da


virtude, porque correm paralelas desde o nascer até o morrer.

Eclipsaram-se em Saul uma com a outra, e amanheceram em Davi


unidas num par.

Dentre os Césares foi Constantino o primeiro que se chamou de


magno, e fora ele justamente o primeiro imperador cristão. Oráculo
superior que com a cristandade nasceu gêmea a grandeza.

Carlos Magno, primeiro imperador dos francos, alcançou o mesmo


renome e aspirou a santidade.
Luís IX, gloriosíssimo governante, fora flor dos santos e dos reis.

Na Espanha, Fernando, comumente chamado de “Santo” em Castela,


fora magno do orbe.

O conquistador de Aragão consagrou tantos templos a Imperatriz do


Empíreo28 quanto conquistou almas aos céus.

Os reis católicos, Fernando e Isabel, foram o NON PLUS ULTRA; digo,


colunas da fé.

O bom, o casto, o piedoso, o zeloso dos Felipes espanhóis, não perdendo


nenhum palmo de terra ganhara vários no céu. Em verdade ele venceu mais
monstros com sua virtude do que Alcides com sua clava.

28 Na teologia tomista é o lugar onde Deus criou os anjos. Dá-se, portanto, o título de rainha a ninguém senão a Maria,
Mãe de Deus.
Entre os capitães Godofredo de Bulhão 29, Jorge Castrioto30, Rodrigo
Díaz de Vivar31, o grande Gonçalo Fernandez32, o primeiro de Santa Cruz33
e terror dos turcos; o sereníssimo senhor João da Áustria, há de se
encontrar espelhos de virtude e templo de piedade cristã.

Entre os heróis sacrossantos, os dois primeiros a quem se deu o renome


da grandeza, S. Gregório e S. Leão, deu-lhes esplendor a santidade.

Ainda entre os gentis e infiéis reluz o sol dos engenhos. Em Santo


Agostinho, toda a grandeza e fundamento de algumas virtudes morais.

Cresceu Alexandre até decaírem seus costumes. Venceu Alcides,


monstro de fortaleza até se render a mesma fraqueza.

Foi tão cruel a fortuna, digo, justiceira, com ambos Neros 34, quanto
foram eles com seus vassalos.

29 Humilde militar das cruzadas que se recusou a ser coroado rei na mesma cidade que Cristo fora coroado com espinhos.
Teve governo curto entre os homens, mas legado eterno em muitas obras.
30 Por este nome é pouco conhecido, mas por Skanderberg definitivamente eternizado. Defensor da terra albanesa e seu rei
até último suspiro, foi responsável por liderar a revolta contra os invasores turcos, vencer e deixar sua bandeira a
drapejar ao som de suas eternas palavras: “Eu não trouxe a liberdade. Eu a encontrei aqui, entre vocês.”
31 Lendário “El Cid, Campeador”. Guerreiro cristão emblemático na reconquista e tido até o presente como o maior herói
que a Ibéria já viu. Seus feitos estão eternizados no livro de autor anônimo chamado Cantar del Cid
32 Grão Capitão, Gonçalo Fernandez de Córdoba. Apesar de ter morrido esquecido em Granada, for a peça chave no
enxadrismo espanhol pelo domínio da península itálica, e por suas glórias militares é aqui citado.
33 Dom Alvaro de Bazan, decisivo militar na batalha de Lepanto e em muitas outras. Seus sucessos contabilizados não
caberiam a uma simples nota de rodapé.
34 O segundo assume-se sendo Pedro I de Castela, o Cruel.
Monstros foram de lascívia e fraqueza Sardanapalo35, Calígula36 e
Rodrigo37. Portentos do castigo.

Nas monarquias busca-se a evidenciar este primor. Floresceu ele que é


flor dos reinos entrementes florescia a piedade e a religião, e assim
murchou-se com a falsa beleza das heresias.

Perecera a fênix das províncias sob o fogo de Rodrigo, e renasceu na


piedade de Pelágio38 ou no zelo de Fernando.

Saiu a ser maravilha das prosápias a augustíssima casa da Áustria,


fundando sua grandeza nela que é cifra das maravilhas de Deus.
Comungaram seu sangue imperial com o de Cristo, Senhor nosso
sacramentado.

Ora pois, varão culto, pretensor da heroicidade! Perceba o mais


importante primor e repare na mais constante destreza.

Não pode a grandeza fundar-se no pecado, que é nada. Deve fundar-se


em nada senão em Deus, que é tudo.

35 Seria o suposto último rei da Assíria, mas fortes controversas históricas acerca desta afirmação. Ele é referenciado
dentre estes outros lideres por sua imprudência e degeneração.
36 Imperador romano conhecido pela ser nefasto e imoral em todos os sentidos.
37 Rei Godo da Espanha, a quem é atribuída a culpa pelas invasões mouras dos séculos seguintes a seu governo.
38 Grandíssimo reconquistador Pelágio, comandou rebelião contra seus dominadores e tornou-se rei das Astúrias até sua
morte em 735.
Se a excelência mortal é vinda da ganância, seja a eterna vinda da
ambição.

Ser herói do mundo pouco ou nada é, sê-lo do céu é muito. Por este seja
o grande monarca elogiado, honrado e gloriado.
FIM
v
Se fora a leitura digna de vosso aprouver

Doai quanto teu coração aquilatar valer

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