ENSAIO SOBRE A
DESIGUALDADE DAS
RAÇAS HUMANAS
TRADUÇÃO E PREFACIO
DE
FRANCISCO SUSANNA
Editorial Apolo
Barcelona
1937
PREFACIO DO TRADUTOR
CONDE DE GOBINEAU
CONDE DE GOB1NEAU
IO
CONDE DE GOBINEAU
De maneira que , assim que o Ario emigra de seu solo natal — o Irã — >
para fundar , cá e acullá., agrupamentos progressivos; assim que seu espírito
bélico e dominador, sempre à gaga de conquistas , lhe leva a se misturar
com outros povos de raça diferente e inferior à sua , melhora a estes sen-
siblemente, mas sensivelmente também se depaupera a si mesmo. Essa mez-
cla, por ou restantes indispensável, traz consigo um germen de degeneração ,
de morte . De não captar um novo aflujo de sangue aria, sobrevem inde-
fectiblemente a depauperación dos diversos agrupamentos. E como esse
aflujo de sangue ana é impossível , porquanto, segundo o próprio Gobineau,
não fica já sobre a face do planeta um Ario puro , a humanidade está fa-
talmente condenada a uma gradual decadência, até o dia, por fortuna muito
longínquo ainda, em que se extinga total e definitivamente. O Dies irae t com seus
fúnebres trenos, é, pois, o cántico reservado aos ramos futuros das
presentes gerações. Tal é a escalofriante conclusão do Ensaio.
A teoria das raças assim concebida parece atingir em nossos dias seu
máximo predicamento. E, falsa ou verdadeira — coisa que não nos compete a
nós averiguar — , o verdadeiro é que, bastante desnaturalizada, conta hoje
com milhares de prosélitos em todos ou quase todos os países do mundo. Na-
turalmente, a isso não tem sido nade estranha a paixão política. Porque com a
doutrina das ragas ocorre hoje que é reivindicada pelos partidos mais
opostos e, antes de mais nada , pelos nacionalistas. Assim vemos que a ideia
racista
nos Estados Unidos, o nazismo em Alemanha, o kemalismo em Turquia,
o bñtanismo, etc., direta ou indiretamente inspiram-se no gobinismo.
Por sua vez, os Escandinavos, descendentes dos antigos Vikings, em-
señan em suas Universidades que Gobineau os conceptuó como os super .
viventes mais puros da raga aria. Assim mesmo em América latina, os partida-
rios do hispanismo ou pelo menos de suas tradições, enfrentados com os
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12
CONDE DE GC8INEAU
branca que ela ... Com tudo , estar, inarmonías entre o conjunto e os de-
talhe não alteram o essencial da doutrina ou seja a irreducible desigualdade
das raças , a extinção gradual dos grupos racialmente superiores e,
por último , a decadência e quiçá o fim do mundo civilizado , conclusões ,
dito seja de passagem , que distan bastante de justificar a menor sombra de
otimismo e muito menos o otimismo de quem pretendem ilusos!
reivindicar para seu povo a nobreza e virtudes da extinguida raça ana .
Em resumo, pois, diremos que, ainda que a teoria das raças não
esteja isenta de lunares e ainda que as consequências sacadas dela tenham
sido muito outras que as que cania ccptrar dos princípios em que se assenta,
estes não têm sido em modo algum invalidados . As grandes diretivas que
o gênio de G ou bine au plotasse ao problema das raças subsistem inte-
gramente. E isto o reconhece o próprio Elle Faure , que é quem maior
número de objeciones tem oposto à doutrina . Pelo demais, como estudo
psicológico das raças, o livro é de uma profundidade e veracidad indis-
cutibles . Neste aspecto, as perspectivas que ante nossas miradas pró-
yecta o autor são tais, que forçadamente temos de reconhecer como fun-
dada a opinião segundo a qual não pode jactarse ninguém de conhecer verdade-
ramente a sua própria pátria, qualquer que esta seja, nem no passado nem o
presente, a menos de ter percorrido uma a uma as páginas deste Ensaio .
F. S.
Pelo demais, tenho crido advertir, para tais trabalhos, facilidades pecu-
envolver de nossa época . Se esta, por suas agitações, convida a praticar uma
espécie de química histórica, facilita também semelhantes tarefas , As densas
nuvens, as profundas trevas que nos ocultavam, desde tempo inmemorial,
as origens ae civilizações diferentes da nossa, se afastam e dissipam
ao calor da ciência . Lina maravilhosa depuração dos métodos analíticos,
depois de apresentamos, através de Ñiebuhr, uma Roma ignorada de Tito-
Livio, descobre-nos e explica também as verdades, misturadas com os
relatos fabulosos, da infância helénica . Em outro lugar do mundo, os
povos germánicos, por muito tempo desconhecidos, mostram-nos
tão grandes e tão majestuosos, como bárbaros dessem nos pintar os
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CONDE DE GOB1NEAU
Não é que o passado esteja sem mácula. Nele há de tudo, e pelo mesmo
brinda-nos a confesión de muitas faltas e descobrimos nele mais de um
vergonzoso desfallecimiento . Os homens de hpy poderiam inclusive alardear
de alguns méritos de que ele carece. Mas, se, para recusar suas acusações,
ocorre-lhe de súbito evocar as sombras grandiosas dos períodos heroi-
cos, que dirão? Se lhes reprocha o ter comprometido a fé religiosa,
a fidelidade política, o culto ao dever, que responderão? Se afirma-lhes que
já não são aptos para prosseguir o desenvolvimiento de conhecimentos cujos
princípios foram por ele reconhecidos e expostos; se acrescenta que a antiga
virtude converteu-se em um objeto de debocha; que a energia tem passado
do homem ao vapor; que a poesia se extinguiu , que seus grandes
Nada, senão que todas as coisas belas, sumidas no esquecimento, não estão
mortas e dormitan; que todos os tempos têm conhecido períodos de tran -
sición, épocas em que o sofrimento luta com a vida e das que esta
liberta-se, ao fim, vitoriosa e resplandeciente , e que, já que a Caldea
demasiado envelhecida fué substituída antanho pela jovem e vigorosa Persia,
a Grécia decrépita pela Roma viril e a bastarda dominación de Augús-
tul ou pelos remados dos nobres príncipes teutónicos, assim mesmo as raças
modernas conseguirão rejuvenecerse *
CONDE DE GOBINEAU
Ao traçar aqui estas considerações, sientome enarc dea vão ou, StNUl^por
a proteção que o vasto e elevado espírito de V Uto IRA MAfUdíAU
outorga aos esforços da inteligência e pelo ínteres mas particular com
que ELA honra os trabalhos da erudición histórica. Nunca deixar ae
conservar a lembrança dos preciosos ensinos que me foi dable
recolher de lábios de VOSSA MAJESTADE , e ousarei acrescentar que não se
que admirar mais, se os conhecimentos tão brilhantes e solidos, dos quais
o Soberano de Hannóver possui as mais vanadas colheitas, ou bem o gene *
roso sentimento 3/ as nobres aspirações que os fecundan e que brindam
a seus povos um remado tão próspero, mTírrTDA
SENHOR,
de VOSSA MAJESTADE
muito humilde e muito obediente servidor,
A, de Gobineau
Este livro foi publicado pela primeira vez em 1853 (tomo I e tomo II);
os dois últimos volumes (tomo III e tomo IV) são de 1855* Na edi-
ción atual não se mudou uma linha , e não porque , no intervalo ,
certos trabalhos não tenham determinado bastantees progressos de detalhe . Mas
nenhuma das verdades por mim expostas tem sido quebrantada , e tenho juz 'r
gado necessário manter a verdade tal como a descobri . Antanho , não se
abrigava sobre as Raças humanas mais que suspeitas muito tímidas . Sentíase
vagamente que era preciso escavar por esse lado se se desejava pôr ao dê -
coberto a base não conhecida ainda da história , e presentíase que dentro
dessa ordem de noções mal desbastadas , embaixo desses mistérios tão
escuros , deviam de encontrar a certas profundidades os vastos alicerces
sobre os quais se elevaram gradualmente os pavimentos , logo os
muros, em uma palavra, todos os desenvolvimientos sociais das multi-
tudes tão variadas cujo conjunto compreende o mosaico de nossos povos .
Mas ignorava-se o caminho a seguir para chegar a alguma conclusão.
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CONDE DE GOBINEAU
Então escrevi este livro. Desde seu aparecimento, tem dado lugar a nume-
rosas discussões . Seus princípios têm sido menos combatidos que as aplica-
ciones e, sobretudo, que as conclusões . Os partidários do progresso ili-
mitado não se mostraram com ele nada benévolos. O sábio Ewald emitiu a
opinião de que se tratava de uma inspiração dos católicos extremistas;
a Escola positivista declarou-o perigoso. Enquanto, escritores que não
são nem católicos nem positivistas, mas que possuem hoje uma grande reputação, têm
introduzido de incógnito, sem confessá-lo, os princípios e ainda partes inteiras
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Deixo, pois, meu livro tal como o fiz, sem lhe mudar absolutamente nada .
É a exposição de um sistema, a expressão de uma verdade, hoje para mim
tão diáfana e indubitable como quando a professei pela primeira vez • Os
progressos dos conhecimentos históricos não me fizeram mudar de
opinião em nenhum sentido nem em nenhum grau . Minhas convicções de antanho
são as mesmas de hoje, que não têm oscilado nem para a direita nem para a
esquerda, e têm seguido sendo tais cuales brotaram desde o primeiro mo -
mentó . As aquisições sobrevindas na esfera dos fatos em nada
prejudicam-lhes . Os detalhes multiplicaram-se , o que me compraze . De
os resultados obtidos nada tem sido alterado . Sento-me satisfeito de que
os depoimentos contribuídos pela experiência tenham vindo a demonstrar em
maior grau ainda a realidade da desigualdade das Raças .
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CONDE DE GOBINEAU
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tifie ar seu vôo . Quem me prova que hoje o dirigiria melhor e sobretudo
que chegaria a maior altura nas regiões da verdade? O que reputé
exato, por tal sigo estimando-o, e não tenho, pois, por que introduzir em
isso nenhuma mudança .
Este livro é, pois, a base de todo o que tenho podido fazer e farei em
o futuro . Em verdadeiro modo, comecei-o desde minha infância. É a expressão
dos instintos contribuídos por mim ao nascer. Desde o primeiro dia em que
reflexionei, e reflexionei muito cedo, senti avidez por compreender minha própria
natureza, vivamente impressionado por esta máxima : « Conheça-se a você meus -
mo»; não julguei que pudesse me conhecer sem saber como era o meio em
que ia viver e que, em parte, me inspirava a simpatia mais apasio-
nada e terna, e, em parte, me asqueaba e enchia-me de ódio, de menos*
preço e de horror. Tenho feito, pois, o possível para penetrar na análise
do que chamamos, de uma maneira mais geral do que conviria, a
espécie humana, e a este estudo devo o que exponho aqui .
Depois de ter terminado esta segunda parte de minha tarefa pude abordar
as dificuldades da terça, causa e objetivo de meu interesse. Tracei a his *
toña de uma família, de suas faculdades recebidas desde sua origem, de suas
aptidões, de seus defeitos, das flutuações que influíram em sua dê *
Um, 3> escrevi a história de Ottar Jarl, pirata noruego , e de sua descen-
dencia. Assim é como, após ter tirado a envoltura verde, espinosa,
grossa da noz, e depois a corteza leñosa, pus ao descoberto o núcleo.
O caminho por mim recorñdo não conduz a um desses promontórios escar-
pados d,onde o solo avaria-se, senão a uma dessas planícies estreitas, onde,
com a rota aberta ante si, o indivíduo herda resultados supremos da
raça, seus instintos bons ou maus, fortes ou débis, e desenvolve livremente
sua personalidade.
LIVRO PRIMEIRO
CAPITULO PRIMEIRO
2.6
CONDE DE GOBINEAU
2 7
A respeito das vias que segue a vontade divina para levar os povos
à morte, ^nada nos diz de preciso ; pelo contrário, inclina-se a consi-
derar estas vias como essencialmente misteriosas. Penetrada de piedoso terror
à vista das ruínas, crê harto facilmente que os Estados que se de-
rrumban não podem ser sacudidos ^ pulverizados se não é por efeito de
algum prodígio. Que se tenha produzido em certas circunstâncias um fato
milagroso, inclino-me sem esforço a crê-lo, enquanto os livros sa-
graus afirmam-no ; mas nos casos em que os depoimentos sagrados não
pronunciam-se de uma maneira formal — e é na maioria deles — , cabe
legitimamente considerar a opinião dos tempos antigos como insufi-
cientemente fundada e reconhecer, pelo contrário, que, já que a ira ce-
leste exerce-se sobre nossas sociedades de uma maneira constante e por efec-
to de uma decisão anterior ao estabelecimento do primeiro povo, a sentença
executa-se de uma maneira prevista, normal e em virtude de prescrições
definitivamente inscritas no Código do Universo, ao lado das demais
leis que, em sua inmutable regularidade, regem a natureza animada assim
como o mundo inorgânico.
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CONDE DE GOBINEAU
men e do vício, que todo o que se separava deste quadro normal lhes
importava mediamente e permanecia com frequência inadvertido ou descui-
dado. Este método era falso, mesquinho, e ainda com frequência ia com-
tra a intenção de seus autores, já que empregava, segundo as necesi-
dades do momento, o nome de virtude e de vício de uma maneira arbi-
traria ; mas, até verdadeiro ponto, serve-lhe de desculpa o severo e loable senti-
minto em que se baseava, e, se o gênio de Plutarco e o de Tácito não
sacaram dessa teoria nada mais que novelas e libelos, trátase de novelas
sublimes e de libelos generosos.
Meu objetivo não é, em modo algum, entablar uma polémica; não tenho
querido senão fazer observar até que ponto a ideia comum a Tucídides e
ao abate Raynal origina resultados divergentes; conservadora em um, cíni-
camente agressiva no outro, é em ambos casos um erro. Não é verdadeiro
que as causas às quais se atribui o afundamento das nações
sejam necessariamente as culpadas disso, e ainda reconhecendo de bom
grau que podem ser manifestado no momento de morrer um povo, nego
que possuam força suficiente e estejam dotadas de uma energia destructiva
bastante segura para determinar por si sozinhas a irremediable catástrofe.
CAPÍTULO II
É antes de mais nada necessário explicar bem o que entendo por uma socie-
dêem. Uma sociedade não é o círculo mais ou menos vasto no qual se
exerce, sob uma forma ou outra, uma soberania diferente. A república de
Atenas não é uma sociedade, como também não o é o Reino de Magada, nem o
Império da Ponte, nem o Califato de Egito na época dos Fatimitas.
São fragmentos de sociedade que indubitavelmente se transformam, se jun-
tão ou se subdividen sob a pressão das leis naturais que procuro, mas
cuja existência ou morte não envolve a existência ou a morte de uma
sociedade. Sua formação não é senão um fenômeno com frequência transitório e
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Todos estes fatos têm sido achados, umas vezes isoladamente, outras
simultaneamente e com grande intensidade* em nações que se desenvolviam
a maravilha, ou que, pelo menos, não se resentían deles o mais mínimo.
(3) Prichard, Histoire naturelle de Vhomme (trad. de M. Routin. In. 8.°. Paris,
1843). — Dr. Martins. Martms und Spix, Retse in Brasilien.
CONDE DE GOBINEAU
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tamente os mais débis. Para um povo, a molicie e o luxo não são, pois,
necessariamente causas de decadência e de morte.
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CONDE DE GOBINEAU
gênio militar (i). Parece que, nos tempos que seguiram, assim que
ambas raças começaram a se misturar, tudo piorou, e que, para os se"
glos VIII e IX, o solo nacional não oferecia um panorama do que tivéssemos
que envanecernos demasiado. Mas no decurso dos séculos XI, XII e XIII,
o espetáculo resultou totalmente outro, e, enquanto a sociedade foi amalga-
comando seus elementos mais discordes, o estado dos costumes chegou a ser
geralmente digno de respeito ; entre as ideias daqueles tempos não
tinham cabida esses ambages que afastam do bem a quem ao aspira. Os
séculos XIV e XV constituíram uma época deplorable por sua perversidad e
seus conflitos; neles predominou o bandidaje; por mil , conceitos, e em
o sentido mais amplo e mais rigoroso da palavra, ^fué um período de
decadência; ante os libertinajes, as matanças, as tiranías, a quebra com-
pleta de todo sentimento honrado entre os nobres que roubavam a seus
villanos, entre os burgueses que vendiam a pátria a Inglaterra, entre uma
clerecía disoluta e, em fim, entre os demais grupos sociais, tivesse-se dito
que a sociedade inteira ia afundar, arrastando consigo e ocultando baixo
suas ruínas todas aquelas vergonhas. A sociedade não se afundou, senão que
continuou vivendo, ingeniándoselas e lutando até sair de penas. Em o^século
XVI, apesar de suas sangrentas loucuras, consequências mitigadas da época
{ )recedente, foi bem mais digno que seu antecessor ; e, para a humanidade,
a noite de San Bartolomé não é ignominiosa como a matança de os
Armagnacs, Em fim, daquela época emendada a médias, a sociedade
francesa passou às luzes vivas e puras da época dos Fénélon, de os
Bossuet e dos Montausier. Assim, até Luis XIV, nossa história oferece
rápidas alternativas de bem e de mau, e a vitalidad própria da nação
permanece ai margem do estado de seus costumes. Tenho assinalado de pressa
e correndo as maiores diferenças, passando por alto as de detalhe, que por
verdade abundam e cuja enumeración exigiria não poucas páginas ; mas, para
não falar senão do que temos tido sob nossas miradas, não é sabido
que cada dez anos, desde 1787, o nível da moralidad tem variado enor-
memente? Minha conclusão é que sendo, em definitiva, a corrupção de cos-
tumbres, um fato transitório e flutuante, que tão cedo piora como
melhora, não cabe a considerar como uma causa necessária e determinante de
ruína para os Estados.
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grande fervor* Portanto, é absurdo pretender que todos os povos
que vêem destruída sua nacionalidade expían com este fato um abandono de o
culto de seus antepassados* Não é isso tudo: nos dois únicos exemplos que
podem ser invocado fundadamente, o fato que se assinala é mais aparente
que real, já que o mesmo em Roma que em Atenas o antigo culto não
foi nunca abandonado até o dia em que em todas as consciências triunfou
por completo o cristianismo; em outras palavras, acho que em matéria de fé
religiosa, não tem tido nunca em nenhum povo uma verdadeira solução de
continuidade ; que, quando a forma ou a natureza íntima da crença
teve mudado, o Teutatés galo fez-se seu o Júpiter romano, e a Júpiter
o cristianismo, sem transição de incredulidad ; de maneira que, se não se
tem achado nunca a uma nação da que fundadamente possa ser dito que
carecia de fé, não há razão alguma para supor que a carência de fé
destrói os Estados,
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CONDE DE GOBINEAU
(i) César, democrata e cético, sabia pôr sua linguagem em desacordo com
suas opiniões quando as circunstâncias o requeriam.
DESIGUALDADE DAS RAÇAS
35
imperial teve reduzido estas mesmas classes ao mais humilde dos papéis,
o populacho quis ser vingado delas, e, se equivocando de vítimas, degolou
aos cristãos, aos quais tratava de impíos e tomava por filósofos*
jQué diferença de épocas! O pagano verdadeiramente cético é aquele
rei Agripa que, por curiosidade, deseja ouvir a san Pablo (i); escuta-lhe,
discute com ele, lhe toma por um locó, mas não trata em modo algum de
castigar pelo fato de que pense de diferente maneira à sua. É o
historiador Tácito, cheio de menosprezo pelos novos crentes, mas que
censura as crueldades de que Nerón lhes faz vítimas. Agripa e Tácito
eram incrédulos. Diocleciano era um político que se guiava pelos clamores
dos governados. Dedo e Aureliano eram fanáticos como seus povos.
36
CONDE DE GOBINEAl)
CAPÍTULO III
3 »
CONDE DE GOBINEAU
CAPÍTULO IV
Do que há que entender pelo VOCABLO DEGENERAÇÃO; da
MISTURA DOS PRINCÍPIOS ÉTNICOS, E COMO As SOCIEDADES SE FORMAM
E DISSOLVEM-SE
39
4ou
CONDE DE GOBINEAU
mesmas mãos, Mas assim dou ao mesmo tempo com um problema bem mais
audaz que aquele cuja explicação tenho tentado nos capítulos precedentes,
já que a questão que abordo é esta :
Para que se compreenda meu pensamento de uma maneira mais clara e mais
fácil, começo por comparar uma nação, toda uma nação, ao corpo têm
mão, respeito do qual os fisiólogos professam a opinião de que se renova
constantemente, em todas suas partes constitutivas, que o trabalho de trans-
formação que se realiza nele é incessante, e que ao cabo de certos pe-
riodos encerra muito pouca coisa do que em sua origem fazia parte inte-
grante dele ; de tal maneira, que o idoso não conserva nada do homem
maduro, o homem maduro nada do adolescente, o adolescente nada de o
menino, e que a individualidad material não se mantém senão por virtude de
formas internas e externas que se sucederam umas a outras se copiando
aproximadamente. Admitirei, no entanto, uma diferença entre o corpo
humano e as nações, e é que, nestas últimas, mal se trata da
conservação das formas, as quais se destroem e desaparecem com infinita
rapidez. Tomo a um povo ou, falando melhor, a uma tribo, no momento
em que, cedendo a um instinto de acentuada vitalidad, se dá leis e em-
peça a desempenhar um papel neste mundo. Pelo mesmo que seus necesi-
dades e suas forças se acrecientan, pónese inevitavelmente em contato
com outras famílias, e, pela guerra ou pela paz, consegue incorporar.
Não a todas as famílias humanas lhes é dado atingir este primeiro grau,
passo necessário que uma tribo deve dar para se elevar um dia ao estado de
nação. Se certo número de raças, que nem sequer se cotaram muito alto
na escala da civilização, deram-no, não cabe dizer na verdade que isso
constitua uma regra geral; pelo contrário, parece ser que a espécie
humana experimenta inclusive uma dificuldade bastante grande para elevar-se
acima da organização parcelaria, e que unicamente entre grupos
especialmente dotados efetua-se o bilhete a uma situação mais complexa.
Invocarei, em depoimento disso, o estado atual de grande número de grupos
espalhados por todas as partes do mundo. Essas tribos incultas, sobretudo
as dos negros pelágicos da Polinesia, os Samoyedos e outras famílias
do mundo boreal e a maior parte dos negros africanos, não têm podido
livrar-se nunca dessa impotencia, e vivem yuxtapuestos os uns aos outros
e em relações de completa independência. Os mais fortes matam a os
mais débis, e estes tentam viver o mais distanciados possível daqueles;
a isto se reduz toda a política desses embriões de sociedades que
perpetuam-se desde o começo da espécie humana, em um estado tão im-
perfeito, sem ter podido nunca chegar a mais. Se objetará que essas misera-
bles hordas formam a parte menos numerosa da população do Globo;
sem dúvida, mas há que ter em conta as que têm existido e desaparecido.
Seu número é incalculable, e certamente compreende a maioria de raças
puras dentro das variedades amarela e negra.
4 *
a civilização; sim t ademais, consideramos que esses grupos se encontram
diseminados sobre a face inteira do mundo, nas mais diversas condições
de lugar e de clima, habitando indiferentemente nos países glaciais,
temperados, tórridos, à beira dos mares, dos lagos e dos rios, em o
fundo dos bosques e das verdes praderas, ou nos desertos áridos,
vemos-nos induzidos a concluir que uma parte da humanidade está, em
sim mesma, condenada a não se civilizar nunca, nem sequer no primeiro grau,
já que é incapaz de vencer as repugnancias naturais que o homem,
como os animais, experimenta pelo cruzamiento.
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CONDE DE GOBINEAU
Não seja se o leitor tem pensado já em isso, mas, no quadro que traço,
e que não é senão, em muitos aspectos, o que oferecem os Indianos, os Egip-
cios, os Persas, os Macedonios, encontro dois fatos muito destacados. O
primeiro, é que uma nação, sem força e sem poderío, se encontra de súbito,
(i) Leste apego das nações árabes ao isolamento étnico manifesta-se às vezes
de uma maneira muito estranha. Conta um viajante que em Djidda, onde as costum-
bres estão muito relaxadas, a mesma beduína que cede sem escrúpulo à mais leve
oferta de dinheiro, se julgaria deshonrada se se unisse legitimamente bem com o
turco,
bem com o europeu ao qual se presta o menosprezando.
43
Quero que o povo^ sobre o qual raciocino seja confirmado em suas ideias
de separação pelas mais formais prescrições religiosas, e que tenha
estabelecida uma penalidade temível para espantar aos infractores. Como é
um povo civilizado, seus costumes são moderados e tolerantes, inclusive
em menoscabo de sua fé; mas, digam o que digam os oráculos, terá indi-
viduos descastados: e será preciso estabelecer cada dia novas distinções,
inventar novas classificações, multiplicar as faixas, fazer impossível que
um se reconheça entre as infinitas subdivisiones, que variam de província
em província, de cantón em cantón, de aldeia em aldeia? fazer, em fim, o que
tem lugar nos países indianos. Mas ninguém como o brahmán para man-
ter tenazmente suas ideias separatistas ; os povos civilizados por ele, fora
de seu seio, não têm tolerado nunca, ou pelo menos têm recusado desde
longo tempo, trava molestas. Em todos os Estados avançados em cultura
intelectual, não se preocuparam um sozinho instante das medidas desespe-
radas que o desejo de conciliar as prescrições do Código de Manú com
a corrente irresistible das coisas inspirou aos legisladores do Ariavarta.
Em qualquer outra parte, as castas, quando realmente as teve, cessaram
de existir no momento em que a possibilidade de lavrar fortuna, de ilus-
trarse por meio de descobertas úteis ou de artes amáveis, ofereceu-se a
todos, sem . distinção de origem. Mas também, a partir do mesmo dia, a
nação primitivamente conquistadora, impulsora, civilizadora» começou a
CONDE DE GOBINEAU
44
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CONDE DE GOBINEAU
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ciência estratégica e triunfos guerreiros, sem outro instinto superior, não têm
atingido um final melhor que o de se inteirar por seus vencidos, e ainda de
inteirar-se mau, como se vive na paz. Os Celtas, as hordas nómadas
do Ásia, contam com anales que não falam de outra coisa.
CAPÍTULO V
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CONDE DE GOBINEAU
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As instituições políticas não podem optar senão entre duas origens ; ou bem
derivam da nação que deve viver sob sua regra, ou bem, inventadas
em um povo influente, são aplicadas por ele a Estados que se acham baixo
sua esfera de ação.
Com a primeira hipótese não há dificuldade. Evidentemente o povo tem
imaginado suas instituições segundo seus instintos e necessidades; tem-se abste-
ninho de estatuir nada que possa molestar a uns e a outros; e se, por in-
advertência ou torpeza, tem incorrido em isso, muito cedo o mal-estar sub-
seguinte leva-lhe a emendar suas leis e a pô-las em mais perfeita concor-
dancia com seu objetivo. Cabe dizer que em todo país autônomo, a lei emana
49
5 °
CONDE DE GOBINEAU
Não nos caiba nenhuma dúvida. Como a nação nasce dantes que a lei,
a lei parece-lhe e toma seu selo dantes de plotar-lhe a ela o seu.
As modificações que o tempo origina nas instituições são outra prova
do que dizemos.
51
Não pode ser admitido, pois, que as instituições façam que os povos
sejam como os vemos, quando são os povos quem as inventaram*
Mas, é igualmente assim na segunda hipótese, isto é, quando uma
nação recebe seu Código de mãos estrangeiras provistas do poder nece-
sario para fazer aceitar, de bom ou mau grau?
52
CONDE DE GOBINEAU
envolver-se com horror contra umas superstições ainda mais repugnantes* Não
conseguiu
destruí-las senão após muito prolongados esforços, já que no se-
glo XVIII, a matança dos náufragos e o exercício do direito de frac-
tura subsistiam em todas as parroquias marítimas onde o sangue kynrica (i)
tinha-se conservado pura. E é que estes costumes bárbaros respondiam
aos instintos e sentimentos indomables de uma raça que, não tendo
sido suficientemente misturada, não teve até então motivos determi-
nantes para mudar de parecer.
53
sangue de seus vencedores, quem têm descido assim a seu nível, enquanto
que as fiéis peles vermelhas dos Estados Unidos, acometidos pela ener-
gía anglo-saxã, têm sucumbido a este contato* Os poucos que ficam
vão desaparecendo dia depois de dia, e desaparecem sem civilizar, exatamente
como seus pais*
54
CONDE DE GOBINEAU
55
■(i) A colônia de Santo Domingo, dantes de seu emancipación, era um dos lu-
gares da Terra onde a riqueza e a elegancia de costumes tinham levado a o
máximo seus refinamientos.
CONDE DE GOBINEAU
56
57
lhes, negaram toda confiança aos chefes laicos enviados pela Coroa de
Espanha. Não mostraram nenhum apego a suas novas instituições. O gosto
pela vida selvagem acometióles de novo, e hoje, a exceção de trinta e
sete pequenos povoados que vegetan ainda nas orlas do Paraná, de o
Paraguai e do Uruguai, aldeias que encerram certamente um núcleo de
população mestiza, todos os restantes têm voltado às selvas e ali vivem
em um estado tão selvagem como as tribos ocidentais de igual origem, os
Guaraníes e os Cirionos. Os fugitivos têm voltado a adotar, não direi seus
velhos costumes em toda sua pureza, mas sim costumes que pouco diferem
delas e que delas derivam diretamente, e isso porque não é dable
a nenhuma raça humana mostrar-se infiel a seus instintos nem abandonar o
caminho no qual Deus a colocou. Cabe achar que se os jesuítas hubie-
sen seguido regendo suas missões do Paraguai, seus esforços, ajudados por
o tempo, tivessem determinado melhores sucessos. Admito-o; mas com esta
condição única, sempre a mesma, de que, ao amparo de sua ditadura,
tiverem^ vindo grupos de população européia a estabelecer-se pouco a pouco
no país, tivessem-se misturado com os nativos, tivessem primeiro modifi-
cado, e depois mudado completamente o sangue, e, nestas condições,
habríase formado naqueles lugares um Estado designado talvez com um
nome aborigen, vanagloriándose quiçá de descer de antepassados autóc-
tons, mas de fato, em realidade, tão europeu como as instituições que
o tiverem regido.
Tenho aqui quanto tinha que dizer sobre as relações das instituições
com as raças.
CAPÍTULO VI
(i) Consultar, entre outros, a Carus: Ueber ungleiche Befachigung der verschie -
denen Menschheitstaemme für hochere geistige Entzuickelung .
5 »
CONDE DE GOBINEAU
não há que dizer que t dado tal hipótese, a humanidade não será perfectible
senão com ajuda da natureza material, e que todo seu valor e sua grandeza
existiriam em germen fosse dela mesma. Por muito especiosa que, a prime-
ra vista, resulte esta opinião, não concorda em nenhum ponto com os nu-
merosos fatos que a observação nos brinda.
Não há certamente países mais fértiles, nem climas mas suaves que os de
os diferentes países de América. Ali abundam os grandes nos ; seus
golfos, baías e portos são vastos, profundos, magníficos, numerosos; os
metais preciosos encontram-se a ras do solo; a natureza vegetal
prodiga quase espontaneamente os meios de existência mas vanados, em
tanto que a fauna, rica em espécies alimentares, oferece recursos ainda
mais substanciais. E, no entanto, a maior parte de seus afortunados países
é habitada, desde muitíssimos séculos, por tribos incapazes da exploração,
sequer muito mediocre, de seus imensos tesouros.
(3) A Índia antiga precisou, dos primeiros colonos de raça branca, imensos
trabalhos de roturación. Ver Lassen, Indische Alterthumshunde , t. I. Para o Egito,
59
6ou
CONDE DE GOBINEAU
61
62
CONDE DE GOBINEAU
Quero significar que não foi o lugar o que determinou o valor da nação,
e que nunca o determinou, nem o determinará jamais ; ao invés, era
a nação a que dava, tem dado e dará ao território seu valor econômico,
moral e político* .
A fim de ser todo o claro possível, acrescentarei no entanto que não esta
em meu pensamento o negar a importância da situação para verdadeiras
cidades, já se trate de fábricas, de portos de mar ou de capitais. As
observações que se fizeram, a propósito de Constantinopla e de Ale-
jandría especialmente, são incontestables (i). Verdadeiro é que existem em o
Globo diferentes pontos que podemos chamar as chaves do mundo; ^ asi se
concebe que, no caso da abertura do istmo de Panamá, o poderío que
possua a cidade não construída ainda sobre este canal hipotético (2) habra de
influir consideravelmente nos problemas mundiais. Mas esta influência,
uma nação exerce-a acertadamente ou bem desacertadamente ou ainda deixa de
exercê-la em absoluto, segundo o que ela valha* Alarguem o não Chagres,
e façam que os dois mares se unam sob seus muros; depois povoem a cidade
com uma colônia a gosto vosso : de vossa eleição depende o porvenir
da nova cidade* No caso de que a raça seja verdadeiramente digna de
a elevada sorte à que terá sido chamada, se a situação de Chagres
não é precisamente a mais a proposito para favorecer todas as vantagens de
a união dos dois oceanos, aquela população abandonará sua residência
e irá a outro lugar para despregar com inteira liberdade os esplendores de seu
destino (3)*
CAPÍTULO VII
(3) Ewald, em sua obra Geschichte dê Wolkes israel (t. I, p. 259) demonstra, com
grande acopio de dados, cuán escassa influência exerce o território material sobre
o ca^
rácter e a civilização de um povo.
DESIGUALDADE DAS RAÇAS
63
CONDE DE GOBINEAU
65
Í joderío mundano, meios de adquirí-lo, todo isso não conta para nossa
ey. Nenhuma civilização, de qualquer gênero que seja, atraiu nunca seu
admiração nem provocou sua desdén, e débese a esta rara imparcialidade, e úni-
camente pelos efeitos a que dió lugar, o que esta lei pudesse ser chamado
com razão católica , universal, pois não é exclusiva de nenhuma civilização,
nem vinho a preconizar exclusivamente nenhuma forma de existência terrestre,
senão que, pelo contrário, não recusa nenhuma e aspira às purificar todas.
66
CONDE DE GOBINEAU
em ^a questão das cerimônias chinesas. O que não se vê, é que ela tenha
assinalado nunca ao mundo um tipo único de civilização ao que seus crentes
tivessem que se aderir. A todo se acomoda, inclusive à choça mais tosca,
e ali onde se encontra um selvagem bastante estúpido para deixar de com-
prender a utilidade de um abrigo, ali encontra-se igualmente um misionero
bastante abnegado para sentar a seu lado na dura rocha e não pensar
smo em fazer penetrar em sua alma as noções essenciais da salvação.
O cristianismo não é, pois, civilizador tal como comumente o entende-
mos; pode, portanto, ser adotado pelas raças mais diversas
sem ferir suas aptidões especiais nem pedir-lhes nada que rebase o limite de
suas faculdades.
6?
Esquimales à luz religiosa ; mas não o encontro menos que seus neófitos
tenham permanecido pelo demais absolutamente no mesmo estado social
em que dantes se encontravam* Finalmente, para terminar, constitui, a meus
olhos, um fato simples e natural o que os Lapones suecos continuem em o
mesmo estado de barbarie que seus antepassados, ainda que, desde faz
séculos, tenham penetrado ali as salvadorás doutrinas do Evangelho* Sincera-
mente acho que todos esses povos poderão produzir, têm produzido já
quiçá, pessoas notáveis por sua piedade e a pureza de seus costumes; mas
não confio ver sair nunca de ali sábios teólogos, inteligentes militares, pró-
fundos matemáticos, artistas de mérito, em uma palavra, essa seleção de
espíritos refinados cujo número e perpétua sucessão constituem a força
e a fecundidad das raças dominadoras, em maior grau ainda que a rara
aparecimento daqueles gênios sem igual que não são seguidos dos povos
pelas vias nas quais se aventuram senão quando estes povos estão
conformados de tal modo que lhes leva aos compreender e a avançar baixo
sua direção. É, pois, necessário e justo desinteresar inteiramente ao cris-
tianismo no assunto. Se todas as raças são igualmente capazes de cone-
cerlo e de apreciar sua benéfica influência, não é missão do cristianismo o
voltá-las a todas iguais : seu reino* podemos dizê-lo determinadamente, no sen-
tido de que aqui se trata, não é deste mundo.
68
CONDE DE GOBINEAU
imitar tão de perto os costumes por eles pregadas, que daqui por diante,
inteiramente amoldada à exploração da terra, possuirá, como aqueles
mesmos Cherokis de que tenho falado, e como os Criks da ribera Sur de o
Arkansas, rebanhos perfeitamente cuidados e ainda numerosos escravos negros
para trabalhar nas plantações.
Adrede tenho escolhido os dois povos selvagens que se citam como mais avan-
zados; e, longe de compartilhar a opinião dos igualitarios, creio, ao observar
esses exemplos, que não é possível encontrar uma prova mais palpable da
incapacidade geral das raças para avançar por uma via que sua natureza
própria não bastou a lhes fazer descobrir.
Tenho aqui duas tribos que têm ficado isoladas de numerosas nações
destruídas ou expulsadas pelos alvos, e, no entanto, duas tribos que se
destacam excessivamente das outras que se diz descem da raça allegha-
niense, à qual se atribuem os magnos vestígios de antigos monumentos
descobertos no Norte do Mississipi. Há ali já, no espírito daqueles
que pretendem observar a igualdade entre os Cherokis e as raças européias,
um grande desvio respeito do conjunto de seu sistema, já que a
primeira palavra de sua demonstração consiste em estabelecer que as nações
alleghanienses não se parecem às anglo-saxãs senão porque são superiores
às demais raças da América setentrional. Ademais, que lhes ocorreu
àquelas duas tribos de elite ? IE 1 Governo norte-americano tirou-lhes os
territórios nos quais viviam antigamente, e, por meio de um tratado
de trasplantación, tem feito emigrar a uma e outra para um terreno esco-
gido de antemão, onde lhes assinalou a cada uma seu lugar. Ali, sob a
vigilância do Ministério da Guerra e sob a direção dos misioneros
protestantes, aqueles indígenas têm devido abraçar, pela força, o gênero
de vida que hoje praticam. O autor a quem devo estes detalhes, e que os
sacou a sua vez ae a grande obra de M. Gallatin (i), assegura que o número
de Cherokis vai em aumento. Alega como prova que na época em que
Adair visitou-os, o número de seus guerreiros estimábase em 2.300, e que hoje
a cifra total de sua população faz-se ascender a 15.000 almas, comprem-
diendo nela, é verdadeiro, 1,200 negros escravos propriedade sua; e como
acrescenta também que suas escolas, o mesmo que suas igrejas, estão dirigidas
pelos misioneros, e que estes misioneros, em sua condição de protestantes,
estão casados, se não todos, pelo menos em sua maioria; e têm filhos ou
criados de raça branca, e provavelmente também uma espécie de estado maior
de empregados europeus de todas as profissões, resulta muito difícil apreciar
se realmente tem tido aumento no número dos indígenas, ao passo
que resulta muito fácil comprovar a pressão vigorosa que a raça européia
exerce ali sobre seus discípulos (2).
Colocados em manifesta-a impossibilidade de fazer a guerra, desterrados,
presenciando por todos lados o poderío norte-americano, inconmensurable
para seu imaginación, e, por outra parte, convertidos à religião de suas dorm-
69
Sei que homens muito eruditos, muito sábios, têm dado lugar a essas reha-
bilitaciones algo burdas, pretendendo que entre certas raças humanas e as
grandes espécies de simios não tinha mais que diferenças de matiz. Como
rejeição sem reservas semelhante injúria, é-me igualmente lícito não aceitar a
exagero com a qual se responde a ela. Desde depois, a meus olhos, as
raças humanas são desiguais; mas não acho que nenhum bruto esteja a seu
nível e seja semelhante a elas. A última das tribos, a variedade mais
grosseira, o subgénero mais miserável de nossa espécie, é pelo menos
capaz de imitação, e não tenho a menor dúvida de que tomando a um indi-
viduo qualquer entre os mais horríveis Bosquímanos não possa ser obtido,
não desse mesmo indivíduo, se é já adulto, senão de seu filho ou pelo menos
de seu neto, a necessária inteligência para aprender e exercer uma profissão,
e ainda uma profissão que exija um verdadeiro grau de estudo. Se concluirá
disso que a nação a que pertence esse indivíduo poderá ser civilizada a
nossa maneira? É raciocinar às presas e concluir demasiado de pressa. Média
muita distância entre o exercício dos oficios e das artes, produtos de
uma civilização avançada, e esta mesma civilização. E, por outra parte, se
está seguro de que os misioneros protestantes possam levar concienzuda-
mente a cabo a tarefa a eles imposta? São deveras os depositarios de
uma ciência social verdadeiramente completa? Duvido-o ; e se a comunicação
entre o Governo norte-americano e os mandatários espirituais que conserva
entre os Cherokis chegasse a romper-se de súbito, o viajante encontraria, uns
anos depois, nas granjas dos indígenas, instituições muito inesperadas,
muito novas, fruto da mistura de alguns alvos com aquelas peles vermelhas,
e não veria nelas senão um pálido reflexo do que se ensina em Nova York.
Fala-se com frequência de negros que têm aprendido música, de negros que
estão empregues em casas de banca, de negros que sabem ler, escrever, calcu-
7ou
CONDE DE GOBÍNEAU
Não ; não sou tão exigente, tão exclusivo. Não peço já que com nossa
fé um povo abrace todo quanto forma nossa individualidad ; suporto
que a recuse; admito que escolha outra muito diferente. Mas que lhe veja
pelo menos, no momento em que abre os olhos às luzes do Evangelho,
como compreende de súbito até que ponto sua marcha terrestre resulta tão
grávida e miserável como não tem muito o era sua vida espiritual ; que
veja-lhe criar-se a si mesmo um ruevo ordem social a sua guisa, reunindo ideias
até então infecundas, admitindo noções estrangeiras que ele trans-
forma. Que ponha mãos à obra ! Aí aguardo-lhe ! Não peço senão que
a isso se decida. Nenhum começa. Nenhum o tentou nunca. Não se
me assinalará, compulsando todos os registros da História, uma sozinha nação
que se tenha incorporado à civilização européia por efeito de adotar o
cristianismo, uma sozinha em que o mesmo grande fato a tenha levado a civi-
lizarse por si mesma.
7 *
CAPÍTULO VIII
7 ^
CONDE DE GOBINEAU
73
; r os Fenicios, afastados uns de outros, não deixavam de estar unidos por uma
orma de cultura análoga e que tinha seu protótipo em Asiría. As repúblicas
italianas uniam-se no movimento de ideias e opiniões dominante em o
seio das monarquias vizinhas. As cidades imperiais suabias e turingias,
muito independentes desde o ponto de vista político, estavam inteiramente
vinculadas ao progresso ou à decadência geral da raça alemã. Resulta
destas observações que M. Guizot, ao classificar aos povos por ordem
de mérito, introduz nas raças antagonismos injustificados e diferenças
inexistentes. Como não é este um lugar a propósito para entablar uma dis-
cusión a fundo, passarei de longo. Se, não obstante, tivesse que o fazer, não
teríamos que nos negar a admitir que Calca, Génova, Veneza e outras
cidades resultassem inferiores a Milão, Nápoles e Roma?
74
CONDE DE GOBINEAU
Para mim não resulta superior, senão inclusive inferior à definição dada
pelo barón Guillermo de Humboldt: «A civilização é a humanización
dos povos em suas instituições, em seus costumes e no sentimento
interior com elas relacionado» (i).
(i) W. v. Humboldt, Ueber die Kauñ'Sprache auf der Insel Java; Einleitung,
t. I, p, XXXVII.
75
yS CONDE DE GOBINEAU
Não existe tribo tão embrutecida à qual não se descubra um duplo ins-
tinto: o das necessidades materiais e o da vida moral. O grau de
intensidade das umas e da outra dá origem à primeira e mais sensível de
as diferenças entre as raças. Em nenhum lugar, nem sequer nas tribos mais
primitivas, equilibram-se exatamente ambos insiintos. Em umas, predo-
mina a necessidade física, em outras, as tendências contemplativas. Assim, jas
abyectas hordas da raça amarela aparecem-nos dominadas pela sensação
material, sem estar, no entanto, absolutamente privadas de toda luz acerca
das coisas sobrehumanas. Pelo contrário, na maior parte de tribos
negras do grau correspondente, os hábitos são mais bem ativos que
contemplativos, e a imaginación dá mais importância às coisas que não se
vêem que às que se tocam. Não sacarei disso a consequência de uma
superioridad destas últimas raças sobre as primeiras, desde o ponto de
vista da civilização, já que não são — a experiência dos séculos o de-
mostra — mais susceptíveis de atingí-la una que outras. Nunca as tem
visto realizar nenhum esforço para melhorar sua sorte, condenadas como
estão todas elas por uma mesma incapacidade de combinar ideias bastantees
com fatos suficientes para sair de seu abyección. Limito-me a assinalar que
no grau mais superior das raças humanas encontro esta dupla
corrente, diversamente constituída, cuja marcha terei de seguir sob medida
que me vá elevando.
77
Dividirei, pois, todos os povos em duas classes, a fim dos colocar mais
particularmente, ainda que nunca de um modo absoluto — o recordem bem —
sob a ação de uma das duas correntes. À cabeça da categoria
masculina, inscreverei aos Chineses; e como protótipo da classe oposta,
escolherei aos Indianos.
CONDE DE GOBINEAU
78
CAPÍTULO IX
79
8ou
CONDE DE GOBINEAU
sobre o estado dos povos estrangeiros. Do fato de que exteriormente seu civi-
lización não se pareça à nossa, concluímos com frequência, ou que são bárbaros ou
que
são inferiores em mérito a nós. Nada mais superficial, nem deve por tanto ser mais
suspeito, que uma conclusão sacada de tais premisas.
8l
82
CONDE DE GOBINEAU
e os fatos que se produzem em sua superfície estejam bem arraigados nas
massas, e que as consequências dessas ideias e desses princípios respondam
aos instintos da maioria? Há que acrescentar ademais esta pergunta :
Pensam e atuam no sentido do que chamamos civilização européia as
últimas capa de nossos povos?
(1) «Não existe senão a Chinesa onde um pobre estudante possa ser apresentado ao
com-
curso imperial e sair convertido em grande personagem. É o lado brilhante da
organi-
zación social dos Chineses, e sua teoria é indiscutivelmente a melhor de todas;
desgraçadamente o aplicativo dista muito de ser perfeita...» (F. J. Mohl, R apport
annuel fait à Société asiatique, 1842, p. 49.)
CONDE DE GOBINEAU
84
Se, trasude ter observado o escasso gosto por nossa civilização, com-
sideramos o fundo das crenças e das opiniões, o afastamento resulta
ainda mais acusado. Quanto às crenças, há que lhe agradecer tam-
bién aqui à fé cristã o que não seja exclusivista e não tenha querido
impor um formulismo demasiado estreito. Tivesse tropeçado com é-
collos muito perigosos. Os bispos e os curas têm que lutar, o mesmo
que faz um século, o mesmo que faz cinco, quinze séculos, contra preven-
ciones e tendências transmitidas hereditariamente, e tanto mais temíveis
quanto que, por não ser confessadas, não permitem ser combatidas nem vencidas.
Não há cura perspicaz que, tendo evangelizado pueblecillos, não co-
nozca a profunda astúcia com que o camponês,- inclusive devoto, continua
86
CONDE DE GOBINEAU
E ainda se nossa população rural não fosse mais que grosseira e ignorante,
caberia preocupar-se mediamente de tal separação e consolar-se com é-a-
peranza de conquistá-la pouco a pouco e de fundir nas multidões já
ilustradas. Mas ocorre com estas massas absolutamente o mesmo que^ com
certos selvagens : a primeira vista, julgamo-los incapazes de reflexão e
parecidos aos brutos, por causa de seu aspecto humilde e inexpresivo; dê-
pués, à medida que penetramos, por pouco que seja, no seio de sua vida
particular, advertimos que não obedecem, em seu voluntário ^isolamento, a
um sentimento de impotencia. Seus afecciones e seus antipatías não são ca-
prichosas, e tudo nelas concorda com um encadeamento lógico de ideias
muito arraigadas. Falando faz um momento da religião, tivesse podido
fazer esquecer também a distância imensa que separa nossas doutrinas
morais das de nossos camponeses* até que ponto o que eles lume-
riam delicadeza difere do que nós entendemos com este nome;
e, em fim, com que tenacidad continuam olhando todo o que não é como
eles, camponês, com o mesmo ar com que os homens da mais remota
antiguidade olhavam ao estrangeiro. Não o matam, é verdadeiro, graças ao terror,
singular e misterioso, que lhe inspiram umas leis que eles não têm feito;
mas odeiam-no abertamente, desconfiam dele, e assim que se trata de dê-
pojarlo, fazem-no muito gozosos, de encontrar-se a coberto de perigos, São
maus? Não, entre eles, já que observam uma conduta leal e correta.
O que ocorre é que se consideram de outra espécie; espécie, se há que
crer-lhes, oprimida, débil, que deve recorrer à astúcia, mas que conserva
também um orgulho muito tenaz e despreciativo. Em algumas de nossas pró-
vincias, o camponês considera-se de melhor sangue e a mais rancio origem
que seu antigo senhor. O orgulho de família em alguns camponeses, iguala
hoje, pelo menos, ao que se observava na nobreza da Idade Média.
CONDE DE GOBINEAU
(i) Muito pouco do que expõe Gobineau a respeito de Chinesa poderia ser sustentado
em nossos dias, sacudida como está atualmente por contínuas guerras civis.
(N. do T.)
89
Advirto que tenho feito uma digresión muito longa, cujas ramificações
estenderam-se para além do que calculava. Não o sento em demasía.
Tenho podido emitir, nesta ocasião, certas ideias que deviam ser necessária-
mente conhecidas do leitor. Com tudo, já é hora de que prossiga o curso
natural de minhas deduções. A série dista ainda de ser completa.
CAPÍTULO X
9 ou
CONDE DE GOBINEAU
ñas oferecem diferenças tão radicais, tão essenciais, que não podemos menos
de negar-lhes a identidade de origem* Ao lado da descendencia adamítica,
os eruditos aderidos a este sistema supõem muitas outras genealogias*
Para eles a unidade primordial não existe na espécie, ou, para nos expressar
melhor, não existe uma sozinha espécie, senão três, quatro e mais, das quais
têm saído gerações perfeitamente diferentes, que, por suas misturas, têm
formado as híbridas. .
9 1
92
CONDE DE GOBINEAU
93
Muitas são as dúvidas que suscitou esta classificação* lhe pôde repro-
char, com motivo, como à de Camper, que passava por alto muitos ca-
racteres importantes* E a isto se deveu, em parte, que, para evitar as
objeciones principais, Owen propusesse examinar os cráneos não pela
coronilla, sinq por sua base* Um dos resultados principais desta nova
maneira, de proceder foi o encontrar definitivamente uma linha de de-
marcação tão precisa e acusada entre o homem e o orangután, que
resultava para sempre impossível voltar a achar entre ambas espécies o
laço imaginado por Camper* Efetivamente, uma primeira olhadela a estes dois
cráneos, o um de orangután, o outro de homem, examinados por suas bases,
basto para fazer notar diferenças capitais. O diâmetro ánteropostenor é
mas alongado no orangután que no homem ; o arco cigomático, em
lugar de encontrar-se compreendido dentro da metade anterior da base
craneana, forma, na região média, exatamente um terço da lon-
gitud total do diâmetro; em fim, a posição do buraco occipital, tão in-
teresante por suas relações com o caráter geral das formas do indi-
viduo, e sobretudo pela influência que exerce sobre os hábitos, não é
em modo algum a mesma. No homem, ocupa quase o centro da base
do cráneo; no orangután, está situado no centro do terço pos-
terior (2)*
Para demonstrar a diferença das raças, os dois sábios que cito têm
partido desta ideia: que quanto maiores são os cráneos, mais superiores
mostram-se, em general, os indivíduos a quem pertencem (4)* A cues-
tión proposta é, pois, esta: Tanto faz em todas as categorias humanas o
desenvolvimento do cráneo?
94
CONDE DE GOBINEAU
Povos brancos
Povos amarelos
Peles Vermelhas ♦
Negros . . ♦
Número
Termo
Máximo
Mínimo
de cráneos
meio da
de
de
medidos
cifra de cap.
capacidade
rapacidad
52
87
109
75
i Mogoles
10
83
93
69
( Malayos.
18
81
89
64
J 47
82
100
60
2 9
78
94
65
Os resultados inscritos nas duas primeiras colunas são realmente
muito curiosos. Em mudança, concedo pouca importância aos das duas ulti-
mas; pois pára que a violenta perturbação que parece contribuir das
observações da segunda coluna fosse real, séria antes de mais nada preciso que
Mr. Morton tivesse operado sobre um numero bem mais considerável de
cráneos e, depois, que tivesse especificado a posição social das per-
sonas às quais tivessem pertencido.
95
(1) Há ligeiras que são não obstante muito características. Entre elas assinalarei
certa hinchazón da carne a ambos lados do lábio inferior, entre os Alemães e
os Ingleses. Este sinal, de origem germánico, a encontro também em algumas figu-
ras da Escola flamenca, na Madona de Rubens do Museu de Dresde, em os
Sátiros e ninfas da mesma coleção, na que toca o laúd, de Mieris, etc. Nenhum
método craneoscópico está em condições de recolher tais detalhes, que não deixam
no entanto de ter seu valor entre nossas raças tão misturadas*
CONDE DE GOBINEAU
96
Weber tem vindo a atacar esta teoria, conquanto com escassa vantagem, já que
tem devido reconhecer que certas formas da pelvis se encontravam mais fre-
cuentemente em uma raça que em outra. Todo o que tem podido fazer, é se-
ñalar que a regra não carece de exceção, e que determinados indivíduos
americanos, africanos e mogoles apresentam formas comuns aos Europeus.
Não é isto provar muito, tanto menos quando Weber, ao falar destas
exceções, não parece se ter preocupado da ideia de que sua conforma-
ción particular podia não ser mais que o resultado de uma mistura de sangue.
(2) Nem os Suíços, nem os Tiroleses, nem os montañeses de Escócia, nem os Eslavos
dos Bal kanes, nem as tribos do Himalaya, oferecem o aspecto monstruoso de os
Quichuas.
Como nada autoriza a achar que a espécie humana esteja isenta desta
regra, nada também não, até hoje, tem podido quebrantar a força da ob-
jeción que, mais que todas as outras, inutiliza o sistema dos adversários
da unidade. Afirma-se, é verdadeiro, que, em certas partes de Oceania, as
mulheres indígenas que têm dado a luz mestizos europeus, não são aptas nun-
ca mais para ser fecundadas por seus compatriotas. Dando esta referência como
exata, seria digna de servir de ponto de partida para investigações mais
profundas ; mas, por agora, não é lícito a utilizar para invalidar os princípios
admitidos sobre a geração dos híbridos. A referência nada prova com-
tra as deduções que se saca deles.
CAPÍTULO XI
7
9 8
CONDE DE GOBINEAU
Que Adán seja o autor de nossa espécie branca, há que o admitir, cier-
tamente. É manifesto que as Escrituras querem que se entenda assim, posto
que daquele descem gerações que indiscutivelmente têm sido blan-
cas. Isto sentado, nada prova que, no pensamento do primeiros re-
dactores de genealogias adamitas, as criaturas que não pertenciam à raça
branca tivessem sido conceituadas como fazendo parte da espécie. Não se
diz uma palavra das nações amarelas, e não é senão graças a uma inter-
pretación como conseguirei, creio eu, no livro seguinte, fazer realçar o que
há de arbitrário no fato de atribuir ao patriarca Cam a cor negra.
Sem dúvida os tradutores, os comentaristas, ao afirmar que Adán fué o
autor de todo o que leva o nome de homem, têm feito entrar dentro
das famílias de seus filhos ao conjunto de povos que depois se têm seu-
cedido. Segundo eles, os Jaféticos são a origem das nações européias,
os Semitas ocupam o Ásia interior, os Camitas, que, sem razão fundada,
repito-o, consideram-se como de raça originariamente melania, ocupam as
regiões africanas. Isto, pelo que respecta a uma parte do Globo, é
magnífico; e da população do resto deh planeta, que se faz? Lha
deixa excluída desta classificação.
Não vou insistir, por agora, sobre essa ideia. Não quero entrar em luta
aparente, nem sequer com simples interpretações, desde o momento que
dá-as por boas. Contento-me com indicar que quiçá, sem se sair de os
limites impostos pela Igreja, poderia ser posto em dúvida a validade de
elas; depois me constriño a procurar se, admitindo tal qual é a parte fun-
damental da opinião dos Unitários, não terá ainda medeio de expli-
car os fatos de muito outra maneira que eles o fazem, e de examinar se as
diferenças físicas e morais mais essenciais não podem existir entre as raças
humanas e produzir todas suas consequências, independentemente da
unidade ou da multiplicidade de origem inicial.
99
IOO
CONDE DE GOBINEAU
(i) É Barrow quem tem emitido esta ideia, fundando em algumas semelhanças em
a forma da cabeça e na cor, efetivamente amarillento, dos indígenas do Cabo
da Boa Esperança.
IOI
102
CONDE DE GOBINEAU
religiosa até a época do casamento. Desde tal ponto de vista, era muito
natural que este momento fosse retardado todo o possível, e que o legis-
lador encontrasse importantíssimo o desenvolvimento do julgamento, dantes de
autorizar
o que tão prematuramente autorizava a natureza. Isto não é tudo. Com-
tra os graves depoimentos que invoca M. Prichard, há outros mais conclu-
yentes, ainda que mais leves, e que falham a questão em favor de minha opinião.
103
a reconhecer que, desde o momento em que os tipos são tão por completo
hereditarios, tão constantes, tão permanentes , em uma palavra, apesar de
os climas e o tempo, a humanidade não deixa de resultar menos inteira
e inquebrantavelmente dividida que se as distinções específicas arranca-
sen de uma diversidade primitiva de origem.
{2) Edinburg Revi ew, Ethnology or the Science of Races, Outubro 1848.
io4
CONDE DE GOBINEAU
Estas razões são mais especiosas que sólidas, A origem finés da raça
turca não pode ser admitido mais que a benefício de inventário. Esta origem
não se demonstrou, até agora, senão por meio de um sozinho e único
argumento : o parentesco das línguas. Mais longe demonstrarei até que
ponto este argumento, quando se apresenta isolado, oferece margem à críti-
ca e lugar a dúvidas. Supondo, com tudo, que os primeiros criadores da
nação tenham pertencido ao tipo amarelo, abundam os meios para dêmos-
trar que tiveram razões fundadas para se afastar dele.
105
io6
CONDE DE GOBINEAU
assim de Ásia como de Europa, e que não tem excedido nunca de 12 milhões,
chegaremos ao convencimiento de que a questão da permanência de o
tipo não tem absolutamente nada que ver, nem em pró nem na contramão, com a
história de um povo tão misturado como os Turcos* E esta verdade é tão
clara, que ao encontrar — o que ocorre alguma vez — em indivíduos osman-
líes alguns rasgos característicos da raça amarela, não há que atribuir o
achado a uma origem finés direto; é simplesmente efeito de uma união
eslava ou tártara, que fornece de segunda mão o que ela mesma reci-
biera do estrangeiro. Tenho aqui o que pode ser observado sobre a etnología
dos Otomanos. Passo agora aos Magiares.
Em uma nota muito bem escrita, A. de Gerando (1) tem feito trizas as
teorias de Schlotzer e de seus partidários, demonstrando, com as razões mais
sólidas, sacadas dos historiadores gregos e árabes, e apoiado na
opinião dos analistas húngaros, em fatos comprovados e em datas
que desafiam todas as críticas, e finalmente com razões filológicas, o
parentesco dos Sículos com os Hunos e a identidade primitiva^ da
tribo transilvana com os últimos invasores da Panonia. Os Húngaros
são, pois, Hunos. .. , , „
Aqui se produzirá, sem dúvida, uma nova objeción. Se dirá que disso
deduze-se unicamente que os Magiares têm um parentesco diferente,
mas não menos íntimo com a raça amarela. É um erro. Se^ denomina-a-
ción de Hunos é um nome de nação, é também, historicamente tem-
macio, um nome coletivo, que não designa a uma massa homogênea. Entre
a multidão de tribos agrupadas sob a bandeira dos antepassados de Atila,
distinguiu-se, entre outras, em todas as épocas, a certas bandas chamadas
os Hunos brancos, nas quais dominava o elemento germánico.
107
Assim, qualquer que seja o critério que queira ser adotado sobre a unidade
ou a multiplicidade das origens da espécie, as diferentes famílias estão
hoje perfeitamente separadas umas de outras, já que nenhuma influência
exterior poderia levá-las a juntar-se, a assimilar-se, a confundir-se.
Ninguém ousará o negar: este tão grave problema se acha envolvido em uma
misteriosa escuridão, grávida de causas ao mesmo tempo físicas e inmateriales.
Cier-
tas razões que dependem do entendimento divino e que o espírito pré-
sente sem adivinhar a natureza delas, dominam no fundo das mais
densas trevas do problema, e é muito verosímil que os agentes terrestres.
io8
CONDE DE GOBINEAU
aos quais se pede a chave do segredo, não sejam mais que instrumentos,
resortes inferiores da magna faz* As origens de todas as coisas, ^ de
todos os movimentos, de todos os fatos, são, não infinitamente pequenos,
como se dá em afirmar, senão, pelo contrário, tão imensos, tão vastos e
desmesurados em frente a nossa debilidade, que não podemos suspeitar e indi-
car senão que quiçá existem, sem poder esperar nunca tocar com o dedo nem
revelar de uma maneira segura* Do mesmo modo que, em uma corrente de
ferro destinada a sustentar um grande peso, ocorre com frequência que o anel
mais próximo ao objeto é o mais pequeno, assim também a causa última pode
parecer com frequência quase insignificante, e se paramos-nos a contemplá-la aisla-
io 9
não
CONDE DE GOBINEAU
Não há que sacar partido desses desvios fortuitas que se produ-
cen às vezes em certos indivíduos, e que, se se perpetuassem, criariam indis-
cutiblemente variedades muito dignas de atenção. Sem falar de diversas
afecciones, como a gibosidad, se revelaram fatos curiosos que parecem,
a primeira vista, a propósito para explicar a diversidade das raças. Para
não citar mais que um, M. Prichard fala, de acordo com M. Baker (i),
de um homem cujo corpo, exceção feita do rosto, estava protegido
por uma espécie de caparazón de cor escura, parecida a uma imensa
verruga muito dura, insensible e callosa, e que ao ser cortada não manava
sangue. Em diferentes épocas, esse tegumento singular, em tendo alcan-
zado uma espessura de três quartos de polegada, desprendia-se, caía e era re-
emplazado por outro exatamente igual. Quatro filhos nasceram deste hom-
bre, todos parecidos a seu pai. Um só sobreviveu; mas M. Baker, que
o vió em sua infância, não diz se chegou à idade adulta.^Deduj ou unicamente
que, já que o pai tinha produzido tais retoños, tivesse podido
formar-se uma família particular que teria conservado um Upo especial, o
que tivesse permitido mais tarde, ao cabo de várias gerações, considerar
esta variedade de homens como uma variedade dotada de carateres especí-
ficos particulares.
tenecía de uma maneira muito definida nem à variedade branca, nem à negra,
nem à amarela. Neste caso, os desvios que conduziram os caracte-
rês primitivos da espécie^ humana para as variedades hoje estabelecidas,
resultaram imensamente mais fáceis que o seria hoje, por exemplo, para a
raça negra chegar ao tipo branco, ou para a amarela ao tipo negro. Neste
suposto, teria que representar ao indivíduo adamita como igualmente
estranho a todos os grupos humanos atuais: estes se teriam desenvolvido
a seu ao redor, afastando-se uns de outros o duplo da distância existente
entre ele e a cada um deles* Que tivessem conservado então do ejem-
plar primitivo os indivíduos de todas as raças? Unicamente os carac-
teres mais gerais que constituem nossa espécie: a vadia semelhança
de formas que os grupos mais distanciados têm em comum ; a possibilidade
de expressar suas necessidades por meio de sones articulados pela voz ;
mas nada mais. Quanto ao resto dos rasgos mais especiais deste
primeiro tipo, os teríamos perdido todos, o mesmo os povos negros
que os povos não negros; e, ainda que primitivamente descidos* dele,
teríamos recebido de influências estranhas todo o que constitui no
futuro nossa natureza própria e diferente. A partir de então, as raças
humanas, produtos a um tempo da raça adamita primitiva e de os
ambientes cosmogónicos, não teriam entre sim mais que relações muito
débis e quase nulas. O depoimento persistente daquela fraternidad pri-
mordial consistiria na possibilidade de engendrar híbridos fecundos, e seria o
único. Não teria nada mais, e ao mesmo tempo em que as diferenças dos ambien-
tes primordiais teriam distribuído em cada grupo seu caráter isolado, seus
formas, seus rasgos, sua cor de uma maneira permanente, tivesse-se quebran-
tado decididamente a unidade primitiva, mantida em um estado de fato
estéril quanto a sua influência sobre o desenvolvimiento étnico. A per-
manencia rigorosa, indeleble das raças e das formas, aquela perma-
nencia que os documentos históricos mais remotos afirmam e garantem,
seria o selo, a confirmação dessa eterna separação de raças.
CAPÍTULO XII
E BELEZA
I 12
CONDE DE GOBINEAU
homem civilizado, com todo seu poder, não realiza ainda senão com grandes
dificuldades? Para responder a estas objeciones, há que examinar qual
pôde ser o lugar onde primeiramente estabeleceu sua morada a humana
espécie. *
Estes dois exemplos bastam para que admitamos a ideia de uma rápida
difusão de certos grupos humanos em climas muito diversos, e sob o
império das mais opostas circunstâncias locais. Se, não obstante, fossem
precisas outras provas, poderia ser falado da facilidade com que os insetos,
ios testáceos, as plantas, difundem-se por todos os lados, e certamente não é
necessário demonstrar que o que acontece às categorias de seres que acabo
de citar resulta, com muito maior motivo, menos difícil para o hom-
bre (2). Os testáceos terrestres são arrastados para o mar, pelo dê-
plome dos cantiles, depois conduzidos pelas correntes para praias
remotas. Os zoófitos, sujeitos à concha dos moluscos, ou deixando flutuar
seus brote pela superfície do oceano, vão, a graça dos ventos, a
estabelecer longínquas colônias; e estas mesmas árvores de espécies desconhecidas,
estas mesmas vigas esculpidas que, no século XV, vieram a parar, depois de de
muitas outras inadvertidas, à costa de Canárias, e que, servindo de
pasto às meditaciones de Cristóbal Colón, contribuíram ao descubri-
minto do Novo Mundo, tinham provavelmente também, em seus superfi-
cies, ovos de insetos, que ao calor de uma nova savia deviam romper
o cascarón bem longe do lugar de origem e do terreno em que viviam seus
congéneres.
i x 4
CONDE DE GOBINEAU
dido viver sob climas muito diversos, e em lugares muito afastados uns de
outros* Mas, para que a temperatura e as circunstâncias locais que de
isso resultam sejam diversas, não é necessário, inclusive no estado atual de o
Globo, que os lugares se encontrem a longas distâncias* Sem falar de os
JI 5
1 16
CONDE DE GOBINEAU
Dantes de que vamos mais longe, convém que assinalemos uma lei : os
cruzes não determinam unicamente a fusão das variedades, senão que pró-'
vocan a criação de carateres novos, que resultam desde então o lado
mais importante por onde possa ser considerado um subgénero. Cedo vere-
mos disso uns exemplos. Não preciso acrescentar — o que de seu se explica
que o desenvolvimento desta nova originalidade não pode ser completo sem esta
condição segundo a qual a fusão dos tipos gerais será previamente
perfeita, pois que sem isso a raça terciana não poderia ser dado como verdadeira*-
mente fundada. Adivinha-se, pois, que são precisas aqui condições de tiem-
po tanto mais consideráveis quanto mais numerosas sejam as duas nações
fusionadoras. Até que a mistura seja completa e a semelhança e iden-
tidad fisiológica das individualidades tenham sido estabelecidas, não há
novo subgénero, não há desenvolvimento normal de uma originalidade própria,
ainda que composta; não existem senão a confusão e a desordem que nascem
sempre da combinação incompleta de elementos naturalmente estranhos
um a outro. . . , .
(1) Carus contribui seu poderoso apoio à lei por mim estabelecida a respeito da
aptidão
especial das raças civilizadoras a misturar-se. ( Ueber die ungí . B. d . versch.
Mensch -
hettst f. hoeh geist . Entwick p. 4.)
JI 7
119
CAPÍTULO XIII
120
CONDE DE GOBINEAU
1 21
Pelo que respecta a nossas ideias novas sobre a política, cabe sem
inconveniente tomar-se com elas liberdades maiores ainda que com nossas
ciências.
122
CONDE DE GOBINEAU
Crê alguém que nas opiniões que atualmente dominam, por muito
variadas que resultem, exista uma sozinha ou sequer um matiz que não tivesse
sido conhecido em Roma? Faz um momento falava das cartas escritas
desde Tusculum: é o pensamento de um conservador progressista. Pom-
peyó e Cicerón resultavam liberais em frente a Sila* Não o eram bastante para
César. O eram demasiado para Catón. Mais tarde, sob o Principado, vemos
em Plinio o Jovem a um realista moderado, que gosta não obstante do re-
poso. Não quer nem demasiada liberdade nem excesso de poder, e, positivo em
suas doutrinas, interessando-se muito pouco pelas extinguidas grandezas da
época dos Fabios, preferia a estas a prosaica administração de Trajano.
Não todos opinavam assim. Muitas pessoas pensavam, por temor a que resu-
citasse o antigo Espartaco, que o imperador não devia ser mostrado ^demasiado
severo. Alguns provincianos, pelo contrário, pediam e obtinham o que
poderíamos denominar garantias constitucionais; ao passo que as opiniões
socialistas encontravam intérpretes não menos qualificados que o césar galo
C. Junho Postumo, que exclamava em seus declamaciones : Dives et pauper ,
inimici; o rico e o pobre são inimigos natos.
123
CONDE DE GOBINEAU
124
Sem dúvida nossos Estados são mais complicados, satisfazem maior numero
de necessidades; mas, quando observo ao selvagem errabundo, sombrio, sujo,
huraño, inativo, andando preguiçosamente, com seu pau puntiagudo que lhe
serve de lança, através de uma região erma; quando lhe contemplo, se-
guido de sua mulher, unida a ele por um himeneo cuja única cerimônia com-
sistió em uma violência ferozmente inepta; quando vejo a essa mulher levando
a seu hijito, ao qual matará no caso de que enferme ou tão só de que a
incomode; que subitamente, acossado pela fome, esse miserável grupo,
à caça de uma presa qualquer, se detém encantado ^ ante um desses
ninhos de inteligentes formigas, destrói de um puntapié o edifício, arre-
bata e devora seus ovos; depois, terminada a comida, retira-se tristemente
ao oco de uma rocha, pergunto-me se os insetos que acabam de perecer
não têm sido mais favoravelmente dotados que a estúpida família de o. dê-
tructor; se o instinto dos animais, circunscrito a um reduzido conjunto
de necessidades, não lhes proporciona maior bem-estar que essa razão com a que
nossa humanidade encontrou-se nua sobre o planeta, e mil vezes
mais exposta que as outras espécies aos sofrimentos que podem causar
o ar, o sol, a neve e a chuva. [Pobre humanidade! Nunca tem^ conseguido
inventar a maneira de que todos andem vestidos, de que todos esten a cu-
bierto da sejam e da fome. Certamente o último dos selvagens é
mais perspicaz que os animais, mas os animais conhecem o que para eles
é útil e nós o ignoramos. Os animais não se separam disso, e nos-
outros não podemos o conservar quando temos conseguido o descobrir. Sempre,
em tempo normal, contam, graças a seus instintos, com a segurança de
encontrar o necessário. Nós, em mudança, vemos a numerosas hordas
que, desde o começo dos séculos, não têm conseguido sair de um estado
precário e penoso. Assim que refere-se a bem-estar terrestre, nós não po-
seemos sobre os animais nada mais que um horizonte mais dilatado, ainda que
finito e limitado como o seu.
Não tenho insistido bastante sobre essa triste condição humana de perder
sempre por um lado quando ganhamos por outro ; é esse, no entanto, o fato
que nos condena ao erro em nossas esferas intelectuais» sem conseguir nunca»
ainda sendo limitadas, as possuir por completo* Se esta lei fatal não existisse,
se compreenderia que em um dia dado, longínquo quiçá, em todo caso provável,
o homem, achando-se em posse de toda a experiência das épocas suce-
sivas, sabendo o que pode saber, se tendo apoderado do que pode
tomar, teria em fim aprendido a aplicar suas riquezas, viveria no meio de
a natureza, sem luta com seus semelhantes nem também não com a miséria, e,
tranquilo ao fim, gozaria, se não de um máximo de perfección, pelo menos
de um estado de suficiente abundância e bem-estar*
Tal felicidade, ainda sendo restrita, não nos está reservada sequer»
já que à medida que o homem aprende, esquece; já que não
pode melhorar no aspecto intelectual e moral sem perder no aspecto
físico, e já que não retém com suficiente força nenhuma de suas com-
quistas para estar seguro de conservá-las sempre*
Cremos nós que nossa civilização não perecerá nunca, porque po-
seemos a imprenta, o vapor, a pólvora* A imprenta, que não é menos
conhecida no Império de Annam e no Japão que na Europa central,
tem proporcionado talvez aos povoadores daqueles países uma civiliza-
ción sequer média? (1)* Não carecem no entanto de livros; possuem-nos
em abundância e vendem-se a preços bem mais baixos que os nossos*
A que se deve que esses povos se achem tão relaxados, tão débis, tão
próximos àquele estado em que o homem civilizado, corrompido, debilita-
do e sem coragem não pode equipararse, em potencial intelectual, a um bárbaro
qualquer que, à primeira ocasião, vem ao oprimir? A que se deve
isso? Unicamente a que a imprenta é um meio, e não um princípio* Se a
utilizam para^ reproduzir ideias sãs, vigorosas, saudáveis, funcionará de
a maneira mais fructífera, e contribuirá a sustentar a civilização* Se, por o
contrário, as inteligências estão de tal modo embrutecidas que ninguém leva
já às imprensas faz filosóficas, históricas, literárias, capazes de nutrir in-
tensamente o gênio de uma nação ; se essas imprensas envilecidas não servem
mais que para multiplicar as malsanas e venenosas composições de cérebros
enervados, as produções envenenadas de uma teología de sectarios, como
e por que a imprenta salvará a civilização?
Supõe-se sem dúvida que, pela facilidade com que pode difundir em grande
número ras obras mestres do espírito, a imprenta contribui a conservar-
as, e ainda, nas épocas em que a esterilidad intelectual não permite o flore-
alicerce de gênios rivais, a oferecê-las pelo menos à meditación de
as pessoas honestas* Assim é, efetivamente* Com tudo, para ir procurar um livro
do passado e empregá-lo para sua própria melhoria, é preciso possuir já,
de antemão, o mais precioso dos bens: a força de um alma esclare-
cida. Nos tempos adversos, em gue falham as públicas virtudes, faz-se
pouco caso das antigas composições, e ninguém se preocupa de turbar o
silêncio das bibliotecas.
(1) Deve ser tido em conta a data em que foram escritas estas linhas* (Nota
do tradutor *)
126
CONDE DE GOB1NEAU
Vejamos que tem sido dessas miríadas de excelentes obras publicadas dê-
da data em que funcionou a primeira imprensa. A maior parte estão olvi-
dadas. Aquelas das quais se fala ainda carecem quase^de leitores, e tal ou
qual livro muito solicitado cinquenta anos atrás vê seu título se apagar pouco
a pouco de todas as memórias.
Para encarecer o mérito da imprenta, negou-se em demasía a
difusão dos manuscritos. Esta era maior do que costuma se imaginar. Na
época do império romano, os meios de instrução estavam muito difundi-
dois, os livros eram inclusive comuns, a julgar pelo número extra-
ordinário de gramáticos harapientos que pululaban inclusive pelas mais peque-
ñas populações, espécie de indivíduos comparáveis aos advogados, a os
novelistas, aos jornalistas de nossa época, e cujas impúdicas costumes,
cuja miséria e cuja apasionada inclinação aos prazeres achamos descritas
no Satiricón de Petronio. Quando a decadência fué completa, quem de-
seaban adquirir livros encontravam-nos ainda. Virgilio era lido em todas
Í iartes. Os camponeses, que ouviam lhe alabar, o tomavam por um feiticeiro pe-
igroso. Os monges copiavam-no. Copiavam também a Plinio, Dioscórides,
Platón e Aristóteles. Copiavam assim mesmo a Cátulo e a Marcial. Quanto a
a Idade Média, a julgar pelo grande número de livros que daquele tempo
conservamos após tantas guerras, devastaciones, incêndios de abadias
e castelos, cabe adivinhar até que ponto as obras literárias, científicas, fio-
sóficas, saídas da pluma dos contemporâneos, tinham sido multipli-
cadas para além do que se supõe. Exageram-se pois os méritos reais de
a imprenta pelo que respecta à ciência, à poesia, à moralidad e
à verdadeira civilização; e seríamos mais exatos se, falando mais mo-
destamente do assunto, limitássemos-nos sobretudo a falar de os, ser-
vícios quotidianos que presta esse invento aos interesses religiosos e políticos
de todos os países. A imprenta, repito-o, é um instrumento maravilhoso;
mas quando falham a mão e a cabeça, o instrumento deixa de funcionar
como convém.
127
fazer surgir tinha morrido, deixando perder o segredo teórico de que aque-
llos procedimentos emanaban* Em fim, recordarei que o bem-estar material
não tem sido mais que um anexo exterior da civilização, e que nunca se
tem ouvido dizer que uma sociedade tenha vivido unicamente porque conhecesse
os meios de ir de pressa e de vestir oien.
suas ciências, suas mecânicas, suas poderosas máquinas cujas obras admiramos'
com estupor sem poder adivinhar seu mistério* Também eles conheciam o segredo
de transportar massas enormes* Construíam fortalezas nas que colocavam
uns sobre outros blocos de pedra de trinta e oito pés de longo por dez
e oito de largo* As ruínas de Tihuanaco mostram-nos um espetáculo
semelhante, e aqueles materiais monstruosos eram trazidos de várias léguas
de distância* Sabemos como as compunham os engenheiros daquele pue-
blo, hoje extinguido, para resolver tal problema? Não o sabemos, como não
sabemos também não os meios aplicados à construção das gigantescas
muralhas ciclópeas cujos restos resistem ainda, em tantos e tantos pontos da
Europa meridional, à força destruidora do tempo.
CAPÍTULO XIV
128
CONDE DE GOBINEAU
não tivessem demorado em encontrar terras onde despregar com proveito seu
inteligente atividade.
129
13ou
CONDE DE GOBINEAU
minada a conquista, entregou-se a uma tolerância indolente, não oprimindo
senão segundo as ocorrências. Tenho aqui, pois, por que os Índios da América
espanhola são menos desgraçados e seguem subsistindo, enquanto os
vizinhos dos Anglo-saxãos perecerão sem misericordia.
Este resultado é inevitável tão cedo como dois tipos, entre os cua-
lhes não existe nenhuma afinidad, se encontram em contato ativo, e não co*
nozco disso melhor demonstração que a sorte das famílias polinesias e
americanas. Está pois estatuido pelos razonamientos que anteceden :
131
que seja o ambiente superior que tenham podido atravessar, e o serão siem-
pré; 2. 0 , que, para que uma nação selvagem possa sequer suportar a per-
manencia em um ambiente civilizado, é preciso que a nação que cria esse
ambiente seja um ramo mais nobre da mesma raça; 3* 0 , que a mesma
circunstância é ainda necessária para que civilizações diversas possam,
não se confundir, o que não se produz nunca, , senão unicamente se modificar
recentemente a uma pela outra, se copiar reciprocamente o melhor da cada
uma, dar origem a outras civilizações compostas de elementos comuns;
4. 0 , que as civilizações surgidas de raças completamente estranhas uma
a outra não podem ser posto em contato senão superficialmente, não se penetram
nunca e se excluven sempre* Como este último ponto não tem ficado
suficientemente aclarado, vou insistir*
CONDE DE GOBINEAU
Quanto aos usos, greve fazer realçar 'até que ponto diferiam de
os de Grécia. Se um era jovem, rico, voluptuoso e cosmopolita, o querer
imitar as maneiras de viver de rivais bem mais fastuosos e^ refinados que
os Helenos expunha ao público desprezo. Assim, até a época de Ale-
jandro» isto é, durante o belo e grande período do poderío grego, du-
rante o período fecundo e glorioso, a Persia, pese a toda sua preponderan-
cia, não pôde converter a Grécia a sua civilização. ^
133
A civilização árabe não fué nada mais que a civilização grecosiria, re-
juvenecida, reavivada pelo sopro de um gênio bastante limitado, mas mais
*34
CONDE DE GOBINEAÜ
novo, e alterada por uma mistura persa. Assim formada, disposta a muitas
concessões, não concorda, no entanto, com nenhuma fórmula social surgida
de origens diferentes dos seus; do mesmo modo que a cultura grega
não se harmonizou com a romana, emparentada com ela tão de perto e que
permaneceu encerrada tantos séculos nos limites do mesmo Império. Isto é
o que desejava dizer a respeito da impossibilidade de se confundir nunca civi-
lizaciones próprias de grupos étnicos estranhos uns a outros.
{i) O julgamento mais vigoroso quiçá que tenha podido formular sobre a variedade
melania emana de um dos patriarcas da doutrina igualitaria. Tenho aqui como
definia Franklin ao negro : «É um animal que corre o mas possível e trabalha o
menos possível».
135
136
CONDE DE GOBINEAU
CAPITULO XV
137
formação, não cabe sustentar, nem por um momento sequer, a ideia de que
a família altaica, a aria, a semítica não procedem de origens perfeita -
mente estranhos uns a outros* Tudo nelas difere* A lexicología reveste,
naqueles diferentes ambientes linguísticos, formas perfeitamente carac-
terizadas. A modulación da voz é, em cada um, especial ; aqui, sir-
vendo-se sobretudo de os* lábios para criar os sones; ali, formando-os
pela contração da garganta ; em outro sistema, produzindo-os pela
emissão nasal e como desde o alto da cabeça. A composição das
partes do discurso não oferece sinais menos diferentes, reunindo ou saiba-
rando os matizes do pensamento, e apresentando, sobretudo nas flexio-
nes dos subjuntivos e na. natureza do verbo, as provas mais senha-
ladas da diferença de lógica e de sensibilidade que existe entre as
categorias humanas. Que resulta disso? Pois que, quando o filólogo, a o
esforçar-se em dar-se conta, por conjecturas puramente abstratas, da origem
das linguagens, começa partindo do homem idealmente concebido, de o
homem desprovisto de todos os carateres especiais de raça, do homem
em fim, parte de um verdadeiro contrasentido, e prossegue infaliblemente em
essa mesma forma. Não há homem ideal, o homem não existe, e se estou
persuadido que não lhe descobre em parte alguma, é sobretudo se tratando
de linguagem* Neste terreno, conheço ao posesor da língua finesa, ao de o
sistema ario ou das combinações semíticas; mas ao homem absoluto,
não o conheço. Não posso pois raciocinar, . segundo esta ideia, que tal ponto de
partida único tenha guiado à humanidade em suas criações idiomáticas.
Tem tido vários pontos de partida porque teve várias formas de inteli-
gencia e de sensibilidade (1),
CONDE DE GOBINEAU
I 3 8
Disse, faz um momento, que se esta última causa tivesse podido pré-
valecer, um fundo de articulações formadas a esmo tivesse bastado às
necessidades humanas nos primeiros tempos da existência da espécie.
Parece demonstrado que esta hipótese não é sustentável.
139
. Humboldt tem observado, com seu habitual perspicacia, que cada língua
existe independentemente da vontade dos homens que a falam.
Unindo-se estreitamente a seu estado intelectual, está completamente por
em cima da força de suas caprichos, e não pode ser alterada arbitrária-
mente por eles. Alguns ensaios sobre a matéria oferecem curiosos testimo-
nios disso.
„ Uma tentativa mais completa foi assinalada por Sylvestre de Sacy, a pró-
pósito da língua balaibalán. Este extravagante idioma foi composto
pelos Sufís, para aplicar a seus livros místicos e como medeio de rodear
CONDE DE GOBINEAU
140
Mas, ali onde a inteligência das raças tem tropeçado com escollos
e descoberto lagoas, também a língua os teve. Isto o demonstram
o chinês, o sánscrito, o grego, o grupo semítico. Pelo que respecta ai
chinês, tenho observado já uma tendência mais particularmente utilitaria de
acordo com a via por onde transita o espírito da variedade. A co-
piosa abundância de expressões filosóficas e etnológicas do sánscrito, ^seu
riqueza e sua beleza eurítmicas são ainda paralelas ao gênio da nação.
O mesmo ocorre com o grego, enquanto o defeito de precisão de
os idiomas falados pelos povos semitas concorda perfeitamente com
141
que têm despojado ao alemão moderno das formas harto brilhantes ob-
servadas no gótico do bispo Ulfila t não são também não outras que a pré-
sencia de uma densa população kymrica dentro do pequeno número de
elementos germánicos subsistentes para além do Rin, após as grandes
emigrações que seguiram ao século v de nossa era*
Tenho dito em outro lugar que, tendo cada civilização um alcance par-
ticular, não tinha que se estranhar se o sentido poético e filosófico aparecia
mais desenvolvido entre os Indianos sánscritos e entre os (anegos que entre
nós* ao passo que o espírito prático, crítico, erudito, distingue maior-
mente a nossas sociedades* Tomados em massa* estamos dotados de uma
virtude ativa mais enérgica que os ilustre dominadores do Ásia meridional
e da Hélada* Em mudança, devemos ceder-lhes o passo no terreno do
belo, e é, por tanto, natural que nossos idiomas ocupem o humilde
faixa de nossos espíritos* Um vôo mais poderoso para as esferas ideais
reflete-se naturalmente na palavra de que fizeram uso os escritores de
a Índia e da Jonia, de sorte que a língua, que é já — assim o creio —
um excelente critério da elevação geral das raças* é-o ainda, de
uma maneira especial, de sua elevação estética, e tomada sobretudo este
caráter quando se aplica à comparação das civilizações respectivas*
Para não deixar escuro este ponto, me permitirei discutir uma opinião
emitida pelo barón Guillermo de Humboldt, a propósito da superio-
ridad do mexicano sobre o peruano, superioridad evidente, diz, ainda
quando a civilização dos Incas tenha superado em muito a dos habi-
tantes de Anáhuac*
CONDE DE GOBINEAU
142
Pelo demais, seguindo esta via, não constituirá uma pequena dificuldade
o determinar para os povos mestizos as causas do estado idiomático em
que os encontra. Não sempre se possuem, sobre a proporção das
misturas ou sobre sua qualidade, luzes suficientes para poder examinar o trabalho
organizador delas. No entanto, a influência dessas causas primeiras
persiste, e, se não está desenmascarada, pode conduzir facilmente a com"
clusiones errôneas. Precisamente como a relação do idioma com a
raça é bastante estreita, conserva-se muito maior tempo que a estruc"
tura estatal nos povos. Faz-se ostensible ainda depois que os povos
têm mudado de nome. Unicamente que, alterando com seu sangue, não
desaparece, não morre senão com a última parcela de sua nacionalidade. O
grego moderno encontra-se neste caso ; mutilado em grau somo, dê"
pojado da melhor parte de suas riquezas gramaticales, enturbiado e man"
chado em seu lexicología, empobrecido inclusive, ao que parece, no que
ao número de sons refere-se, não tem cessado de conservar seu belo original.
É, em verdadeiro modo, no universo intelectual, o que é, sobre a 1 ierra
aquele Partenón tão degradado, que, depois de ^servir de igreja aos Popes,
e após convertido mais tarde em polvorín, de ter estoirado em mil
lugares diferentes de seu frontón e de suas colunas sob os proyectiles vene"
cianos de Morosini, apresenta ainda à admiração dos séculos o ado"
rabie modelo da graça serena e da singela majestade.
143
Seja o que for, tenho aqui, respeito dos Judeus, uma prova manifesta
desta verdade, segundo a qual não cabe sempre, a primeira vista, estabelecer
uma concordância exata entre uma raça e a língua de que está em pose-
sión, atendido^ que esta língua pode não lhe ter pertencido originaria-
mente. Após os Judeus, poderia citar ainda o exemplo dos Zíngaros
e de muitos outros povos.
*44
CONDE DE GOBINEAU
já que não só numerosas nações não empregam mais que línguas alte-
radas cujos principais elementos não foram contribuídos por elas» senão tam-
bién que muitas outras adotaram línguas completamente estrangeiras, em
cuja confecção mal contribuíram. Este último fato é sem dúvida mas
raro. Inclusive apresenta-se como uma anomalía. Basta, no entanto, que
pudesse ter lugar, para que devamos nos pôr em guarda contra um
gênero de provas sujeitas a tais desvios. De todos modos, como o
fato é anormal, já que não se descobre tão frequentemente como
o fato oposto, isto é, a conservação secular de idiomas nacionais por
muito débis grupos humanos; como que se vê também até que ponto
as línguas parecem-se ao gênio particular do povo que as cria, e até
que ponto se alteram precisamente na medida em^ que o sangue de o
povo modifica-se; como que o papel que desempenham na formação
de seus derivados é proporcional à influência numérica da raça que
contribui-as na nova mistura, tudo dá direito a concluir que um povo
não pode possuir uma língua que valha mais que ele, a menos de mediar
razões especiais. E como não se insistirá nunca demasiado sobre este ponto,
vou fazer realçar a evidência disso com uma nova espécie de de-
mostración. .
*45
Para dar origem a este, só era questão de criar uma alteração bastante
fácil da terminologia^ latina, modificada por verdadeiro número de ideias gra-
maticales tomadas ao céltico e a outras línguas antanho desconhecidas em o
Oeste de Europa. As colônias imperiais tinham contribuído grande número de
elementos italianos, africanos, asiáticos. As invasões borgoñonas, e sobre
todo as góticas, proporcionaram uma nova contribuição dotada de uma grande
vivacidad de harmonia, de sons amplos e brilhantes. As irrupciones
sarracenas fortaleceram seu poderío. De sorte que o romance, distinguién-
dose completamente do galo, quanto a seu euritmia, revestiu cedo um
selo muito especial. Sem dúvida, este não o encontramos perfeito na fórmula
de juramento dos filhos de Luis o Apacible, como mais tarde nas
poesias de Raimbaud de Vachéres ou de Bertrand de Born. Com tudo, se
reconhece-lhe já pelo que é, seus carateres aparecem já destacados, e seu
direção está netamente determinada. A partir de então, resultou deveras,
em seus diferentes dialetos lemosín, provenzal, auvemiano, a língua de um
povo tão misturado de origem como não o tenha tido nunca no mundo.
Aquela língua flexível, fina, espiritual, zombadora, cheia de brilho, mas sem
profundidade, sem filosofia, oropel e não ouro, não pôde, em nenhuma das
opulentas minas que lhe foram abertas, senão recolher migalhas na superfície.
io
146
CONDE DE GOBINEAU
147
Não passarei também não em silêncio um detalhe que deve encontrar aqui seu
explicação. Tenho exposto como certos grupos étnicos poderão, sob o im-
perio de uma aptidão e de necessidades particulares, renunciar a seu idioma
natural para adotar outro que era para eles mais ou menos estranho. Tenho
citado aos Judeus, aos Parsis. Existem exemplos ainda mais singulares
deste abandono* Vemos a povos selvagens em posse de línguas soube-
riores a eles mesmos, e é América a que nos oferece este espetáculo.
Aquele continente teve a estranha sorte de que seus povos rnás ativos
tivessem-se desenvolvido, por dizê-lo assim, em segredo. A arte da escritura
CONDE DE GOBINEAU
148
Posso desde agora deixar sentado que a filología, em suas relações com
a natureza particular das raças, confirma todas as observações da
fisiología e da história. Só que seus aserciones se distinguem por uma
extrema delicadeza, e quando não podemos nos apoiar senão nelas, nada
mais aventurado que contentar com seus resultados para chegar a uma com-
clusión* Sem dúvida, sem nenhum gênero de dúvida, o estado de uma linguagem
responde ao estado intelectual do grupo que o fala, mas não sempre a seu
valor íntimo. Para obter esta conexão, há que considerar unicamente
a raça por e para a qual esta linguagem tem sido primitivamente criado.
M9
Esta regra está ditada por uma prudência necessária. Empero, todos os
fatos que acabamos de revisar estabelecem que, em sua origem, a identi-
dêem acha-se por inteiro entre o mérito intelectual de uma raça e o de seu
língua natural e própria ; que as línguas são, portanto, desiguais
em valor e em influência; que suas modificações não provem/provêm senão de
misturas com outros idiomas, como as modificações de raças; que seus
qualidades e méritos absorvem-se e desaparecem, absolutamente como a
sangue das raças, em uma imersão demasiado considerável de elementos
heterogéneos; em fim, que, quando uma língua de casta superior é falada
por um grupo humano indigno dela, não deixa de decaer e de se mutilar.
Se, pois, é difícil, em um caso particular, estabelecer, a primeira vista, o valor
de um povo partindo do valor da língua de que se serve, não por isso
é menos incuestionable que, em princípio, é lícito o fazer. Estabeleço, pois,
este axioma geral :
CAPÍTULO XVI
i5ou
CONDE DE GOBINEAU
Vêm agora os povos brancos. Energia reflexiva, ou, por melhor dizer,
uma inteligência enérgica ; conhecimento do útil, mas em um sentido da
palavra muitíssimo mais amplo, mais elevado, mais animoso, mais ideal
que nas nações amarelas; uma perseverancia que se dá conta de os
obstáculos e encontra, à longa, os meios de salvá-los; junto com uma
maior energia física, um instinto extraordinário desordem, não já só como
garantia de repouso e de paz, senão como meio indispensável de conser-
151
152
CONDE DE GOBINEAU
É isto o que nos ensina a História* Esta nos mostra que toda civi-
lización prove/provem da raça branca, que nenhuma pode existir sem o com-
curso desta raça, que uma sociedade não é grande e brilhante senão em
o grau em que conserva ao nobre grupo que a criasse, e em que este
mesmo grupo pertence ao ramo mas ilustre da espécie* Para expor
estas verdades a plena luz, basta listar e depois examinar civiliza-as-
C10I ^ S < l ou& ^an reinado no mundo, cuja lista não é por verdadeiro muito longa*
154
Tenho dito que as grandes civilizações humanas não são senão em nú-
mero de dez e que todas se devem à iniciativa da raça branca. Tem^
que pôr ao começo da lista :
Uma colônia aria, chegada da Índia, contribuiu ali as luzes sociais. Única-
mente que em vez de se misturar, como nas orlas do Nilo, com povos
negros, fundiu-se com massas malayas e amarelas, e recebeu, ademais, por o
Noroeste, contribuições bastante numerosas de elementos brancos, igualmente
arios, mas não já indianos. #
Semitas. , . 1 . . ,
VIL As raças germánicas transformaram, no século V, o gênio de
155
Dentro das dez civilizações, nem uma sozinha raça melania ocupa a faixa
dos iniciadores. Unicamente os mestizos atingem a faixa de iniciados.
LIVRO SEGUNDO
CAPÍTULO PRIMEIRO
, Os Camitas
Seja que tenha que a ter por simples ou composta, seja que lha consi-
dere nas regiões abrasadas do Meio dia ou nos vales glaciais de o
Septentrión, não transmite nenhum vestígio de civilização, nem presente nem
possível. Os costumes destas tribos parecem ter sido das mais
brutalmente crueis. A guerra de exterminio, tenho aqui sua política; a an-
tropofagia, tenho aqui seu moral e seu culto. Em nenhuma parte vêem-se nem
villas, nem templos, nem nada que revele um sentimento qualquer de sócia-
bilidad. É a barbarie em toda sua fealdad, e o egoísmo dos débis em
toda seu ferocidad. A impressão que disso receberam os observadores
primitivos,^ surgidos de outro sangue, que vou cedo a introduzir na
cena, fué por todas partes a mesma, mistura de desprezo, de terror e
de repugnancia. Os animais de presa pareciam de natureza demasiado
nobre para servir de ponto de comparação com aquelas tribos repulsivas.
i 6 ou
CONDE DE GOBINEAU
trevas (i). . . KT
Esta raça não parece ser menos antiga que as outras duas. Dantes de seus
invasões, vivia em silêncio, preparando os destinos humanos e desarro-
llándose, para a glória do planeta, em uma parte de nosso Balão que
mais tarde tem voltado a afundar na escuridão.
161
Mas não eram nem o ouro, nem os diamantes, nem as peles, nem o musgo,
do que aquelas regiões deviam sacar sua glória; sua incomparável honra,
estriba em ter criado a raça branca.
E or o demais tão difícil, ainda para os alvos, que cinco mil anos não têm
astado ainda para sua total realização*
A família predestinada, bem como as outras duas a seu serviço, não pode
ser senão muito escuramente definida. Por todos os lados mostrou grandes
semelhanças,
que autorizam e inclusive obrigam à agrupar por inteiro sob uma mesma
denominação : a denominação» algo vadia e muito incompleta, de raça
branca . Como, ao mesmo tempo, suas principais ramificações revelam apti-
tudes bastante diversas e características muito peculiares, pode ser julgado
que não há identidade completa nas origens do conjunto; e, do mesmo
modo que a raça negra e os habitantes do hemisfério boreal apresentam,
no seio de suas espécies respectivas, diferenças muito acusadas, assim também
% é verosímil que a fisiología dos alvos oferecesse, desde o começo,
análoga multiplicidade de tipos. Mais tarde procuraremos as impressões dessas
divergências. Aqui não nos ocupamos senão dos carateres comuns.
A raça branca vivia reunida ainda nos países remotos do Ásia sep-
11
IÓ2
CONDE DE GOBINEAU
Seja o que for, tenho aqui a esses povos brancos, muito tempo dantes
das épocas históricas, provistos, em seus diferentes ramos, de dois elemen-
tosse básicos de toda civilização : uma religião, uma história.
163
(2) Génesis , cap. IX, v. 25. «Ait: Maledictus Chanaan, servus servorum erit
fratribus suis.»
CONDE DE GOBINEAU
164
165
gras, resultou para elas cada vez mais difícil impedir que sua língua natural
alterasse-se; e uma vez encontraram-se materialmente enlaçados com os ne-
gros, perderam-na completamente, devido a tê-la deixado invadir e dê-
figurar pelos dialetos melamos.
O mundo não pode conceber nada comparável, por seus efeitos, com os
resultados do enlace dos Camitas brancos com os povos negros. Os
elementos de semelhante aliança não existem em nenhuma parte, e nada tem
de estranho que, na produção tão frequente dos híbridos de ambas
espécies, nada represente já nem no físico nem no moral a energia de
a primeira criação. Se o elemento negro tem conservado bastante em gene-
ral sua pureza de raça, não ocorre assim com o alvo. A espécie não se descobre
já^em nenhuma parte com seu valor primitivo. Nossas nações, ainda as
mas substraídas aos cruzes, não são senão resultados muito decompostos, muito
pouco harmônicos, de uma série de misturas, seja de negros e brancos como,
no meio dia de Europa, os espanhóis, os italianos, os provenzales ; seja
de amarelos e brancos como, no Norte, os ingleses, os alemães, os
russos. De maneira que os mestizos, produto de um pai suposto alvo,
cuja esencia original está já tão modificada, não podem em modo algum
comparar ao tipo etnicamente peculiar dos Camitas negros.
i66
CONDE DE GOBINEAU
Tenho aqui, creio eu, o que pinta melhor aos Cainitas negros, v facilmente
me inclinaria a ver uma estreita conexão de semelhança entre a mistura de
a qual aqueles têm surgido e o maldito himeneo das avós de^Noé
com aquele outro filho desconhecido que o pensamento primitivo relegou, não
sem verdadeiro horror, a uma faixa sobrenatural.
(1) Tais eram, por exemplo, os querubines com cabeça de boi. (Lexicón ma>
nuale hebraicum et chaldmcum .)
167
CAPÍTULO II
Os Semitas
Estes povos são os que chamamos Semitas* Sua força principal parece
ter-se concentrado» nos primeiros tempos, nas vastas regiões mon-
tañosas da Alta Caldea. De ali saíram, em diferentes épocas, suas massas
mais vigorosas. De ali emanaron as correntes cuja mistura regenerou com-
siderablemente, e por muitíssimo tempo, o sangue desnaturalizada de
os Cainitas, e, a seguir, a espécie igualmente bastardeada de os
mais antigos emigrantes de sua própria raça. Esta família tão fecunda irradió
sobre uma grande extensão de territórios. Na direção do Sudeste, engen*
dró aos Armenios, aos Arameos, aos Elamitas, aos Elimeenses» nome
igual sob diferentes formas; cobriu com seus retoños o Ásia Menor. Os
Licios, os Lidios, os Garios, a ela pertencem. Suas colônias invadiram a
Creta» de^a que partiram, mas tarde» sob o nome de Filisteos, para ocu-
par as Cicladas, Thera, Melos, Citerea e a Tracia. Estenderam-se por tudo
o contorno do Propóntide, na Tróade, ao longo do litoral da
Grécia, chegaram a Malta, e às ilhas Lipari em Sicília.
Uma difusão tão enorme não se explicaria, qualquer que pudesse ser
porlo demais a fecundidad da raça, se quisesse ser reivindicado para estes
povos uma grande pureza de sangue. Mas, por muitas causas, esta preten-
sión não seria sustentável. Os Camitas, contidos por uma repugnancia natu-
ral, tinham-se quiçá resistido algum tempo a uma mistura que confundia sua
sangue com a de suas súbditos negros. Para sustentar esta luta e manter
i68
CONDE DE GOBINEAU
CONDE DE GOBINEAU
170
pagá-lo tudo. . ,
171
172
CONDE DE GOBINEAU
muito honroso para eles e que dá, a um tempo, a medida de sua gosto
pela civilização e a da vasta extensão de seus trabalhos*
(1) Os Asirios ocuparam três vezes Fenicia: a primeira vez, 1.000 anos dantes
de J.-C. ; a segunda, para a metade do século XIII ; a terça, em 750. (Movers, Dá
P ficen. Alterih. t. II, i. a parte, p. 259.)
*73
sagrado não nos diz que poderosas razões tinham ditado a resolução de o
semita. Estas razões eram graves, sem dúvida, já que o filho do emigram-
proibiu você mas tarde a sua raça que se repatriasse, ainda que ao mesmo tempo
ordeno a seu herdeiro que escolhesse uma esposa no país de seus ante-
passados (1).
CONDE DE GOBINEAU
1 74
Não quero levar mais longe os detalhes desta história: são harto co-
nocidos. Sabe-se que os Semitas abrahamidas acabaram por se assentar em
o país da Promessa. O que unicamente quero acrescentar, é que as é-
jantares do primeiro estabelecimento, como as da partida, e as das vaci-
laciones que lhe precederam, recordam de uma maneira vivísima o que mues-
tran, em nossos dias, tantas famílias irlandesas ou alemãs em terras de
América. Quando um chefe inteligente as conduz e dirige seus trabalhos, mar-
chan adiante como os filhos do patriarca. Quando as dirige mau, Ira-
casam e desaparecem como tantos grupos semíticos cujos desastres nos deixa
entrever a trechos a Biblia. A situação é a mesma; os mesmos senti-
mente mostram-se ali em circunstâncias sempre análogas* Se vê persis ir
no fundo dos corações aquela terna parcialidad com respeito a a
pátria longínqua, para a qual, por nada no mundo, se quisesse no entanto
retrogradar. É também a mesma alegria quando dela se recebem notícias,
o rmsmo orgulho pelo parentesco que ali se conserva; em uma palavra,
tudo é parecido. , t . i
175
Por muito tempo teve de achar-se que esta fonte regeneradora seria
inesgotável. Quando, para a época da primeira emigração dos Semitas,
algumas das nações arias, diferentes das tribos brancas, estabeleceram-se
na Sogdiana e no Pendjab atual, ocorreu que dois ramos se despren-
deram destas. Os povos ariohelénicos e ariozoroástricos procuravam uma
saída para chegar ao Oeste, exerciam forte pressão sobre os Semitas, e lhes
(3) Isaías.
CONDE DE GOBINEAU
176
e o amárico. _ ,
I??
É uma língua cafre, ^ e o povo que fala seus dialetos, povo em-
fechado antanho, em opinião dos Europeus, nos territórios mais meridio-
nales do África, estende-se agora, para nós, 5 0 mais ao Norte, até
para além de Mombasa (6). Os gallas falam dialetos que se parecem ao cafre.
Estas observações não terminam aqui. É lícito acrescentar esta última fra-
se, da maior importância : todo o continente do África, de Sur a Norte
e de Leste a Oeste, não conhece mais que uma sozinha língua, não fala mais que
dialetos de uma mesma origem. Assim no Congo como na Cafrería e em
Angola, em todas as proximidades da costa, se descobrem as mesmas
formas e as mesmas raízes. A Nigricia, que ainda não tem sido estudada,
e a jerga dos Hotentotes, continuam, provisionalmente, à margem de
esta afirmação, mas não a refutan.
É necessário mais para reconhecer que este grupo, tanto por suas formas
(3) Ewald, Zeitschrift fur die Kunde dê Morgenlandes , Ueber die Saho-Sprache
in Aethiopien, t. V, p. 410.
{4) Os Sahos habitam não longe de Mossawa, ou melhor Massowa, no mar Vermelho.
i 7 8
CONDE DE GOBINEAU
como por suas lagoas, baseia suas razões de existir no fundo dos ele-
mentos étnicos que o compõem, isto é, nos efeitos de uma origem branca
absorvido no seio de uma proporção infinitamente formidable dele-
mentos melanios?
179
i8ou
CONDE DE GOBINEAU
CAPÍTULO III
Os Cananeos marítimos
181
182
CONDE DE GOBINEAU
compradores. l
mesmas fontes. ,
183
que não tinham o sangue puro e, ainda que preponderantes, não o eram
bastante para influir nas imaginaciones até o grau necessário às
apoteosis* Os Camitas negros souberam igualmente denegarles o acesso a
os sacerdocios reservados desde tantos séculos às mesmas famílias* Enton-
ces os Semitas humilharam à teocracia e colocaram, acima dela,
o governo e o poder da espada* Depois de de uma luta bastante viva, o go-
bierno das cidades fenicias, dantes sacerdotal, monárquico e absoluto,
convirtióse em aristocrático, republicano e absoluto, substituindo assim uma
tríade de forças por outra.
Seja que se^ aceitasse^ para o futuro, no governo das cidades feni-
cias, um chefe único, ou bem — combinação mais frequente — que a coroa
desdoblada dividisse-se entre dois reis escolhidos a tentativa dentro de duas
casa rivais, a autoridade destes chefes supremos resultou inteiramente limi-
tada, vigiada, e não lhes concedeu mal, com plenitude, mais que prerro-
gativas sem efeito e esplendores sem liberdade* É lícito achar que os Semitas
estenderam a todos os países onde dominaram aquela zelosa vigilância
do poderío monárquico, e que, assim em Nínive como em Babilonia, os titu-
lares do Império não foram, sob sua inspiração, mais que os representantes
sem iniciativa dos sacerdotes e dos nobres.
CONDE DE GOB1NEAU
184
caráter imperativo que reveste a lei, todo devia ceder ante esta lei, cujas
primeiras vítimas eram os próprios legisladores. Em nenhuma parte e nunca
essa abstração tinha em conta as situações pessoais. Um rigor infle-
xible fazia chegar os temíveis efeitos até o interior das famílias, atira-
nizaba as relações mais íntimas dos esposos; pesava sobre a cabeça
do pai, déspota de seus filhos, estabelecia a coerción entre o indivíduo e
sua consciência. Em todo o Estado, desde o último marinho ou o mais ínfimo
operário, até o grande sacerdote de Deus mais reverenciado ou até o nobre
mais arrogante, a lei estendia o terrível nível revelado por esta breve
sentença: {Tantos homens, tantos escravos!
l8 5
exigiam muitos braços. Tiro e Sidón, sobre ser grandes cidades marítimas
e comerciais pelo estilo de Londres e Hamburgo. eram ao mesmo tempo
grandes centros industriais como Liverpool e Birmingham ; convertidas em
desaguaderos dos povos do Ásia Anterior, davam ocupação a todos v
vertiam o sobrante no vasto círculo de suas colônias. Desta sorte, em-
viaban ali, com imigrações constantes, forças frescas e um sobrante de
sua própria vida. Não admiremos em demasía tão prodigiosa atividade. Todas
estas vantagens de uma população sem cessar aumentada ofereciam suas enojosos
inconvenientes : começaram por alterar a constituição política no sentido
de melhorá-la; acabaram determinando sua total ruína.
i86
CONDE DE GOBINEAU
sua própria debilidade. A derrota não podia ser previsto mais que por efeito da
até no Senegal. , , t , , .. ^
l8 7
i88
CONDE DE GOBINEAU
189
CONDE DE GOBINEAU
Não me fica por dizer nada mais sobre o ramo mais vivaz da família
cananea. Esta, por seus méritos e seus vícios, brinda a primeira certeza que
apresenta a história à etnología: o eleniento negro domino nela. De
aí, amor desenfrenado a goze-os materiais, superstições profundas,
disposições para as artes, inmoralidad, ferocidad.
O tipo branco mostrou nela menos vigor. Seu carac er varonil tendeu
a apagar ante os elementos femininos que o absorviam. Contribuo, em
aquela vasta mistura, o espírito utilitario e conquistador, o gosto por uma
organização estável e aquela tendência à regularidade polhica que
desempenha seu papel na instituição do despotismo legal, papel contra-
nado sem dúvida, ainda que eficaz. Para completar o quadro, a superabundancia
de tipos^ inconciliables» saídos em proporções diversas das misturas»
engendrou a crônica desordem e provocou a parálisis social e aquele estado
de relajamiento gregario no qual predominou cada dia mais a esencia
melania. Nesta situação é como se estancaram daqui por diante as raças
formadas pelas alianças cananeas.
CAPÍTULO IV
Tenho mostrado que o sistema das línguas semíticas era uma extensão
imperfecta do das línguas negras. É nestas unicamente onde se
encontra o ideal desta forma idiomática. Alterou-se com o árabe, resultou
ainda mas incompleto com o hebreu, e não tenho ido, nessa progressão desejem^
dêem você, mas lá do arameo, no qual a decadência dos princípios
constitutivos é ainda mais acusada. Encontramos-nos aqui como aquele
que* penetrando em um lugar subterrâneo, vê que à medida que avança
vai faltando-lhe a luz. Ao seguir avançando, a luz se fará de novo, mas
sera pelo lado oposto da caverna e seu fulgor será diferente.
O arameo não oferece ainda nada mais que uma deserción negativa de o
espírito melanio. Não revela formas netamente estranhas a este sistema. Meu-
rando algo mais longe, geograficamente falando, se apresenta muito cedo
o armenio antigo, e ali, sem dúvida alguma, se percebem novidades. Trope-
zamos ali com uma originalidade que impressiona. Analisamo-lo, o estu-
diamos; é o elemento indogermánico. Não cabe duvidar disso. Muito limi-
tado ainda, débil quiçá, mas vivo e inconfundível.
Prossigo minha rota. Ao lado dos Armenios estão os Medos. Escuto seu
língua. Reconheço ainda sons e formas semíticas. Uns e outras são mais
borrosos que no armenio, e nelas o indogermánico ocupa maior é-
P acl ° j- Tão P ronto como P^etro nos territórios situados ao Norte de
a Média, passo ao zendo. Descubro ali ainda o semítico, desta vez em um
estado de completa subordinación. Se dirigisse-me para o Sur, o pehlvi,
CONDE DE GOBINEAU
192
diferente ordem. , ,
A nação médica não fué nunca muito numerosa — teremos mas tarde
193
13
194
CONDE DE GOBINEAU
Í jaíses mesopotámicos. Mas tão cedo como os Caldeos, mais puros que
a família ismaelita, mostraram-se de novo, esta desceu do trono para
ceder a eles.
Vemos, pois, que nas elevadas esferas do poder, ali onde se ela-
boran as ideias civilizadoras, nada destacam já os Camitas negros, nem devem
ter-se nunca mais em conta. Suas massas humilharam-se completamente
sob as capa sucessivas dos Semitas. Dentro do Estado não contam sina
como número, e não desempenham o menor papel. Mas, pese a seu aparente
humillación, sua missão não é menos terrível e decisiva. É o fundo estacio-
nario no qual todos os conquistadores vão, depois de escassas gerações, a
abater-se e afundar-se. Ao começo, daquele terreno corrompido sobre o
qual avançam triunfalmente os vencedores, o varro não lhes chega senão até
o tornozelo. Cedo afundam-se as pernas, e a imersão rebasa a cabeça.
Assim fisiologicamente como moralmente, a imersão é completa. Na
época de Agamenón, o que mais impressionou aos Gregos fué a cor de
Memnón, filho da Aurora, que acaudillaba aos Asirios chegados em auxílio
de Príamo. Àqueles povos orientais os rapsodas aplicavam-lhes sem
vacilação o nome significativo de Etíopes.
195
tributária sua, e a proteger a Jonia. Seu objetivo era pôr fim ao macaco-
polio das cidades^ fenicias, e, em consequência, depois de sucumbir os
Troyanos, permitiu-se que seus vencedores os substituíssem* Os Gregos
asiáticos converteram-se assim nos fatores prediletos do comércio de
Nínive e de Babilonia. É a primeira prova que temos podido descobrir
dessa verdade tão com frequência repetida pela História : que se a identidade de
raça cria entre os povos a identidade de destinos, não determina em modo
algum a identidade de interesses e, por tanto, a afección mútua*
E aginas um lugar aparte, se as grandes ideias que suscita seu nome não se
> tivessem reservado já de antemão.
CONDE DE GOBINEAU
196
197
Não deixar aos Israelitas sem dedicar umas palavras a certas tribos que
viveram longo tempo entre eles, nos distritos situados ao Norte do Jor-
dán. Esta misteriosa população parece não ter sido outra que os restos
conservados^ puros de algumas das famílias melanias, daqueles negros
antanho donos do Ásia Anterior, dantes da chegada dos Camitas brancos.
A descrição que os livros sagrados nos oferecem daqueles homens
miseráveis é precisa, característica, terrível, pela ideia de profunda degra-
dación que sugere.
«Fazem troça de mim aqueles de cujos pais não jogaria eu mão nem
ainda para que com meus cães guardassem meu ganhado.
CONDE DE GOBINEAU
198
CAPÍTULO V
Os Egípcios; os Etíopes
200
CONDE DE GOBINEAU
201
Sufis e seu irmão Sensufis. Assim, em 2120 dantes de J.-C* o Egito teria
apresentado já um estado de civilização muito avançado e capaz de acometer
e de levar a bom hn os trabalhos mais surpreendentes realizados pela mão
do homem. A emigração branca teria, pois, tido efeito dantes dessa
época, já que cada grupo de pirâmides pertence a uma época diferente,
e que cada pirâmide, em particular, deveu de custar demasiados esforços'
para que uma sozinha geração pudesse empreender a construção de varia
delas.
Quer ser suposto que um ramo camita tenha avançado até as regio-
nes do Nilo, entre Syene e o mar, e tenha fundado ali a civilização
egípcia? Esta hipótese destrói-se por si mesma. Por que aqueles Ca-
nutas, após ter estabelecido um Estado considerável, tivessem rompido
em seguida toda relação com os outros povos de sua raça, se afastando de
1 se S ou . lc * a P° r estes últimos, e avançando em suas emigrações para
o África, longe do Mediterráneo, longe do Delta, para inventar ali, em o
isolamento, uma civilização inteiramente egoísta, hostil em mil pontos a
a dos Canutas negros? Como teriam adotado uma língua tão soma-
mente diferente dos idiomas de seus congéneres? Não vemos a estas obje-
ciones uma resposta razoável. Os Egípcios não são, pois, Camitas, e há
que dirigir a outro lado.
A antiga língua egípcia compõe-se de três partes. Uma pertence
às línguas negras. A outra, procedente do contato destas línguas ne-
gras com o idioma dos Camitas e dos Semitas, produz aquela mistura
que toma o nome da segunda destas raças. Finalmente apresenta-se
uma terceira parte, muito misteriosa, muito original sem dúvida, mas que, em
vários pontos, parece revelar afinidades arias e verdadeiro parentesco com o
sánscrito* Este fato importante, se estivesse solidamente estabelecido, po-
dría considerar-se como concluyente e a propósito para traçar o itinerario
dos colonos brancos de Egito, desde o Pendjab até a embocadura
do Indo, e de ali até o vale superior do Nilo. Desgraçadamente, ainda-
que indicado, não está claro e não pode servir mais que de índice. Sem em-
bargo, não é impossível encontrar motivos em que o apoiar.
202
CONDE DE GOBINEAU
levava a repudiar. . ,
203
204
CONDE DE GOBINEAU
Acabo de provar que não trato de reforçar minha opinião com um argu-
mento que julgo frágil. Agora acrescentarei que ao me pronunciar contra todas
as conclusões diretas que cabe sacar da existência simultânea das
castas na Índia e em Egito, disto muito de sustentar que não caiba
chegar a induções colaterales, que não deixam de corroborar de uma maneira
muito útil o princípio da comunidade de origem: tal é a veneração
igual pelos ministros do culto, sua longa dominación e a dependência baixo
a qual têm sabido manter a casta militar, inclusive quando esta tem levado
a coroa, triunfo que o sacerdocio camita não soube atingir, e que cons-
tituyo a glória e a força das civilizações do Indo e do Nilo. Débese
isto a que a raça ana é antes de mais nada religiosa. Há que observar ainda
a constante intervenção dos sacerdotes nos costumes e os atos
mas íntimos do lar doméstico (1). Em Egito, como na Índia, vemos
aos sacerdotes regulamentá-lo tudo, até a eleição dos alimentos, e
estabelecer, a este respeito, uma disciplina mais ou menos análoga. Em uma
palavra, ainda que o número de castas não seja o mesmo, a hierarquia
resulta bastante parecida em ambos territórios. É isto todo o que convém
assinalar a respeito de uns fatos, ao que parece secundários, mas que oferecem
a vantagem de prestar-se a um paralelo, fragmentos dispersos de uma primi-
tiva unidade, se não de instituições, pelo menos de" instintos, ao mesmo
tempo que de sangue.
2ü6
CONDE DE GOBINEAU
2°7
fante : membro do Conselho soberano, sua voz tinha o peso dos oráculos ;
e como Se todos esses laços de servidão tivessem parecido ainda demasía’'
do débis para salvaguardar aquela parte tão enorme de poder, os reis
sabiam que após sua morte estariam sujeitos a um julgamento, não por parte
de seus povos, senão por parte de seus sacerdotes; e em uma nação que
abrigava sobre o mas alia ideias tão particulares, cabe facilmente imaginar-se
o terror que infundía no espírito do mais audaz dos déspotas fa cria
quitasoles ° r ° C SegUlr e ^ etr ^ s seu car roza, entre o pó, levando seus
208
CONDE DE GOBINEAU
Também eles eram utilizados como bestas de ônus para executar aque-
llos gigantescos trabalhos que admirarão todos os séculos. Eram eles quem
transportavam os blocos destinados à erección das estátuas e dê
os obeliscos monolíticos. Era aquela população negra ou quase, negra a que
morria em massa ao escavar os canais* enquanto as castas mais brancas ima-
ginaban* ordenavam e vigiavam a obra* e, uma vez terminada esta, se lle-
vaban justamente a glória disso. Que a humanidade gema ante tão te-
rrible espetáculo* é muito natural; mas, qualquer que seja a humana
indignação* preciso é reconhecer as terríveis razões que obrigavam às
massas populares de Egito e de Asiria a suportar pacientemente um jugo
tão duramente imposto : na plebe daqueles países tinha uma in-
vencible necessidade étnica de suportar os caprichos de todos os sobe-
ranos, a condição* no entanto, de que aqueles soberanos conservassem
209
Mas é bem evidente que aquela pureza, pelo demais relativa, não
podia durar indefinidamente. As castas não estavam suficientemente orga-
nizadas. Assim, não cabe dúvida que se a civilização egípcia não tivesse tido
outra razão de existir que a da sozinha influência do tipo indiano ao qual devia
a vida, não tivesse tido a longevidade que cabe lhe atribuir, e muito
dantes de Ramsés III, que fecha a era de máximo esplendor, muito dantes
do século XIII dantes de J.-C., tivesse começado a decadência.
14
210
CONDE DE GOBINEAU
Sei que pronuncio agora palavras muito irreverentes que não deixarão de
indignar aos panegiristas da espécie negra, pois não se ignora que,
misturando-se em isso o espírito de partido, os aduladores dessa fração
da humanidade empenharam-se em atribuir-lhe títulos de glória e não têm
vacilado em apresentar a civilização abisinia como típica, surgida única-
mente do intelecto de seus favoritos e anterior a toda outra cultura. Daí,
levados de um nobre impulso que nada refrena, têm feito derramar esta
suposta civilização negra por todo o Egito, e a levaram também
para o Ásia. Na verdade, a psicologia, a linguística, a história, os monu-
mentos, o sentido comum, levantam-se unanimemente contra esta maneira
de representar o passado. Mas os inventores deste belo sistema não se
deixam desconcertar facilmente* Provistos de escassa ciência, dotados de
muita audacia, é verosímil que continuarão sua rota, sem cessar de propor
Axum para capital do mundo. Trata-se -de excentricidades de que não faço
menção senão para mostrar que não valem a pena de ser discutidas.
Antes de mais nada, o primeiro ponto: Ludolf refere muito habilmente os ra-
zonamientos de Scaliger a propósito do silêncio dos historiadores gregos
sobre a emigração Himiarita a Abisinia. Demonstra que esse silêncio não
teve por causa senão o esquecimento acumulado por uma longa série de séculos sobre
um fato demasiado frequente na história das idades pretéritas para
que os observadores de então pensassem em lhe dar importância. Na épo-
ca em que os gregos começaram a se ocupar da etnología das nações
que, segundo eles, se achavam ao extremo da Terra, esses acontecimentos
CONDE DE GOBINEAU
Sob as dinastías 18. a e 19. a (de 1575 a 1180 dantes de J.-C.), os Abisi-
nios estavam submetidos aos Faraones e pagavam tributo. Os monumentos
mostram-nos contribuindo aos intendentes reais as riquezas e ^curio-
sidades de seu país. Aqueles homens marcadamente negros cobriam seu
corpo com túnicas de muselina transparente, fornecidas pelas manu-
faturas da Índia ou das cidades da Arabia e de Egito. Aquele vê-
tido curto, que não chegava senão aos joelhos, se ajustava ao corpo por meio
de um cinto de couro lavrado, ricamente dourado e pintado. Uma pele de
leopardo sujeita aos ombros servia de manto ; sobre o peito pendiam os
colares, os brazaletes oprimiam as bonecas, nas orelhas balançavam-se
grandes pendentes de metal e a cabeça ia carregada de plumas de avestruz.
Ainda que aquela magnificencia bárbara não se ajustasse ao gosto egípcio
participava dele, e a imitação se manifestava em todas as partes ímpor-
2I 3
É preciso descer até uma época mais próxima para descobrir, com
mas refinamiento, a causa étnica das inovações à qual tenho feito já
alusão.
2x4
,rabes muçulmanos. . . j 1 * i
215
mota antiguidade, à qual sento pressa de voltar, não tinham sido senão o eco
do aperfeiçoamento egípcio, sustentado por uma lembrança de Asiría, trans-
mitido de mão em mãos até ela. Os fantásticos esplendores da corte
do Preste Juan, se alguém se empenha em que seja o Grande Negus, não têm
existido senão na imaginación dos viajantes românticos do passado século.
2l6
CONDE DE GOBINEAU
CAPÍTULO VI
Esse período tem um final. Tão cedo como o labor contribui realmente
seus primeiros frutos, e o homem começa a gozar daquela segurança
relativa para a qual lhe levam todos seus instintos, e um governo regular,
órgão do sentimento geral, está finalmente constituído, então em-
peça a história, e a nação conhece-se verdadeiramente a si mesma. É o
que se produziu, sob nossas miradas, em diversas ocasiões, em ambas
Américas, desde sua descoberta no século XV.
217
gestación em que nada está completo nem coordenado e não pode confiar um
conjunto de fatos lógicos à memória dos séculos.
' Assim, pois, não obstante considerar a escritura jeroglífica como um sólido
titulo da nação egípcia para figurar entre os povos civilizados, não
cabe desconhecer que a natureza desta concepção, levada inclusive a suas
últimos aperfeiçoamentos, não classifica a seus inventores acima de os
povos asinos. Isto não é tudo : no fato daquela ideia esterilizada,
hy ainda algo que observar. Se os povos negros de Egito não tivessem
sido governados, desde dantes dos tempos de Menés, por iniciadores
alvos, o primeiro passo da descoberta da escritura jeroglífica não
tivesse-se levado certamente a cabo. Mas, por outra parte, se a ineptitud
da espécie negra não tivesse, a sua vez, dominado a tendência natural
dos Arios a aperfeiçoá-lo tudo, a escritura jeroglífica e, depois de de ela, as
artes de Egito, não tivessem adolecido daquela inmovilidad que não é
lino dos carateres menos especiais da civilização do Nilo.
2l8
CONDE DE GOBINEAU
dirigido, ilustrado por ideias germinadas em seu solo e surgidas de sua raça,
suas artes puderam ser modificado em seus detalhes; não mudaram nunca em
o conjunto. Nenhuma poderosa inovação as transtorno. Mas rudas quiza
sob a 2. a e a 3. a dinastías, não conseguiram sob as 18. a e a 19. mas que a
suavización daquela rudeza, e sob a 29. a , que precedeu a am íses,
a decadência não se expressa senão pela perversión das formas, e não F
a introdução de princípios até então desconhecidos. O gomo local
envelheceu e não mudou. Elevado, rayando no sublime enquanto exerceu
a preponderancia o elemento branco, estacionário o tempo todo que aquele
elemento ilustre pôde ser mantido no terreno civilizador, decrecien
cada vez que o gênio negro conseguiu acidenta mente predominar, não se lhe-
vantó nunca mais. As vitórias da nefasta influência apoiavam-se demasiado
constantemente no fundo melanio sobre o qual descansava o editicio ( 1 ).
219
220
CONDE DE GOBINEAU
221
Com toda a reserva que devo observar neste debate, confesso que
nenhuma das maneiras como se tratou de provar as conquistas de os
Faraones em Ásia pareceu-me nunca satisfatória. Todas descansam
sobre alegações demasiado vãs; levam aos vencedores bem longe e
íes atribuem demasiados domínios para não acordar a desconfiança.
222
CONDE DE GOBINEAU
íucscu
o resto do mundo. . . ,
223
ASIRIOS
Elemento negro fundamental
EGÍPCIOS
CONDE DE GOBINEAU
224
CAPITULO Vil
POVOS NEGROS
de Egito e de Asiria. ,
225
»Há em seu povo outra que possa comparar? Seu magnificencia era
como torrente de fogo.
»Mais que a neve brilhava o fulgor de sua mirada... Seu peito velado era
como o coração da neve.
))Tal uma flor seca, nossa alma está empañada com sua morte; se
tem quebrantado com o gemido dos cantos fúnebres.
15
226
CONDE DE GOBINEAU
Por outra parte, como é muito duvidoso que a escultura tivesse prescindido
nunca por completo das cores, e que os artistas asirios ou egípcios se
tivessem avenido a apresentar às exigentes olhadas de suas materialistas
espectadores faz revestidas unicamente das cores da pedra, de o
mármol, do pórfido ou do basalto, e o separar ambas artes ou elevar a pintura
a um nível de igualdade com a escultura, é enganar sobre o espírito de
aquelas antiguidades. Em Nínive e em Tebas não cabe se figurar as estátuas
e os baixos relevos senão dourados e pintados com os mais ricos cores.
227
Nada mais glorioso para a civilização de Nínive que o ter ido tão
longe na rota que devia conduzir a Fidias. No entanto, não era este o
resultado a que tendia a arte asirio. O que perseguia era o esplendor, a
grandiosidad, o gigantesco, o sublime, e não o belo. Deténgome ante estas
esculturas de Korsabad, e que vejo nelas? Muito certamente o produto
de um cincel hábil e livre. O que há nelas de convencional é relativa-
mente escasso, se compara-se estas grandes obras com o que vemos em o
tempero-palácio de Kamak e nas muralhas do Memnonio. No entanto,
as atitudes são forçadas, os músculos salientes, seu exagero sistemático.
A ideia da força opresiva realça em todos aqueles membros fabulosa-
mente vigorosos, orgulhosamente tensos. No busto, nas pernas, em os
braços, o desejo que animava ao artista de pintar o movimento e a vida,
rebasa todas as medidas. Mas e a cabeça? A cabeça que diz? Que diz
a face, este campo da beleza, da concepção ideal, da elevação de o
pensamento, da divinización do espírito? A cabeça, a cara, aparecem
nulos, gelados. Nenhuma expressão em seus rasgos impasibles. Como os
combatentes do templo de Minerva, não dizem nada ; os corpos lutam,
mas as caras não sofrem nem triunfam. Débese a que ali não se preocupavam
do alma, senão unicamente do corpo. É a ação e não o pensamento o
que se perseguia; e a prova de que fué esta a única causa da morte
da arte^ asirio, é que, em todo o que não é intelectual, em todo o que se
dirige unicamente à sensação, a perfección fué plenamente conseguida.
Quando se examina os detalhes ornamentales de Korsabad, aquelas elegan-
tes grecas, aqueles tijolos esmaltados de flores e de deliciosos arabescos,
não demoramos em reconhecer que o gênio grego não teve mais que copiar, e
nada teve que acrescentar à perfección daquele gosto, nem também não à gra-
ciosa e correta frescura daquelas invenções*
228
CONDE DE GOBINEAU
grandes qualidades, não pôde evitar mil enormidades monstruosas que ince-
santemente acompanharam-no e que constituíram sua tumba. Tal é o caso
dos Kabiros e os Telquinos semitas ao fabricar, para a edificación de
Grécia, semicompatriota sua, aqueles ídolos mecânicos que moviam os bra-
zos e as pernas, imitados mais tarde por Dédalo, e que não demoro em menos-
apreciar o bom sentido de uma nação demasiado varonil para comprazer-se
em tais futilidades. Quanto aos povos afeminados de Cam e de
Sem, estou bem persuadido que não se cansaram nunca disso ; para eles
não podia ter nenhum absurdo na tendência a imitar, tão de perto como
fosse possível, o que a Natureza oferece de materialmente verdadeiro.
Já se pense no Baal de Malta com seu peluca e sua barba loiras, rojizas
ou douradas; já se recorde aquelas pedras informe, cobertas de vestidos
espléndidos e cumprimentadas com o nome de divinidades nos templos de
Síria, para passar depois à fealdad sistemática e repugnante das bonecas
hieráticas da Armaria de Turín, não há em todas essas aberraciones nada
que não responda às inclinações da raça camita e de sua aliada. Uma
e outra não procuravam senão o impressionante: o terrível, e, em defeito do
colosal, entregavam-se ao horrível, esfregando sua sensibilidade inclusive no
repugnante. Era um anexo natural do culto rendido aos animais*
Para o leitor, creio eu, o problema está já resolvido. Bom é, sem em-
bargo, examinar se em outros lugares e em outros tempos não se representou algo
análogo. A Índia aparte, e ainda a Índia de uma época posterior a sua verda-
dera civilização aria, não, não ofereceu nunca nada semelhante. Nunca a imagi-
nação humana sentiu-se, como ali, livre de todo travão, nem experimentou, com
uma sejam e uma fome tal da matéria, tão irreprimibles inclinações à
depravación ; o fato é. pois, sem discussão, peculiar de Asiría e de Egip-
to. Estabelecido isto, consideremos ainda, dantes de concluir, outro aspecto de
a questão.
229
riendas, a fim de obter algo que seduza mais que a realidade. Agora bem :
temos visto que, nas duas civilizações primitivas, o que organizou, dis-
ciplinó, contribuiu leis, governou com ajuda delas, em uma palavra, se conduziu
razoavelmente, foi o elemento branco, camita, ario e semita. Assim, pois, se
apresenta esta jrigurosa conclusão : que a origem de que têm partido as
artes é estranho aos instintos civilizadores. Esta origem jaz oculto na
sangue dos negros. Este poder universal da imaginación, que vemos
envolver e impregnar as civilizações primordiais, não tem outra causa que
a influência sempre crescente do princípio melanio.
CONDE DE GOBINEAU
230
tas ideias trascendentales do belo, que o são ainda mais desconhecidas, lhe
deixará tão frio como a exposição de um problema de álgebra» Assim mesmo,
traduzam-lhe uns versos da Odisea, e especialmente o encontro de Ulisses
com Nausicaa, o mais sublime da inspiração reflexiva : se cairá de sonho.
Em todos os seres, para que a simpatia estoire, é preciso que primeiramente
intervenha a inteligência, e isto é o difícil no negro, cujo espírito se
mostra obtuso assim que há que reflexionar, aprender, comparar, san-
ear consequências. A sensibilidade artística deste ser, em si extraordina-
riamente poderosa, permanecerá, pois, necessariamente, limitada aos mas
baixos menesteres. Se inflamará e se apasionará; mas por que? Por umas
imagens ridiculas e grosseiramente pintadas. Se estremecerá de adoración
ante um tronco de madeira repugnante, ^ mais turbada, pelo demas, mil
vezes mais emocionada, por aquele espetáculo degradante, que o foi n um '
ca o alma selecta de Pericles aos pés de Júpiter Olímpico. Debese
a que o negro pode elevar seu pensamento até a imagem ridicula, até
um repugnante pedaço de madeira, e que ante o verdadeiramente belo este
pensamento está surdo, mudo e cego de nascimento. Não cabe, pois, em isto
iniciação possível para ele. Assim, entre todas as artes prediletas da cria-
tura melania, a música ocupa o primeiro lugar, enquanto acaricia seu
ouvido com uma sucessão de sones e não pede nada à parte pensante
de seu cérebro. O negro ama com loucura a música, goza com ela em excesso ;
no entanto, cuán estranho permanece àqueles delicados convencionalis-
mos com os quais a imaginación européia tem aprendido a ennoblecer as
sensações ! .
231
Assim o negro possui até o mais alto grau a faculdade sensual sem a que
não há arte possível; e, por outra parte, a carência de aptidões intelectuais
fá-lo completamente inepto para a cultura da arte, inclusive para a apre-
ciación do que este nobre aplicativo da inteligência humana pode
produzir de elevado. Para sacar partido de suas faculdades, é necessário que
alie-se com uma raça diferentemente dotada. Nesse enlace, a espécie me-
lanía mostra-se como personalidade feminina, e ainda que suas diversas
ramos apareçam diferentemente misturadas, sempre, nessa aliança com o
elemento branco, está representado por este último o princípio macho. O
produto que disso resulta não reúne as qualidades inteiras de ambas
raças. Há ademais esta mesma dualidad que explica a fecundación ulterior.
Menos vehemente na sensualidad que as individualidades absolutas de o
princípio feminino, menos completo em força intelectual que as do prin-
cipio macho, goza de uma combinação de ambas forças que lhe permite
a criação artística, não outorgada nem a nenhum dos troncos associados.
Greve dizer que esse ser por mim inventado é abstrato, inteiramente ideal.
Não vemos senão raramente, e por efeito de múltiplas circunstâncias, enti-
dades nas quais aqueles princípios geradores se reproduzam e se em-
frenten com forças convenientemente ponderadas. Em todo caso, e sim é
lícito crer em tais combinações entre indivíduos isolados, não cabe soube-
nerlo entre as nações, e aqui não se trata senão destas. Os elementos
étnicos oscilam constantemente nas massas. É tão difícil descobrir os
momentos em que se encontram quase em equilíbrio ; são tão fugaces, tão
impossíveis de prever estes momentos, que é preferível não mentarlos e não
raciocinar senão sobre aqueles nos quais tal elemento, manifestamente
superior ao outro, preside algo mais permanentemente os destinos nacionais.
CONDE DE GOBINEAU
232
LIVRO TERCEIRO
CAPÍTULO PRIMEIRO
Mas estes primeiros passos, desviados da parte de história que tenho exa-
minado ao começo, me levarão para além das regiões indianas; porque
a civilização brahmánica, quase estranha ao Occidente do mundo, tem vivi-
ficado poderosamente a região oriental, e, encontrando ali raças que Asiria
V Egito não fizeram mais que entrever, entrou em íntimo contato com as
hordas amarelas* O estudo destas relações e de seus resultados é de
capital importância. Com sua ajuda veremos se poderá ser estabelecido soube-a-
rioridad da raça branca tanto respeito dos Mogoles com*ou respeito de
os Negros, em que medida a demonstra a História, e consequentemente
o estado respectivo das duas raças inferiores e de suas derivadas*
CONDE DE GOB1NEAU
236
idioma branco primitivo, um tipo físico que, devido a seu especial particu*
laridad, nunca os expôs a confundir entre as populações negras. Para
explicar este duplo fenômeno é necessário admitir que, a seu passo, se reti-
raban as raças aborígenes, dispersa ou destruídas pelas incursões de vão-
guarda, ou bem que estavam muito desparramadas pelos altos vales de o
Cachemira, primeiro país indiano invadido por os^ conquistadores. Pelo de-
mais, não pode ser negado que a primeira população destas comarcas perte-
neciese ao tipo negro (1). As tribos melanias que se encontram ainda em o
Kamaún são prova disso. Estão formadas por descendentes dos fugi-
tivos que, não tendo seguido a seus congéneres quando o grande reflujo
para os montes Vyndhia e o Dekkhan (2), se adentraron nas gargantas
alpestres, refúgio seguro, já que nelas conservam seu individualidad
desde tempo inmemorial.
2 37
CONDE DE GOBINEAU
238
não renegaram de seu nome nem em seus hábitos de pensar — o fato é indis"
cutible — , nem tão sequer em sua denominação nacional*
Poderia ser levado mais longe esta investigação, e se encontraria esta raiz
ar , ir ou er, conservada no vocablo alemão moderno Ehfe f que parece
provar que nos pensamentos da mais bela das raças humanas ocupou
sempre grande lugar um sentimento de orgulho fundado sobre o mérito
moral* # ,
239
240
CONDE DE GOBINEAU
mente igual que a dos Iranios dantes de Ciro, não mostra nos soberanos
senão uma autoridade das mais limitadas; como as epopeyas do Ramayana
e do Mahabharata só conhecem a realeza electiva, conferida pelos habi-
tantes das cidades, os brahmanes e ainda os reis aliados, tudo induze
a inferir que o poder que tão em absoluto emanaba da vontade ge-
neral, não devia de ser senão uma delegação bastante débil, quiza inclusive pré-
caria, completamente de acordo com a organização germánica anterior à
espécie de reforma que entre nós fez Khlodowig. _
Os Ânus guerreaban, pois, entre si (1), e como não eram nómadas (2),
como permaneciam o maior tempo possível na pátria por eles adotada,
e em todas partes sua valorosa audacia tinha acabamento presto com a resistência
dos indígenas, suas expedições mais frequentes, suas campanhas mais longas,
seus desastres mais completos, bem como seus triunfos mais espléndidos, não
tiveram por atores senão a eles mesmos. A virtude era, pois, o heroísmo
do combatente, e, ante toda outra consideração,, a bondade eradla bravura,
noção que descobrimos, muito tempo depois, nas poesias italianas
onde o buon Rmaldo é também ü grande virtuoso de Ariosto. As mas
brilhantes recompensa eram para os campeões, mais esforçados. Lhos
chamava sura, os celestes (3), porque, se sucumbiam na, batalha, iam a
morar no Svarga, magnífico palácio no que os recebia Indra, o rei
de ios deuses; e esta honra era tão grande, tão superior a quanto pod,ía
reservar a outra vida, que nem mediante ricos sacrifícios, nem pela extensão
e profundidade do saber, nem graças a nenhum recurso humano, podia ninguém
ocupar no Céu o mesmo lugar que os suras. Todo mérito se eclipsaba
ante o da morte recebida em combate. Mas a prerrogativa de os
intrépidos guerreiros não acabava sequer neste ponto supremo. Não só
podiam ir morar, hóspedes venerados, na mansão etérea de os
deuses: estavam em condições de destronar aos mesmos deuses, e, em
o seio de seu omnipotencia, Indra, ameaçado sem cessar de ver-se arrebatar
o cetro por um mortal indomable, tremia continuamente (4).
Poderia ser achar# que o coração do homem branco juntava a este exage-
rado sentimento de sua dignidade certa inclinação à impiedad. Seria
um erro; porque precisamente o coração do alvo é religioso por ex-
celencia (1). As ideias teológicas preocupam-lhe em alto grau. Já se viu
com que cuidado conservava as antigas lembranças cosmogónicos, cujos frag-
mentos mais numerosos possuía-os a tribo semita dos Hebreus abrahá-
meça, metade por seu próprio fundo, metade por transmissão camitica. A na-
ción aria, por sua vez, prestava sua adesão a algumas das verdades de o
Génesis. Pelo demais, o que procurava principalmente na religião era
as ideias metafísicas, as prescrições morais. O culto em si mesmo era
dos mais singelos.
CONDE DE GOBINEAU
242
Duvido que tal acontecimento seja resultado das causas que decidiram
a emigração primitiva das populações brancas. O contragolpe estava
já esgotado, porque se os invasores amarelos tivessem perseguido a os
243
Esta re &rán, objeto de tantas lembranças, fué assim testemunha do novo dê-
doblamiento da família aria, e as clarezas já mais vivas da História
permitem discernir bastante bem as circunstâncias do debate que a ori-
ginó. Vou referir a mais antiga das guerras de religião.
.244
CONDE DE GOBINEAU
Mas, seja que no período que decorre entre a partida dos Gregos
e a ocupação do Pendjab, a família aria, tendo-se encontrado em longo
contato com as nações aborígenes, tivesse perdido já sua pureza e com-
plicado seu esencia física e moral com a agregação de um sentir e de uma
sangue estranhos; seja que as modificações sobrevindas não fossem mais
que o desenvolvimento natural do gênio progressivo dos Arios, o caso é que
as antigas noções sobre a natureza do pontificado modificaram-se
insensivelmente, e chegou um momento em que os guerreiros nc se creram
com direito nem faculdades para desempenhar as funções sacerdotales ; em-
tonces instituiu-se aos sacerdotes.
245
Vivia isolado cerca dos chefes bastante ricos ou generosos para sustentar seu
vida singela e pacifica. Não levava armas; não era de raça inimiga* Saído
da mesma família do vis-pati ou de sua tribo, era o filho, o irmão,
o primo dos guerreiros (1). Comunicava sua ciência a discípulos que po-
dían abandonar a seu desejo e empuñar de novo o arco e as setas.
De uma maneira insensible e por vias desconhecidas ainda para aqueles que
as seguiam, o brahmanismo jogava asi os fundamentos de uma autoridade
que ia ser exorbitante.
CONDE DE GOBINEAU
246
Eles aceitaram o eminente papel que lhes atribuía^ Não obstante, não
creio nem no predominio de cálculos egoístas na política de uma classe
inteira, nem nos grandes resultados produzidos por pequenas causas. Quando
no seio das sociedades produz-se uma revolução durable, é^que as
paixões dos triunfadores contam, para quicar, com um solo mas firme
que o dos interesses pessoais, sem o qual andam a ras de terra e não se
elevam a nenhum lugar. O fato do qual o sacerdocio ario fez brotar seu
destino, longe de ser miserável ou ridículo devia, pelo contrário, granjearle
as simpatias íntimas do gênio da raça, e a observação que disto
fizeram os sacerdotes daquela época antiga revela em eles^ uma rara
aptidão para a ciência de governar, ao próprio, tempo que um espírito subtil,
sábio, combinador e lógico até a violência. „
247
perigo, com as gentes demasiado pobres para viver livres, compuseram
uma amalgama sobre a qual passaram o rasero de uma inferioridad idêntica
e decidiram que esta classe humilde ganhasse sua subsistência desempenhando
aquelas funções penosas e ainda humillantes que são, no entanto, nece-
sarias nas sociedades estabelecidas*
A esta classe, a esta vama, a esta cor branca por excelência, atribuí-lhe
yeron, não já o direito de governar, resultado definitivo que só podia
ser obra do tempo, senão,^ pelo menos, o princípio deste direito e tudo
quanto podia conduzir a ele ; isto é, o monopólio das funções sacerdo-
tais, a consagración real que já possuíam, a propriedade dos cantos reli-
giosos, o poder de compo-los, interpretá-los’ e comunicar a ciência em
eles contida; finalmente declararam-se a si mesmos pessoas sagradas,
inviolables; negaram-se aos cargos militares, tentaram-se o lazer nece-
sario e dedicaram-se à meditación, ao estudo, a todas as ciências de o
espírito, o qual não excluía nem a aptidão nem a ciência políticas (3)*
248
Não ocorria assim com a vama que vinha após a casta guerreira, isto
é, com a dos vaisías, reputados menos brancos que as duas categorias
sociais superiores e que, provavelmente também, eram menos ricos e in-
fluyentes na sociedade. Com tudo, sendo ainda evidente e indiscutible
seu parentesco com as duas altas castas, o novo sistema considerou-os como
249
homens selectos, homens nascidos duas vezes ( dvidja :), expressão consagrada
para representar a existência da raça em frente às populações aboríge-
nes (1), e formo-se com ela ao povo, ao grosso da nação propriamente
dita, acima da qual estavam os sacerdotes e os soldados, e foi
por esta razão que o nome de Arios, abandonado pelos chatrías e
também pelos purohitas, mais orgulhosos, os uns, de seu título de fortes
os outros do qualificativo novamente tomado de brahmanes , foi compartilhado
pela terça casta.
Com estas três altas castas, a sociedade indiana, segundo seu ideal, estava
completa. Fora de seu círculo não há arios, não há homens duas vezes
nascidos. No entanto, tinha que ter em conta à população indígena,
que, submetida desde fazia mais ou menos tempo e talvez algo emparentada
com o sangue dos vencedores, vivia obscuramente no inferior da
escala social. Não podia ser recusado absolutamente àqueles homens ape-
gados a seus vencedores e que só recebiam destes seu sustento, sem lançar-
se, com barbara imprudencia, a perigos inúteis. Por outra parte, segundo o
ocorrido depois, é muito provável que os brahmanes tivessem visto já cuán
contrano séria a seus verdadeiros interesses romper com aquelas multidões
negras que, conquanto não lhes rendiam as homenagens delicadas e raciocinados de
as outras castas, pelo menos rodeavam-lhes de uma admiração mais cega e
serviam-nos com um fanatismo mais abnegado. O espírito negro mostrava-se
ali por inteiro. O brahmán, sacerdote para os chatrías e os vaisías, era
deus para a multidão negra. Não se inimiza um de bom grau com amigos
tão calurosos, sobretudo quando para os conservar não é necessário fazer
grandes esforços.
CONDE DE GOBINEAU
250
251
252
CONDE DE GOBINEAU
sim mesmas, a admiração para seus legisladores deve ser sem reserva. Frente
às castas normais e às populações descastadas que as rodeiam, apare"
cen verdadeiramente sublimes. Mais tarde resultará demasiado fácil recono-
cer como têm degenerado os brahmanes, através do tempo e da perver^
sión inevitável dos tipos, que se acusam cada vez mais apesar de todos
os esforços; mas nem os viajantes, nem os administradores ingleses, ny os
eruditos que consagraram suas vigílias ao estudo da grande península a s? at j c ,
a
têm titubeado nunca em reconhecer que, no seio da sociedade indiana,
a casta dos brahmanes conserva uma imperturbable superioridad sobre
todo o que vive ao arredor seu. Hoje, mancillada pelos enlaces que
tanto horripilaban a seus primeiros pais, mostra, não obstante, em meio
de seu povo, um grau ae pureza física sem igual. Só nela se encontra
ainda o gosto pelo estudo, a veneração dos monumentos escritos, a
ciência da língua sagrada; e o mérito de seus membros, como teólogos
e gramáticos, é bastante notável para que os Colebrooke, os Wilson e
outros indianistas, justamente admirados, tenham devido felicitar-se de ter
recorrido a suas luzes. Até o mesmo Governo britânico confiou-lhes
parte do ensino no colégio de Fort-William. Este reflexo da anti-
gua glória está, sem dúvida, muito empañado. Não é mas que um eco, e este
eco vai debilitando-se cada vez mais, à medida que aumenta desorganiza-a"
ción social na Índia. No entanto, o sistema hierárquico inventado por
os antigos purohitas tem permanecido totalmente em pé. Pode-lhe
estudar por inteiro em todas suas partes ; e para render-lhe, sem regateos, tudo
a honra que se merece, basta calcular de modo aproximado o tempo que
leva de existência.
Não obstante ser muito incertas estas datas, se pretende-se procurar outras
mais recentes, não se encontram, e à medida que avança, ao resultar mais
intensa, a clareza histórica não permite duvidar que nos afastamos do ob-
jeto procurado. Assim, após uma lagoa, certamente bastante longa, em o
século XIV a. de J."C. t encontra-se ao brahmanismo perfeitamente assentado
e organizado, fixadas já as escrituras litúrgicas e estabelecido o calendário
védico; é, pois, impossível descer mais.
253
para a questão de que aqui se trata, tenho bastante. Não consideremos se-
queira que o brahmanismo existia já visivelmente muito tempo dantes de
aquela época e concluamos que desde o ano 2448 a. de J.-C. ao da
era cristã de 1852 têm decorrido 4300 anos, que a organização brah-
mamca vive sempre, que hoje se encontra em um estado comparável à
situação dos egípcios sob os Tolomeos do século III dantes de nossa
era e à da primeira civilização asiría em diferentes épocas, entre outras
no século VIL Asi, mostrando-se generosos com a civilização egípcia, com-
cedendo-lhe, o que não faço com a dos brahmanes, todo o período ante-
rior à migração e todo o de seus começos dantes de Menés, terá durado
desde o ânus 2448 até o 300 a. de J.-C„ isto é, 2.148 anos. Quanto a
a civilização asina, fazendo retroceder seu ponto de partida quanto se
queira, como não lhe pode fazer anterior em muitos séculos à era ca-
chemirana, segue-se que também não há que falar dela : fica demasiado
longe da meta*
254
CONDE DE GOBINEAU
CAPITULO II
Desenvolvimientos do brahmanismo
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CONDE DE GOBINEAU
livro de Lucrecio. , - . . j
Notarei aqui, de passagem, que, segundo toda probabilidade, foi pouco dê-
pués desta separação quando começou a se formar o dialeto pracrito e
a língua aria propriamente dita, se alguma vez existiu em uma forma
mais concreta que um faça de dialetos, acabo por desaparecer. O sánscrito
dominou ainda longo tempo no estado de idioma falado e preexcelente,
o qual não impediu que as derivações se multiplicassem e que, à longa,
tendessem a confinar a língua santa no mutismo elocuente dos livros.
2 57
Como lhes recebeu muito mau (não esperavam sem dúvida outra acolhida), se
entabló uma guerra que teve por teatro todo o Norte, o Sur e o Leste de
a península até Videha e Visala, e por atores a todas as populações,
o mesmo arias que aborígenes (1). A contenda foi tanto mais longa quanto
que os invasores tinham aliados naturais em muitas das nações arias
do Himalaya, hostis ao regime brahmánico. Encontraram-nos também
em muitos povos mestizos, mais interessados ainda no recusar, e, se
era possível, em abatê-lo: conquistadores e bandidos, os bandidos de tudo
cor, convertiam-se em amigos seus (2).
CONDE DE GOBINEAU
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Em fim, em terceiro lugar, e ainda por embaixo destes dasyus tão detestados,
vinham as nações aborígenes. Não pode ser concebido gente mais selvagem» e,
desgraçadamente, seu número era exorbitante. Os brahmanes davam-lhes
em general o nome de mlekkhas f selvagens ou bárbaras (2). Este último
nome está incorporado em todas as línguas da espécie branca, e tes-
tifica a superioridad que esta família se adjudica sobre o resto da espécie
humana.
259
mas citados por Lassen, foram devorados pelos antropófagos. Mas por
cada eremita degolado iam dez, que se disputavam o santuário desde
então santificado, e as veneráveis colônias, estendendo mais e mais
suas ramificações, conquistavam irresistivelmente o território. Seus funda-
2Ou0
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26l
2Ou2
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brahmán (i). . . , ,
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Essa derrota não fué, pelo demais, senão um episódio da guerra, e teve
mais de um encontro em que os brahmanes não levaram a vantagem. Tudo
indica também que seus adversários, quase tão Arios como eles, não se mos-
traron desprovistos de habilidade, e que não tiveram na força de suas
espadas uma confiança tão absoluta que não tivessem julgado necessário
apelar ainda a armas menos materiais. Os chatrías situaram-se muito
mañosamente no seio mesmo dos recursos do inimigo, na ciuda-
dela teológica, seja a fim de quebrantar a influência dos brahmanes sobre
os vaisías, os sudras e os indígenas, seja para tranquilizar sua própria com-
ciência e tirar a sua empresa um caráter de impiedad que não tivesse
demorado em fazê-la odiosa ao espírito profundamente religioso da nação.
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Este golpe, sem dúvida bem concebido e longo tempo meditado, pois por
os desenvolvimientos a que esteve sujeito revela a duração e o encarni-
zamiento de uma luta obstinada, ameaçava ao poder dos brahmanes e,
com este, à sociedade indiana, com uma ruína definitiva. De um lado, estaria
Vichnú com seus chatrías livres e armados; de outro, Brahma, igualado por
um novo deus, com seus pacíficos sacerdotes e as classes impotentes de os
vaisías e dos sudras. Os aborígenes tinham sido intimados a escolher entre
ambos sistemas, o primeiro dos quais lhes ofereceu, junto com uma religião
tão completa como a antiga, uma libertação aboluta da tiranía das
castas e a perspectiva, para o último dos cidadãos, de elevar-se a tudo,
durante o curso mesmo da vida atual, sem ter que aguardar um segundo**
do nascimento. O outro regime np tinha nada novo que dizer; situação
sempre desfavorável quando se trata de atrair às massas; e, do mesmo
modo que não podia acusar de impiedad a seus rivais, já que reconheciam
o mesmo templo que ele, salvo um deus superior diferente, também não podia
erigirse, como o fizesse até então, em defensor dos direitos de os
débis, em liberal, como se diria em nossos dias; já que o liberalismo
estava evidentemente do lado daqueles que o prometiam tudo aos mais
humildes, e aspiravam inclusive, se chegava o caso, a conceder-lhes a faixa
supremo. Agora bem, se os brahmanes se enajenaban a fidelidade de sua
mundo negro, que soldados poderiam opor à ameaça das espadas
reais, eles que não podiam expor sua vida?
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Um brahmán exercia a profissão que digo, e, seja que ganhasse pouco, seja
que gastasse demasiado, andava escasso de dinheiro. Sua mulher aconselhou-lhe que
ruese à porta do palácio do rajah e, que assim que lhe visse sair de o
palácio, avançasse determinadamente em sua direção e lhe recitase algo que pu-
desse ser-lhe agradável. r
CAPÍTULO III
O budismo ; sua derrota ; a Índia atual
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de uma imaginación tanto mais fecunda quanto que se nutria das classes
negras; todo o que o pensamento humano, ébrio de refinamientos e com-
pletamente extraviado pelo abuso da reflexão pôde imaginar de^ extra-
vagante em matéria de formas, veio a entronizarse naqueles espléndidos
refúgios. Por pouco que os brahmanes quisessem salvar sua sociedade, deviam
pôr mãos à obra. Entablóse a luta, e se compara-se o tempo de o
combate com o da paciência, o um foi tão longo como o outro. A guerra
começada no século V terminou-se no XIV.
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que envia ao céu o espírito piedoso conteúdo sob suas letras, regocijando
com ele às inteligências supremas* A que grau de envilecimiento se some
cedo uma teoria racionalista que se aventura fora das escolas e sai a
tomar a direção dos povos! O budismo mostra-o plenamente, e
cabe dizer que as multidões imensas cujas consciências dirige pertencem
às classes mais viles da Chinesa e dos países circunvecinos. Tal fué seu
fim, tal é sua sorte atual.
Que deve ser admirado mais aqui? A tenacidad com que se conservou o
brahmanismo, durante aquele enorme lapso de tempo, perfeitamente igual
a si mesmo em seus dogmas essenciais e no que a mais vital oferece seu
sistema político, sem transigir jamais sobre ambos terrenos? É, pelo com-
trario, sua condescendência a render homenagem à parte honorífica das
ideias de seu adversário e a desinteresar o amor próprio no momento sü^
premo da derrota? Não saberia o decidir. O brahmanismo demonstrou, du-
rante essa longa luta, aquela dupla habilidade, antanho justamente alabada
entre a aristocracia inglesa, de saber manter o passado acomodando-se a
as exigências do presente. Em uma palavra, esteve animado de um ver-
dadero espírito de governo, e obteve recompensa-a com a salvação da
sociedade por ele criada.
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parte de suas virtudes especiais* Não se segue de aqui, é verdadeiro, que a longa
resistência dos budistas tenha carecido de resultados: longe disso. Não
duvido que a volta ao seio brahmánico de numerosas tribos da casta
sacerdotal e de chatrías mediamente fiéis, durante tantos séculos, a
as prescrições étnicas, não tenha desenvolvido consideravelmente os gér-
menes importunos que existiam já. Não obstante, a natureza aria era
bastante forte, e o é ainda hoje, para manter em pé sua organização em
meio das provas mais terríveis por que jamais tenha atravessado um
povo.
Desde o ano 1001 de nossa era, a Índia cessou de ser aquele país fechado
às nações ocidentais, e do que o maior dos conquistadores,
o próprio Alejandro, não pôde senão suspeitar as maravilhas encerradas entre
os povos impuros, entre as nações vratías do Oeste que tinha combatido.
O filho de Filipo não penetrou no território sagrado. Um príncipe muçulmano
de raça mestiza, bem mais branca que o que resultou o cruze do qual
procedem atualmente os brahmanes e os chatrías, Mahmud o Gnaznevida,
à frente de exércitos que inflamaba o fanatismo muçulmano, passou a sangue e
fogo a península, destruiu os templos, perseguiu aos sacerdotes, aniquilou
aos guerreiros, acabou com os livros e começou, em grande escala, uma persecu-
ción que não tem cessado nunca desde então. Se a toda civilização lhe é
difícil manter-se em pé contra os assaltos interiones que as paixões hu-
mana desencadeiam constantemente contra ela, que ocorrerá pois quando
não só se vê atacada, senão dominada por estrangeiros que nada lhe perdoam e
que só perseguem sua perdição? Existe, na História, um exemplo de
longa e afortunada resistência contra essa terrível conspiração? Não conheço
senão um, e é na Índia onde o encontro. A partir do rudo sultán de
Ghizni, pode ser afirmado que a sociedade brahmánica não gozou um mo-
mento de tranquilidade e, no meio desses ataques constantes, conservou a
força para expulsar ao budismo. Após os Persas de Mahmud vinie-
rum os Turcos, os Mogoles, os Afegãos, os Tártaros, os Árabes, os
Abisinios, depois de novo os Persas de Nadir-Scha, os Portugueses, os
Ingleses, os Franceses. Ao Norte, ao Oeste, ao Sur, abriram-se rotas de inva-
siones incessantes, vieram a ocupar as províncias multidões abigarradas
de populações estrangeiras. Obrigadas pela força do sable, nações em-
teras fizeram defección à religião nacional. Os Cachemiranos se com-
virtieron em muçulmanos; e também os Sicrdis e ainda outros grupos do Ma-
labar e da costa de Coromandel. Por todos os lados os apóstoles de Mahoma,
favorecidos pelos príncipes da conquista, prodigaron, e não sem sucesso,
temíveis predicaciones. O brahmanismo não renunciou um sozinho momento a o
combate, e sabido é, ao invés, que no Leste e nas montanhas de o
Norte, especialmente após a conquista do Nepal pelos Gorjas em
no século XV, prosseguiu ainda seu proselitismo, e saiu triunfante (1). A
infusión de sangue semiaria, no Pendjab, produziu a religião igualitaria
de Nanek. O brahmanismo se desquitó desta perda fazendo a cada
vez mais imperfecta a fé muçulmana que com ele convive.
277
ninguém que, tendo vivido na Índia, se incline a achar que esse país
possa experimentar nunca uma transformação e se voltar civilizado à
maneira nossa. Diversos observadores que têm tido ocasião de penetrar
em seus costumes e de conhecê-lo melhor que ninguém declaram que, em seu
opinião, esse momento não chegará nunca.
No entanto, o brahmanismo acha-se em completa decadência? seus
grandes homens têm desaparecido; as absurdas ou crueis superstições,
as necedades teológicas da parte negra de seu culto, têm tomado uma
preponderancia alarmante sobre o que sua filosofia antiga apresentava de
tão elevado, de tão nobremente arduo. O tipo negro e o princípio amarelo
abriram-se passo em suas populações selectas, e, em muitos pontos, é difí-
cil, quase impossível, distinguir os brahmanes de determinados indivíduos
pertencentes às castas baixas. Em todo caso, nunca a natureza perver-
tida desta raça degenerada poderá prevalecer contra a força superior de
as nações brancas vindas do Occidente de Europa.
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Birmanos. t -ir
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Fica o Sur da Índia, a parte que se estende para Calcutá, ao
longo do Ganges, as vastas províncias do Centro e o Dekján. Nestas
regiões, as tribos de selvagens negros são numerosas; os bosques imensos,
impenetráveis, e o uso dos dialetos derivados do sánscrito cessa quase
completamente* Um amasijo de línguas, mais ou menos ennoblecidas por ele-
mentos tomados do idioma sagrado, o tamul, o malabar e outras cem se
repartem as populações* Um abigarramiento infinito nas carnaciones
assombra em seguida ao europeu, que não descobre no aspecto físico de os
homens nenhuma impressão de unidade, nem sequer nas castas superiores*
Estas regiões são aquelas em que a mistura com os aborígenes é mais
íntima. São também as menos recomendáveis sob todos os aspectos*
Multidões apáticas, sem energia, sem coragem, mais supersticiosas que em parte
alguma, parecem morridas, e só é lhes fazer estrita justiça o as declarar
incapazes de bater um sozinho instante por um desejo de independência* Sempre
têm estado sumisas e sujeitas, e o brahmanismo não recebeu delas nenhum
socorro, porque a proporção de sangue dos negros, difundida no seio
desta massa, ultrapassa em excesso o que se vê no Norte, desde onde
as tribos arias nunca levaram até ali, já por terra, já por mar, sina
colônias insuficientes.
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CONDE DE GOBINEAU
consequência. Só o brahmanismo possui o segredo de contrariar o progresso
de tal açoite.
Mas, desde que, fará uns vinte anos, a filología, a filosofia, a esta"
dística, começaram o inventário da sociedade e da natureza indianas,
sem esperança quase de completá-lo em muitíssimo tempo — ■ tão rica e abum
dante é a matéria — , tem sucedido o contrário do que revela a experien"
cia comum : quanto menos conhecida é uma coisa tanto mais admira-a ; aqui,
à medida que conhece-se e aprofunda, admira-a mais. Habituados à
existência limitada de nossas civilizações, repetíamos, imperturbable"
mente, as palavras do Salterio sobre a fragilidade das coisas humanas,
e quando se descorrió a cortina imensa que ocultava a atividade da
existência asiática, e a Índia e a Chinesa apareceram claramente a nossas
miradas, com suas constituições inquebrantáveis, não temos sabido como
tomar esta descoberta, tão humillante para nossa sabedoria e nosso
poderío.
Mas» acabo de dizê-lo: não tem sido a Índia o único país onde se tem
realizado o fenômeno que admiro; há que citar também a Chinesa. Inves-
tiguemos se as mesmas causas têm originado ali os mesmos efeitos. Leste
estudo enlaça-se tanto melhor com o que aqui termina» quanto que entre
o Celeste Império e os países indianos estendem-se vastas regiões» como o
Tibet, onde as instituições mistas têm o caráter das duas sociedades
das quais emanan. Mas» dantes de informar-nos de se esta dualidad é
verdadeiramente o resultado de um duplo princípio étnico» é absolutamente
necessário conhecer a origem da cultura social em Chinesa e damos conta
da faixa que este país tem direito a ocupar entre as nações civili-
zadas do mundo.
CAPÍTULO IV
A RAÇA AMARELA
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