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Mensagem:

Mensagem é a única obra completa publicada em vida de Fernando Pessoa. Contém 44 poemas. Os seus poemas, apesar de
compostos em momentos diversos, têm como fio condutor da sua unidade a visão mítica da Pátria.

1. A Estrutura Tripartida:
Os 44 poemas que constituem a Mensagem encontram-se agrupados em três partes que correspondem às etapas da
evolução do Império Português – nascimento, realização e morte.
O poema começa com a expressão latina Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum (Bendito o Senhor
Nosso Deus que nos deu o sinal).
Cada uma das partes do Poema inicia-se também com uma expressão latina: na primeira surge Bellum sine bello
(Guerra sem guerra). Na segunda parte, ocorre Possessio maris (Posse do mar). Na terceira parte há uma Pax in excelsis (Paz
nos céus), que marcará o Quinto Império. O poema termina com a expressão Valete, Frates (felicidades irmãos).

1.1. Brasão:
Esta primeira parte corresponde ao nascimento do Império Português. Portugal na Europa e em relação ao Mundo,
procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental.

1.2. Mar Português:


Nesta segunda parte surge a realização da vida. Em “Mar Português”, Pessoa procura simbolizar a essência do ideal de
ser português vocacionado para o mar e para o sonho.

1.3. O Encoberto:
A terceira parte corresponde à desintegração, começa por manifestar a esperança e o “sonho português”, pois o atual
Império encontra-se moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição.

2. Estrutura simbólica:

No centro de “Mensagem”estão os símbolos como tema e como processo, sejam eles os nomes dos heróis, as
imagens-chave da história, as cifras heráldicas do brasão, sejam, enfim, as palavras da língua portuguesa, com a sua
capacidade de transmitir os fundamentos identificadores do «ser português».

2.1. Brasão:
I. Os Campos: espaço com a mesma simbologia da terra, enquanto princípio passivo, que permite a ação, e enquanto
espaço de fecundidade, de vida (a obra realizada pelos fundadores e construtores do império).
II. Os Castelos: os valores da fundação e da defesa da nacionalidade (força, nobreza e coragem, de inspiração divina)
colocados a par do mistério e do enigma como portadores da origem e do futuro.
III. As Quinas: transposição heráldica das chagas de Jesus Cristo, que foram, segundo uma lenda, oferecidas pelo
próprio Cristo ao nosso primeiro rei, nos momentos que antecederam a Batalha de Ourique. As figuras nacionais
consagradas nestes cinco poemas são heróis-mártires: reis e infantes que contribuíram com o seu sacrifício ou o seu
sangue para cimentar a mística nacional.
IV. A Coroa: símbolo de perfeição e de poder; promessa de imortalidade. Representada não por um rei, mas pelo
arquétipo do herói-cavaleiro puro, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, que coroa simbolicamente o fundador da
dinastia de Avis, D. João I.
V. O Timbre: o grifo, a substituir o dragão (espécie de serpente alada), vinca, em termos icónicos,uma dupla natureza
celeste (a águia) e terrestre (o leão), as duas qualidades de sabedoria e de força de Cristo: a atuação dessas duas
realidades positivas na história mítica de Portugal. A cabeça do grifo representa o Espírito, a Sabedoria, o Sonho
inspirado do Alto; as asas transportam o sonho, do plano celeste ao terrestre.

2.2. Mar Português:


● Glorificação das grandes descobertas marítimas portuguesas: entre a época do Infante e a de D. Sebastião,
Portugal assume-se como a cabeça da Cristandade ocidental, percorrendo mares desconhecidos e revelando
mundos ignorados, aos quais vai fazer chegar a mensagem cristã.
● Descreve-se, primeiro, a epifania (revelação) oceânica do novo povo eleito, depois a sua perdição na noite e
na tormenta e, enfim, a sua prece a Deus, para o ressurgimento ou a reconquista da Distância, símbolo que
eleva desde o sentido literal, de distância geográfica para a Ásia e as Américas, até ao sentido místico de
distância para o mistério do absoluto ou do divino.

2.3. O Encoberto:
A constatação de um tempo e de um espaço perdidos, envoltos nas brumas da memória, e o sofrimento do eu
poético por ver dormir o seu povo, que tinha perdido a sua identidade e os seus referentes. É neste momento que o
poeta explicita o significado do Quinto Império, recorrendo a uma linguagem que deixa antever esse tempo de
prosperidade espiritual, numa estrutura tripartida:
I. Os Símbolos: correspondem à própria linguagem da existência; os cinco grandes mitos portugueses;
II. Os Avisos: as profecias dos três grandes mensageiros do messianismo português;
III. Os Tempos: desvelam-se os sinais que indiciam a proximidade de «O Encoberto». Inicia-se com o poema
«Noite» e termina com «Nevoeiro», depois do poema «Antemanhã», ou seja,à noite sucede a manhã (simbolizada na
possibilidade de nascimento, encerrada no valor simbólico do nevoeiro) – ao Caos segue-se a Ordem, ao nada sucede
a Obra.

Assim, Em Brasão, “Os Campo”, “Os Castelos”, “As Quinas”, “A Coroa” e “O Timbre”, são marcas de afirmação do
passado inalterável, de mágoa do presente e de antevisão do que há de vir. Em Mar Português, há um presente de glórias,
que já não existe, mas que faz parte da memória e alma portuguesa, capaz de fazer renascer uma nova luz, de permitir o
advento do Quinto Império. O Encoberto, depois de manifestar a crença num regresso messiânico, considera que, após a
tempestade atual, a chama há de voltar e a luz permitirá o caminho certo. Por isso que acredita que “É a Hora” de traçar
novos rumos e caminhar na construção de um Portugal novo.

3. O Sebastianismo:
O Sebastianismo é um mito messiânico porque assenta na ideia de que um salvador (messias) virá resgatar Portugal do
estado de marasmo e decadência em que se encontra.
Apesar de se tratar de um mito, o Sebastianismo tem uma origem bem concreta e real: começa com o
desaparecimento do rei D. Sebastião. Segundo a lenda, o jovem monarca voltaria ao país, numa manhã de nevoeiro, para o
salvar das mãos dos espanhóis. Após a Restauração da Independência, acentua-se a dimensão mítica e messiânica do
Sebastianismo. O conceito já não se limita à figura de D. Sebastião, alarga-se. A figura do salvador surgirá para regenerar a
nação e para a conduzir a um destino grandioso.
Assim em “Mensagem”, Fernando Pessoa retoma o mito, porém não espera a vinda carnal do monarca, a sua noção de
salvador terá uma representação simbólica.
“Mensagem” é atravessada por figuras, símbolos e avisos que anunciam uma nova era. Essa era futura é a do Quinto
Império. O Quinto Império é um conceito universal, visto que engloba toda a humanidade, e não será conquistado pelas
armas. Trata-se de um domínio espiritual, que, por escolha divina, tem Portugal à cabeça e que se propõe trazer fraternidade,
paz e prosperidade a todos os povos. Será uma espécie de regresso ao paraíso perdido.
4. O imaginário épico:
A natureza épico-lírica de “Mensagem” assenta no facto de os poemas que constituem a obra revelarem marcas de
ambos os domínios literários.
4.1. Características do discurso épico:
➢ Exaltação de acontecimentos memoráveis e extraordinários, capazes de interessar a um povo e
mesmo à própria humanidade, veiculando uma visão heroica do mundo.
➢ A ação situa-se num passado histórico, em que se desenrolaram as ações pela consolidação do poder
de uma nação.
➢ O presente surge como o resultado consequente desse passado remoto e mítico que se projeta, por
sua vez, no futuro, através das realizações e proezas dos heróis, mediante momentos de visão
profética, nos quais a vontade divina se revela, deixando antever um porvir glorioso.
➢ Protagonistas com elevado estatuto social e moral.
➢ O recurso ao maravilhoso confere grandeza à ação e transpõe a verdade histórica para a dimensão
do mito.
➢ Uso narrativo da terceira pessoa.

4.2. Características do discurso lírico:


➢ Poemas breves que encerram um valor próprio e isolados dos restantes.
➢ Interiorização, mentalização da matéria épica, que é reduzida a imagens simbólicas através das quais
o sujeito poético se exprime.
➢ Expressão da subjetividade: presença frequente da primeira pessoa do presente e consequente
hegemonia da função emotiva (expressão ou representação de sentimentos).
➢ Confluência íntima entre o eu e o mundo, o tempo e o espaço.

5. Dimensão simbólica do herói:


Herói é aquele que se eleva acima da medida humana comum, pela sua energia, coragem e sabedoria, na defesa de
um ideal: no combate contra seres humanos ou contra forças brutas da natureza; na fundação/libertação de uma cidade, de
um país ou de um território.
Em “Mensagem”, não há tanto uma preocupação em retratar os heróis com rigor histórico, as figuras retratadas
surgem como heróis que se enquadram no plano de Deus para Portugal. Os seus gestos, muitas vezes inconscientes,
inscrevem-se no percurso que, de acordo com a vontade divina, o país deverá seguir para alcançar o quinto império.
Estes heróis são, em geral, figuras solitárias que ousam sonhar. A sua «loucura» (no sentido positivo) e febre do
«Longe» mostra que são ungidos por Deus (ex. D. Sebastião).
O preço a pagar por este tipo de elevação é o sofrimento. Contudo aqueles que conseguem ultrapassar o medo e a
dor são elevados à condição de imortais. Foi o que sucedeu com D. Sebastião, que se encontra nas Ilhas Afortunadas e
regressará como o Encoberto, uma figura já não humana, mas mítica, que conduzirá Portugal à glória do Quinto Império.

6. Exaltação patriótica:
Portugal e o seu destino são os temas centrais da obra de Fernando Pessoa. Os poemas desta obra refletem sobre a
identidade portuguesa, a história e o destino da nação. De facto, é possível encontrar três grandes momentos do percurso
histórico de Portugal: o passado, o presente e o futuro.
Alguns poemas centram-se na história de grandes figuras portuguesas, sobretudo associadas às épocas da fundação,
da segunda dinastia e aos descobrimentos.Este passado é, como vimos, celebrado em termos épicos, e o povo português é
enaltecido pelos feitos que realizou.
No entanto, o presente pauta-se pela crise política, social, económica e de valores. Os problemas que o povo
português vive são simbolicamente representados nos poemas: Portugal atravessa a «noite» e as «trevas»; e o «nevoeiro»
alude ao estado de indeterminação e de desorientação de quem espera a regeneração.
Por fim, “Mensagem” anuncia também o futuro, onde Portugal, a nação ungida por Deus, cumprirá o seu destino e
fundará e dirigirá o Quinto Império. Tal só acontecerá caso todo o povo se mobilize para tal.
Os descobrimentos e o império serviram apenas para anunciar esse destino maior. Por isso, as figuras convocadas na
obra são heróis e modelos de valores e de comportamento que devem inspirar os portugueses do presente.
Assim, "Mensagem" é um poema de enaltecimento do passado português, mas ainda mais uma obra de exaltação
nacional voltada para o futuro.

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