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RETOMA 10.

º ano | EDUCAÇÃO LITERÁRIA

PORTUGUÊS
10.º ano

Luís de Camões, Os
Lusíadas

Programa e Metas Curriculares de Português – 10.º ano


Reflexões do Poeta – três das seguintes: Imaginário épico:
– matéria épica: feitos históricos e viagem;
. canto I, ests. 105 e 106;
– sublimidade do canto;
. canto V, ests. 92 a 100; – mitificação do herói.
Reflexões do poeta.
. canto VII, ests. 78 a 87;
Linguagem, estilo e estrutura:
. canto VIII, ests. 96 a 99; – a epopeia: natureza e estrutura da obra;
– o conteúdo de cada canto;
. canto IX, ests. 88 a 95;
– os quatro planos: viagem, mitologia, História de

. canto X, ests. 145 a 156. Portugal e reflexões do poeta. Sua interdependência;


– estrofe e métrica;
– recursos expressivos: a anáfora, a anástrofe, a
apóstrofe, a comparação, a enumeração, a hipérbole, a
interrogação retórica, a metáfora, a metonímia e a
personificação.

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I - A Epopeia

Um poema épico, ou epopeia, é um poema heroico narrativo extenso, que se propõe exaltar feitos
grandiosos ou factos históricos, individuais ou coletivos, reais, lendários ou mitológicos, de interesse universal. Este
género tem as suas origens na Antiguidade Greco-Romana e nos poetas Homero e Virgílio, que o consagraram com
as obras Ilíada, Odisseia e Eneida, respetivamente.

Características da Epopeia Clássica

● Grandeza do assunto (matéria épica);


● Grandeza e majestade da personagem principal (herói da epopeia);
● Unidade de ação;
● Ação concentrada no tempo e no espaço;
● Divisão em partes
➢ Proposição;
➢ Invocação;
➢ Dedicatória (nem sempre presente);
➢ Narração.
● Divisão em cantos;
● Intervenção do maravilhoso;
● Uso de narrações retrospetivas (em relação ao momento da ação localizada no poema) – analepses e prolepses
— e profecias;
● Existência de episódios, isto é, pequenas unidades poéticas que, sem quebrarem a unidade de ação,
constituem passos independentes.

II - A estrutura d’ Os Lusíadas
Estrutura externa

❖ Os Lusíadas é uma epopeia composta por dez Cantos, constituídos por 1102 estrofes de oito versos (oitavas)
decassilábicos, com predomínio dos versos heroicos (acentos na 6.ª e 10.ª sílabas) e excecionalmente sáficos
(acentos na 4.ª, 8.ª e 10.ª sílabas).
❖ O esquema rimático é invariavelmente ababababcc (rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada
nos dois últimos).
❖ Os dez Cantos podem ser divididos em dois ciclos épicos: no 1.° ciclo, do Canto I ao V, narra-se a viagem de
Vasco da Gama até Melinde e a História de Portugal; no 2.° ciclo, a viagem até à Índia, o regresso, a
passagem pela Ilha dos Amores e Camões faz o apelo final ao rei D. Sebastião. Assim, o Canto V pode ser
considerado o Canto charneira entre o tempo anterior à chegada à Índia e o futuro dos Portugueses.

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Estrutura Interna
O poema tem, à semelhança das epopeias da Antiguidade, Proposição, Invocação e Narração in media res. No
entanto, Luís de Camões ousou inovar, introduzindo, também uma Dedicatória (a D. Sebastião).

❖ Na Proposição (Canto I, estrofes 1, 2 e 3), o poeta apresenta, sumariamente, a matéria do poema, isto é,
Camões anuncia o que se propõe cantar. Deste modo, o poeta indica que irá enaltecer os guerreiros, os
navegadores, os homens ilustres que contribuíram para a construção do «Novo Reino», ultrapassando os
limites da «força humana»; os reis que ajudaram a expandir a «Fé e o Império»; todos os que se vão libertar
da «lei da Morte», ou seja, aqueles que pela sua ação, pelo seu contributo para a dignificação de Portugal,
nunca serão esquecidos, pois atingiram a imortalidade. Na verdade, Camões afirma que cantará «o peito
ilustre Lusitano», os Portugueses, superiores a todos os heróis reais ou lendários da Antiguidade e a quem os
próprios deuses obedeceram.

❖ Na Invocação (Canto I, estrofes 4 e 5), Camões pede às ninfas do Tejo, as Tágides, que lhe deem inspiração
para escrever Os Lusíadas. Às Tágides, que tantas vezes o poeta celebrou em versos seus, implora ele agora
«um som alto e sublimado», «um estilo grandíloco e corrente», adequado ao assunto que Camões se propõe
cantar. Os feitos dos Portugueses eram tão importantes que, para os cantar com dignidade, era necessária
«uma fúria grande e sonorosa», ou seja, uma inspiração elevada, um tom solene persuasivo, mas emotivo.
Ao longo do poema, há mais três invocações:

➢ No Canto III, estrofes 1 e 2, o poeta dirige-se a Calíope, Musa da eloquência e da epopeia, no


momento que antecede o relato dos feitos e das personagens mais marcantes da História de
Portugal.
➢ No Canto VII, estrofes 78 a 84, é a vez de o poeta se dirigir às ninfas do Tejo e do Mondego, pois
sente- se cansado, desanimado e sem apoio, precisando de um novo alento, de um novo impulso
para conseguir continuar a escrita da epopeia.
➢ No Canto X, estrofes 8 e 9, de novo, Camões clama a ajuda de Calíope para ter forças para terminar
Os Lusíadas […].

❖ Na Dedicatória (Canto I, estrofes 6 a 18), Camões oferece o seu vasto poema ao rei D. Sebastião. Para o
poeta, o jovem monarca, eleito por Deus, é o garante da liberdade e da independência de Portugal, do
aumento do Império e do espalhar do Cristianismo. Nestas estrofes, Camões manifesta o seu amor à pátria e
mostra que a escrita de Os Lusíadas reflete esse patriotismo desinteressado de bens materiais e apenas
desejoso de reconhecimento. O poeta sublinha, ainda, o valor dos portugueses — «E julgareis qual é mais
excelente,/Se ser do mundo Rei, se de tal gente.» (I, 10). Camões acrescenta que a obra apenas se centrará
em factos históricos — «Ouvi, que não vereis com vãs façanhas,/Fantásticas, fingidas, mentirosas,/Louvar os
vossos, como nas estranhas/Musas, de engrandecer-se desejosas.//As verdadeiras vossas são
tamanhas,/Que excedem as sonhadas, fabulosas,/Que excedem Rodamonte, e o vão Rogeiro,/E Orlando,
inda que fora verdadeiro» (I, 11). Os heróis portugueses são valorizados ao serem confrontados com os das
outras epopeias. Antes de terminar o seu discurso, o poeta dirige-se a D. Sebastião, pedindo-lhe que governe
com rigor, que estimule os feitos gloriosos dos Portugueses, que combata os mouros.

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No Canto X, estrofes 146 a 156, Camões dirige-se novamente ao rei, fechando circularmente o poema, e,
numa atitude conselheira, depois de ter vincado que D. Sebastião é rei «só de vassalos excelentes», capazes
de todos os sacrifícios para servir a pátria e para servir o rei, pede-lhe que seja benevolente, justo e que
reconheça o valor da experiência. Camões aproveita, ainda, para traçar o seu retrato de homem do
Renascimento, aquele que preza as letras e as armas e que serve a pátria das duas formas «Para servir-vos,
braço às armas feito; / Para cantar-vos, mente às Musas dada;».

❖ A Narração (a partir da estrofe 19, Canto I) é o núcleo fundamental da obra, pois narra a viagem de Vasco da
Gama até à Índia. O facto de esta narração se iniciar in media res obriga a que o relato da viagem desde
Lisboa até Melinde seja feito através de uma analepse. Como observa Jorge de Sena, o narrador «inicia a
narração colocando as naus navegando no Oceano Índico (1.ª estância) e, logo após, no mesmo período
gramatical,

III - Os planos estruturais


É possível detetar na obra quatro planos fulcrais que constantemente se cruzam.

Plano da Plano da mitologia Plano da Plano das


viagem História de Portugal reflexões do poeta

 plano relativo à  plano protagonizado  plano encaixado no  plano que se encontra


viagem de Vasco da pelos deuses do plano da viagem, que presente em quase todos os
Gama à Índia, que Olimpo e por outros consiste na narração da finais de canto;
representa a ação seres mitológicos; História de Portugal:  consiste na interrupção da
central da epopeia;  geralmente, surge - por Vasco da Gama ao narrativa para apresentar as
 ação iniciada articulado/alternado rei de Melinde reflexões do poeta a
in media res com o plano da (analepse); propósito dos factos
(quando se inicia a viagem. - por Paulo da Gama ao narrados (fragilidade da vida
narração, a armada Catual (analepse); humana, desprezo pelas
portuguesa já se - por Júpiter, no Consílio artes e pelas letras, valor da
encontra a meio da dos deuses (profecia); glória, queixa dos
viagem). - pelo Adamastor aos infortúnios pessoais, poder
nautas (prolepse), do ouro, imortalização do
- por uma ninfa aos nome, decadência da
nautas; pátria).
Externato Ribadouro, 2019

- por Tétis a Vasco da


Gama (prolepses).

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IV - As reflexões do poeta (tom antiépico)

Tema Desenvolvimento

Fragilidade da vida humana  Consciencialização do carácter terreno/mortal/


(Canto I, est. 105-106) efémero da vida humana e da pequenez e fraqueza
do ser humano (em oposição à força dos perigos
envolventes).

Desprezo pelas artes e pelas letras  Crítica à falta de cultura dos portugueses, que leva
(Canto V, est. 92-100) à desvalorização da arte.
 Constatação de que a ausência de quem divulgue
literariamente os feitos heroicos levará ao
desaparecimento dos heróis.
 Censura ao facto de os portugueses serem
dominados pela austeridade, pela rudeza e pela
falta
de «engenho».

Queixas do poeta/Critérios de seleção dos merecedores  Expressão dos infortúnios pessoais (vida de perigos
do canto diversos, de guerras, de viagens atribuladas por mar
(Canto VII, est. 78-87) e por terra, errância, pobreza, desterro,
incompreensão por parte dos contemporâneos).
 Apresentação de critérios de seleção dos que
merecem e dos que não merecem ser cantados.

Poder do dinheiro  Crítica aos efeitos gerados pela ambição do


(Canto VIII, est. 96-99) dinheiro (rendição de fortalezas, transformação de
nobres em pessoas vis, promoção da deslealdade,
corrupção do que é puro, deturpação da justiça e
da ciência).

Imortalização do nome • Considerações sobre o caminho a percorrer para


(Canto IX, est. 88-95) alcançar a fama/imortalidade (renúncia ao ócio, à
cobiça, à ambição desmedida e à tirania; promoção
da justiça e igualdade, da defesa da fé cristã e da
pátria).

Desvalorização da arte/Exortações a D. Sebastião  Desalento face a uma pátria decadente que


(Canto X, est. 145-156) despreza as artes e menospreza a obra do próprio
Camões.
 Apelo a D. Sebastião para liderar Portugal na
realização de novos feitos gloriosos.

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V - O imaginário épico

Matéria • Apresentação da matéria épica (Canto I, est. 1-18)


épica - Viagem de Vasco da Gama
- Feitos históricos dos portugueses
 Desenvolvimento da matéria épica (Narração)
- Viagem de Vasco da Gama
· exploração e conhecimento dos mares
· vitória relativamente aos inimigos e às forças da Natureza
- Feitos históricos dos portugueses
· narração de feitos passados (analepse): por Vasco da Gama ao rei de Melinde (Cantos III,
IV e V); por Paulo da Gama ao Catual (Canto VIII)
· narração de feitos futuros (prolepse): profecias de Júpiter (Canto II), do Adamastor (Canto
V), de uma ninfa e de Tétis (Canto X)

Sublimidade • Narração dos feitos dos portugueses através de um «som alto e sublimado» / «estilo
do canto grandíloco e corrente», adequado à matéria épica
(Canto I, est. 4), com recurso a:
· estilo culto, erudito
· latinismos (ex.: «grandíloco», «salso argento»)
· evocações mitológicas (Canto X, est. 88)
· alusões à história antiga (Canto V, est. 93, 95-96)
· recursos expressivos (ex.: anáfora, anástrofe, apóstrofe, comparação, enumeração, hipérbole,
interrogação retórica, metáfora, metonímia, personificação)
 Canto épico como condição para a existência de heróis (manutenção dos feitos heroicos na
memória dos vindouros).

Mitificação • Exaltação das características do povo português que lhe conferem o estatuto de herói:
do herói coragem, ousadia, patriotismo, espírito de sacrifício, fé em Deus.
• Comparação dos portugueses com os heróis e deuses da Antiguidade Clássica (e sua
superação).
• Ilha dos Amores: recompensa dos portugueses (comunhão com o divino; acesso ao
conhecimento). Os Portugueses alcançam a divinização, a imortalidade, como prémio do
Externato Ribadouro, 2019

seu sacrifício e entrega.

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Os Lusíadas em EXAME

Item adaptado 2018 | 639 | 1.ª Fase

Parte C

A figura do herói está presente em muitas obras estudadas ao longo do ensino secundário, embora a sua construção
possa depender de diversos fatores.

Escreva uma breve exposição sobre o herói em Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões.

A sua exposição deve incluir:

• uma introdução ao tema;

• um desenvolvimento no qual explicite, duas características do herói em Os Lusíadas, fundamentando as


características apresentadas em, pelo menos, um exemplo significativo da obra;

• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

2008 | 639 | 1.ª FASE

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2017 | 639 | 2.ª FASE

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2008 | 639 | 1.ª FASE

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EXERCÍCIOS

Os Lusíadas

Proposta 1
Leia o texto constituído pelas estâncias 105 e 106 do canto I de Os Lusíadas. Se necessário, consulte as
notas.

105 1 O recado que trazem é de amigos,


Mas debaxo o veneno1 vem coberto,
Que os pensamentos eram de inimigos,
Segundo foi o engano descoberto2.
5 Ó grandes e gravíssimos perigos,
Ó caminho de vida nunca certo3,
Que, aonde a gente põe sua esperança,
Tenha a vida tão pouca segurança.

106 No mar tanta tormenta e tanto dano,


10 Tantas vezes a morte apercebida4!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade5 avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
15 Que não se arme, e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

Luís de Camões, Os Lusíadas, 5.ª ed.


de A. J. da Costa Pimpão, Lisboa, MNE/IC, 2003
NOTAS
1
traição;
2
próxima de nós;
3
inseguro;
4
próximo de nós;
5
ocasiões difíceis.

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1. Relacione a utilização das interjeições, na estrofe 105, com o estado de espírito do sujeito poético.

2. Explicite o valor expressivo da interrogação retórica presente na segunda estância.

3. Refira de que modo a mitificação do herói é ilustrada pelas estâncias apresentadas.

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Proposta 2

Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 92 a 95 do canto IX de Os Lusíadas. Se necessário,


consulte as notas.

92 Mas a Fama, trombeta de obras tais, 94 Ou dai na paz as leis iguais, constantes,
Lhe deu no mundo nomes tão estranhos Que aos grandes não deem o dos pequenos;
De Deuses, Semideuses, Imortais, Ou vos vesti nas armas rutilantes,
Indígetes, Heroicos e de Magnos. 20 Contra a lei dos inimigos Sarracenos:
5 Por isso, ó vós que as famas estimais, Fareis os Reinos grandes e possantes,
Se quiserdes no mundo ser tamanhos, E todos tereis mais e nenhum menos:
Despertai já do sono do ócio ignavo, Possuireis riquezas merecidas,
Que o ânimo, de livre, faz escravo. Com as honras que ilustram tanto as vidas.

93 E ponde na cobiça um freio duro, 95 25 E fareis claro o Rei que tanto amais,
10 E na ambição também, que indignamente Agora cos conselhos bem cuidados,
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro Agora co as espadas, que imortais
Vício da tirania infame e urgente; Vos farão, como os vossos já passados.
Porque essas honras vãs, esse ouro puro Impossibilidades não façais,
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Verdadeiro valor não dão à gente: Que quem quis sempre pôde; e numerados
15 Melhor é, merecê-los sem os ter, Sereis entre os Heróis esclarecidos
Que possuí-los sem os merecer. E nesta Ilha de Vénus recebidos.

in Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da


Costa Pimpão, 4.ª ed., Lisboa, MNE/IC, 2000
NOTAS
ignavo (verso 7) – preguiçoso.
Indígetes (verso 4) – heróis divinizados.
numerados (verso 30) – mencionados.
rutilantes (verso 19) – cintilantes.
Sarracenos (verso 20) – mouros.
torpe (verso 11) – desonesto.

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1. Explicite o valor expressivo da apóstrofe, presente no verso 5, relacionando-o com o sentido dos
versos 6 a 8.

2. Explique dois dos conselhos que o poeta dá àqueles que desejam alcançar a «Fama», tendo em conta o
conteúdo dos versos 9 a 19.

3. Atente nos versos 21 a 32.


Refira as recompensas dadas aos homens que quiserem «no mundo ser tamanhos». Ilustre a resposta
com elementos textuais pertinentes.

4. Transcreva

a) a hipérbole que, na estrofe 93, destaca a influência da ambição;

b) a expressão que, na estrofe 95, realça o passado como estímulo para os portugueses.

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