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- “MENSAGEM” DE FERNANDO PESSOA -

Mensagem a epopeia lírica


A Mensagem, cujas poesias componentes foram escritas entre 1913 e 1934 – data da sua publicação, é
sem dúvida a obra-prima onde pessoa lapidarmente imprimiu o seu ideal patriótico, sebastianista e
regenerador. É um poema nacional, uma versão moderna, espiritualista e profética de Os Lusíadas.
A Mensagem poderá ser vista com uma epopeia. Porque parte dum núcleo histórico, mas a sua
formulação sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá a continuidade. Aqui, a acção dos
heróis, só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui serão só eleitos, terão só direito
à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos. Assim, sua
estrutura será dada pelo que, noutra ideias/forças desse povo: regresso do paraíso, realização do impossível,
espera do messias… raízes do desenvolvimento dessa entidade colectiva.
Os antepassados, os fundadores, que pela sua acção criaram a pátria, e ergueram a personalidade,
separada, ou plasmaram na sua altura própria; mas Mães, as que estão na origem das suas dinastias,
cantadas como “Antigo seio vigilante”, ou “humano ventre do império”; os heróis navegantes, aqueles que
percorreram o mar em busco do caminho da imortalidade, cumprindo um dever individual e pátrio
(realização terrestre duma missão transcendente); e, finalmente, depois dessa missão cumprida, dessa
realização. Na era crepuscular de fim de vida, os profetas, as vozes que anunciam já aquele que viria
regenerar essa pátria moribunda, abrindo-lhe novo ciclo de vida, uma nova era – o Encoberto.

A estrutura da obra
Assim, a estrutura da Mensagem, sendo a dum mito numa teoria cíclica, a das Idades, transfigura e repete
a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida e morte dum mundo; morte que será seguida dum
renascimento. Desenvolvendo-a como uma ideia completa, de sentido cósmico, e dando-lhe a forma
simbólica tripartida – Brasão, Mar Português, O Encoberto. Que se poderá traduzir como: os fundadores, ou
o nascimento; a realização, ou a vida; o fim das energias latentes, ou a morte; essa conterá já em si, como
gérmen, a próxima ressurreição, o novo ciclo que se anuncia – o Quinto Império. Assim, a terceira parte, é
toda ela cheia de avisos, preenche de pressentimentos, de forças latentes prestes a virem á luz: depois da
Noite e Tormenta, vem a Calma e a Antemanhã: estes são os Tempos. E aí sempre perpassarão, com um
repetido fulgor, sempre a mesma mas em modelações diversas, a nota da esperança: D. Sebastião, O
Desejado, O Encoberto…
É dessa forma, o mítico caos, a noite, o abismo, donde surgirá o novo mundo, “Que jaz no abismo sob o
mar que se segue”.

Carácter épico-lírico
· A Mensagem é uma obra épico-lírica, pois, como uma epopeia, parte de um núcleo histórico (heróis e
acontecimentos da História de Portugal), mas apresenta uma dimensão subjectiva introspectiva, de
contemplação interior, característica própria do lirismo.
O mito
· As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos, que o poeta exprime
liricamente. “O mito é o nada que é tudo”, verso do poema “Ulisses”, é o paradoxo que melhor define essa
definição simbólica da matéria histórica da Mensagem.
Sebastianismo
· A Mensagem apresenta um carácter profético, visionário, pois antevê um império futuro, não terreno, e
ansiar por ele é perseguir o sonho, a quimera, a febre de além, a sede de Absoluto, a ânsia do impossível, a

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loucura. D. Sebastião é o mais importante símbolo da obra que, no conjunto dos seus poemas, se alicerça,
pois, num sebastianismo messiânico e profético.
Quinto Império: império espiritual
· É esta a mensagem de Pessoa: a Portugal, nação construtora do Império no passado, cabe construir o
Império do futuro, o Quinto Império. E enquanto o Império Português, edificado pelos heróis da Fundação da
nacionalidade e dos Descobrimentos é termo, territorial, material, o Quinto Império, anunciado na
Mensagem, é um espiritual. “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no
espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um
apelo futuro”.
A estrutura
· A Mensagem está dividida em três partes. Esta tripartição corresponde a três momentos do Império
Português: nascimento, realização e morte. Mas essa morte não é definitiva, pois pressupõe um
renascimento que será o novo império, futuro e espiritual.

1. Nascimento – 1ª Parte “Brasão”


Fundação da nacionalidade, desfile de heróis lendários ou históricos, desde Ulisses a D. Afonso Henriques, D.
Dinis ou D. Sebastiao.
2. Realização – 2ª Parte “Mar Português”
Poemas inspirados na ânsia do Desconhecido e no esforço heróico da luta com o mar. Apogeu da acção
portuguesa dos Descobrimentos, em poemas como “O Infante”, “O Mostrengo”, “Mar Português”.
3. Morte – 3ª Parte “O Encoberto”
Morte das energias de Portugal simbolizada no “nevoeiro”; afirmação do sebastianismo representado na
figura do “Encoberto”; apelo e ânsia messiânica da construção do Quinto Império.

Análise do Poema "O dos Castelos"


A Europa jaz, posta nos cotovelos: Este diz Inglaterra onde, afastado,
De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos A mão sustenta, em que se apoia o rosto.
Olhos gregos, lembrando. Fita, com olhar esfíngico e fatal,
O Ocidente, futuro do passado.
O cotovelo esquerdo é recuado;
O direito é em ângulo disposto. O rosto com que fita é Portugal.
Aquele diz Itália onde é pousado;

Reflexão:
Tal como neste poema da “Mensagem”, a estrofe de “Os Lusíadas” indica Portugal como “cabeça da Europa
toda” atribuindo-lhe uma missão predestinada. Mas “n’Os Lusíadas” essa missão é ditada pelo “Céu” que quis que
Portugal vencesse na luta contra os mouros enquanto na “Mensagem” a missão de Portugal será mais abrangente.

Análise do Poema "Ulisses"


O mito é o nada que é tudo. Foi por não ser existindo.
O mesmo sol que abre os céus Sem existir nos bastou.
É um mito brilhante e mudo -- Por não ter vindo foi vindo
O corpo morto de Deus, E nos criou.
Vivo e desnudo.
Assim a lenda se escorre
Este, que aqui aportou, A entrar na realidade,

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E a fecundá-la decorre. De nada, morre.
Em baixo, a vida, metade

Reflexão:
Ulisses, o herói da guerra de Tróia e protagonista da obra odisseia de Hómero, é um dos grandes mitos da
civilização grega, e segundo a lenda, terá fundado Lisboa. Ao recuperar esta lenda e elege-lo como um dos
primeiros poemas da “Mensagem”, Fernando pessoa tem precisamente a intenção de atribuir a Portugal uma
origem mítica, que é mais valiosa de que qualquer origem histórica (os heróis desta obra são localizadas
sobretudo no seu lado mítico).
Tal como na “Mensagem”, Camões recupera nos Lusíadas a lenda de que Ulisses terá fundando Lisboa.

Análise do Poema "D. Afonso Henriques"


Pai, foste cavaleiro. Dá, contra a hora em que, errada,
Hoje a vigília é nossa. Novos infiéis vençam,
Dá-nos o exemplo inteiro A bênção como espada,
E a tua inteira força! A espada como bênção!

Reflexão:
Este poema apresenta-se como uma prece dirigida a D. Afonso Henriques, “Pai” de uma geração que
lendariamente recebeu a força e a missão de Deus. O sujeito poético, assumindo-se como voz do colectivo
português, pede ao Rei-Rei que dê ao seu povo o exemplo, a força e a bênção, porque “Hoje a vigília é nossa”,
somos nós que temos que ser cavaleiros contra “novos infiéis”, fantasmas do adormecimento colectivo.
Implicitamente, este poema recupera a lenda da Batalha de Ourique, que atribuiu uma dimensão sagrada á
fundação de Portugal, tal como nos é apresentando no episódio “Batalha de Ourique” de Os Lusíadas.

Análise do Poema "D. Sebastião Rei de Portugal"


Louco, sim, louco, porque quis grandeza Minha loucura, outros que me a tomem
Qual a Sorte a não dá. Com o que nela ia.
Não coube em mim minha certeza; Sem a loucura que é o homem
Por isso onde o areal está Mais que a besta sadia,
Ficou meu ser que houve, não o que há. Cadáver adiado que procria?

Reflexão:
Comparação “Os Lusíadas”/ “Mensagem”, é a D. Sebastião que Camões dedica “Os Lusíadas” e é a este Rei que
o poeta dirige o apelo no sentido de continuar a tradição dos antigos heróis portugueses, para fazer ressurgir a
pátria da “apagada e vil tristeza” do presente.
Na “Mensagem”, D. Sebastião (e o sebastianismo) é o mito organizador de toda a obra, no sentido de que o rei
representa o sonho que ressurgirá do nevoeiro em que o Portugal presente está mergulhado, impulsionado a
construção do Futuro.

Análise do Poema "O Infante"


Deus quer, o homem sonha, a obra nasce. E viu-se a terra inteira, de repente,
Deus quis que a terra fosse toda uma, Surgir, redonda, do azul profundo.
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma, Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
E a orla branca foi de ilha em continente, Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Clareou, correndo, até ao fim do mundo, Senhor, falta cumprir-se Portugal!

Reflexão:
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Este poema (“O infante”) foi criado para estabelecer uma relação passado/presente/futuro. Deus quis que os
portugueses sonhassem o desvendamento do mar, fazendo nascer a obra dos descobrimentos.
Os portugueses no passado cumpriram, a missão divina, desvendando os mares desconhecidos e criando o
Império. Mas este desfez-se e, no presente, Portugal é uma pátria sem glória que falta “cumprir-se” daí o apelo
profético expresso no último verso exclamativo, ao cumprimento do destino mítico do Portugal.

Análise do Poema "Ascensão de Vasco da Gama"


Os Deuses da tormenta e os gigantes da terra Ladeiam-no, ao durar, os medos, ombro a ombro,
Suspendem de repente o ódio da sua guerra E ao longe o rastro ruge em nuvens e clarões.
E pasmam. Pelo vale onde se ascende aos céus
Surge um silêncio, e vai, da névoa ondeando os Em baixo, onde a terra é, o pastor gela, e a flauta
véus, Cai-lhe, e em êxtase vê, à luz de mil trovões,
Primeiro um movimento e depois um assombro. O céu abrir o abismo à alma do Argonauta.

Reflexão:
A figura de Vasco da Gama é engrandecida neste poema por vários aspectos:
1. Pela situação de elevação aos céus num plano superior ao da simples condição humana – libertando-se do
corpo, torna-se alma e imortaliza-se;
2. Pelos efeitos provocados por esta situação: o pasmo dos Deuses e dos Gigantes, o silêncio e assombro da
natureza e a admiração dos homens;
3. Pelo nome de “Argonauta” dado a Gama, identificando-o com os heróis míticos da Grécia antiga, que
procuravam desvendar o desconhecimento, buscando o inacessível e o impossível. É de salientar que este poema
se associa à representação que é conferida a Vasco da Gama “n’Os Lusíadas” obra em que o herói é também
elevado no plano dos Deuses nomeadamente no episódio “Ilha dos Amores”.

Análise do Poema "O Monstrengo"


O mostrengo que está no fim do mar Que moro onde nunca ninguém me visse
Na noite de breu ergueu-se a voar; E escorro os medos do mar sem fundo?»
A roda da nau voou três vezes, E o homem do leme tremeu, e disse:
Voou três vezes a chiar, «El-Rei D. João Segundo!»
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo, Três vezes do leme as mãos ergueu,
Meus tetos negros do fim do mundo?» Três vezes ao leme as reprendeu,
E o homem do leme disse, tremendo: E disse no fim de tremer três vezes:
«El-Rei D. João Segundo!» «Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
«De quem são as velas onde me roço? E mais que o mostrengo, que me a alma teme
De quem as quilhas que vejo e ouço?» E roda nas trevas do fim do mundo,
Disse o mostrengo, e rodou três vezes, Manda a vontade, que me ata ao leme,
Três vezes rodou imundo e grosso. De El-Rei D. João Segundo!»
«Quem vem poder o que só eu posso,

Reflexão:
O que o Gigante Adamastor é para Os Lusíadas é para a Mensagem “O mostrengo”. Ambos, cardeais, axiais;
ambos de tal importância, que foram colocados, pelos seus autores, exactamente, pensadamente, mesmo
materialmente, no meio do grande poema. No caso da Mensagem, o rigor e a exactidão são matemáticos: 21
poemas antes, 21 poemas depois de “O mostrengo”. Estes episódios, estão no meio pois isto é a meio da viagem e
é o ponto mais alto e difícil para o povo português.

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Análise do Poema "Mar Português"
Ó mar salgado, quanto do teu sal Valeu a pena? Tudo vale a pena
São lágrimas de Portugal! Se a alma não é pequena.
Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quem quer passar além do Bojador
Quantos filhos em vão rezaram! Tem que passar além da dor.
Quantas noivas ficaram por casar Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Para que fosses nosso, ó mar! Mas nele é que espelhou o céu.

Reflexão:
Este poema compara-se com o episódio “despedida das naus em Belém” de “Os Lusíadas” pois as lágrimas de
Portugal que tornaram salgados o mar, são as mesmas que os familiares choraram perante a partida dos
marinheiros para a aventura marítima.

Análise do Poema
"Uns com os olhos postos no passado" Esta é a hora, este o momento, isto
Uns, com os olhos postos no passado, É quem somos, e é tudo.
Vêem o que não vêem: outros, fitos Perene flui a interminável hora
Os mesmos olhos no futuro, vêem Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
O que não pode ver-se. Em que vivemos, morreremos. Colhe o dia,
Por que tão longe ir pôr o que está perto – porque és ele.
A segurança nossa? Este é o dia,

Reflexão:
O sujeito poético neste poemas diz que “uns” e “outros” são os que não são capazes de viver o presente.
Assim, “uns” vivenciam o tempo olhando para o passado, o que significa não ver a realidade, pois já não existe.
“Outros” olham para o futuro e, por isso, também não vêem a realidade, uma vez que apenas existe na
imaginação.
Neste poema o sujeito poético usa vários paradoxos para traduzir a impossibilidade e o engano a que são
conduzidos aqueles que vivem da recordação ou da imaginação.

Recursos estilísticos
Os Lusíadas
Invocação ex: “E vós, ó bem nascida segurança” Hipérbato ex: “A vista vossa tema o monte Atlante,”
Anáfora ex: “E vós, ó bem nascida segurança / Da Lusitana antígua liberdade, / E não menos certíssima
esperança”
Sinédoque ex: “Da Lusitana antígua liberdade,” Antítese ex: “De aumento da pequena Cristandade;”
Personificação ex: “Que são vistos de vós no mar irado,” Perífrase ex: “E vereis ir cortando o salso
argento”

A Mensagem
Pleonasmo ex: “mim minha certeza:” Hipérbole ex: “choros de ânsia”
Personificação ex: “alma atlântica” Hipérbato ex: ” Mas já no auge da suprema prova ”
Invocação ex ; “Demore-a Deus” Sinédoque ex: “Surges ao sol em mim, e a névoa finda:”
Comparação ex; “Nem o que é mal nem o que é bem.” Anáfora ex: “E entorna, ” “E em mim”
Autor desconhecido

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