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ANIVERSÁRIO

• Este poema foi publicado na revista Presença


com a data de 15-10-1929, mas segundo uma
carta de Fernando Pessoa, ele foi escrito no
dia 13-6-1930. Respetivamente a data de
celebração do aniversário de Álvaro de
Campos e de Fernando Pessoa.
• Aniversário" - Neste poema, Campos , na sua fase intimista, aproxima-se, mais
uma vez, da poética do ortónimo. Vejamos os principais aspectos
convergentes:
• A infância como o paraíso perdido - "No tempo em que festejavam o dia dos
meus anos, / Eu era feliz e ninguém estava morto.“(vv.1-2);
• A nostalgia e a saudade das vivências familiares - "O aparador com muitas
coisas - doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado - / As tias velhas, os
primos diferentes, e tudo era por minha causa!(vv.33-34);
• O desencanto do presente - "O que eu sou hoje é como a humidade no
corredor do fim da casa, / Pondo grelado nas paredes...“(vv.19-20);
• A fragmentação do eu - "Com uma dualidade de eu para mim...“(v.29);
• A oposição presente / passado ilustrada no verso metafórico - "Comer o
passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!“( v.30).
•  
• Aniversário
• No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há
séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião
qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.
• Uso do pretérito imperfeito do indicativo nessas
estrofes: exprime um tempo passado que teve
duração, a duração da infância e que chega ao
presente através da memória.
• Caracterização do passado na estrofes 1 e 2:
tempo da infância feliz, da alegria partilhada pela
família, da inocência e despreocupação.
• Metáfora- «Eu tinha a grande saúde de não
perceber coisa nenhuma,»(v.6)-uma vez que a
ingenuidade característica das crianças é vista
como saúde ,ou seja, bem estar físico e psicológico

• Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

•O «eu» foi aquilo que ele mesmo supunha ser e foi amado.
•Paralelismo anáfórico- tentativa de explicitação de quem é o
sujeito.
O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas
lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No verso 19 e 20 está presente uma metáfora na qual o sujeito poético se


compara com a « humidade no corredor», manifestando num extremo sentido da
sua decadência e deteriorização física e psicológica.
No verso 22 demonstra um vazio interior e na sua vida, pois perdeu o bem mais
precioso que tinha, a sua casa. Sendo que era ela que lhe trazia a sensação de
totalidade, de alegria , de aconchego dados pela vida em família na infância.
No verso 23 denuncia a sensação de solidão e de falta de aconchego e carinho
familiares.
No verso 24 sugere uma inadaptação face à sua situação atual, sugerindo ainda a
sua frieza emocional
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Nos versos 27, 28 , 29 e 30 o sujeito poético expressa a vontade de poder


regressar ao passado, não apenas numa recordação mental «viagem
metafísica», mas igualmente «carnal, num retorno físico. Esse seu desejo de
poder recuperar a infância é tão intenso que gostaria de poder saciar-se da sua
simplicidade como de « pão de fome», esquecendo a complexidade de outros
momentos que pudessem ter enriquecido a sua vida «a manteiga nos dentes»
que não valoriza.
Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais
copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do
alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

No verso 31 descreve o cenário de uma das suas festas de aniversário é como


se o sujeito se teletransportasse para o local. Está presente um oxímoro que
salienta a consciência do sujeito em relação ao que o cerca, e o seu
descontentamento e sofrimento perante isso.
Nos versos 32 e 33 o sujeito poético faz uma enumeração de todos os elementos
presentes nesta cena familiar.
No verso 34 a expressão sublinhada pretende demonstrar que as crianças são
algo egoístas e gostam de ser o centro das atenções.
Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

A penúltima estrofe funciona como a conclusão do poema, atuando como a chave de


leitura do mesmo. Para além da dor pressentida no sujeito poético face à perda do
passado «Hoje não faço anos», percebe-se, no final do texto, que a sua angústia é
também provocada por não conseguir libertar-se das recordações e do pensamento.
No verso 41 e 42 está expresso o conformismo por parte do sujeito poético para com
o envelhecimento e a impossibilidade de regresso a um momento de afetos.
O último verso é repetido ao longo do poema quase como um refrão ,
recuperando e mantendo ativa ao longo do texto a ideia de saudade do
passado.
• PASSADO PRESENTE

«No tempo em que festejavam o dia


«O que eu sou hoje»
dos meus anos»

«O que eu sou hoje é como a


«Eu era feliz » (v.2)
humidade no fim da casa/pondo
« eu fazer anos era uma
grelado nas paredes» (vv. 19-20)
tradição de há séculos»(v.3)
«O que eu sou hoje é terem
«a alegria de todos e a minha»
vendido a casa» (v.22)
(v.4)
«É terem morrido todos/É eu
«não ter esperanças que os
estar sobrevivente a mim mesmo
outros tinham por mim» (v.8)
como um fósforo frio» (vv. 23-24)
«amarem-me» (v.14)
« Hoje já não faço anos/Duro»
«eu ser menino» (v.14)
(vv.39-40)
• O poema abre com uma descrição do tempo em
que o «Aniversário» do sujeito poético era
celebrado em família – a infância. A partir da quarta
estrofe, o «Aniversário» deixa de ser entrevisto
como momento positivo, contrastando com o
presente cujas vivências se lhe opõem. Nas duas
últimas estrofes, o sujeito recusa a ideia do
«Aniversário», pois a conotação positiva que lhe
associa perdeu-a com a idade adulta; deseja apenas
«durar», sem, todavia libertar-se da saudade.

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