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Análise do Poema "Aniversário" de Álvaro de Campos

O poema “Aniversário” de Álvaro de Campos foi escrito em 1929 , portanto é um poema


que mostra já muita maturidade por parte do autor, é um dos poemas mais tristes de toda a
obra de Álvaro de Campos.

Este poema “Aniversário” está enquadrado na última fase do poeta, fase esta
denominada de “pessimista”, devido ao facto dos poemas desta fase andarem em redor da
desilusão que sentia, da amargura e das lembranças de um passado onde nunca mais poderá
voltar. Este poema remete mesmo para o seu passado, onde ele não poderá voltar, passado
esse que é os dias dos seus anos, de quando ele ainda era criança.

Na primeira estrofe deste poema o autor diz-nos que quando ele era mais novo, todos
os anos se festejava os seus anos e que que naquela altura festejar os seus anos era quase que
uma tradição de há séculos. Sempre que festejavam os seus anos, era certo que todos, pais,
irmãos, tios, primos, estavam muitos felizes e alegres.

Com a segunda estrofe pretende mostrar-nos que na altura em que festejava os seus
anos ainda era muito novo e muito ingénuo daí o facto de ele não perceber coisa nenhuma,
embora entre a família fosse inteligente e eles tivessem muitas esperanças para o seu futuro.
Ele não tinha esperanças nenhumas e quando veio a ter esperanças/sonhos já era tarde
demais e já tinha perdido grande parte da sua vida.

Álvaro de Campos, na terceira estrofe diz-nos como ele era em “menino”, o que ele foi
antigamente e como se vê agora, depois de crescer e de aprender muitas coisas, ele conta-nos
o que sente ao relembrar-se daqueles tempos, em que ainda era festejado o dia dos seus anos.

Quando passamos à quarta estrofe apercebemo-nos de que o autor sente uma mágoa
muito grande ao relembrar-se da sua antiga casa e dos seus familiares, pois nesta altura já a
casa teria sido vendido e os seus familiares morrido, ficando ele um sobrevivente de ele
mesmo, abandonado e vivendo sem utilidade praticamente nenhuma, como que um fósforo
frio.

Na quinta estrofe Álvaro de Campos pretende reacender o fogo apagado e voltar a tudo
ao que era dantes, mas ele não o conseguirá e ele sabe disso. Por isso, tenta recordar tudo
como se estivesse a acontecer neste preciso momento, ele recorda-se da mesa posta com mais
lugares, com os melhores desenhos de loiça, com mais copos, do aparador cheio com muitas
coisas, como doces e frutas, recorda-se das tias velhas, dos primos diferentes, da alegria que
havia no ar, tudo isto por sua causa, pelo simples facto de fazer anos.

Na última estrofe o autor esquece, deixa de pensar no passado, desiste das lembranças
e deixa os seus pensamentos trancados na sua cabeça. Mostra-nos que quando se é mais velho
não se festejam os dias de anos, mas sim, vão se passando e somando dias. O autor sente uma
raiva enorme por não trazer sempre o seu passado junto de si, mesmo que isso lhe vá trazendo
memórias tristes.
Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu era feliz e ninguém estava morto.

Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,

E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,

Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,

De ser inteligente para entre a família,

E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.

Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.

Quando vim a.olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim-mesmo,

O que fui de coração e parentesco.

O que fui de serões de meia-província,

O que fui de amarem-me e eu ser menino,

O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...

A que distância!...

(Nem o acho... )

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,

Pondo grelado nas paredes...

O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,

É terem morrido todos,

É estar eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...

Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!

Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,

Por uma viagem metafísica e carnal,

Com uma dualidade de eu para mim...

Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...

A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,

O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,

As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!

Não penses! Deixa o pensar na cabeça!

Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!

Hoje já não faço anos.

Duro.

Somam-se-me dias.

Serei velho quando o for.

Mais nada.

Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...


O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

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