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171311
Sede – Escola Secundária da Moita
E S C O L A S E C U N D Á R I A D A M O I TA
Ficha de Leitura e Gramática
Três são as diversas posições em que pode colocar-se o homem público1, o homem chamado a pro-
nunciar sobre questões de gravidade e importância da que hoje aqui tratamos.
A primeira e a mais fácil é seguramente a daquele que nem por si a toma; que levado da torrente das
opiniões, e cuidando dirigir as turbas, quando não é senão empurrado por elas, imaginando-se forte só
5 porque se pôs do lado da força, vai com o Poder que reina, está pela potência que impera. Esta posição é,
como disse, a mais fácil, e para certos olhos (ainda bem que não para os meus!) a mais brilhante: os aplausos
estão em roda dela, as recompensas lhe chovem em cima; e coroado há de ser decerto quem a ocupa […].
Quase tão fácil é a segunda posição (fácil de tomar, entendo), aparentemente mais nobre, nem sempre
mais desinteressada; mas sem dúvida mais lisonjeira para o amor-próprio de quem a escolheu por sua; é a
10 daqueles que, aparentando (Deus sabe às vezes com que ânimo) integridades de Catão2, parecem pleitear3
justiça com os Céus, praz-lhes4 a causa vencida, só porque o é, defendem quanto está debaixo, só
porque o está; e justa ou injusta, é sua sempre a parte dos que se dizem oprimidos […]. Nela se formam
muitas vezes reputações que aliás fora impossível adquirir: também lhe sobejam aplausos; e lá está, mais
longe, sim, mas não mais incerta, a perspetiva da recompensa, a querida esperança do galardão!
15 A história de todas as revoluções nos apresenta, sempre e pelo mesmo modo, forte e numerosamente
ocupadas estas duas posições. Ambas são as da ambição; para elas vai, para elas forçosamente há de ir,
a máxima parte dos homens.
Terceira posição há — difícil, desgraçada e árdua, de poucos seguida, de poucos entendida, caluniada
dos muitos; pode-se quase dizer que desprezada de todos. Raros a ocupam, raros deixaram ainda de morrer
20 nela, sós como entraram, abandonados e malquistos5. Na peleja nem um voto os anima: os aplausos da
vitória não os têm, que não há vitória para eles; na desgraça nem simpatias, porque não dão esperanças;
na boa fortuna….Onde há boa fortuna para os justos e inteiros?
[…] Esta sim, esta última de que falo é a posição do homem inteiro, e independente deveras […].
E sólida, com efeito, e duramente arraigada em suas convicções é mister que esteja a alma do homem que
25 tal posição escolheu, onde nada o conforta e tudo o desampara. Detestado de inimigos, aos seus próprios
mal aceito, não lhe resta senão o testemunho de sua consciência — que muito é todavia, que é tudo para
almas assim temperadas! […]
Por esta posição optei, conhecendo-lhe bem os desaires. E os cárceres, os exílios, os degredos, as
vexações de toda a espécie, as calúnias de toda a parte, que há dezassete anos me tem custado, não pude-
30 ram ainda senão rebitar6 os pregos da cruz com que me abracei voluntário, e em que antes desejo morrer
escarnecido e vituperado7 do que merecer triunfos, do que ver decretada minha apoteose por quaisquer
dominadores da Terra.
Colocado nesta posição, não hei de nunca ser o homem de ninguém (bem sei), mas hei de sê-lo de
mim mesmo e da minha consciência.