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FICHA DE AVALIAÇÃO GRAMATICAL

(Correção)

I. Leia atentamente o seguinte texto. Se necessário, consulte as notas.

Israelismo
(1) As duas grandes «sensaçõ es do mês» sã o incontestavelmente a publicaçã o do novo
romance de Lord Beaconsfield, Edymonion, e a agitaçã o da Alemanha contra os judeus.
Literalmente, pois, e socialmente, o mês pertence aos israelitas. Este extraordiná rio
movimento antijudaico, essa inacreditá vel ressurreiçã o das có leras piedosas do século XVI
é vigiada com tanto mais interesse em Inglaterra quanto aqui, como na Alemanha, os
judeus abundam, influindo na opiniã o pelos jornais que possuem (entre outros o Daily
Telegraph, um dos mais importantes do reino), dominando o comércio pelas suas casas
bancá rias e, em certos momentos mesmo, governando o estado pelo grande homem
homem da sua raça, Lord Beaconsfield1. Aqui, decerto, estamos longe de ver desencadear
um ó dio nacional, uma perseguiçã o social contra os judeus; mas há suficientes sintomas de
que o desenvolvimento firme deste estado israelita dentro do estado cristã o começa a
impacientar o inglês. Nã o vejo, por exemplo, que o que se está passando na Alemanha,
apesar de exalar um odioso cheiro de auto-de-fé, provoque uma grande indignaçã o na
imprensa liberal de Londres: e já mesmo um jornal da autoridade do Spectator se vê
forçado a atenuar, perante os graves protestos da coló nia israelita, artigos em que
descreve os judeus como uma corporaçã o isolada e egoísta, à semelhança das
comunidades cató licas, trabalhando só no mesmo interesse, encerrando-se na força da sua
tradiçã o e conservando simpatias e tendências manifestamente hostis à s do Estado que os
tolera. Tudo isto é já desagradá vel.
(2) Mas que diremos do movimento na Alemanha? Que em 1880, na sá bia e tolerante
Alemanha, depois de Hegel, de Kant e de Schopenhauer, com os professores Strauss e
Hartmann, vivos e trabalhando, se recomece uma campanha contra o judeu, o matador de
Jesus, como se o imperador Maximiliano estivesse ainda, do seu acampamento de Pá dua,
decretando a lei rabínica (...) -, é facto para ficar com a boca aberta todo um longo dia de
Verã o. Porque enfim, sob formas civilizadas e constitucionais (petiçõ es, meetings, artigos
de revista, panfletos, interpelaçõ es), é realmente a uma perseguiçã o de judeus que vamos
assistir, das boas, das antigas, das manuelinas, quando se Deltavam à mesma fogueira os
livros do rabino e o pró prio rabino, exterminando assim economicamente, com o mesmo
feixe de lenha, a doutrina e o doutor. [...]
(3) Mas o mais extraordiná rio ainda é a atitude do Governo alemã o: interprelado,
forçado a dar opiniã o oficial, a opiniã o de Estado sobre este rancor obsoleto e repentino da
Alemanha contra o judeu, o governo declara apenas com lá bio escasso e seco «que nã o
1
Lord Beaconsfield era o título nobiliá rquico pelo qual ficou conhecido Benjamin Disraeli,
destacado escritor e político britâ nico de origem judaica da segunda metade do século XIX. Exercia
as funçõ es de Primeiro-Ministro à data da escrita desta cró nica queirosiana.
tenciona alterar a legislaçã o relativamente aos israelitas». Nã o faltaria, com efeito, mais
que ver os ministros do império, filó sofos e professores, decretando, à D. Manuel, a
expulsã o dos judeus, ou restringindo-lhes a liberdade civil até os isolar em vielas escuras,
fechadas por correntes de ferro, como nas judiarias do gueto. Mas uma tal declaraçã o nã o é
menos ameaçadora. O Estado dá a entender apenas que a perseguiçã o nã o há -de partir da
sua iniciativa: nã o tem porém uma palavra para condenar este estranho movimento anti-
semítico, que em muitos pontos é presentemente organizado pelas suas pró prias
autoridades.
(4) Deixa a coló nia judaica em presença da irritaçã o da grossa populaçã o germâ nica – e
lava muito simplesmente as suas mã os ministeriais na bacia de Pô ncio Pilatos.
(5) Nã o afirma sequer que há de fazer respeitar as leis que protegem o judeu, cidadã o do
império; tem apenas a vaga tençã o, vaga como a nuvem da manhã , de as nã o alterar por
ora!
O resultado disto é que numa naçã o em que a sociedade conservadora forma como uma
largo batalhã o , pensando o que lhe manda «a ordem do dia» e marchando em disciplina, à
voz do coronel – cada bom alemã o, cada patriota, vai imediatamente concluir desta
linguagem ambígua do Governo que, se a corte, o estado-maior, os feld-marechais2, o
senhor de Bismarck, todo esse mundo venerado e obedecido nã o vêem o ó dio ao judeu
com entusiasmo, nã o deixam de o aprovar em seus coraçõ es cristã os... E o novo
movimento vai certamente receber, daqui, um impulso inesperado. [...]
(6) Mas de onde provém este ó dio ao judeu? A Alemanha nã o quer, decerto, começar de
novo a vingar o sangue precioso de Jesus. Há já tanto tempo que estas coisas dolorosas se
passaram!.... A humanidade cristã está velha e, portanto, indulgente: em dezoito séculos
esquece a afronta mais funda. E infelizmente hoje já ninguém, ao ler os episó dios da
Paixã o, arranca furiosamente da espada, com a face em pranto (...).
(7) O motivo do furor anti-semítico é simplesmente a crescente prosperidade da coló nia
judaica, coló nia relativamente pequena, apenas composta por quatrocentos mil judeus;
mas que pela sua atividade, a sua pertiná cia, a sua disciplina, está fazendo uma
concorrência triunfante à burguesia alemã . [...]
(8) Na Meia Idade, todas as vezes que o excesso dos males pú blicos, a peste ou a fome
desesperava as populaçõ es; todas as vezes que o homem escravizado, esmagado e
explorado mostrava ainda sinais de revolta, a Igreja e o príncipe apressavam a dizer-lhe:
«Bem vemos, tu sofres! Mas a culpa é tua. É que o judeu matou Nosso Senhor e tu ainda
nã o castigaste suficientemente o judeu.» A populaçã o entã o atirava-se aos judeus:
degolava, assava, esquartejava, fazia-se uma grande orgia de suplícios; depois, saciada, a
turba reentrava na treva da sua miséria a esperar a recompensa do Senhor.
(9) Isto nunca falhava. (...). Quando a besta popular mostrava sede de sangue – servia-se
à canalha sangue israelita.
- Eça de Queiró s, Cartas de Inglaterra, Alêtheia Editores, 2014

2
Do inglês field-marshals.
II. Responda diretamente às seguintes questões. (1 valor por resposta)

1. Identifique as funções sintáticas a que correspondem as palavras sublinhadas.

1.1. “Aqui, decerto, estamos longe de ver desencadear um ódio nacional (...)” (9ª linha do 1º
parágrafo). Predicativo do sujeito
1.2. “(...) se recomece uma campanha contra o judeu, o matador de Jesus, como se o imperador
Maximiliano estivesse ainda (...) decretando a lei rabínica (...)” (linhas 3-5 do 2º parágrafo).
Modificadorodo nome apositivo.
1.3. “Não afirma sequer que há de fazer respeitar as leis que protegem o judeu, cidadão do
império; tem apenas a vaga tenção, vaga como a nuvem da manhã, de as não alterar por ora!”
(2ª linha do 5º parágrafo). Modificador do grupo verbal.
1.4. “O motivo do furor anti-semítico é simplesmente a crescente prosperidade da colónia
judaica (...)” (1ª e 2ª linhas do 7º parágrafo). Complemento do nome.
1.5. “(...) depois, saciada, a turba reentrava na treva da sua miséria a esperar a recompensa do
Senhor.” (linhas 6 e 7 do 8º parágrafo). Complemento oblíquo.
1.6. “Isto nunca falhava.” (penúltima linha do excerto). Sujeito.

2. Classifique as orações sublinhadas.

2.1. “Este extraordinário movimento antijudaico (...) é vigiada[o] com tanto mais interesse em
Inglaterra quanto aqui, como na Alemanha, os judeus abundam (...)” (3ª linha do 1º parágrafo).
Oração subordinada adverbial comparativa.
2.2“Aqui, decerto, estamos longe de ver desencadear um ódio nacional, uma perseguição social
contra os judeus; mas há suficientes sintomas de que o desenvolvimento firme deste estado
israelita dentro do estado cristão começa a impacientar o inglês.” (linhas 9-12 do 1º paráfrafo).
Oração coordenada adversativa.
2.3 “Não vejo, por exemplo, que o que se está passando na Alemanha, apesar de exalar um
odioso cheiro de auto-de-fé (...)” (linhas 12-13 do 1º parágrafo).
Oração subordinada adverbial concessiva.
2.4. “Que em 1880, na sábia e tolerante Alemanha, depois de Hegel, de Kant e de Schopenhauer
(...) se recomece uma campanha contra o judeu (...)” (2ª e 3ª linhas do 2º parágrafo).
Oração subordinada adverbial temporal.
2.5. A população então atirava-se aos judeus: degolava, assava, esquartejava. (5ª linha do 8º
parágrafo).
Oração coordenada assindética.
2.6. “Quando a besta popular mostrava sede de sangue – servia-se à canalha sangue israelita.”
(última frase do excerto).
Oração subordinada adverbial temporal.

3. Refira os processos de formação de palavras subjacentes aos seguintes termos.

3.1. “meetings” (6ª linha do 2º parágrafo) Estrangeirismo.


3.2. “feld-marechais” (6ª linha do 5º parágrafo) Empréstimo.
4. Identifique as referências deíticas sublinhadas.
4.1. “Mas que diremos do movimento na Alemanha?” (1ª linha do 2º parágrafo).
Deítico pessoal e temporal (verbo conjugado na primeira pessoa do plural, tempo presente).
4.2.“Que em 1880, na sábia e tolerante Alemanha (...)” (linhas 1 e 2 do 2º parágrafo).
“em 1880” – deítico temporal; “na (...) Alemanha” – deítico espacial.

5. Refira o valor temporal presente nas seguintes passagens.


5.1. “(...) é realmente a uma perseguição de judeus que vamos assistir (...)” (7ª linha do 2º
parágrafo). Posterioridade.
5.2. “E infelizmente hoje já ninguém, ao ler os episódios da Paixão, arranca furiosamente da
espada, com a face em pranto” (4ª linha do 6º parágrafo). Simultaneidade.

6. Refira o valor aspetual gramatical presente na seguinte passagem.


“Na Meia Idade, todas as vezes que o excesso dos males públicos, a peste ou a fome
desesperava as populações; todas as vezes que o homem escravizado, esmagado e explorado
mostrava ainda sinais de revolta, a Igreja e o príncipe apressavam a dizer-lhe (...)” (1ª linha do
8º parágrafo).
Aspeto habitual.

7. Refira o valor modal presente nas seguinte passagem.


“Tudo isto é já desagradável.” (última frase do 1º parágrafo).
Modalidade apreciativa.

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