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Índice

Editorial ------------------------------------------------------------- p. 05
Victor Viana ovctr ------------------------------------------------- p. 10
Joaquim Cesário de Mello --------------------------------------- p. 29
Sophia Jamali Soufi ----------------------------------------------- p. 36
Leonardo Castelo Branco ---------------------------------------- p. 40
Daniel Rodas ------------------------------------------------------- p. 43
Laura Redfern Navarro ------------------------------------------ p. 47
Daniel Mazza ------------------------------------------------------- p. 52
Isabel Furini -------------------------------------------------------- p. 65
Washington Daniel Gorosito ------------------------------------ p. 69
Martina Sohn Fischer -------------------------------------------- p. 73
Fabiana Rodrigues Carrijo -------------------------------------- p. 77
Letícia Farias ------------------------------------------------------- p. 82
Rafael Martins ----------------------------------------------------- p. 84
Nalberty Medeiros Santos --------------------------------------- p. 89
Géssica Menino ---------------------------------------------------- p. 93
Clara Bezerra ------------------------------------------------------ p. 95
Agradecimentos e Contatos ------------------------------------ p. 102
Editorial
Vai passarinho faz
O ninho na palma da mão
Com as asas diante do cais
O bico entortando o chão

Vai passarinho faz


O corpo no galho do vão
Acena no vento que traz
O galho no bico do cão

Vai passarinho faz


Poema por cima do pão
Migalha do verbo que jaz
Na tumba do velho pilão

Vai passarinho faz


O ninho no canto da mão
O ninho do canto que traz
A vida de volta pro chão

[IMPROVISO MORNO Nº30]

A máfia dos pássaros. Bem-te-vis dominando tudo. Barriga amarela / barriga amarela.
Cabeça preta: contraste na crista branca. Céu de manhã turvosa. O pássaro canta: eu vi!
O pássaro-canto: já vi!

E assim nasce o verso. Inverso que era pra ser. Um ninho de pau. Um ninho de tal. Tal
quê: fulano rabisca o mundo. Pra quê? Fulano atiça o mundo. E faz do verbo asa delta.
Faz do verso asa-gama. Alfa beta e gama. Até o ômega na lata de atum.
O princípio e o fim. Poeta sem laço nem fim. O princípio e o mim. O ego dissolve no
Sim.

Por isso: o pássaro canta. Poeta almoça. Quase nunca janta. Gullar: almoça e janta.
Bandeira: andorinha sou eu!

Poésie c’est moi – bradam os ninhos nos ovos da rua. Mas ninguém ouve – pena! – Há
tantos carros. Só os defeituosos com o lápis na mão. Um livro ou quem sabe uma caneta.
Fazendo ninhos nas copas dos braços.

Oh. As árvores que ninguém nunca monta. Um dia um bem-te-vi expulsou de lá um


gavião. ((Uma nuvem de bem-te-vis)).

A força do pássaro é o coletivo. Ninguém canta te-vi – te-vi – se não houver um visto. O
risco é a matéria-prima do ninho. João-de-barro no fim de alta-tensão.

Oh. O passarinho canta. E canta fora: não dentro da gaiola. E quem for doido de metê-lo
na gaiola: aguente a caca da gangue!

Por isso o passarinho canta. O passarinho que é eu e tu. O passarinho que virado pra fora.
Canta no avesso de dentro:

SUCURU!

[Paraíba: Agosto do Ano do Ninho de Dois Mil e Vinte e Três]

Equipe Sucuru
*

* *
SOBRE AS FOTOS

Sessão 1: Felipe Costa na VI Mostra de Dança da UFC.

Sessão 2: La Rinascita Vivente, por Cleilton Costa, Isadora Marques, Maju Morais, Sa
Vermel e Vitória Ramos.

Sessão 3: Sindy Késsia na VI Mostra de Dança da UFC

Victor Viana “ovctr” é um fotógrafo e designer cearense. Publicitário em formação pela


Universidade Federal do Ceará, traz como foco principal, para seus trabalhos a foto-
dança, valorizando, por meio de registros fotográficos, a exuberância e os sentimentos
repassados pelos dançarinos em seus movimentos.
NO INTERIOR DOS RETRATOS

Todos os dias são parecidos


no interior dos retratos

A mesma roupa
o mesmo lugar
o igual penteado
o idêntico rosto
olhando de frente
pra baixo ou de lado
e aquele final de tarde que nunca passa

Engana-se quem pensa


que fotografamos pessoas
objetos e paisagens
pois o que uma fotografia faz
é aprisionar para sempre o tempo
na parte de dentro de um retrato

Quando revejo o menino


aqui de fora e ele ali atrás
descubro que toda eternidade
cabe no interior silencioso de um retrato

Joaquim Cesário de Mello


Recife-PE
A INQUIETAÇÃO ALVOROÇADA DOS SENTIDOS

Tenho a fome dos ouvidos


a sede dos olhos
e o paladar dos dedos

As esquinas têm mais sussurros


que minha boca fechada
enquanto inalo a maresia que vem dos mares
e saboreio o alcalino salgado dos sargaços

Acaricio livros com a luxúria dos amantes


embriagando-me da fragrância das tintas
e do aroma adocicado das celuloses

Nos breus das noites


escuto o tingido surdo das cores
com o olhar surdo dos óculos escuros
e como se lambesse as madrugadas
mastigo a vida pelas beiradas
bem antes mesmo até de terminar o prato

Em minhas calejadas mãos


não suporto todos os afetos do mundo
apenas carrego todos os sentimentos meus

O redor cósmico se infiltra integralmente


pelas brechas do meu corpo
estas janelas e portas por onde me entra
o que de mim fora habita
e pelos quais transpiro os suores
vaporizados nos pasmos interiores
desta minha espantada alma
(Se acaso fosse um sistema fechado
seria tão insulado, isolado e seco
como os mistérios findos
de um universo morto e consumado)

O TEMPO TEM DESSAS COISAS

Nos espaços abreviados


da casa gigante da infância
a vida vai salpicando minutos
como pingos de uma fina garoa
a me molhar de vaporoso tempo

O tempo tem dessas coisas


de encolher o que era grande
e crescer o que um dia já foi pequeno

Dos lapsos que ele me leva


os mais antigos são os mais presentes
e não há hoje em que não esteja o passado
a me influenciar os mais íntimos comportamentos

Se não fosse o tempo a desaparecer no tempo


eu nada saberia dos meus sumidos e ausentes
que em mim se acumulam como uma rua prolongada
apinhada no abarrotar de tantos engarrafamentos

O tempo tem dessas coisas


de retirar das paisagens em que ando
as lembranças que guardo por dentro

Um dia vou sair dos retratos


onde me finjo de morto a me esconder do tempo
e faxinar as gavetas encardidas de ontem
preparando-me para o amanhã que me espera
no escurecer definitivo do meu derradeiro apagamento

O tempo tem dessas coisas


de deslembrar até o que neste instante
respiro
existo
e penso

UM DIA MUITO ESPECIAL

Uma mulher estendendo


lençóis e roupas no varal
um chocalho esquecido no chão
por onde trafegam formigas
carregando o peso da vida
e o acenar dos galhos ao vento

Acima nuvens purificam


o azul iluminado do céu
pássaros voejam desengaiolados
e um gato friorento descansa
sobre o calor acumulado do telhado
da casa com rosto de abandonada

Uma bicicleta passa


um carro buzina
em algum lugar uma criança gargalha
a mulher no varal começa assoviar
enquanto piso na sombra de um homem
que encostado ao poste fuma um cigarro

Decididamente
este é um dia especial
que ficará em mim guardado
no interior das minhas pupilas refrescadas
durante o tempo em que a alma não for
de mim arrancada

PARA QUE SERVEM AS PORTAS

Às vezes é preciso sair


de onde nunca se devia ter entrado

Tem momentos que se entra na porta errada


em outros quem entra é que era errado
mas já que entrou equivocado
ou foi enganosamente convidado
em toda porta que se entra
é a mesma porta em que se sai

Para isso servem as portas


para serem abertas e fechadas
e é no vai e vem das portas
que caminha toda uma humanidade
Ainda bem que existem portas
pois às vezes é preciso sair
de onde nunca se devia ter entrado

Joaquim Cesário de Mello – Natural de Recife (PE). Psicólogo, psicoterapeuta e


professor universitário. Em meados dos anos 1980 participou do Movimento de Escritores
Independentes e foi colunista da Vida Crônica (1998 – 2002) do encarte JC Cultural do
Jornal do Commercio (PE) e é autor do blog Literalmente. Escritor e poeta,participou de
várias antologias literárias, entre elas Nouveaux Brésils Fin de Sciècle (Universidade de
Toulouse, 2000), Poesia Viva do Recife (CEPE, 1996) e Cronistas de Pernambuco (Carpe
Diem, 2010). Pós-graduado em Pedagogia (UPE/PE) e com Mestrado em Psicologia
Social e da Personalidade (PUC/RS). Autor dos livros Dialética Terapeuta (Litoral,
2003), A Alma Humana (Labrador, 2018), A Psicologia nos Ditados Populares (Labrador,
2020), A Vida Como Um Espanto (Labrador, 2022), No Cemitério das Nuvens
(Folheando, 2022) e Memórias do Esquecimento (Giostri, 2023)
Mis sueños se dibujan en el filo de la navaja en gritos sin respuesta
mirar
La soledad baila entre las paredes
mirar
He caído en un rincón con heridas que nadie puede abrazar
esta oscuro aqui
oscuro
oscuro
Y nadie entiende mi mirada muerta tras la sílaba del silencio…

Estoy enterrado entre mi última sonrisa y llanto


Las sombras se arrodillan
De repente me caigo de un recuerdo
Un espejo roto me recuerda un rostro olvidado
Estaré enterrado durante veintidós años.
entre las paredes
Cuando miles de gritos salgan de mi cuerpo…

me paso la tristeza
¿Por qué no superé la tristeza?
En la calle
con pasos inseguros
Una vieja grieta atravesó mis heridas
Y el dolor abre la boca
De repente
Caí al final de la oscuridad
fui solo
Regresé más solo que antes
Este fue mi último encuentro conmigo mismo…

He llorado tanto que he olvidado mis ojos


Mi sonrisa es como una mordedura de serpiente
complicado
doloroso
venenoso
Las palabras mueren sin salir de la garganta
suspiro y me abrazo fuerte
que no hay escapatoria mas que partir el espejo y los sueños…

Ningún recuerdo se entierra fácilmente


te acordaras de mi
en el duro invierno
Cuando la muerte besa tu frente…
Sophia Jamali Soufi tem 22 anos e nasceu em Rasht, Irã. É estudante de arquitetura.
Desde criança se interessa pela leitura de livros e poesia, optando pela escrita desde muito
jovem. Seus poemas são escritos originalmente em persa, com traduções para o espanhol,
alemão, inglês, francês e português publicadas em diversas revistas.

Sophia Jamali Soufi is 22 years old and was born in Rasht, Iran. She is an architecture
student. Since she was a child she has been interested in reading books and poetry, opting
for writing from a very young age. Her poems are originally written in Persian, with
translations into Spanish, German, English, French and Portuguese published in various
magazines.
1.

As portas estão abertas

Longe do caos movente da vida urbana, escrevo de portas abertas. Tudo aqui é um convite
à inspiração. O crepitar das estrelas preenche as noites e, nas manhãs, o vento sussurra
segredos às paredes. Há momentos em que me entrego as canções que abrem feridas,
bebo uísque e danço uma valsa descompassada com meus fantasmas. A maior parte do
tempo, porém, é dominada pelo silêncio e pela sobriedade. O frescor do orvalho nos pés
desperta o sol dentro de mim. Me perco em contemplação da lenta garoa que cai na
piscina, serena como uma obra de arte. Gasto horas imerso na lógica enigmática da
arquitetura dos coqueiros ou tentando decifrar o misterioso canto dos pássaros deste lugar,
entoado em Lá maior. É fato, certas questões vão permanecer sem respostas, e é melhor
que assim seja, afinal o que seria de nós sem as estranhas combinações produzidas pelo
acaso? As portas estão abertas para que a poesia possa alçar seu voo.

2.

Plano de viagem

Escrevo para eternizar um momento de felicidade. Nós estamos em frente à televisão,


flanando pelas ruas do Porto, envoltos pela aura de Anthony Bourdain. Os gatos desfilam
à nossa frente, e o álcool causa uma agradável destruição no estômago. É domingo, não
há pressa. Sorrimos até os ossos. Somos arquitetos de ânsias infinitas, flutuando nas
possibilidades como personagens de um romance épico. O roteiro de viagem vem
acompanhado da idealização romântica de crônicas que dela virão, textos que já se
movimentam dentro de nós, pequenos embriões letrados. Tudo é possível quando se
inaugura um poema ou se desenha uma viagem, meu velho. É esta manifestação excessiva
do sentir, a causa de nossa amizade. E pensar que logo seremos nós, errantes, vagando
por entre as ruelas do Porto, adentrando a esfera mágica de Lisboa, e desvendando as
histórias milenares de Castelo Branco. É um sopro instantâneo de entusiasmo, algo vibra
nas entranhas quando penso nesta viagem.
3.

Voltar para casa

Acabo de retornar de mais uma busca ao inexistente. Lá fora, a vida se resume a aceitar
e se adaptar, estágios inevitáveis do ser humano médio neste mundo caduco. Aqui dentro,
pelo contrário, são 58 metros quadrados de desapego. Neste espaço, posso, enfim,
arrancar os sapatos e sentir o alegre formigamento de meus pés descalços após horas de
trabalho. Em seguida, mergulho em um banho quente, deixando-me embriagar pelo
entusiasmo que precede a escrita. Uma tranquilidade absoluta atravessa o pensamento
quando digito as primeiras linhas, e ela me acompanha até o último ponto final. Satisfeito,
me jogo no sofá e leio poemas, um sorriso filosófico brinca em meu rosto até o sono me
alcançar. Sonho, então, com novas linhas a serem escritas, talvez estas que você lê agora.
Desperto abraçado a algo parecido com a felicidade, mas não é a felicidade, é menos
espalhafatoso. Como se eu redescobrisse o caminho de volta para encontrar aquela parte
de mim que, em algum ponto, se esqueceu de crescer.

Leonardo Castelo Branco é escritor, redator e roteirista. Em 2017, escreveu o livro O


colecionador de emoções, a biografia de Oscar Maroni. Em 2020, seu conto “Edifício
Fantasia” ficou em terceiro lugar na competição nacional de contos da 32º Semana de
Letras da UNESP. Teve poemas selecionados no Concurso Nacional de Poesia Oracy
Dornelles, no 2º Festival Literário de Viçosa e no 32º Festival de Poemas de Cerquilho.
Foi publicado na revista Subtextos, Ruído Manifesto e Mirada Janela.
ESMERALDA

a imagem persiste.
não adiantam os fractais
do espelho. o sorriso
agudo. sobrancelhas
curtas. uns olhos de
concha engolindo o rio.
as aves pairam ao redor
das pedras. a imagem
persiste.

MAIOR/MENOR

tempos atrás

ela abriu os arcanos


sobre a mesa

a torre em queda
a estrela distante

o sol pendurado na
caveira

o que fizemos hoje


*

VENTO DE AGOSTO

na rua
o redemunho sem
diabo

gira o vento
gira os matos

gira o milho recortando


os cactos

o diabo fugiu

BRANCA E VERDE

o podre da pedra não há.


há o musgo: a casca mucosa.
o verdume no cinza: a vida
rugosa. o fel: rubro ferro nas
marcas do magma. que
cicatrizam na base. nas linhas.
nos rastros hieróglifos dos
dedos.
Daniel Rodas é escritor, poeta e dramaturgo. Graduado em Letras e Mestrando em
Literatura e Interculturalidade (UEPB). Editor da Revista Sucuru. Autor da plaquete Eros
e Saturno (Editora Primata, 2021) e do livro Umbuama (Editora Urutau, 2021). Integrou
as antologias Poesia fora do eixo (Toma Aí Um Poema, 2022), Engenho Arretado: poesia
paraibana do século XXI (Patuá, 2023) e Casa Encantada: o conto fantástico paraibano
(Arribaçã, 2023). Pensa na poesia como um fluxo, como o fluir incontrolável da vida.
COINCIDÊNCIA

de uma das portas da vizinhança


em que todas as portas são iguais
a gente vê saindo

the girl who lived down the lane1

que é
tão /idêntica/ a mim,
(até no nome)

é tão chocante que pergunto pra mamãe


se a gente nasceu no mesmo hospital

e ela diz que não


é só coincidência
da sua cabeça, Laura,
vocês nem se parecem tanto assim.

mas eu ainda acho


que tem alguma [coisa]
no ditado popular, o mundo
não dá ponto sem nó —

só que ainda não descobri:


fiquei tanto tempo me olhando no espelho
que não vi

ela fechar a porta

e ir para Lugar Algum2

1
“the girl who lived down the lane” ou “a menina da vizinhança” (tradução da autora) é uma expressão
coloquial em inglês para indicar meninas comuns (principalmente nos EUA) sendo também uma das
definições usadas na caracterização da personagem Laura Palmer no seriado televisivo Twin Peaks (1990-
1991).
2
Paul Célan: “em lugar algum / perguntam por ti”. (trad. Claudia Cavalcanti)
UM MAIÔ COM ESTAMPA DE SORVETE
(um exercício com Gertrude Stein)

a perda da inocência é apenas mancha uma mancha nem sempre óbvia. a forma não é
discreta sabe-se bem. quando de frente para o espelho o corpo de laura é amorfo é
gorducho é opulência → a proporção pinica e é contraste. o maiô de laura é branco mas
os babados não, isto significa que não se pode cobrir os buracos, eles ficam à vista. a
perda da inocência são os cones cor-de-rosa, verdinho, azul-bebê. é encardida.

UM CONSELHO

O Duplo
é um espelho, diz Alejandra Pizarnik;

é ele que
recolhe
pássaros e narcisos

qualquer coisa da vida


que se encontra no chão

o palpável é valioso,
ensina a poeta, mas lembre-se

aquilo que você quer quebrar

é i material
PISTAS DO CORPO DE LAURA

1. O corpo é um conceito físico porém abstrato. Não sabemos se é sonho; se é


linguagem; se é pele. O corpo é limbo em qualquer natureza ou definição. Trata-
se de um espaço.

2. Sabe-se que o corpo pode ser tanto o espaço em si quanto o instrumento que
mapeia um espaço.

3. Quando o corpo é o instrumento, é possível determinar a sua forma? Trata-se de


uma bússola, de um sismógrafo ou de um equipamento moderno, como o GPS?
Ele faz barulho?

4. Quando o corpo é o espaço, é possível encontrá-lo no mapa-mundi? Ele se


localiza em regiões rochosas, íngremes, desérticas ou polares? Ele tem nome?

5. Se o corpo que mapeia o espaço partilhar do mesmo nome do corpo que é o


espaço, no que isso implica? É possível diferenciá-los? Seriam ambos o mesmo
corpo?

Como identificar o corpo de Laura?

Laura Redfern Navarro (2000) é aquariana, poeta e jornalista graduada pela Faculdade
Cásper Líbero. Desde 2019, produz conteúdo sobre literatura e criatividade na plataforma
@matryoshkabooks. Pesquisa corpo e linguagem nas vicissitudes do feminino. Foi aluna
do Curso Livre de Preparação do Escritor (CLIPE-Poesia) em 2021. Participa da equipe
de poetas do portal FaziaPoesia, Em 2022, venceu, em primeiro lugar, o Edital de
Publicação Inédita em Poesia do ProAC com O Corpo de Laura.
A Morte

(Com o fim do enterro o coveiro vaga pelo cemitério...


Do tronco de uma oliveira próxima a uma sepultura,
um ramo seco
desprende-se do tronco e
cai.
O ramo ressequido transmuda-se na Morte, que chama pelo coveiro.
O coveiro vira-se e pergunta se se trata de outro coveiro
que vem ajudá-lo com os demais enterros do dia...)
─ Memento mori, memento
Mori, mori, mori, mori,
Memento mori, memento
Mori, mori, mori, mori,
Memento mori, memento
Mori, mori, mori, mori,
Memento mori, memento
Mori, mori, mori, mori.

Se sou coveiro? Se não


Sou coveiro? Sim e não:
Mas eu não posso dizer-me
Coveiro por profissão,
Pois não trabalho com pás
E nem carrego caixão.
Portanto não sou coveiro
De cemitério, padrão.

Ser coveiro é mais que apenas


Ter alguma profissão:
É ao mesmo tempo da terra
Ser empregado e patrão.
Saber que embaixo da terra
Não há empregado ou patrão.
Saber que a maior das alturas
Nunca é mais alta que o chão.

Ser coveiro é mais que apenas


Ter alguma profissão:
Ser coveiro é ser filósofo,
E filosofar com as mãos.
Ser coveiro é ser filósofo,
É filosofar com as mãos
Que o morto enterram, o morto,
Que é a única conclusão.

Pois sejam nobres ou súditos,


Quem ergue o cetro ou o esfregão,
Quem senta no trono e reina,
Quem salta e rola, truão,
Eu os vejo todos despidos,
Nus a alma e o corpo estão,
Sem qualquer manto ou andrajo
Que lhes disfarce o que são.

As pompas e as honrarias
O luxo, a titulação,
As riquezas e a miséria,
A indigência, a humilhação,
São todos bem misturados
Durante a mastigação,
E, dentro da boca, sabem-me
A um mesmo gosto malsão...

Portanto não sou coveiro


De fato, coveiro, não:
Mas de certa forma, sim,
Tenho alguma profissão:
Um jardineiro que planta
Sob o chão do corpo são,
Sementes da morte, secas,
Que algum dia brotarão.
Sementes que logo após
A sua germinação
Fazem de um corpo morto
Um solo em putrefação:
Na ausência de toda luz,
Sob o sol da escuridão,
Cresce no ventre da terra
Um morto em gestação.

O morto há pouco enterrado,


Logo após a concepção,
Ainda não tem as chagas
Negras da putrefação.
O morto há pouco enterrado
Ainda um morto-embrião,
É um morto-máquina viva
Que por autoconsumpção

Fabrica ainda mais vida,


Vida é a sua produção.
Portanto esse morto-máquina,
Esse morto-tecelão,
No tear do seu corpo tece
E dá continuação
Ao fio da vida que eu mesma
Cortei com o meu podão...

E os olhos secos do morto


Que não podem mais, verão
Ou simplesmente mais nada,
Pois não podem mais, e não
Há nada para ser visto
Por qualquer uma visão.
Nada é o que há, ou talvez,
Morte que é revelação.

De todo modo haverá


Alguma revelação,
Ainda que nada sobre
Do ser e de sua razão,
Ainda que nada sobre
E sobre o nada, então,
Tudo explicado estará:
Inútil explicação.

Um dia da vida o segredo


Será, por fim, revelado.
E é pela boca da morte
Que o segredo será dado.
E não pergunteis à vida
Qual o seu significado:
Se ela é a imagem de um cubo
Ou a imagem de um quadrado.

Eu sou a de muitos nomes


Que em nome algum viveria:
Yama, Anúbis, Hades,
Quem em verdade eu seria
Entre todos esses nomes
De apenas mito e honraria,
Que muitos povos e raças
Deram-me ao nascer do dia?

Um dia, quando algum homem


Pintou na pétrea retina
Da rocha a morte que via
Na caçada vespertina:
Um cervo em sangue esvaído,
Agoniza, arfa, sibila,
Treme, agitado, e por fim,
Descansa e apaga a pupila...

...À noite, defronte ao fogo


Um clã de homens sentia
(A ideia era apenas semente
Na mente fértil) sentia
A presença de algo vivo,
Mas que vivo não seria.
A presença viva de algo
Que à vida transcenderia,

De alguma coisa maior


Do que aquilo que viam,
Embora nada soubessem
Além do que permitiam
As suas rasas retinas
Que apenas o mundo viam:
É que o homem dentro do homem,
Os homens, ver, não sabiam...

.................................................

Eu sou o silêncio nas casas


Onde outrora havia lida,
Confusão de tantas vozes
Do que é em família a vida.
Mas um dia a casa vazia,
No silêncio submergida,
Inundada de silêncio
De casa vazia e vazia.

O silêncio mais profundo,


Apagada a gritaria,
Ou mesmo quando arrefece
Dos monges a salmodia,
O fogo frio do silêncio,
A chama do fogo fria
Que cresce e esfria as paredes
Da abandonada abadia.

A fogueira outrora vívida


Agora extinta e esquecida,
Depois de tanto queimar,
Queimar-se, a própria vida.
As cinzas que se dispersam,
As testemunhas da lida,
Da luta que há pouco a chama
Travou com a treva fria.

O embate de morte entre


A chama e a treva fria,
Em que tão-somente a cinza
Sai vencedora irrestrita,
Em que as cinzas daquilo
Que foi essa vida algum dia
Dão testemunho e também
São testamento da vida.

Eu sou esse galho seco


Há pouco do tronco caído,
As folhas secas nos ramos,
As pétalas ressequidas.
Eu sou a que está germinando
Dentro de todas as vidas.
Aquela que está crescendo,
Agora mesmo, na vida.

Mas meu nascer não é vida,


Não bem assim entendida,
Porque o nada e o vazio
Também são partes da vida,
E quando nasce o não-ser,
Também aqui revivida,
A vida assume outra forma:
A forma de não-ser vida.

E meu nascer não é vida,


Mas a toda vida, ameaça,
Ainda mais quando a água
No rio do tempo é mais rasa,
Ainda mais porque a sede
Só o fogo da vida a aplaca,
Porque essa sede de vida
É maior quando a água é escassa.

Porque essa sede de fogo


De beber a chama da vida,
De incendiar-se por dentro,
De queimar-se até à vida,
Porque essa sede de fogo,
Ser fogo vivo, ser vida,
De não ter fogo: ser-fogo.
De não ter vida: ser-vida,
Porque essa sede de fogo
É mais viva quando a língua
Do fogo da vida exaure-se
E a voz da fogueira míngua.
Porque essa sede de fogo
É mais viva quando a fala
Do fogo da vida esfria
E a fogueira, enfim, se cala.

Foz...A foz da voz do fogo:


O rogo da voz do fogo
Ao coro do fogo, a voz,
O rogo da foz ao coro.
O choro do fogo ao coro
Do fogo, a voz, o rogo
Da voz do fogo, a foz,
O choro: o fogo morto.

...E não pergunteis à vida


Como são as suas águas,
Se são profundas e plenas
Ou águas ralas e rasas.
São águas, sim, de um rio,
Mas podem turvas ou claras.
O fato é que águas de rio,
Dormitam as suas águas

No leito salso do mar


Da morte insossa, salgada,
Águas de rio e de mar,
Inimigas abraçadas.
Pois se o rio da vida sempre
No mar da morte deságua,
Há, sim, das águas do rio
No corpo das águas salsas.

Mas o que, enfim, representa


O rio chegar ao mar?
O que representa a voz
De um rio silenciar?
Sob o sol da voz marinha,
Voz salgada e solar,
Voz com a força do fogo
No incêndio aquoso do mar?

A origem do fogo vivo,


Potência do que é viver,
Pois vida é atualidade
Calor que esplende do ser,
A origem do fogo vivo,
Potência do que é viver,
Está nas águas insípidas
Do rio-tempo a arder.

Ardem as águas do tempo,


Desse rio-tempo a correr,
Mas chega o dia de o fogo
Sobre o rio arrefecer,
Pois as águas consumidas
Cinzas vieram a ser,
E o fogo vivo da vida,
Sem água, vem a morrer.

E ainda quando a vida


É um rio lento e insosso,
Para a vida, pela vida
Vale sempre todo o esforço.
Porque a vida, represada
Que esteja dentro de um poço,
A vida é muito mais funda
Do que vê o olhar enganoso.

Porque a vida, que esteja


Represada em uma cova,
A vida é muito mais funda
Do que vê o olhar sem provas.
Porque a vida, represada
Que esteja na sepultura,
Transborda, porque, de fato,
Há mais água que fundura.

Porque a vida, sem a sua água,


Ainda é um rio caudaloso,
É um rio que quando seca
Sobe a água até o pescoço.
É um rio de leito seco
Mesmo quando cheio todo,
É um rio que não está
Seco ou cheio, pleno ou roto.

Porque a vida, sem a sua água,


Ainda é um rio caudaloso.
A vida, sem as suas raízes,
Ainda é um tronco bem grosso.
A vida, sem a sua carne,
Ainda é viva dentro do osso.
A vida é de fato um fruto
Bem menor do que o caroço.

A vida, seja rio ou árvore,


Seja enigma de carne e osso,
Ou um fruto amargo de polpa
Bem menor do que o caroço,
É dança sob uma música
Inaudível: dança nua.
Pois a música que a embala
É um silêncio que flutua:

Som inaudível da música


Do tempo que continua,
Mesmo depois que a dança
Da vida já não mais flua.
E se revela o segredo
Que é a dança da vida crua
Àqueles que saem da roda
Da dança que continua...

Daniel Mazza (Fortaleza, Brasil, 1975). Graduado em Medicina pela Universidade


Federal do Ceará. Autor de quatro livros de poesia: Fim de Tarde (Ribeirão Preto, Funpec,
2004), A Cruz e a Forca (Fortaleza, Book, 2007) − Prêmio de Poesia Gerardo Melo
Mourão; A sinfonia do tempo: primeiro livro de filosofia (São Paulo, Escrituras, 2014) e
Sacrificium (Salvador, Mondrongo, 2020). A sua poesia foi analisada por vários críticos
literários e poetas brasileiros, entre eles, Alexei Bueno, Anderson Braga Horta, Fernando
Py e Marcos Pasche.
Galáxias Interiores

foco a minha meditação na impermanência

subjetivas galáxias
espalham-se
pelo universo mental

sou um ser transitório como as ondas do mar


o voo das aves

as rosas da roseira
os tornados e as nuvens
pois neste mundo
só a imaginação consegue tocar a eternidade

tudo é consumido pelo tempo


estrelas e galáxias são viajantes do cosmos

o tempo é desmembrado em instantes


e o instante é precário

cometas passeiam pelo meu jardim imaginário


e meus olhos enxergam primaveras
novas sementes e boas colheitas
antes de finalizar a jornada.

Território ilusório

...E se choro, lavo o rosto


nunca deixo vestígios
pois a vida é um quebra-cabeças
que não admite erros
nem covardia
e nos labirintos dos dias
preciso olhar-me no espelho da noite
e da solidão
e se alguma parte do rosto
foi dilacerada pela angústia
é imperioso modelar novamente
e cobrir os buracos emocionais
com a pele arrancada dos tornozelos
costurando-a com a luz das estrelas
pois minha alma imortal
deixa suas pegadas
nas areias do mundo
e de manhã o canto dos sabiás
cerzem as ilusões rasgadas
eu sinto que sem esperança, sem ilusões
nada sou - não sou nada.

A faca de prata

Com uma faca de prata


cortar as cerejas maduras
e fragmentar as canções
que encantam e cativam a alma
– a alma é cereja vermelha
que emana paradoxos
e morde os calcanhares
na busca alucinada
das respostas
ocultas nos poemas
e nos escaravelhos de esmeraldas
- nos dias de Lua Cheia
cada poema selvagem
pendurado na linha do horizonte
é rasgado em dois com uma faca de prata
cada poema cuspe ondas de emoções
e revela a respiração dos anjos
e a respiração opaca dos seres do submundo.

Isabel Furini é escritora, poeta e palestrante. Autora de 30 livros, entre eles, do livro de
poemas Os Corvos de Van Gogh, Editora Instituto Memória, 2013. Recebeu Comenda
Ordem de Figueiró; nomeada Embaixadora da Palavra pela Fundação Cesar Egido
Serrano (Espanha); Colunista da Revista Carlos Zemek de Arte e Cultura e do Jornal
Cultural Rol; criadora do projeto Poetizar o Mundo. Participou de exposições de Poesia
no Brasil, Portugal e Argentina. Foi premiada em concursos de Poesia: 1º Lugar no
Concurso Organizado pela Coninter, em Portugal, 2015 1º Lugar no Concurso da
Academia Campolarguense de Poesia/PR, 2013; 1º Lugar Concurso da Academia de
Letras Itapemense, SC, 2010; 1° Lugar no Concurso Internacional Missões/RS, 2005; 1°
Lugar no Conc. Est. de Poesia de São José dos Pinhais/ PR, 2002; 2º Lugar: Concurso da
revista Katharsis da Espanha, 2009, 1º Lugar – Categoria: Acróstico, no Concurso da
Academia de Letras e Artes Paranapuã, Rio de Janeiro, 2020 e 2º Lugar no Concurso de
Poesia Taba Cultural, RJ, 2021, entre outros. Realizou um Recital de Poesia, na 36a.
Semana do SESC & XV Feira do livro de UFPR, Curitiba/PR, (em português e espanhol)
e um Recital EM 2018, na Burlingame Public Library, na Califórnia, USA, com poemas
de sua autoria em idioma espanhol e em inglês,
PROMESAS DE AMOR

Prólogo de fuego.

El sol
te dora, ilumina
y refleja
tu color de espiga.

Y vos
criatura desvestida,
un cuerpo abandonado
piel de perlas.

Nuestros espíritus somnolientos


una mueca de cansancio
impide
intercambiar mariposas
y cuentas de cristal multicolor.

No sé
si ya existía
o entre los dos
inventamos el amor.

Aún hay tiempo


para poseer y
poseernos,
recuperando el cielo
que algún día
te prometí.
MAR AMANTES

El mar
alberga los sueños de amor,
los amantes
se buscan y se enlazan
entre las algas fosforescentes, corales y estrellas
creando su propio arrecife-.

Entre el murmullo de olas


y el cantar de gaviotas
te buscan los cuerpos
despojados de amor.

Los cobijas tiernamente


en la embriaguez
de las profundidades.

De pronto,
emerges como la sirena que eres
me abrazas tiernamente.

Desnudos en cuerpo y alma


arropados por besos salitrosos.

Los azahares de tu cuerpo


invaden mis sentidos,
primavera marina.

Las nubes con sus figuras


invitan a amarnos.

El agua no apaga nuestros fuegos.


Washington Daniel Gorosito Pérez Miembro de la Academia Nacional de Poesía de la
Ciudad de México. Nace en Montevideo, Uruguay el 24 de junio de 1961. Radica en
Irapuato-Gto. desde 1991. En el año l999 obtiene la ciudadanía mexicana por
naturalización. Catedrático Universitario, Periodista, Conferencista, Poeta, Ensayista e
Investigador. Ha obtenido premios de periodismo, ensayo, cuento y poesía en México,
Uruguay, Brasil, Argentina, Chile, Venezuela, Estados Unidos, Alemania y Francia. Ha
integrado 40 antologías literarias en Uruguay, México, Argentina, Chile, Italia, España
y Estados Unidos. Su columna Encuentro con Gorosito se publica en países de América
Latina y Europa.
Coração deserto

Todo dia uma ida ao deserto

Alguns corpos se movendo feito cobras estalando ao sol

Parece que nada desse lugar faz alguém feliz

E nem triste

Pessoas que não habitam seus corpos, não os que possuem

Encontro alguns olhos jogados ao chão,

Famintos por uma conversa real

Eles não fecham mais, nem quando o sol a pino os cega

A lágrimas secas escorrem, feito areia

Eles são a porta pra sair desse lugar

Inóspito e

inventado

por cada um de nós.

Os mariscos não pedem ajuda

uma espuma entre os dedos, talvez um pouco

nos olhos

uma boca cheia de luz e

mãos que nascem velhas.


esse é um corpo andando. beirando o mar. uma busca pequena. os pés cortados pelos
mariscos costeiros, eles têm tanta paciência. os cortes salgando nas ondas, o sangue nos
tubarões. o mar nos engole e eu sei nadar. a areia volta nos pés, gosto de ser um buraco,
tocando as conchas. uma lembrança apagando nas mãos, era um nome escrito em outra
língua e o mar sabe pronunciar, entre uma onda e outra, uma canção chama. os mariscos
se abrem pra receber o sol, nas pedras, meu ouvido mergulhado ouvindo tudo e tudo
dentro de mim. e teu nome. apagado das mãos. é a saudade mais estranha que já senti.

é o grande naufrágio. ainda há fogo correndo pela água e nossos destroços ainda flutuam
aqui e ali, os vejo, acenam sem pedir ajuda. como os mariscos na maré baixa.

Martina Sohn Fischer (@nomedemar) é escritora, dramaturga e poeta. Formada em


psicologia, com formação contínua em psicanálise. Teve três peças encenadas: Aqui, por
Club Noir (SP); Casa de Inverno, Artrupe (AM) e Coração de Baleia, Ateliê 23 (AM). A
peça Aqui, publicada pela editora 7Letras, obteve uma crítica na Folha de S. Paulo por
Luiz Fernando Ramos. Escreveu contos para o site Caos
Descrito, revista Jandique e Mathilda Revista Literária. “O que estive fazendo quando
nada fiz” (Urutau, 2023) é seu primeiro livro de poemas. Segue escrevendo como lastro
de si.
AN AESTESIS

Você me lecionara à distância, isto é, sem dar por minha existência ou fazia não

se dar pela vivência do outro, ainda que detivesse a habilidade de ter, em suas mãos, o

desafio de assegurar sobre o outro um voo e aterrissagem perfeitos!

Ela prometera novas sensações. Certificara tantos sonhos. Viria – como fruto do

seu preparo profissional e amoroso – decretar-lhe sensações, estéticas outras, confundir-

lhe os sentimentos primaveris.

Sim, viria e veio. Mas, no depois, aquela pessoa esqueceu que ficara incapaz de

sentir também sensações outras. Ficara então anestesiada – recebera o corte das sensações

para enfrentar as dores da alma, as dificuldades da vida?

A vida, os sonhos, as expectativas várias em desalinho. A mole humana

improvisando somenos como em um projeto minimalista. Aprendera por inexperiência a

ser sempre minimalista – utilizar notas breves/minutadas para sentimentos densos.

Seria possível a alma afanosamente se empreender em uma busca asselvajada

atrás da felicidade prometida e jamais/’nunca mais’ conquistada? De alguma forma intui

que uma vez outra, de certo modo, concordes muitos e distintos ditam a lição impossível

de ser aprendida/desaprendida – que o amor nos atira nos cipoais dos conflitos e lá já se

faz impossível a preleção lindamente lecionada pela avó de ser sempre mais!

Aquela seria, irremediavelmente, sempre menos, como no projeto minimalista –

de reduzir ao mínimo o emprego de elementos ou recursos fartamente aprendidos de amar

sem medo de lançar-se suicidamente. Cometeu, pois, o autocídio e de lá pode ver que

restara no tempo da an aestesis (sem sensações, sem meios de curar a dor da alma febril)!

Mudaram as estações e an aestesis permanece indelével!

Como estaria o outro? Escapando à rotina nefasta de ser sempre ‘rio seco de si’
como um ser de ausências e o movimento contínuo, quase contínuo da água lapidando

marcas; Agora tão somente abalizas e à distância de si, do outro de si, dos outros diversos

de si! As notas contrárias da vida ditando as notas musicais inversas de Si... Dó, Ré, Mi,

Fá, Sol, Lá, Si! As notas inversas da vida especificando as notas avessas à vida. Era

possível?

VENTO NA ROSEIRA

Como era possível um ser auspicioso e sedento por experiências outras,

longínquas das suas, abater-se frente ao primeiro e inequívoco contato com o primeiro

amor? Era e sempre foi um ser em alerta – pois na lição mediúnica já havia sido advertida

de que, por alguma razão, tivesse que se manter, por muito e muito tempo, em vigília para

agasalhar as outras duas – carnes de sua carne e pássaros alados de seu mesmo ninho!

Cumprira a lição de outras vidas – permanecera em alerta e desempenhara o papel

de ser um ser que protege outrem! Mas nesta vida – como passara tempo demais naquele

outro exercício (de proteger) se esqueceu de desligar o ‘pisca alerta’ de si e de novo se

mantinha em estado de sentinela.

Amou o amor de maneira suicida. Amou e ‘perdeu-se de si’ ainda um tanto mais!

Achou que tinha asas, feito e quando caíra do telhado, como pássaro desplumado ainda

em formação, no colo da avó materna e recebera afagos delicados para sua alma febril.

De novo, (no novamente) ou na experiência única e indelével ajuizou

precipitadamente que amar era se lançar e pensar que poderia uma vez mais ganhar colo!

Poderia? Até poderia, não fosse a precocidade de que amar é ainda querer ficar/restar por
perto, minimamente, do ser amado e sonhar com a casa de bonecas (quase aquela descrita

por K. Mansfield). Então, principiou em um exercício doentio. Encetou a contragosto o

elogio das lágrimas tão frequentes naqueles que amam e se lançam qual pássaros em seu

primeiro voo. Tinha asas, por que não?

No depois, restou ausente de si! Ficara sequelada, embora no íntimo ainda

sonhasse com aquela personagem generosamente criada/esboçada com pincel bem fino,

dedilhada por mãos gentis e tão caprichosas nas minudências. Ah, os detalhes. Talvez os

tenha amado como reflexo do seu ser tão emaranhado. Sempre querendo ninho, colo,

acolhimento. Sempre desejando o impossível: o outro por detrás do muro vizinho.

Conhecido o desencontro, lutou bravamente ou seria de maneira insana. Depois

restou qual rosa seca em meio à vegetação árida (árida por fora, árida de si, árida em ‘si’),

fazendo notas dissonantes de ‘si mesma’!

Ela havia versado nesta primeira experiência todos os tentames em uma vez só!

Amou a história do amor; Amou a personagem cunhada, generosamente criada por sua

imaginação enlevada. Amou a música de Satie, amou o ‘diverso de si’. Cobiçou as ragas

do amanhecer e do anoitecer; Amou o tempo que espera pelo amor; Amou o tempo da

espera de ser; Amou e se lançou qual Ícaro em sua jornada incerta. Queria, pois, adentrar

o espaço outro, interdito! Experimentou, pois! E, no depois, por razões óbvias, não soube

pegar o caminho de volta. Queria, pois, o tudo e parecera restar com o nada: paradoxos

automáticos da cabeça rolinha de ser para sempre um ser de ‘distância e de ausência’! O

sonhado, o prometido, o cobiçado, o imaginado por sua alma sempre febril de ser! E assim

achar que o era! Não o era e nunca seria, pois!

‘No novamente’, restou feito uma roseira seca – encerrada/cerrada para outros e

diversos ventos e cores, e águas outras. Talvez, no agora, o momento seja para sair do

mais profundo de si, dar um salto e partir, feito uma roseira seca que, por ora redescobrisse
o vento em suas pétalas ressequidas/ressentidas, e desejasse “sorrir-se” como verbo

pronominal mesmo (para si, de si, de outrem dentro de si). Será possível? Seria possível

apagar as marcas insalubres e redescobrir-se?

Fabiana Rodrigues Carrijo (Catalão/GO) Doutora em Estudos Linguísticos pela


Universidade Federal de Uberlândia. Atualmente é professora no Ensino Superior, na
Faculdade de Educação (FAE) na Universidade Federal de Catalão. É autora de diversos
capítulos e artigos científicos na área de letras/linguística espalhados em revistas e livros
especializados. Recentemente prefaciou três livros Quebra-cabeça essencial, de Miriam
Nassif; (Des)caso com a poesia: inquietações, de Maurício Gomes e Espontânea
Clausura, de Elaine Rosa Teixeira, sendo os dois últimos lançados pela Editora Scortecci.
No momento, encontra-se envolvida com a editoração de seus dois livros de crônicas
denominados: Contratos de amor lacerados e Vento na Roseira. E-mail para contato:
facarrijo@gmail.com
de mansinho

eu vivo entalada

e te digo: isso não me desce nem com água...

eu vivo de mansinho

quieta no meu ninho, sem cortar tais caminhos

eu vivo, só que conformada

penso em talvez ser nada, quando sinto tudo

eu vivo, bem a parte de um mundo

ele apenas segue a pulsar lá fora, me apavora

eu tenho que ser

o que? parece que tenho é medo de assumir!

eu espero

eu quero

eu preciso me permitir

Letícia Farias tem 23 anos, é estudante de Letras - Português/Francês pela Universidade


Federal de Campina Grande e bolsista no Programa de Residência Pedagógica (2022).
Também se revela apaixonada por literatura e música, de tal modo que foi na escrita de
poemas onde encontrou o espaço necessário para declamar acerca de tudo que sente.
TRECHO 1 (p. 10)

Escovo os dentes com certa diligência enquanto me observo no espelho. De repente, me


perco em algum pensamento e dedico-me mais a um lado que ao outro naquele vaivém
maquinal.

Uma azia me consome o estômago há algum tempo. O que será isso?

Observo o acúmulo de cremes e cosméticos milagrosos sob a bancada, ao redor da cuba,


e sinto raiva daquela desordem, principalmente porque, ali, apenas uma escova me
pertence.

É possível organizar o excesso? Não – concluo. – O que excede já está fora da ordem
das coisas.

Na prateleira plástica, atrás do espelho, até tenho outros itens: meus comprimidos, meu
sebo de carneiro e meu enxaguante bucal. Mas estão organizados, são essenciais e I
nvisíveis: não malferem a estética do ambiente.

TRECHO 2 (p. 15)

Por um instante aguardo em silêncio Carolina reconsiderar sua decisão e retomar o


assunto. Como isso não acontece, despeço-me e dou-lhe um beijo rápido na testa:

— Boa noite — digo.

Carolina não retribui a gentileza, mas não me importo. Damo-nos as costas e antes de
fechar os olhos observo que já são 22:34.

Entristeço-me com o desperdício de tempo.

Revivo uma cena de infância: Beto oreia seca, Beto oreia seca! Umas crianças da rua
implicam com minhas orelhas, mesmo elas sendo normais — confiro-as até hoje.
Caminho a uma certa distância do meu avô. Ele segue na frente, com o tronco um pouco
encurvado e as mãos unidas para trás, na altura da lombar. Apesar da idade, vovô é grande
e tem uma presença inibidora. Se eu estivesse ao seu lado, certamente as crianças não
caçoariam de mim.

Ele para e observa. Está com seu paletó cinza escuro, surrado, que não orna com a calça,
que é preta com risca de giz. Usa uma sandália de couro que deixa à mostra seus imensos
dedões com unhas grossas, encravadas numa pele morta e esbranquiçada. Na cintura,
carrega uma bainha com uma pequena faca dobrável, que utiliza para descascar laranjas
enquanto repousa em sua cadeira espaguete de fios azuis, sobre o cimentado do jardim.

TRECHO 3 (p. 49)

— Cravo uma faca no peito se essa música não parar!

A ameaça é inútil.

Tem uma coisa dentro de mim. Uma coisa ruim, que parece querer extravasar. E por que
agora?

Se eu dormir, tudo vai ficar bem.

Choro baixinho.

Por que estou chorando? É de raiva? Tristeza?

Insisto na mordida.

Vou me excedendo, até arrancar um naco de carne do braço.

Olho para o espelho do aparador e não me reconheço. A cena é feia. Vejo um rosto
sombrio, com olheiras, lágrimas e sangue ao redor da boca. Meu braço pinga sem parar.

Seguro a carne na boca.

Meu discernimento se restabelece: o que eu fiz?

Estou louco?

Pego uma camisa no cesto de roupa suja da área de serviço e enrolo no local do ferimento.
Junto um punhado de guardanapos de papel e limpo a sujeira do chão.

O relógio do micro-ondas marca 4:18.

— Cacete! — Falo baixo e com a dificuldade que aquele pedaço morto na boca impõe.

Arrependo-me, rapidamente, de ter cometido tamanha imbecilidade. Foi impulso.

O braço lateja, mas a música me fere mais.


Sinto uma moleza estranha, uma tontura.

Deixo-me desmoronar no sofá.

O sangue ultrapassa o tecido da camisa e está na iminência de atingir o estofado. Será que
vai manchar? Penso no alvejante como uma alternativa e, de repente, a possibilidade de
uma mácula não me oprime mais.

Rafael Martins (@rafaelmartins.esc) nasceu em 1982, na cidade de Campinas, interior


de São Paulo. É formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas;
advogado desde 2008 e, desde 2016, Procurador da Universidade Estadual de Campinas
– UNICAMP; é pai do João Miguel, Henrique e Francisco. “O Segredo das Lantanas”
(Patuá, 2023) é seu romance de estreia.
Os anos da saudade [nosso tempo de vida]: eu e ele [tu que não é ele, mas que és nosso,
que fostes nosso].

1. Absurdo – o mundo surdo


A dor do mundo, uma dor no peito
Um espelho, de ti,

2. Que busca em mi [entre passado e presente] como parte daquilo que fostes
em ti.
Fruto de um engano, desejo ou talvez do amor?
Não sei, não sei. Sou o que sou e estou aqui, sozinho, como tu estavas,
Como flor decessa e murcha, esperando aquilo que há de vir um dia...

6. Há anos fostes, sozinho, pr’a onde?


Inchado ao certo estavas, em chamas e em fogo, em dor.
Em dor, repito, em dor passastes
A passagem que é o fim de tudo. Verdade?
Triste ilusão. O véu que separa o fruto da árvore, o eu que sou eu de ti que és tu, que
eras tu.
Que, que contradição, jaz só, enquanto o fruto, aguarda, aguarda, esse tempo surdo, esse
mundo surdo, espelho imundo.

7. Sinto? Sinto ainda uma lágrima no rosto?


Talvez, não sei.
Nem o tempo [entre a perda, a dor e o esquecimento] sinto, como se o pudesse, o
abstrato [o tempo passado que apaga-se no presente] nem mesmo existe, só o concreto,
que deixou a ferida e o sangue expostos, a soarem nesses versos.
Estranho, eis o desencanto [a dor desses cantos], eis o avesso desse tempo mudo, desse
silêncio, sem cores, sem imagens,
Um tempo de formas em formas amorfas. O tempo em um espaço, lasso e classo.

11. Hoje, nesse tempo sem tempo,


Nesse tempo presente que estais ausente.
Esse tempo que passa, que não sinto, não mais. Homem de lágrimas vertidas (sou)! Um
dia estivestes aqui. Mas partistes...
No Silêncio da noite, no barulho da noite. Em uma noite sem noite. Em lágrimas. Ou
numa Manhã, numa tarde fatal? Entre uma esperança e uma vereda comprida, que a
vida sem vida se tornou, antes de esperança tristeza, lamento e dor?

12. Em quê? Em mim ou em ti?


As lágrimas se foram, o regato tornou-se seco, nem mesmo a dor que bramia no peito
fere mais, onde chorava parte de mim, onde morria parte de ti.

17. Mas tú, para onde fostes? Que caminho talvez trilhastes? Que círculo ti encerra?
Feliz, felicidade tola, pois dessa esperança surda, somente o silêncio impera. Fatal – eis
o pálido brado que ergue, que sai de olhos e de vozes estranhas.
Será? Não sei. O que sei é que estou sozinho, suportando o peso imenso dessa verdade,
a triste verdade que rasga o meu peito. Que verdade? A certeza que parte de mim se foi,
parte daquilo que foi em mim, pequena grande parte de mim. Ente, ente que sou, que
não fui, que me tornei... Mentira!
Onde estás? Que voz ouvistes no segundo fatídico? Que imagem surda vistes no fim?

18. Tivesses tantos e tantas, sementes daquilo que outrora fostes, que agora vive em
mim [em nós], que sou, na verdade, que sou.
Pensastes em quem? Em quem dos teus? Nas Marias? Nós que abrem o mar, nos que
perdem a força, ou naqueles que nem sabes o nome ditar? Não conheces a voz, a
vocação que agora ocupa, nem mesmo o desejo de ser. O primeiro a ser alguém outro,
alguém outro que não o mesmo de nós, pobres, tolos, mortos em vida.

19. Escute, mesmo sem tímpanos para escutar, ou sem órbitas oculares para ver: o
sangue do sangue é apenas sangue que passa, que deixa a saudade, e no fundo que finda
também, no fundo profundo de tudo. Do mundo absurdo, do homem absurdo, do ser
lançado, jogado ao regaço, de lágrimas vestidas, ressequidas entre saudades, esquecidas
entre um tempo, um presente que é, que não passa. Não. Não é isso.

20. Não vemos o amanhar, pois esse nega a passagem, se coloca difuso, confuso em
tudo. Há ainda o presente a romper. Enquanto que o passado, não o vi realmente, pelo
menos não na ausência que fostes. Enfim, a presença é toda e apenas Ela. Que é tudo!
Que está em tudo, no mundo que sou. Mas há ti também. Não posso mentir. Há ti
também nisso que sou.

26. Vivemos aqui e acolá, sempre, sempre em muitos lugares. Longe, perto, mas sempre
perto de ti, muito embora longe de ti,
Filhos teus, não meus,
Pois da vida, o embargo maior trucido em mim. Que a semente nem tornar-se semente
possa ser. Da dor do destino, do mundo absurdo, apenas a mim [eu e ele] e os outros
[que são partes de nós, dos quais somos partes], a semente de ti sem ti.

27. Que a dor com o tempo presente, sem forma e amorfo, termine também. Adeus,
adeus lágrimas vertidas, lágrimas ressequidas. Pai querido... que imagem não tenho, que
dor não sinto [mais], nem lágrimas vertidas também. Mentira! Partistes a tanto tempo.
Não sei. Não sei.

Nalberty Medeiros Santos. Graduado em Filosofia pela Universidade Estadual da


Paraíba (UEPB). Bolsista do Programa Residência Pedagógica (2018-2020) e bolsista do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (2020-2022). Participante do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia (NEPEFIL/UEPB/CNPQ). E atualmente,
mestrando no Programa de Pós-Graduação em Literatura e Interculturalidade (PPGLI)
pela Universidade Estadual da Paraíba.
A Black Hole

como seres pensantes, andantes e errantes

caminhamos em direções dispersas, incertas e vazias

nos encontramos, nos reencontramos, nos falamos

num caminhar trôpego, fatigado e vazio

vazio de mistério, vazio de esperança, vazio de escuridão

como num buraco negro que até a própria luz não consegue escapar

caminhamos a esses abismos inesquecíveis, conflituosos e abundantes

numa esfera da vida, em que o buraco negro nos espera com nossa

ansiedade incerta e curiosa de sua existência avassaladora que uma foto sua

pode proporcionar. Comprovamos a existência desta matéria escura, densa e


supermassiva,

engolindo tudo o que vê, seres e coisas inconcebíveis o modulando, o constituindo

através de sua força destrutiva que nos envolve em abismos de mistérios

Géssica Menino, mãe do Christopher, poeta e escritora. Autora de contos e de inúmeros


poemas publicados em revistas e pela Editora “Toma Aí Um Poema”, assim como, autora
do livro de contos As Laranjas de Alice Mazela, vencedor na Categoria “Capa” do
Primeiro Prêmio Candango de Literatura. Autora de vários poemas da Cemana de 22
(Revista Literária em comemoração ao centenário da Semana de Arte Moderna), podendo
ser acessada em: https://www.cemanade22.com/.
DO LIVRO ROUPAS DE GANHO

água de anil

Vejo cenas
Pequenas pedras azuis
Desmanchadas n’água
Para alvejar, clarear
Misticismo, espiritualidade, intuição
A nódoa, a mancha, a sujeira que encarde
O que se dissipa pela mão
Esfrega, coloca de molho, estende ao sol
[para quarar

O tecido se enche do cheiro


Impregnado pela luz
É o tempo que diz
Qual a hora de enxaguar
A água ganha cor
Azul
É assim com a vida
A bacia
O anil
Estava tudo o tempo todo aqui
Só precisava mergulhar

*
valença

Que rio é que eu parto?


Que rota me reparto?
Que mar eu me reparo?
Se caço, corro
Se corpo, morro
Se passo
Mato

óvulo

De que sou feita


Eu?
De mares, paisagens
Paranoias, prisões
Navios negreiros
Veleiros, velas, porões
Escuro
Terras áridas, úmidas
Visões
Descobrimentos
Encantos
Eu, esse pedaço de dor
Dividida em tratados
Tordesilhas
Essa terra descoberta
Essas veias externas, expostas
Os caminhos
Os erros todos do mundo
Jorrando sangue, canhões
Guerras
Ressentimento de tudo
Os gritos de libertação
Tambores, canções
Essa que sou eu, aqui
Muitas que fui
Antes de mim
Muitas que fluem
De onde vim

No errático
Incerto
Destino
Amor

casulo

Um libertar-se
Próprio, profundo
Único e universal
Um desfazer-se
Até descobrir o prazer
Do fazer
De si
Grão
Solto e solitário
Tocar todos os cantos
Da pele
Ouvir todos os pontos
De areia
Até trocar
De pele
Para sentir
O outro
Sentir-se
Ouro
Em flor
De céu
De sal
De sol
Transformar-se
No seu valor
Mais grão
Espalha
Expande
Chama
Chão
Na teia
Ateia-se
De si
Enfim
Liberta
Libélula
Li bela

Clara Bezerra Sou potiguar, nascida em uma cidade chamada Acari e criada em Cruzeta.
Aos 15 anos fui morar em Natal. Na sequência, me formei em Letras – Português e em
Comunicação Social - Publicidade. Fiz especialização em Planejamento Estratégico em
Comunicação e mestrado em Estudos da Mídia. Trabalho com Comunicação Institucional
e escrevo de forma paralela, além de estudar psicanálise e dançar por prazer. “Roupa de
Ganho”, obra publicada pela editora Paraquedas, é meu primeiro livro.
*

* *
Agradecemos:

A Eva Wilma Rodas Ramalho e Fernando Antônio Ramalho de Amorim – pelo apoio de
sempre;

A todos/as/es os/as/es membro/as/es da Rede AFETIVA de Culturas, da qual fazemos


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os textos estejam em língua portuguesa, espanhola ou bilíngue (traduzidos).

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VIVA A SUCURU!
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