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A MELANCOLIA

GONZALO DÁVILA BOLLIGER


Segunda edição, 2023
Editora Pandora
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A tudo o que corrói cada centímetro do mundo e da mente-universo, e
a todos aqueles que por horas, dias ou anos não conseguem se livrar de
um pensamento, uma tristeza, uma lembrança ou um prenúncio ou
pesadelo, eu dedico este livro.

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Prefácio

Este foi a terceira obra em versos que fiz e, assim como no Rumo ao Âmago da
Própria Voz, eu a organizei como unidade, antes mesmo de compor a maioria dos
poemas. Por isso, o ideal é ler o livro na ordem em que os poemas aparecem, como
se fosse um romance, por exemplo, e não de forma aleatória.
O escrevi em parte simultâneo ao Rumo e em parte não. Posso dizer que fiz o livro
basicamente entre 2012 e o começo de 2022. Há, porém, alguns poemas anteriores
a 2012 e, em particular nesta edição, alguns posteriores a 2022; escritos
principalmente para melhorar a sequência entre as partes.
Dois poemas não pertencem originalmente a este volume. O poema “Porque o
Tempo não Volta” escrevi para o meu primeiro livro “Poemas Esparsos” (volume
escrito entre 2005 e 2008); e o poema que começa “Mãe, após noites lendo este
livro” é, na verdade, uma versão de uma parte de um poema extenso, “Nos pavilhões
vermelhos”, contido no Rumo ao Âmago da Própria Voz.
Além disso, penso que é importante mencionar três aspectos: a pontuação em muitas
partes segue mais o ritmo que a questão gramatical (como, por exemplo, nos versos:
“Que queremos jogar para a rua mas não conseguimos”, na página 70, e “A alegria
a inveja o espanto a raiva e o sono”, na página 139); há neologismos, repetições de
palavras e recursos como a duplicação de vogais (como em “gloobaais”, na página
60); e a fonte e o tamanho das letras variam, principalmente por motivos de ritmo,
efeitos visuais e diferenciação de vozes.
Há também alguns poemas que estão em espanhol. Me parecer que neles o ritmo
combinava melhor nessa língua, e que o livro, como um todo, fica mais pleno.

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Oh meu pequeno Big Bang
Permita-me eu consiga expressar
Todos os mares onde nos afogamos.

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Melancolía
Hija de la niebla
Guardiana de la lluvia
Sombra que está bajo el sol
Y erosión de los años,
Hay un planeta hecho a tu imagen
Un ejército que sigue
Infierno
Tras infierno
Tu misterioso comando.

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Melancolia
Os dias foram feitos para ti
E as noites, em silêncio, te veneram

Melancolia
O mar se cobre por completo pela névoa
E as aves, para sempre, se afastam

Melancolia
Qual o nome da tua temível divindade?
De noite, quando as lâmpadas se apagam
Vejo as crianças que perdem seus cabelos
E se transformam, uma a uma, em neblina...

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A verdade

Há uma Deusa de olhos turvos


Que chama a dor de nossa amiga
E de tristeza a nossa dor.

“Se sonhares comigo morrerás” - ela me diz -


E fecha meus olhos como um mar sem horizontes...

Sim, há algo que joga com o coração dos homens,


Que oculta as sombras onde ninguém as possa ver.
E de noite, ao olharmos o espelho
É ela, a Deusa, que nos olha.

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Um dia
A ciência
Que já curou tantos dos males
Descobrirá
A fórmula da sacrossanta eternidade.

Mas a infância -
Esses olhos que se abrem no escuro,
Essas nuvens que se afastam do horizonte,
Será sempre
Uma ilha encoberta pela névoa.

As escadas da casa em que nasceste


O mar que leva o teu balde para longe
O teu avô e seu último sorriso
O latido de um cão que há anos já se foi
Continuará
A ser um sepulcro que não pode ser aberto.

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Lembrança 1

Cavamos um túnel de areia,


Não sei por que nossas mãos não se encontravam.
Cavei mais fundo e mais fundo,
Cavei até chegar em pedras duras.

“Cuidado para que não desmanche com o mar,


Já são as cinco e daqui a pouco a maré chega!”
Gritou minha tia – ao longe.

O mar já veio – faz tempo.


Por mais que me esforce em encontrar
O outro lado -
O túnel (e a vida)
Estão perdidos para sempre.

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Como um oceano debaixo do mundo
Havia algo em mim inexpressável
E violento como um corpo
Que explodisse de fora para dentro.

E como um cão andando em círculos


E da escuridão jamais saindo,
Havia um poço de degraus inumeráveis
Que levava sempre ao enterro de mim mesmo.

Lá, nas regiões de águas semiadormecidas


Você lembra como era?
Um marujo às vezes pescava
Cabeças com sóis no lugar de pupilas.

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Se eu pudesse jogar meu coração

Se eu pudesse jogar meu coração para a noite


E projetar numa tela do tamanho do mundo
Todas as cores dos meus pensamentos,
Se eu pudesse jogá-lo
Por um segundo jogá-lo
E fosse submergindo o coração no escuro
E fosse revelando o infinito de cada lembrança,
Quanto deste caos antes invisível
Não seria sentido por mim e por todos
Como uma tempestade de raios e oceanos
Soletrável como a mensagem do vento?

Cada quarto aberto e nunca fechado


Cada abandono e cada fuga-refúgio
A forma única como amei cada garota
Como por um segundo delirei sentir seus pensamentos
(As palavras e olhares tão incapazes de dizer
A verdade)
E como pelas ruas busquei por espelhos
Lembrando, sempre, daquele anoitecer -
O alívio infinito de poder cantarolar o vazio
De exprimir vértebra após vértebra a flauta do desespero,

Sim, se eu pudesse jogar meu coração


Bem ao fundo da noite dos demais corações,
Eu a todos provaria:

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Nada na nossa Via-Láctea é falso
Cada alegria e dor antes
Absurda
É inevitável como as marés do universo...

Ah, os pensamentos são da mesma matéria que os sonhos


Mas reais como um copo ao se romper com o chão.
E por isso a eterna pergunta,
Como não querer dar o grito dos gritos? O suspiro
Dos suspiros? Projetar
Na noite de todos a nossa única noite?
E os que ouviriam as cores e sons se misturando
E os que veriam a sucessão de todos meus sonhos
Mais verdadeiros que a vida na vigília,
Ficariam maravilhados ou aterrorizados
Sempre atônitos em comunhão com mim mesmo,
Algas acorrentando as nuvens escadas perdendo
Os degraus no relógio a mesma hora
Niebla oscura Da da
Do svidaniya,
A única vez que eu poderia mostrar quem eu sou,
Quem realmente sou,
Se eu pudesse
Jogar meu coração para a noite.

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E como então começar a contar
Cada odisseia violeta que naufragou nossa vida
Cada pensamento escuro como teia de aranha
Cada cor que foi adquirindo nossas lágrimas
Como adivinhar entre essa multidão de bocas e olhos
Alguma que possa entender o que temos e não pode ser dito?
O que outros dizem alma eu vou dizer âmbar, névoa e substâncias
Escuras
E, por todos os deuses da noite, perguntar
Como realizar essa façanha? E aliás,
Como então escolher um rosto ao qual
Recostar-nos? E, ao escolher
Como começar a contar?
Dizer: nasci em tal e em tal década
Comi tal e tal fatia de bolo
Fui o primeiro a apanhar ao entrar na escola
No dia tal tive tal e tal pensamento suicida
Mas não, não é que eu fosse me matar -
Fui feliz ao caminhar por uma rua sem saída
Tenho medo da altura do sangue dos escorregadores e sinto

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Sempre sono ao acordar?
Como então começar a exprimir
Esse eu de substâncias mil que nos escapam
A outra ilha que também se aproxima e se afasta?
Conjuntos de nuvens, algas e eclipses que se reuniram em nós
Por acaso em nós?
Ah, tantos sonhos possíveis e tantas maneiras de adormecer!
Ah, tantas formas de soletrar as imagens e sons que inundam esta ilha!
Muitos, é verdade, tomarão o caminho mais prático
Encontrarão o amor em inúmeras esquinas,
Contarão o seu dia e sentirão estar compartilhando sua alma...
Mas hoje, hoje eu me permito gaguejar meu universo:
Estamos presos, eter-namente presos
Na mente em que nascemos.

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Sempre me deixaram triste coisas simples:
A extinção do tigre do Cáspio
A destruição do reino de Mali
O desaparecimento dos bisões das planícies
A morte da mãe do Bambi
A beleza da névoa que se junta com o mar
O debater-se de uma formiga no deserto,
Os aniversários que chegam sem pedir licença,
A mudança, eterna, dos móveis,
A lembrança de uma namorada enquanto dorme,
Tudo, tudo o que já foi belo e nos sussurra:
A extinção da infância
A destruição dos dias
A dissolução dos afetos
O desaparecimento dos pais
A morte
A morte e a derrota,
A derrota apenas
Por sermos frágeis criaturas,
E o sofrimento que invisível se espalha
Por todas essas coisas,
Nada simples.

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Uma a uma as coisas simples
No âmago violeta de todas as coisas
Vão aparecendo como pulsações de um coração doente
Exposto em um museu sempre em ruínas.

Tudo, tudo dói sob a fina camada de nevoa


Que reveste o espelho das buscas circulares.
O céu - um simulacro de outro céu -
Cada coisa, perdida neste mundo
Um simulacro do horizonte que se afasta.

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Um jogo da velha em um parque imemoriável,
Uma escola onde os rostos são estranhos
E um menino que olha o tempo sem jamais compreendê-lo
MEMÓRIA, ONDE O SUICÍDIO É IMPOSSÍVEL
O que fica das ruas que suportaram nossa sombra?
E o que das pipas que nunca conseguiram subir?
Eu caminhava com minha mãe perto da casa,
Tinha um murinho que ia aumentando de altura,
Por um momento senti a liberdade
Mas desci antes de chegar ao final,
MEMÓRIA, ONDE O SUICIDIO É IMPOSSIVEL
As noites gastas pensando no último horizonte,
As conversas sobre o sentido de estar vivo,
Os brinquedos sem usar esperando em um canto
As crianças lá fora e eu nunca com elas
Os livros lidos e a vida não vivida,
MEMÓRIA, ONDE O SUICIDIO É IMPOSSIVEL
O que murmura como um fantasma das janelas?
O que está nessa chuva que cai sem cair sobre as calçadas?
As várias casas que vivemos,
O cheiro delicado daquilo que mudando permanece
Os móveis que gostamos acumulando as lembranças

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E a posição de cada estante sendo dissolvida para sempre
MEMÓRIA, ONDE O SUICIDIO É IMPOSSIVEL
Um menino deitado entre seu pai e sua mãe,
Um caminho entre árvores frondosas,
Um jogo de ludo tranquilo no colchão
A alegria repentina da chuva e de estar vivo
MEMÓRIA, ONDE O SUICIDIO É IMPOSSIVEL
Há uma vontade que não cessa
De que o vento nos leve para lá
A essas casas de raízes enormes
A essas escolas de corredores penumbrosos
A essas praias onde as águas jamais chegam até nós
Para o parque imemoriável do jogo da velha
As risadas das crianças que somem na folhagem,
MEMÓRIA, ONDE O SUICIDIO É IMPOSSIVEL
Que inundação é essa, que vem de tão longe de tão perto
Que molha as lembranças até sumirem seus barulhos e imagens
Que faz os rostos se confundirem embaixo da água
E que faz a eternidade flutuar
Como uma sagrada escultura
De placenta e memória?

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As casas

Cada casa onde moramos é uma ilha


Onde deixamos um aroma do que fomos.
O cheiro agridoce da chuva
É único em cada jardim.
A casa onde dormimos
Dá para um ângulo diferente da janela.
O corredor que percorremos no escuro
Na hora em que de um pesadelo acordamos,
Nunca mais será o mesmo...

O mamoeiro no jardim, você lembra?


E o mato lá no fundo
Onde sonhávamos onças e lobos-guarás? E onde
Só ousávamos entrar nos seus inícios?
Lembra? A casa do lado abandonada com mendigos,
As voltas com a bicicleta no bosque em frente,
O guardinha que ano a ano você via envelhecer...

E do prédio verde em Satélite Iris, você lembra?


O som do trem de carga em cada manhã,
A periferia de Campinas, seu mundo
De adultos casados e cansados,
E o nosso quase amigo do andar de baixo
Que tinha um lego gigante com golfinhos, piratas e castelos,
Um dia na área comum eu passeei em busca de detalhes,
De uma pedra um carrapatão me observava...

E agora a casinho no beco,


Um hospício onde na frente uma vez desmaiei,
As crianças que andam de bicicleta e eu sem saber,
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A chuva vista da janelinha da porta de madeira,
No pátio o bobinho com mamãe e papai,
Os utensílios da cozinha, de madeira, palpáveis até hoje...

E lá, muito mais atrás...


A casa onde nasci
Enorme para o meu coração,
Com escadas, quartos no escuro e um cachorro velhinho,
A casa dos meus avôs
Dos meus pais, dos meus tios, da minha prima,
Em um momento tudo unido,
O cheiro de brincadeiras no jardim,
Os tatuzinhos que nas mamadeiras escondemos,
As longínquas canções de ninar,
E as inúmeras partes da nossa alma
Que pouco a pouco vão se afastando...

Antes de ir embora,
Revisitamos cada aresta,
Cada tonalidade das paredes,
Cada curva que leva a cada quarto
E cada vassoura e balde que acaba abandonado.

26
Os brinquedos sem usar

Os brinquedos sem usar


São como mortos à deriva.
Quando você se aproxima e toca suas sombras
Vê que os anos e os sonhos já passaram
E eles se transformam em ossos pré-históricos,
Pesados como pássaros mortos na memória
Como as risadas que não deixamos escapar.

Neste quarto que é e que foi nosso


Acumulamos esses seres imóveis
Que nos observam enquanto dormimos.
Bonecos de pelúcia, carrinhos, ioiôs,
Figurinhas, tabuleiros, peças de legos, triciclos...
Sim, estão todos aqui neste chão pantanoso, e sim
Mesmo na nossa infância, quantos
Quantos deles não os deixamos sem usar?

Abrimos a porta – essa porta tão amada e odiada –


E das sombras, risadas de crianças
Nos despertam para o mundo dos mortos.

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Os contornos dos tecidos
A sombra dos brinquedos

Esse ar rarefeito
Os móveis, agridoce

No chão
Os brinquedos sem usar

E esse
Silêncio
Mastigável

Esse
Escuro
Como um universo sem ar.

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Os aniversários
Eles já nos mataram tantas vezes...
Tantas vezes pararam o tempo
Para voltar a fazê-lo funcionar...
Que como poderíamos concordar com as vozes do mundo
E sorrir como se fosse esse o dia mais feliz?
Antes aparecem uma fileira de abutres
Dias enlutados em que sentimos o infinito gelo nas pernas
Pois vemos o reflexo verdadeiro
Que no labirinto dos espelhos envelhece...

Há uma cabeça de ídolo negro


No meio dos pedaços de bolos, pizzas, coca colas
E das risadas que chegam e se vão.
Seus olhos sangram, sangram as pupilas,
Seus cabelos são poucos, seus olhos rachados.
Queremos, sim, abraça-lo e destruí-lo,
Não há nada mais melancólico
Que o dia da nossa morte.

29
As piscinas
O céu se reflete aqui, o tempo aqui se reflete,
Aqui é o útero onde nascem e desaparecem os dias,
A luz e sombra penetram nestas águas surdamente
E de um lado para o outro vagamos sem rumo
Ou ficamos a flutuar para sempre.
E é só nestas águas mornas ou frias
Que pensamos na vida em si,
Que sentimos a vida e sua noite em si...

Os dias passam circulares ou seguem sem fim?


Nós morreremos ou continuaremos mais além do último
Horizonte?
Nadamos um pouco, descansamos um pouco,
Soltamos bolhinhas como quem se livra
Do peso de um universo sem estrelas
E relaxamos neste sol que hoje existe para nós
Enquanto ao longe sombras humanas
Também descansam, nesta vida
Mais verdadeira que a repetição dos dias...

Cada piscina é um mundo como é


Uma cama, um espelho, uma abelha que se debate num lago.
Quando encontramos ela, a nossa piscina
Que de tão única é a felicidade,
Queremos passar dias e noites e os anos sem fim
Nadando, flutuando, mergulhando
Em suas águas sem futuro nem passado.

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Os mapa-múndi

Antigos como a infância e os planetas,


Menores que um quarto e infinitos
Como os detalhes de um quarto,
Os mapa-múndi abraçam os espelhos do céu,
Revelam a dança entre os continentes e oceanos,
A sombra de todos os dias e noites que já foram
E as nuvens, as ilhas sem nome e os abismos do mar
E as plantas, as aves, o plâncton, os morcegos
E as pedras, a areia, a espuma, o orvalho nos pastos sem fim...

Quantas, quantas vezes não deixei


De fazer algo só para poder contemplá-los?
Perdido numa sala vazia, num deserto recreio?
Comparando as latitudes, meridianos
A distância entre os países, as manchas
Verdes entre os imensos amarelos, o Himalaia
Os Andes, essas terras que sobem ao céu, e os brancos
Onde as águas e o tempo se congelam, e os rios
Que como braços cruzam as fendas da terra,
E as capitais de cada desconhecido país
Tão importante ali como o maior dos impérios,
Saara Ocidental, Belize, Cazaquistão, Samoa
Mongólia, Madagascar – camaleões e lêmures -
E eu me perdia ali com minha alma suicida
Imaginando como cada pedaço de terra seria
No tempo dos Toltecas e dos Dinossauros
E se nesses recantos eu seria mais ou menos feliz.

Antigos como a infância e os planetas


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Os mapa-múndi abraçam tudo o que um dia já foi visto.
Lá eu era Humboldt dando a Volta para reencontrar a si mesmo
Ou Darwin rumo à ilha das tartarugas e iguanas gigantes
Ou o desconhecido explorador em busca do peixe-anfíbio
Em todas as terras jamais encontrado...
Sim, eu conhecia os olhos do mundo,
A partir daquele imenso observatório,
Que eu podia pegar, girar com a mão
E me perder para sempre.

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Dudu, na época com 8 anos de idade

Meu cachorro, o Dudu, ele sobe na cama,


(É gordinho, pelo marrom claro, mistura
De Lhasa com alguma outra raça),
Ele sobe e em segundos começa a dormir.
Mas quando me movo ele rosna,
Resmungão pula para o chão
E só lá ele volta a sonhar...

Depois de um bom tempo o acordo de vez,


Falo Passear! Passear! e o levo rumo ao parque,
O Dudu pula e late, esquecido do incidente
Enquanto vamos para a porta.

Ele faz xixi como num ritual,


Faz coco no meio da calçada,
Ele briga com os machos que passam
E brinca com as fêmeas, tudo
Da sua maneira,
Elegante enquanto passeia...

Então eu paro num barzinho de esquina, me sento


E peço um caldo de carne. E com o caldo
Na mesa
Meu cachorro não para de me olhar fixamente
E logo começa a latir e latir.
Ele quer
Tudo o que cheira desse caldo,
Quando lhe dou um pouco ele volta a pedir.

Acabada a comida voltamos à casa.


Eu da minha cama o observo
Enquanto ele brinca com um osso.
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Para si mesmo ele é o centro do universo,
Todos os gestos e vultos e cheiros e sons se dirigem a ele.
E como poderia ser diferente?
Neste mundo de estrelas e distâncias infinitas
Ele, eu e todo ser capaz de morrer
Vê a si mesmo como o centro
Deste universo sem centro.

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Ode à música do botijão de gás

Algo simples como uma sacola no vento e que


Até o ano de 2020,
Enchia nossas vidas de prazerosa tristeza.

Eu acordo com a música do mundo,


Como uma canção de ninar ao contrário
Ela me desperta para o mundo que não quero.
Lá fora, sei, há um carro sem asas
Portador desse som subterrâneo, aquático e alado.
E ele parece afastar-se, aproximar-se
E eu não o vejo, nunca o vejo e tenho medo
Que ele leve essa tristeza que não quero para longe...
Mas a música como um milagre permanece
E então eu abro a janela do meu quarto
E então eu me permito sentir essa suave tempestade
E espero que ela entre, com toda a névoa do mundo...

Vem e vai a canção com sua melancolia de outros tempos


Penetra neste quarto de pensão agora único no mundo
E uma garoa sobre a calçada e sobre as folhas vai caindo
E eu recordo teus cabelos negros que me roçam ao dormir
Como um país remoto onde passamos a infância,
E eu recordo tuas palavras sobre vidas passadas
Como um sonho que já tivemos outras vezes e o perdemos,
E do nada eu vou para a infância e para a morte
(A infância, porto primeiro desta cidade devastada)
E eu recordo as praças em que o sorvete no sol se derretia
E eu recordo a escola e seus silêncios azul-esverdeados
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E eu recordo o tédio onde um piano sempre toca o abandono
E eu recordo cada segundo sem ar que ainda está por vir,
Há toda uma vida enquanto essa música durar...

(Beethoven compôs essa ode em 1810


Mas eu descobri isso só séculos depois,
Pois, para mim, sempre foi e será a música do botijão...
Em quem ele pensava quando a compôs? Elise
É o nome que aparece no título, e um
Enterro silencioso aparece aos meus ouvidos,
É tudo enterro enterro enquanto uma neve cai nos povoados...)

Muitas e muitas vezes esse botijão já me acordou,


Sei por experiência que logo acabará.
(Mas o que, neste universo, ao ferir tem um fim?)
E eu abro a janela novamente
E eu sorvo o ar úmido da fugitiva claridade
E eu sinto na distância os embaixadores da manhã
E eu espero que a névoa entre pelo quarto
E eu espero que ela me leve para longe, para dentro
Como a mais triste canção de ninar.

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Pequena canção para uma garota que cheguei a
conhecer

Quem a viu ou a verá


Lembrará de seus cabelos
Que eram negros como a morte
E ecoavam uma triste canção.

Quem a viu ou a verá


Lembrará de seus olhos
Que refletiam mil espelhos
E ecoavam um sol
Que lentamente escurecia.

E quem a viu ou a verá


Lembrará de seus gestos assombrosos
Que eram tristes canções de ninar
E ecoavam
Um escuro sol do meio dia.

E quem a viu ou a verá


Olhará o descampado mais distante
Ouvirá a chuva sobre o lago
E deixará no tempo uma lágrima ao vento.

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Mas não é que a melancolia é um céu muito mais amplo?
O passado, o futuro, o presente e seus algozes
Já seriam suficientes para nos afogarem nas águas violetas...
Mas há mais, muito, muito mais... E vamos
Pouco a pouco saindo para as ruas do mundo
Onde os tambores metálicos do caos
Não deixam os insones dormirem.

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Passagem pelo inferno

Agora eu saio um pouco de casa, coágulos pendurados nas nuvens, urubus


sem asas pelo céu.
Onde tudo começou? Pra viver há que matar, me fala um mendigo com restos
de carne nos dentes, e o vento traz um incêndio de florestas e fósseis... Quais são os
rostos que ocupam as nuvens?
As indústrias, as ceifadeiras, as colheitas infinitas de vacas e galinhas. Vimos
muitos filmes sobre o processo da dessecação daquilo que um dia já foi vivo,
não é? Sim, todos vimos, ninguém está isento... Avanço pelas lojas, é tudo
morte nas vitrines. Morte, morte, morte...
Nos restaurantes, a morte no sentido mais clássico, esparramada sobre
superfícies como a água numa bacia, como o oceano numa lixeira, e os dentes
todos sujos de “para viver há que matar”. Mais um prato por favor...
Pois o arpão há séculos está na mesma baleia. O cachalote sangra por todo o
oceano. E em um extenso corredor vemos os fantasmas de mamutes, dodôs
e coalas carnívoros, todos mortos por nós...
Entro então no salão dos espelhos. Em um deles pintinhos rodam e rodam
até serem triturados. Mais para a frente vacas são inseminadas por um touro
de metal. Galinhas produzem ovos e mais ovos durante todos os segundos
de suas vidas imóveis em um metro quadrado. Em outro, porcos guincham
como prisioneiros por um saco asfixiados. E entre grades o último
rinoceronte negro oriental espera a destruição de seus genes.

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É uma jaula imensa, se fosse colocada uma porta poderia ser maior que uma
casa. Mas ali não há porta. Em todos os entardeceres, por uma abertura
secreta, entra um homem que coloca comida. E só. No máximo algumas
folhas de árvores vizinhas contaminam de ar livre o ambiente.
Agora uma menina observa fixamente os chimpanzés. Após pouco tempo,
ela percebe que ali está uma família. No centro um chimpanzé velho está
isolado e contempla a plateia, que o olha sem o ver. Ele é magro, de lábios
grandes, caídos e meio descascados. Seus pelos são pretos, mas há muitas
partes brancas ou grisalhas, principalmente nas costas e antebraços. Seus
olhos são cansados, mas ainda curiosos e brincalhões. Suas mãos estão sobre
os joelhos e sua cabeça se move de um lado para o outro. E ele fica fazendo
com a boca tristes caretas.
Perto dele um macho mais jovem tira delicadamente os carrapatos de uma
fêmea, a qual depois se recosta sobre ele.
Em uma corda alguns pequenos se balançam, muitas vezes dando tapas uns
nos outros e fazendo ruídos estridentes e alegres.
Agora o chimpanzé velho desvia o olhar da plateia e contempla atentamente,
sem se mexer, e com seus longos braços postados no chão, os chimpanzés
de todas as idades fruindo a vida.
Se um fotógrafo ou pintor retratasse essa cena, e dissesse com megalomania
ser essa a condição humana, e colocasse como título da obra “De onde
viemos? O que somos? Para onde vamos?”, é, ele não estaria enganado...

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Passando para a jaula vizinha, o que vemos é ainda mais enigmático. O ser
que ali está parece retirado de tudo, nunca saberemos seu futuro e seu
passado. E grudado nas grades há uma folha, onde está escrito um poema:

O orangotango

Não há árvores e não há


Ao menos uma fêmea no recinto vazio.
O orangotango está sozinho, cordas
Pendem inúteis e a plateia pede festa.

O orangotango está dormindo.


Nas suas costas há uma bandeira e há um manto,
Uma bandeira onde as estrelas florescem
E a noite nunca é escura nem fria.

De tão, de tão escondido


Todos se perguntam: “onde está ele?”
Terá sido substituído por um rato? Terá
Valido a pena a entrada ao parque?

Depois de um tempo interminável à plateia,


Ele se levanta e em pouquíssimos passos
A bandeira cai revelando seu semblante,
O rosto é amassado, seus lábios nas pontas
Se abaixam...

O homem da selva nos olha,


Caminha desengonçado e majestoso até as grades,
E ao chegar perto junta as mãos,
Lentamente no peito junta as mãos.

“Parece um homem” – diz uma velha. “Com esse manto


Parece um daqueles mendigos bem velhos” – diz um outro
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E ri um jovem para disfarçar a tristeza
E todos juntos tentam rir.

O orangotango olha as grades,


Tristemente olha as grades e nem
Consegue, fazer caretas.
Apenas olha, olha o céu além das grades.

O homem da selva, o prisioneiro, o pula-galhos


Com seu manto
Marrom e desgastado,
Retoma finalmente o seu passo majestoso...
Por um momento olha a cada um - os jovens
Os velhos - e logo se volta a si mesmo.

E dessa vez ele se aproxima da parede


E comprime sua cabeça na parede
Arrastando-se de um lado para o outro na parede
Sem jamais conseguir
Parar de sofrer.

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Araras nos galhos –
Quando pego uma das frutas
Fogem para sempre.

43
Os excluídos

Em um canto do funeral se reúnem eles, aqueles que a família não quer


que o morto veja. Dois gays, uma mulher de pele mais escura, uma mãe
solteira, um homem sem perna, um assaltante falido e um velho com
Síndrome de Down. Eles não têm nada a ver um com o outro, além
do fato de estarem escondidos dos olhos do morto.
Lá, nessa região sem tempo nem espaço, eles passam as luas e sóis
contando histórias sobre desgraças eternas e alegrias fugazes. Até que
o velho, aparentemente bem morto, e ainda com o terno do seu
primeiro trabalho, de tanta raiva sai pulando do túmulo. Do seu túmulo
já coberto de flores murchas e fezes... “Vocês deveriam estar no meu lugar!”
“Vocês deveriam estar no meu lugar!”

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A mulher de olhos turvos

E saindo do zoológico cheguei em um edifício em ruínas, onde uma criatura


uivava, não para que a salvassem mas para que fosse ouvida.
E ela gritava “Mamón!” “Mamón!” como se isso pudesse ser entendido em
todas as línguas do mundo.
Ela tinha os cabelos longos de quem deixou que cortassem cada um dos seus
sonhos, olhos enormes e enrugados de quem nunca desgrudou os olhos do
sol e do escuro completo. “Ela vive para queimar-se”, uma vez disseram,
“passa os dias contado aos berros as desgraças das suas existências na terra.”
As ruinas são como mãos que apontam para o céu, as nuvens sobre o prédio
como gigantescas algas-fantasmas. Já as paredes formam labirintos de coral
carbonizados, negros e cinzentos como os olhos dos mortos. E um dia, já faz
décadas, quando ainda ninguém ia lá, um aventureiro achou um risco
estranho numa pedra. E então levantou essa pedra. E então da pedra saiu um
gás e um pedaço de rim carbonizado. E então olhou com medo e esperança.
Era uma antiga sepultura, daquelas que não se fazem mais hoje e que
pertencem às religiões sem deuses.
E desde o grande terremoto muitos começaram a ir para lá, com pensamentos
feitos ao longo de milênios de vidas. As ideias formam o mundo. A injustiça
é o eixo de todos os males. Apenas a cura da pobreza cura a alma. O salário
do pecado é a morte. Depois desta vida seremos morcegos, gatos e baratas.
O sentido precede a existência. Tudo porque na louca sentiam que iriam
encontrar a verdade.
Mas “Qual o sentido do universo?” – gritavam quase uivando para a velha-
jovem de longos cabelos. “Mamón!” “Mamón!” era só o que cantava, e seus
ecos ressoavam no universo...

45
E vamos para a periferia do mundo
E vamos para onde os loucos devoram suas unhas
E as fezes e a urina cobrem as calçadas
E homens cavam com mãos nuas os minerais mais venenosos
E o sol escapela a pele em canaviaais infinitos
E onde palafitas flutuam nos mangues eternos
E favelas esperam o dia do incêndio final
Os rostos dormindo nas rodoviárias da desesperança
E vamos para onde o trabalho é a vida e a vida
Um breve descanso
E para onde as prisões acumulam o que o corpo despreza
E para onde famílias no campo ainda possuem escravos
E mulheres golpe a golpe são transformadas em fantasmas
E onde os sem teto procuram a gordura dos ossos no meio da noite
E onde os pretos, índios, travestis e crackeiros
Revezam o dia em que vão ser assassinados,
E vamos, vamos vendo as mortes em vida dos que nunca nasceram -
Aqui aquele que dormia já não pode mais dormir.

46
O lado escuro da lua

O que há no lado escuro da lua?

Nas ranhuras das paredes nas pontes nos pobres


Nos hospitaais nos horizontes nas horas dos loucos
Pontilhões presídios planetas rodando patinando
Terremotos terroristas meteoros terminaais tsunamis

A lua pouco a pouco se aproxima,


Vemos figuras como cicatrizes na pele,
Os ônibus saem do sonho deixando o vazio
Os corpos cansados
Tentando em vão encontrar sua alma...

Nebulosas Nostalgias Notívagos Neblinas


Ululante sumo do ser uno destruído
O som-sonho submerso da serpente soterrada
Zuumbido azuul no zigoto que sussurra
O O OO para dentro
Na insônia de toda uma vida,

A lua pouco a pouco mostra a ferida,


O orifício do mundo pouco a pouco se expande,
Da prisão ao mais fechado condomínio
E do asfalto ao asfixiante mar aberto
Sobe o vapor que cobre o mundo,

Neuroses Paranoias Hipocondrias Histerias


As rachaduras os ranhos as ranhuras
Pichações manicômios piercings privadas infinitas
Nos subúrbios nos poços nas perifas nos dejetos
Tudo grita tudo cala tudo explode como um dique
Explode lua toda escura enquanto vamos para ti

47
Luz da lua rodeada de escuro
Assim também são nossos anos
Vistos do momento em que nascemos.

48
A parteira

“Pai, quantas vezes não quisemos


Explodir este sol?”

Oh, a parteira se virou para nós


E disse: “Vamos, já é hora de despertar”
Uma nuvem negra passou na nossa frente
E disse: “Oh, já é tempo de começar a competir”
E nós, que ainda não nascemos
Que apenas chutamos a barriga
E murmuramos palavras placentárias
O que fizemos para receber esses maus-tratos?
Ah, por que matar suicidar-nos
Roubar tudo o que nos negam
E lutar pra ser amados?
Mas a parteira, a nuvem e uma fila
De fetos bem vestidos se viraram
Para nós e responderam: “Mas vocês,
Vocês são tratados tão bem! As pedras,
A lua, os vulcões, o oceano
A eles sequer foi dada a chance de nascer!!”
E eu abri os olhos e não só já tinha nascido
Como atravessado o purgatório – a nossa infância
E estava nas portas de um terreno abandonado
Fustigado pela chuva e pelo barro de outras eras...
Casas, preconceitos, filas de loucos bem vestidos,
Igrejas, escritórios, edifícios de onde repteis se jogavam
Tudo, tudo o que ao abrir os olhos para a luz
Me pareceria uma noite fria e espessa,
Me era apresentado como o arco-íris de mil cores...
E eu caminhei então pelas ruas de cimento molhado
E eu vi os cortejos de máscaras em formato de rins
E vi os palhaços que afirmavam que a terra era uma régua
49
E vi os banquetes em que se servia a carne dos vivos
E reis que eram escravos e escravos com escravos
E os sonâmbulos a nos pedir muitos conselhos
Sobre como abandonar os seus filhos...
Por tudo isso, sim, passei a me fechar nesta torre
E a ver da janela o mundo e seus arranha-céus infinitos.
E por tudo isso da janela eu passei a gritar,
Para aquela que me tinha trazido a este inferno cor de rosa:
“Parteira, por que trabalhar 8, 10, 12 horas
E acordar às 7, 5, 4, e por que
Ter que arranjar carro, casa, filhos, dívida de banco
E esperar cinco ou seis dias
Para que possamos voltar para o tempo, nossa essência?”
“Por que, parteira, entre tantos caminhos
Temos que escolher só um deles, ou então
Ser forçados a viver no iceberg em que viemos
E ver naqueles que surgem aquilo que perdemos?”
“E por que há tantos que caminham sem sombra
E que não sabem que possuem pesadelos
E que não sabem que morrem nem que vivem
E não entendem que são o próprio tempo?”
Calmantes, psicólogos e as malditas energias
Dormir cedo, exercitar-se, só comer o permitido
O progresso, os edifícios, os inumeráveis
Suicídios,
“Por que, por que fomos obrigados a nascer
Neste mundo que não nos pertence
Neste açougue que mata nosso tempo, nosso corpo e nossa alma?”
“E por que esse eclipse em que o sol colide com a lua?”
“E por que esse eco que de sonho em sonho se esvai?”
“E esse túnel esse navio infinito em pedaços
Que se afunda nesta noite sem estrelas?”
Até que os anos vão passando passando
E nossa boca se cansa dos silêncios sem resposta
E nossos pensamentos não conseguem mais pensar
E, enfim, queremos descer da torre para o barro,

50
Mas as nossas pernas já estão muito cansadas...
Oh, a parteira se virou para nós e disse
“Já é hora de voltar a despertar!”
Uma nuvem negra passou na nossa frente
E disse: “já é hora de parar de competir!”
E, então, da penumbra, a parteira e a nuvem sussurraram:
“As pedras, a lua, os vulcões, a tempestade
¡Não tiveram sequer a oportunidade de nascer!”
E uma fileira de fetos não nascidos agregou:
“Todos eles já querem, já ordenam
Que vocês se dissolvam, se transformem
Numa parte dessa
Infinita pupila que não sente a si mesma.”

51
Niebla que calla las estrellas
Acá – donde nací hay un entierro:
Desierto sueño playa blanca
Insomnio donde duerme la esperanza.

52
Ah, desde a penumbra aquilo me chama
E meus pês vão cada vez mais rápidos, ansiosos
Como um elétron atravessando espelhos entre os mais distantes
Planemundos,
E meus pês então abrem a porta
De cada vida que em cada loja ou ponte ou varanda solitária
Me grita em aterrorizante silêncio,
A cidade com suas luzes esgotos hospícios e palavras que voam
sem asas pelo ar
Com suas pupilas sem placenta seus colégios inundados seus
relógios fantasmas
E com seus prédios sem sombra orgasmos clandestinos e seus becos
Invisíveis,
Sim
Vai tudo me absorvendo para fora,
E eu encaro, um a um,
Os olhos do mundo que se abrem e se fecham sem cessar.

53
Dia após dia,
Como uma funesta maldição,
A cidade cresce e a alma diminui -
Os olhos se voltam para trás,
E mais além de todos os prédios
O horizonte continua sua fuga...

Anúncios do tamanho de edifícios,


Pessoas com vozes de garganta perfurada
Os príncipes da bolsa e os mauricinhos da favela,
Os bonecos que não sangram e nem precisam respirar,
Todos eles dia após dia se reúnem
E nos transformam nos reis
Da melancolia.

Sobre a ponte há um negro arco-íris


Um mar de corpos que se afundam nesse céu,
De academias, lábios inchados e chicletes de borracha,
De carros fantasmas, escritórios e fábricas de ossos triturados,
E, enquanto a cidade cresce e a alma diminui
Eu tento no deserto encontrar
Os ecos das crianças que se foram.

54
As pessoas solitárias, onde andarão?
A senhorita Rita, com seus quarenta anos
Nem velha nem jovem, sem filhos e sem namorado
Acumula incensos e profecias do I-Ching
Enquanto passam os anos e ela
Se arrepende dos pecados nunca feitos.
Já o Zé Carlos, nem adolescente nem adulto,
Negro com seus cabelos de conchas lunares,
Busca um lugar e um tempo onde estar,
Um espelho onde ver o seu reflexo
Do pai que nunca teve. Da mãe
Doente de uma melancolia perpétua...

As pessoas solitárias, onde, onde andarão?


A tristeza escorre para os bueiros que levam ao nada
Os prédios brancos matam as pombas
Pelo vazio ofuscadas, e no hospital todos juntos
Morrem separados... Vou
Vou entrando pelas ruas do mundo,
E vai nevando pelas ruas do mundo,
Enquanto tudo está solar e silencioso entre os edifícios...

Ah, lembro, lembro bem daquela tarde.


Eu estava alegre e vi um mendigo que cuidava de cachorros e gatos,
Ele me falou que não estava só, que tinha eles.
Seus olhos eram tristes, suas mantas que o cobriam
Bem sujas, mas, como contradizê-lo?
E então ele me indicou com o dedo e falou
“Lá, mais além do horizonte, há uma pessoa realmente solitária”,
E eu me adentrei entre mais prédios e ruas
E eu me adentrei pelo vento e chuvas e neblinas
Até que achei a menina que ele tinha falado,
Ela era cega e não podia sair do seu quarto
Não via a chuva a neve ou a mim... Mas
Ela cantava, falava de Deus, de tudo o que estava com ela.
E então segui e segui, e vi um homem que chorava a morte da esposa,
55
Desde adolescentes estavam juntos, ele era inadaptado ao mundo
E ela também. Mas entre urros de dor ele falou
“Pelo menos fui feliz, não todos
Tiveram a felicidade que eu tive.”
E não sei por que eu continuei, juro
Era como o redemoinho de um sonho
Como mil olhos que se abriam e fechavam sem fim
Não sei com que propósito ou forças segui e segui
Enquanto o vento sibilava em meu ouvido...
Foi quando cansado cheguei na praça de plantas desiguais
E os pássaros se reuniam na cabeça da louca
Que tentava e tentava
Falar com o espírito da neve perpétua.

56
Encontro meu amigo, o Jonas - músico,
Poeta, e quase sempre desempregado –
E vamos caminhando como quem sobe e desce
Por um bonito inferno... As ruas
De São Paulo e seus tentáculos de milhões de pensamentos
De sóis com depressão e prédios de almas sem janelas
E de esperanças e de amores infinitos como esse céu de fumaça...

Os grafites aumentam de tamanho,


Os ônibus tropeçam com o peso do mundo,
Cada vez mais gente, mais entusiasmo e desespero
Um pedinte quer nos contar suas histórias de como saiu da prisão
E de repente de novo a calmaria,
Estamos numa rua inclinada e só vemos os grafites
O grafite de um astronauta com uma caveira na mão
O grafite de um menino que abre num muro um arco-íris
O grafite de uma mulher negra que para o Brasil...

“Estamos chegando, você sabe que não sou bom


Para me localizar no tempo-espaço
Mas estamos chegando, Gonzalo”

E ele então me fala da última que estava saindo


(“Ou eu ficava com ela ou com minha vida”)
Da vida tocando cavaquinho em bares obscuros
Dos últimos poemas feitos e não publicados
Da sua família que o vê como um louco
Enquanto agora só descemos e descemos,
Comércios lotados, ruas sem saída e mendigos no chão
Risadas, cheiro de maconha, copos de cerveja indo e vindo
Enquanto eu lembro da história que ele me contou
De como com seus dezesseis trabalhava em um McDonald’s
E recebeu uma promoção por seus hamburguers por minuto
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E de aumento teve o direito a um hambúrguer de janta
Tudo, tudo até que leu Kafka por recomendação de um amigo
E viu que ele era a barata do Kafka, sua família
A família da barata, e então saiu do emprego e
Por dois longos anos
Ficou sem falar...

Chegamos enfim na Santa Casa


Branca como se escondesse seus mortos
E de lá o que eram sorrisos ficaram sombras de sorrisos,
Meu humor alegre de repente parte rumo às trevas...
“Espera aqui, já volto, acho que só são duas filas”
Meu humor, ele é como o céu que de repente escurece
E o cheiro limpo de morte me traz os olhos turvos da Deusa
E os pensamentos voam como moscas que devoram seu amo.

Os executivos só estão vivos um dia da semana


Os religiosos são crucificados pelas próprias fantasias
Os estudantes repetem cinco frases em seis anos sem sair do lugar
Os defensores da arte e da moral a vendem quando podem
A natureza ordena: coma e logo serás devorado
E as crianças em vão estão em busca
De uma mãe ou de um pai a quem seguir.

Que neve é essa


Que sem nevar cobre nosso caminho, nossa vida? Que entristece
Nossos céus de maior intensidade? As janelas
Dos edifícios parecem estar cobertas de neve cinzenta
Os corpos precisando se livrar desse frio, desse estranho calor
Dessa busca incessante por dar um sentido às nossas semanas e anos

“Oh Gonzalo, está tudo bem?” – Pergunta rindo meu amigo,


Suas bochechas querendo saltar do seu rosto.
“Já peguei o exame, foi bem rápido né,
Se a gente chegar a tempo ainda pega um samba no CRUSP.”

E então atravessamos o mesmo caminho


Chegamos no mesmíssimo ponto.
Pegamos o ônibus, e vamos de volta
Ele mora na cidade universitária, na decadente
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Moradia - cheia de mortos vivos e de anseios infinitos...

Depois de uma hora descemos. Está


Um frio suave, as estrelas
Começam a brilhar no céu azul escuro.
Para chegar lá, que parece agora longe como os astros e as memórias
Passamos pela praça estudantil, onde há um grande relógio.
E Jonas, em frente à torre do relógio - uma poça embaixo e a lua
Refletida -
Me diz: “quer ouvir um verso que fiz ontem, Gonzalo? Só ainda
Não arranjei poema ou canção para ele.”
E ele faz uma pequena tosse fingindo vergonha:
“A morte, a morte é o ponteiro do universo.”

59
As almas que cedo se levantam

O cansaço do mundo não pode vencer


As costelas acostumadas às chibatadas do céu.
Elas sempre terão de ser mais fortes
Que essas milhares de lanças e teias de aço
E que essas vozes que dos alto-falantes das nuvens
Ordenam a todos que sempre obedeçam.

Os patrões, o governo, os impostos


Os ônibus que partem tarde e chegam tarde
As filas, os bate-pontos, as dívidas famintas e as escolas
Construídas com merda,
Os mil olhos de cada olho que passa
Os bandidos, a polícia, os hospitais, as mil doenças
Os fazendeiros, os altos funcionários do governo, os banqueiros gloobaais,
Tudo o que está acima e que por isso nos oprime
Tudo o que entope nossas veias e dilapida a alma dos relógios
Tudo o que mata enfim essa nossa alma animal
Essa que quer bocejar e cagar quando bem lhe der vontade...

Temos que levantar cedo mais cedo que os mortos


Afastar os pesadelos como matar uma mosca
O sol tem que entrar como uma bola de luz
Rápido, rápido, pois nosso ônibus e nossa vida
Já devem partir. Rápido, rápido
Pois nunca decepcionar nossos filhos, esposas, esposos, colegas, patrões,
pastores, presidentes...

“Ele disse que tinha que ir à academia


Uma hora só, uma horinha, depois para a empresa
Uma viagem para São Paulo também, no carro da empresa.
Eu gosto, ele disse. Depois só
60
A aula de inglês, porque temos sempre que evoluir e
E prometo que ao voltar vou fazer com o Lucas todas as tarefas
Matemática, química, biologia, português
E aí podemos dormir.”

“Quando a gente tem filho, sabe


Nossa vida não é mais nossa vida
O nosso suor sempre cai em duas gotas
O nosso feijão se divide em dois
E ainda assim, fora de casa, o mesmo trabalho.”

“Tú não sente sono? Eu sinto sono.”


“Oxê, desde que nasci, olha esse sol
Até ele está durmindo e nóis
Nóis aqui tendo que esperar o ônibus quebrado
Para limpar o cocô da patroa
E o sol lá em cima durmindo.”

“Mas que horas sai mesmo o ônibus? Eu sonhei hoje


Que meu cachorro se enrolava a meus pés
Ele pedia carinho, eu não lhe dava atenção
Seus olhos estavam nos meus, sentia que o matava.”

O trovão ouviu-se uma vez e apenas uma vez,


E a juntadora de segundos sorriu maliciosa,
E o céu violáceo se mostrou como uma fonte de esgoto,
E eu vi multidões perseguirem o horizonte,
As pessoas olhavam as nuvens procurando o criador
E havia uma grande partida de xadrez no alto do céu:
“Quanto mais eles têm que se esforçar?”
“Doze horas, doze horas por dia seis dias por semana”
“Dinheiro não dá felicidade, trabalho dá felicidade, entende?”
“Sim, as roldanas precisam das mãos livres que as puxem,
Todos devem amar as roldanas do infinito.”

Vamos, vamos, mais um dia


Que falta um dia entre tantos nos pode fazer
Que falta faz um dia faz um ano?
Amanhã, amanhã tem outro dia
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Cinco, cinco da manhã, ainda é noite e o que importa
Vamos, vamos, o coelho escondeu para sempre o ovo da alegria
Nossa mãe e nosso pai sempre viveram assim,
Trabalhando, esperando aposentar, esperando
Uma sorte melhor para seus filhos -
E o ônibus pode atrasar, pode atrasar toda uma vida
Mas nós, nós nunca podemos perdê-lo.

62
A canção da enfermeira

Depois de trinta doentes eu tenho um plantão


Mais de dez horas até as seis da manhã.
Às vezes nelas eu vejo só pacientes
Com alergias ou viroses,
Mas em outras fico com aqueles
Chamados terminais. E lá
Escuto histórias e gemidos
Que chegam até meus pesadelos.

Fico doente às vezes e só dessa forma


Consigo descansar quando estou fatigada,
Um atestado como um sopro de vida...
Minha mãe me falou, “Filha
A vida é tão bonita, deixa essa vida...”
E quando eu falei que não podia,
Que era o único que eu podia fazer,
Ela disse, seguindo a moda
“Filha, então faz terapia.”

E é por isso que agora


Tenho que fazer um plantão extra no sábado de noite,
Pois doutora, não é barato fazer terapia
E nem sustentar minha mãe com dor na coluna
E nem minha filha de seis anos com pai ausente
(A qual quem cuida é minha mãe com tantas dores)
63
E nem são baratos os trocados pra igreja.”

E então eu continuo contando


Da minha mãe e suas queixas infinitas
Da minha filha e da minha ausência
Do meu ex-marido que só me liga ao querer minha carne
E só depois de inúmeros minutos
Vou me focando no que me trouxe até aqui:
“Doutora, cada vez mais eu tenho
Pesadelos, os doentes me perseguem,
Eu acordo com suas vozes em volta.
Mas, na verdade, o que não me deixa dormir
É só um único homem.”

II

Tinha, doutora, um velhinho


Na verdade não tão velhinho,
Mas bem perto da morte
Que há dias ou semanas eu cuidava às quartas e sextas de noite.

Mal e mal ele podia respirar


Tinha uma perfuração no pulmão esquerdo
Devido a um câncer causado
Por cigarros ou por falta de sorte.
Numa noite, numa noite funda como todos os silêncios
Estávamos só ele e eu, eu e ele, sozinhos
Entre inúmeros leitos sem corpos, e entre
Pouquíssimas luzes acessas.

“Quantos dias faltam?” – me perguntou de repente


E demorei pra responder, demorei pra processar
E quando me virei seus olhos estavam fechados
Ele respirava, mas parecia no mundo das sombras.”

Mas então, naquela noite


Eu estava cansada e fui egoísta
E fiz algo que nunca irei esquecer.
64
Era a terceira pessoa
Que naquela semana eu veria virar sombra,
Meus olhos já não aguentavam tanta noite
E fiz algo que nunca irei esquecer.

“Vou te contar, senhor, o que sinto


Te contar o que do mundo descobri.
Talvez seja o último que escute, senhor.
E sei que era melhor escutar uma música bonita
Ou sobre a beleza da vida
Ou sobre seus filhos e netos.
Sei que essas eram as últimas palavras
Que você gostaria de ouvir.
Mas estou cansada, bem cansada
E vou falar um pouco de mim.”

III

Doutora, como poder apagar as palavras


Quando são as últimas do livro da vida?

“Senhorzinho, eu queria pensar mais na minha filha


Pensar na escada que ano após ano vai subir,
Mas, ultimamente, não consigo... Estou obcecada
Pelos gemidos dos enfermos. Adormeço
E escuto como vocês me sussurram
“Queremos você Adriana, queremos ser parte de seus sonhos”.
E quero e não quero escutá-los meu deus!
E às vezes não suporto e eu sinto
Que devo deixá-los...

Minha filha, sabe, às vezes fala brinca comigo


E vejo, na minha frente, uma cabeça que rola.
Na fila, todos têm olhos vazios
No ônibus, todos parecem fantasmas ou sombras
O pássaro que passa a voar está sem vida
E o ar que respiramos cheio de fezes e sangue.
“Filha, desliga esse ventilador”, eu falo pra ela
65
Pois parece que ele quer nos decepar
E já ouço, ao longe, as vozes me chamando de louca...

O mundo, sim, se revelou para mim como é


Gente já morta e gente morrendo,
Gente sangrando e gente sem sangue.
Estou na terapia, senhorzinho
E ela me fala pra abandonar o hospital.
Mas não, não consigo... Os olhos de vocês me imobilizam
São como os ecos em um quarto escuro
E eu gritando em frente do espelho... Por que
Por que vocês fazem isso? Por que
Não partem de uma vez?”

Aquilo, acho, foi demais para ele.


Soltou um gemido sem som, um olhar sem olhar
E as luzes, ao longe, se apagaram...

“Doutora, como se curam as feridas


Daqueles que não podem mais sangrar?”

66
O conto do senhor moreno de olhos verdes

Estava acabando a cerveja quando ele apareceu,


“Moço, há mais de quinze anos procuro um emprego
Já fui do exército e também já fui bandido,
E trabalhei dez anos como caixa
E de repente cheguei a ser gerente
De uma loja da Magazine Luiza.
Mas, senhor, eu tinha uma esposa
E ela me fez sonhar e parar de sonhar
Se é que você consegue entender.”

A praça está repleta de bebuns


Cadeiras se espalham pelos bares, todos juntos,
Mas nenhum parece tão sábio como esse.
Eu pago para ele um chope,
Seus olhos verdes e sua pele morena ofuscam o dia.

“Minha mãe, sabe


Ela não me abortou e eu nasci,
Eu tinha uma irmã e um cachorro,
Meu pai bebia muito mas era um bom pai,
Foi numa casa bem simples no dique onde nasci.
Até que um dia minha mãe me falou
Vamos embora, Everaldo, seu pai
Ele com outra nos traiu.”

E foi aí que minha segunda vida começou,


Esta que você vê é a terceira.
Minha mãe chorava o dia todo,
Às vezes vinha algum homem
E ela por uma tarde ficava a sorrir...
Era uma vida dura. Ela trabalhava
Vendendo umas camisetas mais ou menos
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E trabalhava cuidando da casa e da gente
E não tinha tempo para si.

Minha irmã logo se perdeu. Fumou


As pedrinhas e para sempre se foi.
Digo, se foi para algum lugar destas ruas...
E o cachorro, ele ficou até bastante,
Mas morreu meio cedo como todo cachorro.
E eu decidi ser um bom homem, sabe
Não queria repetir o meu pai ou minha irmã.

Entrei pro exército, o sargento


Disse que não tinha nada mais democrático que o exército
E eu não entendi nada mas lembro dessa frase,
E lá eram ordens todo dia, tantas ordens
Que eu não pensava nos sonhos que não tinha,
No preço da comida que subia dia a dia.

Mas o exército enfim me expulsou, porque


Porque por cem contos... bem
É só o que falam... por cem contos
Eu dormi com um sargento.

De volta à casa da minha mãe


Ela já era algo velhinha e reclamava
Da TV quebrada e da falta de filha.
Quem começou a chorar então fui eu
Homem não chora, milico não chora
Mas eu chorava toda noite.

Por isso comecei a vender sonzeantes,


Eu tinha vinte e três anos
Meu amigo de bebida me disse e eu fui.
Foi uma época errada mas boa,
Vendia maconha e fumava com meus clientes
E começava a beber desde as nove da manhã
Nunca vi o dia tão claro como naqueles tempos...

Nisso ele acabou o chope.


“Mas é uma longa longa história
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Vou te deixar viver, meu jovem.”

“Eu te pago mais um chope! – falei quase gritando –


“Te pago mais um pra você acabar de contar!”

E já com o chope nos lábios ele volta a contar:

“Um dia a polícia deixou tortas estas pernas


E por dois anos entre grades sem vento fiquei
Onde por fim eu conheci o senhor, o senhor incorruptível
Que cuida dos bebês sem mãe e dos pecadores sem moral
E comecei a pregar.

Quando saí abri uma igreja pequenina


E juro que eu teria sido um grande pastor
O povo gostava das minhas tristezas.
E juro que eu teria uma família numerosa
Com muita fé, dinheiro e templos em muitas cidades.

Teria... Se não fosse pelo poderoso pastor Ismael


Malafossos,
Que com os mil olhos e braços do seu templo
Bombando Jesus no Coração,
Fez que os traficantes me ameaçassem:
Ou eu fechava meu cantinho de Deus
Ou minha cabeça apareceria rodando na rua.
Todos os templos do bairro e da cidade deveriam ser dele.

Nunca soube que grande concorrência eu era


E foi assim que perdi minha chance de estar com Jesus...
Mas pelo menos no tempo bom de pastor
Foi que conheci minha mulher, a Zelinha
De olhos mansos e voz suave,
E uma das crentes mais fervorosas da igreja...
(Falo mulher, e sei que já não é, que é ex
Mas para meu coração mulher sempre será)
E então ela convenceu o seu chefe, o Manuel
Para que eu trabalhasse com ela no serviço
E lá, pouco a pouco, em dez anos fui subindo de cargo.

69
Eu tinha quarenta e um anos e fui gerente
Da seção de cuecas de uma loja da Magazine Luiza.
Eu tinha sonhos, acordava, comia e transava feliz,
A gente falava em ter filho dia sim dia não.
Tudo até eu descobrir que ela estava
Se deitando com um pastor
Da Bombando Jesus no Coração.

Não, não me separei mas fiz pior


Comecei a beber todo dia
E comecei a amaldiçoar Deus Jesus e Maria
E comecei a tratá-la como a um cachorro
Que queremos jogar para a rua mas não conseguimos
E bêbado caindo no chão a chamava aos gritos de puta
E por fim ela que não era trouxa me largou
E por fim me demitiram da Magazine Luíza
E por fim eu fiquei nas ruas, deprimido
Bebendo cachaça e cerveja, dormindo no frio das ruas
E perdi pequenos empregos que depois consegui
E parei de sonhar, às vezes parei de dormir
E fiquei com vergonha de voltar pra casa da mãinha
E faz quinze anos que bebo o tempo todo
E faz quinze anos que procuro um emprego,

Moço, se você tiver qualquer serviço, eu


O senhor moreno de olhos verdes
Estarei pronto pra servi-lo.”

70
O homem da casa com piscina verde

Com meus quinze anos comecei a trabalhar,


Meu pai era mecânico e minha mãe dona de casa,
Aprendi desde bem cedo a querer os céus mais altos
Onde as casas possuem cinco carros,
Onde os portões possuem militares,
Onde as mãos te sorriem quando passas
E onde tudo a cada ano é trocado.
Eu não queria que me olhassem como olham a meu pai
Com orgulho - mas com algo de outra natureza...
Pois a pena
A pena é a irmã do desprezo...

Por isso fui seguindo a lógica divina dos pães multiplicados...


Venda canetas compre um estojo, venda
Estojos, compre uma banquinha e depois uma franquia.
E sabem, sabem o que mais?
Li muitos livros importantes, ler é tudo
“Como fazer amigos e ser influente” foi um deles.
Ali eu aprendi a ser vendedor de mim mesmo
E a me rodear de gente sem lágrimas nos olhos
Que seguem em frente sem olhar para trás
E sempre são como Jesus
Como um grande Jesus empreendedor.

Fui assim juntando, juntando dinheirinho


E de vendedor de uma loja de tênis
Fui trabalhar na Microcamp nas vendas
E depois na mágica Wizard nas vendas
E quando eu vi tinha uma boa poupança
Como quem junta gravatas e sonhos.

Assim comecei a trabalhar 60 horas

71
E a usar só quatro roupas por semana,
A ler antes de dormir sobre inversões
A ser um mágico dos sorrisos vendíveis
Eu era pobre mas tinha alma de rico.

E então com 33 anos, a idade


Da morte de Cristo,
Eu comprei o restaurante “Boi Quentinho”
E com esse restaurante
Eu comprei o amor da minha esposa,
E com esse amor
Eu comprei tantos amigos e influências
Que abri franquias em mais de sete cidades,
Até mesmo meus amigos do governo me ajudam.

Comprei uma casa num infinito condomínio


Comprei estátuas dos gregos, comprei cinco carros,
E agora há soldados nas portas
E agora me cumprimentam quando passo
E agora eu estou no céu mais alto
Todos têm orgulho e nunca pena de mim.

E sabem, sabem o que mais?


Minha maior glória é esta piscina
Ela tem 50 metros de comprimento e 30 de largura
E mandei que colocassem nela um verde pigmento
Para que ela fosse da cor do paraíso,
- Colinas verdes, sempre verdes –
E para que eu sempre me lembre
Que tudo com o esforço se consegue.

Mas, mas não sei por que justo hoje


Ao olhar estas águas tão verdes
- Verdes como campinas sagradas
Que se juntam ao céu –
E segurar já afetado uma taça de whisky,
Eu tive minha primeira crise em anos.

Minha mulher às vezes reclama


Que eu não tenho tempo pra cama,
72
Minha filha às vezes me fala
Que é como se fosse pelo trabalho trocá-la,
Meus pais faz anos que não vejo
E no fundo, admito, nem desejo...

Sabem
Eu tenho uma piscina de águas verdes
E eu tenho raízes cortadas.

73
A insatisfeita

Da janela ressoam os cascos de cavalo,


As conchas sobem para a superfície das águas
E as algas se grudam nos corpos deitados nas rochas
Enquanto no céu as sombras humanas
Alongam suas mãos para as paredes.

Ela se espreguiça de seus sonhos,


Levanta de leve o lençol branco,
Procura algo que não está a seu lado.
Dos prédios chega um barulho de folhas e riachos
Vozes humanas que buscam as ondas que rebentam,
Pássaros que se divertem na euforia da manhã
Sombras compridas que se movem atrás das cortinas
E, ao longe, bem ao longe, os cascos dos cavalos...
Ela, ela está nua e como uma menina anseia
Que mãos robustas lhe tragam a chuva
Que elas lhe rompam as membranas do infinito
Em sons e cores que explodam para dentro.

Como quem olha em volta e não vê nada,


Ela olha o marido e volta a seus sonhos...
Ela nada em um lago de águas paradas,
O vento traz um cheiro distante de mar,
As conchas estão finalmente abertas
Mas secas nas areias em volta.

74
A amante

Deita-se em seu leito um sonho exausto


Muitas vezes já encenado entre nuvens de algodão
E pedaços esfarrapados de carne e esperança
Enquanto o crepúsculo canta como um hino
A ecoar seus tristes lamentos pelo vento.

O rei está distante e o marinheiro faleceu.


Sobrou-se o corpo nu e a espera
A espera, a renúncia e um homem
Que talvez jamais irá juntar o sexo
À sua insaciável solidão.

Poucos afinal conjugam esses dois


Em uma única peça de vestido.
E a sua voz trémula suplica uma trégua
Um deitar-se eterno a seu lado
Enquanto o crepúsculo canta como um hino
A ecoar seus tristes lamentos pelo vento.

75
As mulheres que apanham

Das janelas ouvimos seus altíssimos sussurros,


Elas nos contam histórias de raptos
Cicatrizeis, suicídios e brutais assassinatos.

Algumas apenas existiram


Algumas não amaram
Outras
Traíram
E outras ainda iniciaram a peleja.

Mas nenhuma
Merecia aqueles golpes.
Nenhuma
Merecia ter seu canto
Transformado em uma queixa eterna contra as águias.

76
La chica que en una discoteca está vestida de negro

Ella es flaca y está vestida de negro,


Su piel es blanca y su pelo bien negro,
Lentamente ella toma su trago
Y como una zombi ella mira a la nada.

Lo que le falta y no le falta en su vida,


Lo que falta y no falta en la vida,
La ausencia y el exceso,
Todo juega en sus labios como un planeta que cae.

Yo salía con ella hace tiempo,


Y ahora evita conmigo conversar
Porque no la vi como un amor,
Y ahora me parece un hermoso misterio.

Ella quizá piense en sus últimos novios


En la universidad donde se sienta en el gras a leer,
Quiere que alguien se le acerque
Y no tiene nada que decir.

Ella es flaca y está vestida de negro


Sensual como las hojas llevadas por el río,
Escucha el rock de jóvenes ahora ya viejos,
Es como yo a quién le gusta escuchar a los muertos.

En esta discoteca lo que fue y lo que podría haber sido,


Se refleja en el dulce amargor de su trago.
Y ahora sólo la miro como a una sombra amada
Mientras lentamente ella toma
Ese río invisible que nos mata.

77
O adolescente

“O que irei encontrar neste mundo?”

Ele coloca suas mãos para o alto


E dá voltas na cidade sem ponteiros
Tentando controlar seus pensamentos.
Os comércios, as empresas, as famílias
Parecem assoviar todos a mesma canção
Sobre a luta pela sobrevivência
E sobre a falta de vontade de viver.

Às vezes pode passar por ruas sem ver um sorriso


E quando finalmente o encontra
Lhe parece um sorriso bem idiota
Feito de piadas prontas de programas de TV.

Então, a cada dia e ano a pergunta lhe parece mais cruel


“O que irei encontrar neste mundo?”
Pois ele sente que não pertence a esse céu
Como uma nuvem escura num céu claro,
Como um morcego perdido num deserto...

Ao longe, ao longe o canto dos fiéis


Todos juntos entoando palavras sobre um bem que nunca viram
Tranquilos como se ninguém fosse pobre, ficasse doente ou morresse,
E os olhos de todos bem idiotas
Como as ameixas caídas no chão.
“Está tudo no livro, naquele, o único que lemos”
É o que parecem repetir...

E lá, nos escritórios, os rostos cansados


Concentrados nos profundíssimos problemas
Sobre impostos, juros, inversões...
E lá, nos shoppings, multidões em busca de uma roupa a quem rezar
78
E lá, nas favelas, pessoas que não tendo criminalizam a si mesmas
Tudo, tudo lhe parece um lodo, a humanidade um bueiro sem cheiro.

Sim, ele cuspiria em cada um se pudesse!


No senhor que manda o filho acordar às cinco da manhã.
Na garota que tira fotos de si mesma.
Nos seus colegas, que só pensam nas provas pro futuro.
Nas crianças, que brincam sem sentir o vazio das estrelas.
E cuspiria em si mesmo, por que não
Ao pensar que não tem como se encaixar neste mundo.

A mediocridade é a rainha das noites claras e dos dias escuros!


Obedecer, obedecer à contagem milimétrica do tempo
Viver para a sobrevivência e considerar que a morte não existe
Fileiras e fileiras de olhos fechados em cavernas de alumínio
Escolher só uma das sacolas e com ela se asfixiar lentamente

“O que irei encontrar neste mundo?”

Algum dia, sim


A velhice e a falta de hormônios pararão esse ódio
Essas obsessões, paranoias, pesadelos,
Essa reflexão de sangue violento e olhos fundos,
Tudo diluído no cansaço e na rotina
No sorriso esperto de quem já não agirá...
Mas, mas ele sempre saberá
Que nesse ódio, nessas extensas
Caminhadas
É que estava a verdade.

79
O som do estrangeiro

Migrar de cidade em cidade


De país em país
Para que uma língua no mundo nos entenda,
Nos embale em seus braços.

Buenos Aires, Nairóbi, Calcutá


Samoa, Alexandria, Lhasa, Sisimiut
Qual casa e que gente nos espera?
Somos como um espírito que migra pela noite
Somos como o rei dos fantasmas-morcegos.

Deixamos na porta de cada casa um ovo


Feito de mistério e luxúria.
Pois quisemos provar todos os prazeres do mundo
Que se escondem sob o vento que geme.

Conhecemos as cordilheiras e os vales


As selvas e os bruxuleantes desertos
Vimos onde as lágrimas dos suicidas se juntam
E onde as chamas do inferno nunca alcançam
Pois os risos em orgasmos florescem.

Rezamos nas mesquitas de homens surdos,


Subimos onde o eremita se perde em si mesmo,
Nos rios turvos capturamos o peixe já extinto
E abdicamos de todos os deuses disfarçados de homens
E de todos os humanos disfarçados de deuses.

“Eu toquei muitas praias e nenhuma


Profundeza,
80
Eu toquei profundezas e nenhuma
Real felicidade.”

“Eu toquei o âmago do humano


Eu senti as erupções das culturas e instintos e árvores sagradas
De todas as eras, ilhas, continentes e espíritos noturnos,
E eu senti
A maior felicidade
Que um coração pode suportar.”

São essas duas vozes


Que assaltam nossa alma
E nos deixam aturdidos
Como o vaga lume vendo o reflexo das estrelas,
Como as águas do mar atraídas pela lua.

Migrar de cidade em cidade


De país em país
Para não sentir as raízes que engolem
Nossa sombra,
Para não ver
O reverso do espelho.

81
Os que na vida nunca encontraram o seu lar

Em prédios fechados, em parques vazios


Gritam aqueles que depois de muitas guerras
Ainda não encontraram sua paz.
Ninguém ouve, mas eles estão lá.
Lutaram contra o tempo que flui, contra
Golpes que receberam nos quartos escuros ao nascer,
Lutaram contra a própria mente que só
Produzia melancólicos riachos,
E ainda não encontraram o seu lar.

Às vezes da varanda de uma casa


Cai uma fruta rumo ao chão infinito
E é uma alma que nunca encontrou o seu lar.
Uma senhora que não soube viver casada nem solteira,
Um senhor que nunca voltou a falar com sua filha,
De repente vemos todos caindo
Como as estrelas candentes atingindo o oceano.

Casas inundadas. Pinheiros pegando fogo. Arco-íris noturnos.


Há estrangeiros de si mesmos em cada sombra da noite,
Há fantasmas que buscam a aurora que não existe dentro deles,
E quando um deles vai embora, uma longínqua canção
Ressoa de alma em alma e de vazio em vazio,
“Seria justo ter mais uma chance.”

82
Os velhos, três tipos

Os velhos que jogam dominó olham o adolescente


E lhe lançam maldições de víboras egípcias
Enquanto os crentes rezam cânticos distantes
E os executivos se dirigem com pressa para a morte.
“Você não será mais feliz do que eu” – é o que dizem
“Se for, juro, eu te jogarei pela escada.”

Já os velhos filósofos, fumando, analisam o adolescente


Como um animal que só engatinha e caga aonde vai
E que pode contaminar todo o ambiente.
“Estou velho, tenha muito cuidado
Pensei muito no caminho desta vida
E valho mais do que você, teus pais e teus avôs”.

Mas os velhos bêbados, com uma raiva carinhosa


Lembram de quando andavam por cada resto de festa
Sem que seus órgãos e almas se decompusessem
A cada mágica aventura.

83
O órfão

Antes de nascer, já tinham retirado


As nuvens do seu ser.
Nasceu com um osso faltando
Com uma incapacidade de respirar todo o ar
Uma crónica pneumonia da alma
Um peso de pássaro morto em seu coração.

Já nos primeiros dias gritou: “Onde estão?”


E não ouvindo resposta passou a se ver
Como um fantasma no mundo dos vivos.
Tateava vultos nos amplos e brancos espaços
Buscava nas perversas estátuas sem rosto
O seu membro faltante.

Mas, mas ai daquele também


Que tendo os pais sobre a terra
Foi ainda mais órfão do que o órfão.

84
A estuprada

Assim como muitas, ela teve sua fonte


Sorvida pelo monstro egoísta do prazer
Antes que sua noite estivesse preparada
A uma troca consentida de prazer.

Por anos passou a lembrar do dia ou dias


Em que o namorado da mãe a forçava ou seduzia.
E por isso, para ela, o amor é um conto mal contado
Em que um vigarista tenta roubar o seu corpo
E separar a alma do seu corpo.

Às vezes, no entanto, a necessidade de amor


E a necessidade da troca de prazer
A impele em busca de outra sombra.
E nisso ela tropeça, pois confundiu o amor
Com o monstro egoísta do prazer.

85
Ode aos que jamais dormem

Quando os seres de coração tranquilo


Do trabalho ou dos estudos retornam,
Eles jantam e assistem TV e reclamam felizes
Até que os olhos deslizam a um céu sem matizes,
A um céu quase sem sonhos ou névoas,
De onde, como batizados eternos, renascem.

Mas há alguns, que mesmo em casa e confortáveis


Atravessam as cores infinitas do tempo e dos sonhos,
Atravessam seus espelhos e vazios perfurantes
Ou dormem e com tantos sonhos acordam
- Gritos de monstros e assaltos em ruas sem saída –
Que nunca renascem e portanto estão mortos.

Ouve, ouve a melancolia em seu estado mais puro


Sem as sombras do dia ou os passos dos vivos,
Os que tarde ou nunca dormem nos esperam
Sussurrando feitiços de um eterno retorno

Ouve, ouve a noite em seu estado mais puro


Sem os hinos dos prédios ou dos ônibus em fuga,
Os que tarde ou jamais dormem nos esperam
Sussurrando palavras confusas e claras como a suicidante verdade,

“Quem, quem são esses gritando entre os espelhos


Ou recostados em quartos escuros
Onde a luz da cozinha nunca chega?”

“Ele, o João Paulo, vive em um apartamento


86
Do tamanho de um andar, o pai
É dono de empresas milionárias
E pode lhe pagar uma viagem em volta do mundo.
Mas há um vazio, um vazio que percorre os espelhos
E ele fica imóvel, como um lagarto no escuro
Que destrói as cores da sua apática pupila.
Lá, lá atrás sua mãe não falou para seu pai
Que ela tinha com ele tido um filho
E o pai, ao descobrir, duvidou em assumir.”

“Já ela se esconde em inúmeros trabalhos


Não quer pensar no amor, na dor, nem na cor
De todas suas lágrimas sequer imaginadas.
Relatórios, metas, reuniões, listas de e-mails
Todo um mundo paralelo que ocupa
O coração da existência...
E o que ela é – aquela menina que não sabe quem é -
A deixará sempre acordada
Para que um dia, quando velha, possa achar a resposta...”

E a Bia, adolescente, escuta música alta enquanto dormem os pais


E depois joga LOL no velho notebook, e vê animes depressivos
E pensa que em minutos ou horas
Vai querer bater até a morte em alguém.
“Ela é borderline”, disseram pra sua mãe e sua avó
E ela sente um inconfessável orgulho
Enquanto tudo o que a rodeia vira preta fumaça
E ela pinta, mais uma vez, seus longos cabelos.

Já ele, o Tomás, está dormindo


E logo se desperta, grita, volta a dormir
E entra no escuro de mil olhos, e ouve passos ancestrais
E sombras que o puxam para o frio espesso e infinito
De onde nunca consegue acordar.
Ele atravessa e não atravessa as fronteiras do sonho,
É como um espírito sem voz nem ouvidos

87
Que não pode chegar nunca a outra existência.”

E lá está o João, o insone, o rei das atmosferas noturnas,


Tão diferente do João que ri com os amigos e joga videogame.
E ele tenta esconder o seu desejo
Insaciável de possuir o corpo da noite,
De anular os sete dias da semana, de anular
A própria morte.
E ele, o rei da insônia, toma café, toma jarras de café
Pensando no branco das paredes e nas longas
Masturbações com fantasmas.
Enquanto bate o coração
Por segundos que nunca
Completam um giro do relógio.

Ouve, ouve a melancolia em seu estado mais puro


Sem as sombras do dia ou os passos dos vivos,
Os que tarde ou nunca dormem nos esperam
Sussurrando a suicidante verdade,

“Nós, os de dentro, sabemos o quanto cansa o mundo


E por isso nunca descansamos
Nós, os desta noite espessa, sabemos o quanto cansa o mundo
E por isso nunca descansamos”

E em manhãs muito claras os que dormem se despertam


Mas eles, os jamais adormecidos
Veem fantasmas pelo resto do dia.

88
Após mais uma noite em claro caminho pelos bares,
Enquanto uma chuva fina cai sobre as sombras...
E junto aos bêbados velhos, o que vemos?
As prostitutas, elas esperam que o programa acabe antes de iniciar
Os bêbados mais novos, eles esperam os metrôs para dormirem
Os atendentes do bar, eles estrangulariam cada um de seus clientes
Os ubers, eles bufam como cadelas asfixiadas

Mas nada, nada há mais triste do que aqueles


Que andam pelo mundo sem o céu que os proteja...

89
A canção dos sem guarda-chuvas

Aqui fora estão os sem guarda-chuvas


Os que em dias de Páscoa abrem sacos de comida
E invejam aos gatos e cachorros bem cuidados.

E lá, lá nas casas estão os de dentro,


Os sem guarda-chuvas os olham como a países distantes
Ou gritam para eles:
“Para a minha família não quero voltar!”

Aqui, aqui fora estão os sem guarda chuvas,


Eles são os filhos da tormenta de outros tempos
E, noite após noite, se tornam peregrinos
Em um mundo que proíbe peregrinos...

E lá, lá os de dentro espreitam das janelas


E ouvem dos sem- guarda chuvas nubladas profecias
Ou, então, palavras iguais umas às outras,
Como os gritos que nos parecem sempre gritos...

Aqui, aqui fora estão os sem guarda-chuvas


Para os de lá eles são como as plantas,
Sempre existiram e ninguém sabe de onde surgiram.

E aqui, aqui quem passa por eles tampa os olhos e ouvidos


Pensa que assim como os fungos eles corroem o mundo...
E quando neles pensam, pensam
Que eles não têm pensamentos...

Mas você, um de lá como eu, já conversou com um homem


Sem guarda-chuva na tormenta?
90
Pois bem, ele não consegue falar ao estar desprotegido
E nem dar sentido às frases com as gotas inundando seus lábios,
E não, não consegue deixar de ter medo e de dar medo...

Esquizofrênicos, presidiários, travestis


Crianças sem pais, crackeiros ou, meramente
Miseráveis,
Se juntam e se espalham na noite como o pólen
Como a fumaça que sai dos incêndios chuvosos,
Atormentando a consciência e os temores dos de lá,
Dos de dentro...

Aqui, aqui estão os sem guarda-chuvas,


Passamos por eles hora sim hora não, rua sim rua não.
E como não podemos apagar a tormenta
Tampouco lhes oferecemos guarda-chuvas.

91
Ao caminhar insone encontrei um homem de olhos cinzas,
Ele lia um grande livro de capa ensanguentada,
“É um livro de canções, me disse
Já não se fazem elas como antes”
E do chão me cantou os quatro gritos contra o sol.

92
A história do mundo I

I
Mister Solaris teve um filho
E pediu para Madame Astrolábia que o batizasse.
Ela olhou para o céu infestado de estrelas
Escolheu a que lhe parecia mais bonita
E disse: Ele se chamará Baruch, o filho de Netuno com a lua
O de milhões de palavras, aquele de mil nomes.
Pois será mais forte que todos os homens,
Mais belo e valente que todos os homens,
E em cada vila receberá um nome distinto.

Bebê Baruch era feio e careca,


Aos cinco anos não conseguia falar nem andar
E gostava de bater em seu macaco
Até que o mesmo se transformasse em barata.

“Madame, madame Astrolábia, o que será do nosso filho?”


Falavam o senhor e a senhora Solaris,
E falavam todos os pássaros do céu e todas as bestas da terra.
“Não vemos força nem coragem nele
E nem sabemos como nos dará dinheiro.”

“Acalmem, acalmem a alma” – dizia a lisérgica vidente Astrolábia.


“Tudo o que parece não é, tudo o que é não parece.
Ele é especial como um alienígena com chifres,
Ele é único como um vulcão que solta lava de gelo,
Eu soltarei um cavalo e onde
O cavalo defecar,
93
É onde Baruch começará a falar.”

No planeta terra Baruch desceu,


Já era um bebê grande e quis que sua prole aumentasse.
Tantas, tantas almas bem dispostas ali encontrou!
Eles estavam sedentos por Baruch, faziam
Templos para Baruch muito antes da sua chegada.
E hoje em dia
Baruch reina, Baruch comanda, Baruch caga e todos obedecem!

II

Como explicar o que é Baruch?


Quantos sábios e tolos
Não passaram a vida tentando compreendê-lo?
Baruch é espírito, é corpo, é espirro?
Baruch está em tudo ou em nada?
Baruch faz sempre o que é certo ou
As pessoas é que traem Baruch? Ou então
Um Anti-Baruch estraga suas maravilhosas ideias?
Oh, Baruch criou tudo e foi embora
Ou Baruch ainda está conosco e escreve
O certo em linhas muito tortas? Qual
É a verdade que se esconde entre essas nuvens poluídas?

III

Baruch almeja controlar


Os sonhos e os desejos e as crenças
De todos os homens e formigas que habitam a terra
E manda que homens mascarados
Ameacem aqueles que não respeitam as prescrições do seu livro
Do seu livro-CD composto de peidos, arrotos e choros de bebês.

Ele divide o mundo em uns tais de países


Muralhas de mortos separando os países
Moedas que valem montanhas ou árvores de areia,

94
Impalpáveis como os sonhos dos mortos.

“Queimem os barracos, as favelas, os mangues


E destruam as florestas para que meus filhos, os grandes
Peidadores do caos
Possam se alimentar como em um piquenique no inferno!!”
É o que berra Baruch enquanto desfila diante dos cagões,
E é isso que muitos repetem em camisas verde-amarelas
Em fardas romanas e em mantos de monge,
E em palácios onde se decide como se deve roubar,
Pois Baruch, ah Baruch
Para a sua sublime satisfação
Tem desde sempre milhões de olhos que rezam por ele
E que sabem que ele é o Deus
O Deus que une o amor e o ódio
E que sabem que ele é o Deus
Que dá o mágico sentido
Para as fantasias jamais concretizadas...

E com aqueles que não rezam ele sabe o que fazer!


Há cavernas especiaais chamadas cadeias,
Em volta delas além do deserto não há nada,
Em volta do deserto um mar de latas e cocô,
E nessas cavernas de tantos tipos diferentes
Ele coloca os ateus, as adúlteras, os sábios,
Os gays, os drogados, os guerrilheiros, as putas
Os artistas, os índios, os negros, os eslavos
Os outros deuses que competem com ele
Os que são e sempre serão pobres
E uma tanta infinidade que fica difícil contar...
Ah, cadeias reais, cadeias mentais, cadeias sociais
Cadeias sempre em cada povo iguais e diferentes,
Ele ama todos os tipos de cadeias,
Sua diversão é colocar os inimigos de Baruch nesses infinitos cadeados!

Muitos, é claro, mesmo podendo serem presos se revoltam,


Falam que ele não existe ou que é um filho abortado.
Eles batem panelas, eles saem nas ruas de despovoadas cidades
Eles escrevem livros contra ele ou contra sua existência
Eles criam ONGS, empresas, exércitos, religiões, vazios
95
Eles ficam deitados reclamando ou bocejando
Ou então gritam das janelas, como se expulsassem os órgãos de dentro:
“Morra Baruch, saia do seu trono de fezes Baruch!”

Mas ele ri e ri sem parar


Pois nenhuma dessas vozes jamais será escutada
Seus peidos são os trovões do purgatório,
Suas risadas os ecos do inferno.
“Baruch é quem manda, Baruch é o bum Baruch é o bo Baruch é o boi bobo!”
E multidões seguem Baruch até o precipício da terra
Até o precipício da terra plana das suas mentes,
E multidões param de viver para dar vida a Baruch
Pois pensam que são do mesmo sangue e substância que ele...

Mas Baruch não é mau


Não, não é isso!
Ele às vezes, deitado em sua elástica cama
Percebe que tem agulhas e gordura no meio dos miolos
Que o impedem pensar sobre tudo ou quase tudo...
Então olha para o céu e sorri
Sorri por uma deusa mais poderosa que ele o ter escolhido
E pensa - ao olhar para suas arminhas de brinquedo
E ao deixar cair baba de suas gordas bochechas -
Bom que para ser Deus só é preciso ter nascido!

E quando está deprimido ele fala morram comigo,


Pois o imperador deve morrer sempre acompanhado,
E assim os próprios servos se enterram ou enterram aos demais.
Cabeças são decapitadas para homenagear o rei-sol
Colheitas são garantidas com o sangue inimigo
Uma cabra imolada como oferenda ao deus dos mortos
Bruxas queimadas para abençoar o deus crucificado
Tudo, tudo para deixar ele feliz, ele
O careca, o babento e peidorento Baruch
Aquele com olhos enormes que saem da cabeça
E que rindo dança destruindo os pilares da justiça do caos
“Baruch manda, Baruch é o rei momo!
Baruch só quer o bem, mesmo que tenha
Que fazer sempre o mal!”

96
Ri Baruch, ri
Ri islante intratável inoperante irrequieto
Ri ilimitante histriônico intolerante ilhado
Ri ri Baruch i i i apenas ri
Pois Baruch manda, Baruch peida, Baruch é o rei momo
Pois Baruch é Baruch, é o bum é o bo é o boi, rei bobo, bobo bum!”

E ele pede para que todos os homens e mulheres


Pintem a pele de uma mesma cor!
E ele culpa os mendigos pela ruína dos reis
E proíbe os da esquerda de dormirem de barriga para cima
E os da direita de comerem porco na lua cheia!
E promove as guerras contra os povos
Que abrem os ovos pela base e não pela ponta
Ou que cortam seus cabelos
Ou que deixam a barba crescer
E em cada país, cidade ou mente
Dá uma ordem diferente
Para que todos com a guerra e o caos se divirtam!

E mesmo assim o mundo venera Baruch.


Quando algo bom acontece
A pessoa sempre grita, “é graças a Baruch!”
E quando fica doente, cego ou sem dentes
“É tudo culpa dos inimigos de Baruch!”
E assim Baruch nunca tem como perder...
Pois Baruch é Baruch, é o bum é o bo é o rei bobo!”
Pois Baruch é Baruch, é o bum é o pum é o bu é o boi bobo!”

Ah, o mundo hoje está feito de cidades em ruínas


Uma seca terrível se alastra incendiando os povoados, corações e sonhos,
A imbecilidade está protegida em uma capsula de metal radioativo
E todos ao olharem as estrelas cobertas de fumaça se perguntam:
Oh, por que com tantos Baruchs pelo mundo
Continuamos assim sem comida sem alma e perdidos em oceanos sem fundo?

97
A história do mundo II

Era uma vez um escravo


Que vinte horas trabalhava
E as outras quatro descansava.

Ah, e como os outros escravos preguiçosos


Só trabalhavam dezenove,
Aconteceu o que era natural...
Quando o dono, o bondadoso, faleceu
Esse, o vinte-horas, as suas terras e homens assumiu...

E ele sempre ensinou a seus súditos


De todos os sete continentes
A trabalharem mais que os demais
Com menos descanso e menos ração.

Assim, só assim seriam reis.


E sua voz, tão sábia e verdadeira
Para sempre foi ouvida e seguida.

98
A história do mundo III

A história do mundo é a história


Dos pensamentos inúteis
E dos que sendo úteis não deram certo
E daqueles muitos pela eternidade corrompidos.
A história do mundo
É uma luz que oscila entre escuridões absolutas
E que quando parece vencer
Ilumina apenas uma grande matança.
Ah, como caminhar tranquilamente
Entre tantos milhares de mortos
Entre essas lágrimas e suor concentrados
Como beber desse xarope quente e salgado
E pensar que alguém está se salvando?
Buda Madre Teresa Kubla Kan
Marx Pandora Machado e a empresária
Da esquina,
Estavam ora errados ora em pensamentos inúteis
Ora brutalmente corrompidos por discípulos imberbes
Ou, ainda pior
Ignorados por oceanos de cidades sem alma,
Um redemoinho de sangue e apatia e glórias falsas,
Eu sonhei que acordava desse eterno pesadelo
E acordei em mim mesmo.

99
Melancolia no Shopping Center

Onde imaginar que as bibliotecas, templos e museus,


Que os sonhos de cada homem que já morreu nesta terra
Que o ouro físico ou quimérico, o elixir que prolonga
A vida,
E os mercados com artesanatos e espadas de reinos distantes
Fossem convergir para este
Labirinto de vitrinas e vaidades
Onde os homens e os produtos competem entre si?

Eu caminho por aqui, caminho como antes caminhava


14, 16, 19, 21, 27... Pois
Se quero ir ao cinema onde recorrer? Se quero
Um encontro e ela insiste em ser ali, como
Para sempre escapar? E, mesmo se só quero um relógio
Que mostre quanto tempo ainda tenho, ou
Uma roupa que sirva de disfarce,
Como fugir destes corredores circulares
Que simulam ou são
O branco e infinito purgatório?

É tudo um sonho – nos vemos a pensar -


Os rostos, com aquelas mesmas caras de pastéis,
A confiança de quem se enterra para poder estar ali,
Os bebês já aprendendo a amar o que é certo e os ofusca
(Como, quando criança, desprezava aquelas caras e roupas reluzentes!)
E o mar de sorrisos e olhos de uma paz aterradora
A nos lembrar que esse é o centro do mundo
A nos lembrar que estamos e não estamos sozinhos
A nos lembrar que duplicados nos espreitam
Iguais, iguais, sempre iguais como a dizer
100
“Como eu foste, és ou irás ser.”

Numa vitrine um menino entediado olha o mundo:


“Humanidade, humanidade
Isso foi o melhor que você conseguiu?

101
Ele fechou o livro, me olhou como com raiva reprimida
E eu segui caminhando insone pelas ruas do mundo
E eu fui a outra cidade, a outra rua, a outra esplendorosa ruina,
Enquanto a chuva rompia
Os infinitos telhados do céu.

102
La lluvia no puede limpiar y jamás lo podrá
No puede limpiar lo que fue dicho sin serlo,
La ciudad se llena de santos y cultos y todos los dioses
De la misericordia y de la piedad, mientras
Año tras año los enfermos se mueren,
Las junglas se vuelven desagües y los representantes del pueblo
En estafadores de viejos sin hijos y de niños con cáncer,
¡Mátame! Mátame en este puente en que no puedo
Encontrarme, pues las estrellas giran sin sentido
Y yo, igual a los demás, a todos los demás
¡Formé parte de toda esa masacre!

Llueve llueve en esta ciudad sin techos y con sombras infinitas,


El agua jamás podrá limpiar lo que por dentro nos mata,
Lo que de nosotros se escapa y mata a los demás…
Un perro pasa y le ladra a otro perro pues quiere su hueso, un pordiosero
Cuenta una historia repetida a cansancio sobre
Una mujer sinvergüenza sinvergüenza que violó a un niño,
(¿Será, será él ese niño?)
Y fantasmas pasan con sus aparatos en las manos, miran memes
Se ríen de la ignorancia de los otros, e ignoran al perro y los libros
Que tanto alaban en comentarios en la web… Sí
Pasan con sus aparatos en manos de fantasmas, miran memes
Y son la prueba de que todo el cielo está controlado,
Lleno de bestias y hormigas anhelantes de premios, certificaciones
y ascensos,
Todo el cielo controlado desde la China o los States
Y siempre por la gente que nunca vio o sintió
La cara de la muerte…

Putin, Lady Gaga, Jeff Bezos


Los militares, los profesores izquierdistas y los evangélicos castos
103
Perdidos en la niebla, en la niebla de la ciudad y de la Historia
Todos buenitos buenitos mientras el cielo se derrumba
Y nadie muestra la basura de sus casas, año
Tras año y siglo ¡tras siglo!
(Emperadores desde lo alto de Egipto y de Roma nos miran
Se ríen de tanta mentira, estando remuertos pueden al fin admitirlo:
El peso
De esta vida
Es como el polvo que ensucia las casas…) … y, y se escucha un
Reggaetón inoportuno de una sala, todo allá parece alegría,
¡Cómo respirar este aire que se vacía de las nubes?
¡Qué es una mano de hierro que cae del cielo?
¡Mátenme! ¡Mátenme para que no vea más esa repetición
De días grises que congestionan el cielo!

Pero ahora ya no estoy en un puente, es


Una pista llena de coches y basura en las infinitas
Veredas,
Y una prostituta venezolana me saluda,
Es alta, muslos como troncos y senos maternales
Y entonces ella me lleva sin que yo sienta mis pasos a un sórdido hotelucho
Y entonces finjo un afecto y una caridad que no tengo,
Un respeto a los seres respirantes y andantes que no tengo.

Subimos la gris escalera, abrimos la puerta de la habitación,


Hay sólo una pequeña ventana
Veo la ciudad sin techos que acabé de abandonar…
¿Y no es que entonces
Toda la ciudad y el mundo oscurece?
Yo soy parte y siempre seré parte
De la mugre que ningún barrendero será capaz de limpiar.

Y entonces, percibo, ya dejó de llover.

104
De tanta vergonha de mim e do mundo
E de tanto sentir a chuva deserta e sua ausência
Sobre os tetos sem telhados e as sombras sem sonhos,
Vou adormecendo, adormecendo
Como um rio para o fundo de si mesmo.

105
Aonde Aonde vou?

Vou caindo no reino primeiro

Onde a mente é o mundo

Onde os demônios dominam os planetas e a alma

E a cidade desaparece em água negra

Caindo

Caindo

Em uma profusão de cores e sons

Que se dissolvem no subterrâneo perpétuo

106
O flautista nas portas da aurora
Jogava seixos no rio das horas
E eu era um menino-ladrão em busca da sala
Onde a música ressoa as águas subterrâneas.

"Verde límpido, águas geladas e subterrâneo


Gelo líquens e o azul que um dia foi
Onde estão o espelho e o sol de cada ser?
Onde, as origens do sonho?"

"Ladrão! Pequeno ladrão! Ele


Roubou os relógios da sala, da sala
Onde as águas flutuam e ressoam!"
Era o que a mãe de Matilda gritava...
E eu fui enxotado dos campos infinitos
E caminhava para uma escura cidade
Onde os urubus e os espantalhos
Eram nas praças enforcados.

107
O sol explode em mil espelhos –
Tentei ver minha imagem
Em um floco de neve.

...

Nevava. Sobre os telhados do mundo


Pedi a lágrima do menino mais puro.

Uma mulher se cobriu com cacos de sonhos,


Pôs o rosto no túnel mais fundo.
“Lua – ela disse – quantos anos
Quantos anos nos separam da verdade?

108
Procurei teus olhos como barco que se afoga –
O deserto pede água como o mar a tempestade.

Um dia olhei o céu e ele olhou-me,


Nevava nos telhados do meu mundo.

Eu era um órfão. Bati de porta em porta


Como o mais triste dos meninos-mendigos.

E então a noite veio e enterrou-me para sempre.


Olhei teus olhos e os barcos se afastavam.

109
O céu dentro do céu
E os relâmpagos que cruzam o oceano
Do túnel onde caímos sem fim
Para a escuridão de nós mesmos,
Surgem vultos que abocanham a noite
O vazio se expande de alma em alma
Atravessamos a ponte alagada
E os olhos do guarda se viram para nós
Estamos nus e ele tenta roubar nosso relógio...

No terminal perto do mar


As pessoas rezavam cânticos estranhos
Almahazem Almahora Ozazuma
Tudo escuro, escuro como o canto
Do pássaro que dá a corda ao mundo...

“Que ônibus você vai pegar?”


“Um rumo à selva amazônica
Lá os chocalhos nos fazem dormir...”
“Você não vê? Estamos partindo e nossos pais estão lá
E lá, mais além, a casa da nossa avó onde nascemos
Tudo desaparecendo na neblina violeta
E esse cheiro de urina de quando chegamos ao centro de Lima
E tampamos o nariz para não sermos infectados
Porque as cobras deixam um veneno no ar...”
Você não se lembra do sonho
Em que o gás invadia nosso quarto fechado?

“Os carros passam, escurece, no céu sequer estrelas


E a qualquer momento poderemos ser atropelados”

Nadar, nadar sem fim


110
E a menina lá acenando para nós
Ela esperava que ficássemos um pouco
Mas juro, o ônibus tinha que sair...
Tudo, tudo escuro, Um fósforo?
Não, não.
Caminhar no corredor tatear
Como quando andamos pela vida...
Cair
Cair

Para subir há que cair

O céu dentro do céu


E os relâmpagos que cruzam o oceano
As aves fugindo da chuva
E os círculos verde escuros que se abrem e fecham.
Chove, chove sobre as casas sem teto!
As almas estão inundadas, os edifícios que caíram inundados
Pisamos num lodo que afunda nossas sombras
Tocamos um corpo de boca escancarada e com aftas
Ele ele está mais vivo que nós e nos puxa
Para o frio perpétuo, para

111
Me despierto y voy por las callejuelas del caos,
Mis botines están todos mojados,
Yo quería volar pero no tengo alas
No veo en las casas una puta dirección
Quería solo un número un número
Para saber quién soy era quién seré…
Hay animales y hay hombres que dan miedo
Hay postes de luz que se apagan
¿En qué siglo en qué país en qué oscura pesadilla
Me he despertado
¿Por qué no veo los números de esas casas oscuras?
Los árboles no tiemblan,
El viento parece
Volar a los fantasmas y casas,
Mi nariz desaparece poco a poco,
Oh dioses, dioses de las cucarachas,
Dioses de estos murciélagos blancos que en la tempestad se asoman,
¿Por dónde podré llorar todos los siglos
En que árbol debajo de qué sueño?
¿Dónde, en los pies del gigante universo
Podré justificar esta existencia?
Saqué del agua una papeleta empapada
Leí la cantidad de mis pasos ya dados,
Los que faltaban para que me ahogase,
Y el mundo - como el inalcanzable desierto –
Dejó de existir.

112
Mamón mammoón

Você não deveria estar aqui

Quase ninguém deveria estar aqui

Você esqueceu o passaporte, como pensa viajar?

É uma ilha em que ninguém pode andar sem roupa, sabia

A roupa atrapalha os pensamentos

Mas agora estou como sono, você deveria ir embora

Acaba esse vinho e vai embora

O passaporte está longe, vou gastar horas indo e vindo buscar ele

Aí vou perder o voo, não vou conseguir sair daqui

Por isso tenho que permanecer na tua casa

Fui me perdendo no caminho

Já é tarde, e quando chego

Em minha casa

Está trancada
113
Com um cadeado de algas verdes bem trancada

Como posso sair desta ilha?

E o vendedor da passagem ficou com meu dinheiro,


Cem reais que achei que eram dois
E nem dá pra reclamar
Ou vou pra casa ou fico aqui no aeroporto

Ouvi um berro

Acho que é algo como Mamón, Mamão, mammoón

Que porra é essa?

E como posso

Sair

Desta ilha?

Como

Posso

Sa

Tenho muito, muito medo


O mar está bem bravo desde cedo

114
Há um oceano de sonhos que jamais serão lembrados
E pense que lá pode estar a tua vida.
Uma chave que quando criança se perdeu
E que poderia trazer à superfície
A única porta que valeria a pena ser aberta.

...

Mas onde está essa chave de água sonorosa?


Falam que as portas foram vistas há anos,
E desapareceram com o acordar das manhãs.
Agora não há consistência nas pedras, e agora
Gritamos em vão em uma sala inexistente.

115
Nos despertar sempre com a pálida luz
O grito dos despertadores distantes
Novamente o mundo e seus arautos sorridentes
Seu ribombar de emoções e apatias
O fogo sangue lento
Lento como as águas pesadas
Sempre obrigadas a subir.

116
Estou no meu quarto, sim
Onde juntei as tempestades
E me esqueço de novo dos outros, só vejo
A sombra, aquilo
Que nasceu comigo antes de eu nascer,
E vou cavando os túneis da memória, cavando
Como quando vemos a inesquecível montanha
Desde a roda gigante.

117
Lembrança 2

The happiest days of our lives


Esse lugar de entediantes janelas
De pátios distantes e céus clausurados
Esse lugar em que passamos tantos anos
Em que consumimos a cada dia tantas horas
Esse lugar sempre imenso e diminuto
De banheiros temerosos e brancos corredores
De risadas ferozes e choros contidos
De brincadeiras infinitas que não participamos
Quanto não ansiamos por nos libertarmos desse tempo?
Quanto não quisemos viver e não viver nesse tempo?
Eram tantas vezes que fechávamos os olhos
Que tentávamos acelerar as órbitas do sol
Tantas vezes bebendo, solitário, a água no recreio
Olhando, como o manco eterno, as nuvens inamovíveis,
Tantas, tantas vezes...

Ah, e hoje em dia, em meio ao claustro deste céu,


Em meio ao claustro destes dias circulares,
Ainda fecho os olhos e nostálgico me observo:
Estamos em uma sala, a lousa rabiscada
E nós, bem-comportados, olhamos a entediante janela:
Pequenos vultos jogam com uma bola no pátio
Quando, pouco a pouco, anoitece.

118
Lembrança 3

A transição dos céus circulares


Embaixo daquela árvore,
Na sombra
Da universidade,
Eu olhei para o céu.

Além de mim planícies e planícies


Jovens e jovens como eu
Se divertindo ou suando
E eu bem ali, sem conseguir me mexer.

Eu fui paralisado pelo tempo,


Assim como criança
Paralisado pelo tempo.
Como querer cruzar as montanhas do mundo e
Querer que essa árvore de asas infinitas
Nos siga protegendo?

Como um bêbado defunto


Eu sorvi as águas da noite,
Tudo passado fluindo
Em minhas veias cansadas...
Meus olhos no céu claro
Sem conseguir ver outra coisa,
As nuvens, as sombras das estrelas
Peixes cegos entre as ilhas invisíveis...

Eu tinha só
Vinte e três anos
Planícies pela frente
A universidade com festas pessoas ideias
Trabalho, mulheres
119
O que quer que fosse
E eu não consegui me mexer.
E agora, que ainda sou jovem
Encaro a árvore que lentamente se esfarela.

120
O tempo

Eu sou a sombra do ontem.


Dia após dia a sombra é mais tênue.

121
Porque o tempo não volta1

Porque o tempo não volta


É que continuamos os mesmos.
Se houvesse um trem mágico
Que fosse diretamente à nossa infância!
Se ele reparasse cada pequenina
E dolorosa desilusão de menino!
E se ele curasse a chaga de tudo
O que não sendo feito,
Impede que algo façamos!
Comeríamos o presente com o maior gosto do mundo
E se lembrássemos (por acaso) do passado
Seria apenas como um sonho louco e feliz.
Ah que belo conto de fadas seria!

Mas nunca acreditamos em fadas, meu amigo.


Eu (o homem) e tu (o menino)
Sempre fomos um só quando choramos
E sempre estivemos sozinhos
Pois o mundo jamais nos compreenderia.
Eu chorando a tua ausência
E tu (meu fantasma) o teu futuro!
Porque o tempo não volta
É que continuamos os mesmos.

1
Originalmente do livro “Poemas esparsos”.
122
Aidaluz

Deixa crescer teus cabelos


Para que eu possa subir para a noite.
Quantos sonhos e medos
Se escondem nessa tua noite Aidaluz?
Eu quero como uma criança subir
Ver o mundo e seus planetas lá de cima
Pois de lá minha dor, Aidaluz
Será apenas uma no infinito,

Deixa crescer teus cabelos, Aidaluz


Para que meu corpo cada vez seja menor
E eu possa ver ano após ano minha vida
Como um vapor que nunca termina
E que sempre se sabe perto da morte...

Lá está a casa onde nascemos, não é?


E lá minha mãe e meu pai quando
Eram mais jovens que eu,
Um jardim com tatuzinhos e formigas agitadas,
Um corredor que dá a muitos quartos
E da outra janela uma das minhas escolas,
Tem um parque e não lembro o seu nome
E um por um os cachorros e gatos que tive
E meninas que nos pátios da escola por anos gostei
E bonecos e cheiros e chuvas nos jardins
Meus avôs, as insônias, o mar e suas névoas...

Deixa, deixa crescer os cabelos


E depois corte eles, corte eles Aidaluz!
Eu ficarei ali nessa noite
123
Pequeno como um dia já fui,
Grande no meu conhecimento,
E viverei para sempre tudo o que já vivi
De novo e de novo como a cavar no jardim
Na prazerosa tristeza de se saber infeliz.

124
En el planeta de la melancolía

En el planeta de la melancolía
Yo vi a un tigre
Que se alzaba de la niebla.
Sus ojos de humo envolvían
A todos que lo veían
Y de sus dientes, inmensos
Como el mundo que cae,
La cabeza de un lobo lloraba
Sus excretas de sangre.

Yo estaba solo, bien solo


Me había despertado en un llano,
En un infinito y estrecho
Cuarto sin ventanas.
Yo estaba solo, bien solo
Y todos, de pronto, se preguntaban:
“¿Por cuántos años ese ciego ha dormido? ¿Por qué
De sus sueños sin tigres se ha despertado?”

Muchas lunas tenía su frente,


De su boca salía la noche del mundo
Y los niños, como mesmerizados
Jugaban, tristemente, a su alrededor…
“Tigre, tigre
¿Eres tú el que nos ama y nos mata? Tigre
¿Eres el único que a nosotros nos quiere?”

El tigre los miraba con ojos azules


Se acercaba y les lamía la cara
Hasta que de pronto se alejaba

125
Y de un rincón oscuro les lanzaba
La cabeza de una cría de lobo…
Los niños la miraban, le decían adiós como a un tótem,
Y, de pronto, como el mundo que cae
Triste, tristemente, la comían…

Muchas veces se ha repetido esa escena


Yo mismo ya me comí la cabeza
Y yo mismo ya fui niños sin ojos, piernas o sueños…
Pero en verdad no me acuerdo
De la primera vez que lo vi,
No sé si será sueño o recuerdo.
Nunca, nunca olvidamos que vimos al tigre
Pero su presencia, luminosa y oscura
Convierte al tiempo en días sin tiempo…

Desde entonces la lluvia no fue más la misma


El cielo pasó a contener más rostros vacíos
Las paredes día tras día más grietas
Y, por la noche, a veces, yo sueño:
El tigre se alza y abre su boca,
De su boca sale la niebla del mundo,
No hay nadie que escape
A los ojos,
Siempre abiertos
Del tigre.

126
Mandala negra

Há um peixe morto em meu coração


Há sempre em meu sorriso uma farpa de carne
Em minha busca um horizonte que se afasta
Em cada um dos meus sonhos uma noite escura.
Sim, na extensa dança do mundo
Onde cada homem declara seu amor para o outro
E diz palavras como Deus Paz e Harmonia,
Eu sempre estive junto a um lago estagnado,
Pescando presas para o ser que me devora
Lembrando de golpes peixes mortos e quedas.

127
Da tua boca apenas sai
Um árido oceano.

As águas evaporariam
E apenas restariam as negras areias.

Todos os dias, olhando para o alto


Repetes que o luto é infinito.

128
Luto, palavra
De quatro letras de acordes e harmonias infinitos
Me remetes a minha mais tenra obsessão,
Aquela que traz o inverno nos dias mais quentes...
E agora noite a noite estamos mais perto dela, da semente
Da semente que explode todos os que chegam a ela.

129
Melancolia
Quando alguém se afasta no oceano
E o ar pesa como tampa de sepulcro
Não somos mais que uma criança com frio
E temos medo de que na saída da escola
Nos deem a mensagem sinistra -
Melancolia
Os dias repetem o teu nome
As noites cantam em sonhos tua imagem
Os espelhos se enchem dos ecos de fantasmas
E as aves se espalham, deixando
Em cada templo uma cabeça decepada,
Melancolia
É chegada a hora das crateras explodirem!
É chegada a hora dos terremotos estremecerem as sombras!
A criança que se pensava eterna escorrega ao abismo
No horizonte há um relógio que marca a tua morte
E é chegada a hora de recolher nossas medalhas -
Melancolia
Quando alguém
Em toda esta terra fraturada
Desde o vazio do ártico até os confins do equador
De nós se despede,
Sim
Sentimos a tua escura presença
Abraçando cada um de nossos sonhos.

130
Quando o sol – lanterna entre as nuvens –
Piscar seu olho temeroso
Sim, você verá:
O dia esconde a noite,
Uma noite sem ecos, sem presságios, sem fantasmas
Uma noite maior que qualquer noite,
Mais vazia que o ar que respiramos.
E há uma região pálida entre planetas já extintos
E há uma região sem estrelas, seca e pantanosa,
E a qualquer momento ela pode
Escapar do teu espelho...

Como um ladrão ela - a noite - chega quando a alma perece


Ou antes, inclusive quando nasce.
Afortunados os que caminhando nesta terra
Não percebem as fendas que os espreitam
E seguem, pelas bordas, sem sentir o precipício.

Observa:
Esse céu que te protege
Tão amplo, tão suavemente acolhedor
Esconde as dunas do deserto
Os gritos violentos de um sonho sem sentido...

E quando, por fim, acordares


Terás a plena consciência
De que só uma vez
Nos é permitido dormir.

131
The great unknown 1

Há um Deus que corta a cauda das serpentes


Que faz a chuva afogar os insetos
Que faz os tigres necessitarem das gazelas
E os gnus serem levados na corrente...
E cada cabelo que na noite
Envelhece
E cada filho que no escuro
É deixado
Vai até ele como uma dádiva no rio
E ele ri e chora ao mesmo tempo
E ele come e vomita
O que já foi devorado...

Aproxima-te,
Põe teu olho no misterioso orifício
Onde o mundo
Em imagens e explosões se revela
Onde o silêncio
É um gnu na correnteza afogado,
E onde o tempo devora o espaço
E onde as cores no vazio se dissolvem
E onde uma corrente de mortos
De mãos dadas circunda o universo.

132
The great unknown 2

Lá vem o tempo com suas antenas de inseto gigante


Cobre o céu, as estrelas e o grito
Dos faisões assassinados,
Afogando os gnus que cruzam o rio,
Inundando o que antes eram ilhas
E explodindo o que outrora eram planetas...
Tudo, tudo ele controla
Desde o buraco das paredes até o vazio das almas,
Seus tentáculos-antenas levam ao abismo,
À contrição infinita de um deus inexistente.

Lá, lá vem o tempo e suas antenas de inseto gigante


As nuvens nesta noite nunca são as mesmas
E as montanhas na névoa se dissipam,
Lá vem o tempo e seus cavalos sombrios
A vida, a vida se repete como as sombras das nuvens,
E perguntamos aos céus pelo perdido aniversário
Pela chave que jamais encontramos
O amor que não veio ou que escapou como a água
De nossa boca sem dentes
E a vida, de nossas mãos perfuradas...

Lá, lá vem o tempo e suas antenas de inseto gigante


Ele já veio e sempre está chegando
O império Azteca e o Persa e o Chinês
Existem apenas como os sonhos dos mortos,
Todas as águas escoam pelo imenso e minúsculo orifício
E o nosso primeiro cachorro e o papagaio que fugiu
133
E tudo o que odiamos ou amamos
E tudo o que comemos, compramos, destruímos
Cai pela fissura do mundo sem retorno.

Oh lago onde vemos as asas


Das inúmeras libélulas mortas,
Onde vemos os gafanhotos
Pelos peixes devorados,
E onde vemos o reflexo
Dos gnus e ilhas afogados,
Como,
Como podemos deixar de ouvir
Esses gritos que nos chamam
Para dentro?

134
The great unknown 3

Há um Deus que joga dominó e é a sentinela do abismo


Ele percorre os corredores e os planetas com seus olhos
E lança da torre cada tubérculo que nasce
Lançando-o ao mais fundo oceano
Onde as estrelas nunca choram.

Nas frias regiões onde nascem os fantasmas


Os corais já morreram há milênios
E o arco-íris – esse usurpador da verdade –
É uma lenda contada por piratas disfarçados,
Uma lenda que camufla as tempestades de sangue...

Quem viu a esse Deus sabe muito bem


Que as peças do dominó jamais se levantam,
Que ele é que criou todos os seres.

135
Você que cresceu entre as flores
E da infância só colheu as frutas doces,
Você que teve pais e amigos
E só ouviu deles histórias bonitas,
Quero que me escute pelo menos um pouco
Pois não é bom que o inferno
Seja pintado de branco.

Não há nenhum Deus ou coisa que o valha


Nada que segure o caos e lhe dê forma como um bolo,
Não há vida eterna nem espíritos dançantes
Nada que te faça ter menos medo do escuro
Não há nenhuma energia ou estrela sem matéria
Nada que te una miraculosamente com os outros,
O que você quer acreditar, o que te faz bem acreditar
Definitivamente não é prova ou indicio
De que esse algo exista.

Mas se você me achar prepotente


Como um porco cego que caga para cima,
Tudo bem.

Talvez não haja eixo que segure o planeta,


Talvez não haja energia que una os mortos aos vivos,
Talvez não haja destino que justifique as injustificáveis
Misérias
E talvez tudo o que você acredite
Só talvez
Não passe de um conto de fadas.

Apenas isso já basta


Para que, do teu suntuoso edifício
Olhes a vida como a um abismo infinito.

136
Poema do ateu

Vou ao bosque e levo um passarinho,


Comprei-o hoje com uma hora de trabalho.
Entre as árvores enormes e o céu que se esconde
Decido libertar-te, tu
Que não me deste uma única alegria...
Abro, abro a porta da prisão
E para ti, afinal, eu sou Deus:
Voa, voa livre para a vida e a morte
Eu, que não vivo em gaiola de verdade
Não tenho, também, ninguém que me liberte.

137
Melancolía
Hija de la niebla
¿Dónde por dios has escondido
Esa llave que no es tuya?
¿Dónde
Con tus alas de pájaro durmiente
Has escondido esa llave
Que abriría uno a uno los recuerdos?
¿En qué jardín debajo
De qué árbol?
Yo la he buscado por los años sin fin
Por esos años sin futuro y de oscuras escaleras
Y no, no la he encontrado.
A veces pienso que nací para buscarla
Que tú, melancolía, eres mi madre
A veces pienso que hay un lago
Y que nacimos sólo a contemplar
Donde nos ahogamos al buscar el rostro de la niebla…
¿En qué jardín en que niebla en que cielo
Podemos encontrar la noche que originó las otras noches?
Melancolía
Ave de alas durmientes
Hija inventada de la niebla
¿Sabremos algún día el por qué
Viniste a robar esa llave de ojos sin sueños?

138
Melancolia
Quando tua sombra aparece em surdina
Na fresta de uma porta ou pequena janela
Submetes, oh deusa, todos os demais sentimentos
A alegria a inveja o espanto a raiva e o sono
A culpa o medo o êxtase a angústia a apatia
A alegria o amor a fé o desespero o tédio
Como ilhas à deriva arrastas tudo para ti,
Levas tudo ao fundo do teu escuro coração, oceano
De teu silêncio que grita,
Melancolia
Quantos planos vidas quantas plantações interiores
Não foram por ti destruídos? E quantos
Não foram por teus olhos de ataúde criados?
Você retira teu manto e mostra teu rosto
Teu rosto descarnado como as múmias incaicas
Teu rosto belo e terrível como o retrato da vida
As eras geológicas do tempo expostas em ti
Pássaro sem asas resignado e em febril desespero
As cores dos arco-íris sendo substituídas por camadas de fumaça e neblina,
Melancolia
Os prédios, os homens, as inumeráveis prisões
Os animais subterrâneos e os que voam pelo éter
Os ainda vivos e os que já se extinguiram
Cada sombra de rio ou murmúrio de fantasma
Cada floresta deserto e cada impotente louco e moribundo
Ao nascer, cada criança
Sem pais cada aborto e cada boneco destruído
As luas de Júpiter e os vulcões de Plutão
A primavera o gelo o fogo e os vapores escuros -
Todos já te sentiram e voltarão a te sentir,
139
Todos tremem te veneram
Repetem teu nome e se arquejam
Te olhando quando passas,
Teu vento, oh Deusa, é tão forte
Que nem as folhas se movem.

140
Debajo del cielo
A veces
Sentimos la inmensa alegría,
Tempestad y murmullo de tierras lejanas,
La sangre como un caballo sin frenos ni ropas de pasado o futuro…

Cabalgamos por montañas y praderas y boques cerrados


Nadamos en lagos tan grandes como el océano
Conversamos con gentes de todas las ciudades del mundo
Besamos a la amada como a un espejo hechizado,
Y nuestro corazón late y dice
“Si ahora muriera
Sería el más feliz de los hombres.”

Hasta que al mirarnos, como por costumbre


En un charco pequeño -
En uno tan pequeño que ni debería existir -
El cielo se cierra y todos
Los sonidos y pájaros y estrellas se callan.

De dentro unos ojos nos miran:


“Yo soy el niño que vela los muertos,
Aquel que cuando matas más vive,
El que en noches como ésta
No lloró pero nunca sonrió”.

Pasados tres días y tres noches


Conseguimos que ese niño se calle,
Y nos emborrachamos hasta que veamos la luz en la noche.
Y poco a poco las nubes se van abriendo de nuevo
El aburrimiento es alejado como las cruces de los padres,
La melancolía es enterrada bajo cabezas de pulpo,
Cabalgamos por todas las ciudades y praderas del mundo,
Nos emborrachamos y vemos cuerpos desnudos
141
Recostamos la cabeza en el corazón de la amada,
Ahora felices como la libertad de las aves sin lluvia…

¡Como es bella la vida! – gritamos –


¡Cómo es precioso este tiempo y este espacio que nos dan!
¿Por qué sufrir si todo es placer que quiere más placer
Y ensueño que quiere más ensueño?

Pero, pasados pocos días u horas


Al despertarnos de una noche de sueños y aventuras,
¿No es que el niño está sentado
Delante de nuestra sombra?
¿Cómo a veces lo hacen
Las nubes negras y azules?

“Yo soy el niño que vela los muertos


El que quieres y no quieres ver
El que en noches como esta
No lloró pero nunca sonrió.”

142
Llévame madre

Llévame madre al lugar de los niños


Al lugar donde los ojos no lloran
Y la lluvia es desierta pero bella,
Llévame madre al lugar de los niños
Al lugar donde el cuarto es el mundo
Al lugar donde los muebles no crecen
Adonde la lluvia no alcanza
Y a donde aún hay la esperanza.

A lo lejos
A lo lejos
En el cielo azul celeste
En Marbella, de un edificio, frente al mar
Miramos a los barquitos que se alejan en el alba
Y nos preguntamos:
“¿Que habrá cuando la niebla se junte con el mar?”

Madre, tú lo sabes y yo también lo sé


De la gota que hizo caer las otras gotas
De la noche que hizo temblar las otras noches.
Acá, madre, acá hay un espejo donde no para de llover
Un silencio que no nos deja respirar,
Y acá, madre, acá no soy feliz... Todo
En este espejo es desierto y sin sentido... Llueve, llueve
Sin que escuchemos nada más que el vacío... Y acá, madre, acá
Acá tengo miedo de la repetición de los días...

Llévame madre al lugar de los niños


Al lugar donde los ojos no duermen
A donde las lágrimas son bellas
Y nada en nuestra alma es de mentira,
143
Llévame madre al lugar de los niños
Al lugar donde cada hora es un año
Al lugar donde las escaleras no acaban
A donde insomnes soñamos el mundo
Y un muñeco en el oscuro nos mira,
Llévame madre al lugar de los niños
Al lugar donde el cuarto es un juguete sin usar
Al lugar donde hay mapas y enciclopedias antiguas
Adonde vemos la lluvia de una pequeña ventana
Adonde el espejo y la noche se agrandan
Y vamos haciendo los barquitos de papel
Y vamos con papá a las islas lejanas
En busca siempre de aquel tesoro enterrado
Que es triste, pero es nuestro,
Llévame madre al lugar de los niños
Al lugar donde nunca estuve y la muerte no existe
¡Llévame madre al lugar de la niebla!

144
Mãe, após noites lendo este livro2
Fechei estas paisagens e parei de sonhar.
Fiz o que me disseste – fechei este livro
E tentei com as crianças brincar.

Eu não sei se estou aqui ou no futuro, mãe...

Meu corpo é de criança mas a voz, a voz

Mãe, me deste o livro que contém o universo. Um dia, meu pai


abriu-o e soletrou-o para mim. Não posso deixar suas imagens. Canta o
mundo sua tênue melodia, mas ele nunca canta para mim... Apenas tu me
cantas a canção de ninar, apenas com tua voz eu adormeço sem temer não
acordar...

Não posso deixar suas imagens. A noite do mundo acabaria mas eu


jamais veria estas estrelas, o choro secaria mas jamais saciaria esta
sede…Com teu livro abro todos os livros, abro, desperto, as nuvens de
todos os sonhos... E são tantas as imagens, tantas, que eu nunca poderei
acabar a obra que escrevo, que eu nunca a deixarei completa como o Livro
que me dás…

Mãe, um dia, eu e o universo regressaremos a teu ventre.

2
Versão de parte de um poema do livro “Rumo ao Âmago da Própria Voz”.
145
Oh meu pai
Esta teia infinita que nos prende
Nos liberta
Esta teia onde nascemos e morremos
Este chá que passamos de geração
A geração
E que é doce e é amargo,
Triste como as escadas de uma casa,
Reconfortante como as escadas de uma casa,
Como não juntar as mãos inclusive ao chorar
Se é isso que nos faz sermos humanos
Entre as coisas que não sangram?

A história, ah
É uma corrente de homens e mulheres
Que depositam areia uns nos outros,
Que uns nos outros implantam a pedra da loucura...
E seria eu tão insensato
De não valorizar cada palavra ou gesto
Os aprendizados, as neuroses, os risos, os abraços
As paranoias, os pesadelos, as velhices, as histórias
De todos esses rostos e sombras
Que enchem de ecos esta casa?

Pai, a ti tudo te devo


Desde a névoa na janela
Até o fulgurante raio que cruza os oceanos,
Passamos um pedaço de saliva à nossa história
E não podemos fugir desse destino,
As mãos das nuvens nos agarram
Quando cuspimos na sombra onde nascemos.
Tomemos este chá doce e amargo
E o passemos para o próximo
Que entre nesta sala.

146
Para um amigo

Foram tão poucas as vezes


Que esqueci da miséria do mundo,
Tão, tão poucas as vezes
Que esqueci desse som subterrâneo,
Tão, tão raros como o beijo do amor
Ou como o reflexo de um arco-íris no lago.

Um detalhe comum
Como a morte de uma abelha na piscina
Ou a lança apache num museu
Sempre me fizeram lembrar da miséria
Não só da dos pobres e pratos vazios
Mas da miséria total, delirante
Física, nervosa, impotente, invisível
Espiritual, existencial, humana, animal imaterial...

A alegria, ela se expõe a todo custo


E aparenta ser maior que seu contrário.
Mas eu sempre fui como um lagarto que se afoga
E nunca consegui escapar da minha sombra.

Ah, foram tão poucas as vezes


Que me esqueci da miséria do mundo,
E meu coração dói de cansaço
Pois pensou muito na dor!
Por isso meu amigo te agradeço,
Hoje me deste uma sombra de inocência,
Hoje rimos e bebemos catuaba e cerveja
Nas praças de skatistas e maconheiros bebemos,
E hoje fechei os olhos para as névoas infinitas
E senti o mundo sem seu inevitável eclipse.

147
As cidades

Lima

Teu deserto é meu deserto


Tua névoa é minha névoa
Atravessei os anos e os países
Para te reencontrar dentro de mim.
Praia de névoa e céu azul celeste
Umidade e aridez, infinita e perpétua,
Chuva deserta que dia após dia
Cai doce e amarga sobre mim.

São Paulo

Olhos velozes que se perdem na garoa


Trens apressados que levam nossa alma.
Em ti aprendi a expansão do universo,
A multidão de rostos que podemos temer e amar.
E os olhos que sempre esperam do céu sem janelas
Algo que nos livre do vazio.

Campinas

Cidade de muitas casas deixadas para trás,


Estação de trem que deixou há cem anos de andar,
Shoppings, camelôs, camponeses de I-Phone,
Capital e província sem marcas de céus que já existiram,
Pessoas com sacos na cabeça - o lugar onde vivi.

148
Ica

A cidade fantasma de Ica


Vista através da janela,
Meu pai nasceu aqui minha avó nasceu aqui
E eu por primeira vez passo por ela
Mas de noite, em um ônibus de viagem...
E eu sempre me lembrarei dela como cidade fantasma,
Seus tetos sem telhados e seus longos desertos,
Suas sombras que cochicham nas frestas das portas...
Por aqui em suas praias e fazendas
Encalharam e nasceram inúmeras famílias.
Dinastias pequenas e grandes.
Murmúrios distantes que tento distinguir no escuro.
Sim, eu não sei nada dela e estou triste,
Nem seu ar respirei.

No delta do Amazonas, indo a Marajó

Em cima do barco muitas nuvens,


Além das ilhas outras ilhas.
Quando a chuva de rotina começa
Que agradável e terrível surpresa!

Todo molhado vejo apenas


O verde o azul a névoa e muitas asas
Tudo girando e me atingindo como um raio.

O mundo – da proa em que me encontro –


Sendo, pouco a pouco, deixado para trás.

149
Estava pensando nesses lugares e pessoas que de alguma forma amo
ou amei. Quando minha mente de repente mudou de um céu mais ou
menos calmo para a habitual tempestade de lanças pré-históricas
voando ao acaso... “Quem nasce louco morre louco.” E então me sentei
em um banco e lembrei de antigas canções de desprezo aos ídolos de
cabeças de pedra...

150
Sátiras

1 – À burrice

Dos males o maior é a burrice


Ela reina no rico e no pobre,
No homem douto e no cuidador de cavalos
Sem que ninguém no mundo o admita.

A burrice é o pilar das guerras violetas


A burrice elege os hipopótamos brancos,
Ela faz as crianças crescerem bem tortas
E as florestas perderem suas folhas.

Mas quem renuncia a seu magnânimo sol?


Mesmo quando o mundo é uma gruta
Ela faz parecer um céu de borboletas.

Todos em cada reino ou ilha a procuram


Pois a burrice é um grande banquete
E não há nada mais gostoso que ser burro.

151
2 – Aos críticos de arte
(Alguns tipos)

Eles que nunca pintaram, que nunca


Escreveram, compuseram, dançaram
Nem transaram,
Se posicionam como corvos numa sala circular
E ressuscitam os grandes corvos já empalhados
E proclamam para eles com orgulho:
“A arte já acabou faz muito tempo.”

Compenetrados eles passam a vida decifrando


Um joguinho de quebra-cabeça bem mal feito
E seus olhos buscam as brancuras infinitas
Pois abominam as emoções violentas.
São como os alquimistas
Fogem dos humanos e dos cachorros que os seguem.
O amor, o que é o amor? A vida
O que importa a vida?
Noite após noite, grudados os olhos
Em velhos livros sem folhas,
Eles vão construindo, dando à luz
A uma estátua
De insípido catarro.

152
3 - Aos nunca-satisfeitos

E eles nunca estão satisfeitos,


Ano após anos mais pedaços de sonhos alheios,
Mais sapatos e I-Phones e carros e privilégios do governo,
E olham o céu como se nada
Fossem as estrelas,
Acumulam e trabalham como quem
Precisasse sempre respirar
E querem mais pois assim aprenderam.

Os nunca satisfeitos
Estão sempre felizes e infelizes,
Pois antes de poderem pensar
Estão trabalhando como o hamster eterno
Ou apenas pensando nas fezes de ouro
Como um horizonte que criasse as próprias nuvens.

Ah, empresas e guerras e países e milagres nos desertos


Foram obras dos nunca satisfeitos,
De milhões de nunca satisfeitos.
E eles proclamam que um homem que se preza
Nunca, nunca deve bocejar
Nunca olhar para trás dos seus passos
E nem, sequer em seus últimos dias, parar e dizer:
“Nossa, o meu tempo está acabando”.

153
4 - À positivamorte

Nas prateleiras os livros de autoajuda –


Ah, os camelôs da esperança!

Nos computadores os parasitas da bolsa –


Ah, os fungos do tamanho de países!

Trabalhar, malhar, trabalhar, estudar


Ler, ler sobre como trabalhar
Como investir, como casar
Como amar

“Mais formulários por favor. No outro escritório


Eu sentia que não evoluía.”

E ele, um homem jovem com a barba perfeita, toma seu café, um café de
máquina mesmo, pois não tem tempo para mais, e ele olha da janela do
escritório para a academia da empresa

Ela, bem magra e cabelo castanho escuro preso para não interferir, pedala e
aproveita para ler sobre como otimizar o seu tempo

“Acorde 5 da manhã, faça exercícios de alongamento por 20 minutos, tome


um banho de 10, coma um café da manhã com frutas e iogurte, logo depois
faça uma lista com as metas do dia...”

Sol, oh sol, como podes carregar todo esse céu?


Um palhaço passa pedindo esmolas

Um ônibus passa lotado de call centers, empregadas, atendentes

“O IBOVESPA fechou em queda hoje, mas com isso

154
Também podemos lucrar”

“Você atrai o que merece”

“Você é o merecedor do seu próprio mérito”

“Afaste as amizades que te sugam energia”

“A cada dia, dois Maracanãs são queimados na Amazônia”

“Mais uma travesti hoje morreu brutamente assassinada”

“A pandemia chegou na última das ilhas livre da doença”

Nas noites milhões de almas tomam pílulas brancas


Que as fazem dormir e nunca sonhar

NÃO HÁ DOR NÃO HÁ DOR NÃO HÁ DOR

“Você já ouviu as novidades da ciência? Para que olhar a lua e o sol


Se podemos
Olhar para as invenções da ciência?”

A morte é positiva

O cansaço é positivo

O tempo que escoa nos esgotos positivo

E todos olham no céu a bíblia do empreendedorismo


E todos tentam prolongar a validade o máximo que podem

155
Roma Mesopotâmia Cusco Shangri-La Cairo Kyoto Tenochtitlán

Sol, oh sol, como podes suportar


Todos esses olhos sem pupilas?

Crescem os prédios, crescem os fungos, crescem


As moedas virtuais e crescem crescem as bundas
Das mulheres-robôs só as almas
Nunca crescem
E temos todos que lutar para que esse projeto
Do tamanho do multi e do meta universo
Se expanda para além da nossa morte

FELIZ FELIZ TRABALHO FELIZ

“Cocô cocô cocô muito feliz!”

É proibido estacionar albatroz!


É proibido
Levar pelas ruas a tartaruga da contemplação
E é mais que proibido
Tropeçar nos buracos do mundo.

156
O futuro: homem esquizoide do século XXI e meio

Saio da sala dos espelhos dos bichos empalhados, torturados,


assassinados, espetados, suicidados, estuprados, queimados, asfixiados,
afogados, intoxicados, decepados, pulverizados, e vou caminhando a
passos longos ao futuro, 10 anos, 30, 120, 645...
A antártica inundará o planeta. A água dos rios secará. E a confusão
será nosso epitáfio.
Os ricos irão para Marte. Construirão cidades onde ninguém precise
de ninguém. E a confusão será nosso epitáfio.
Automóveis sem motoristas tirarão os empregos dos taxistas, dos
ubers, dos motoristas de ônibus. Aplicativos acabarão um a um com
advogados e engenheiros. Robôs com cantores, prostitutas, lixeiros. Os
poucos com emprego trabalharão 15, 20 horas por dia. E a confusão
será nosso epitáfio.
Antidepressivos tirarão a nossa dor, e também a reflexão e a o êxtase,
o orgasmo e arte. E a confusão será nosso epitáfio.
A luz do sol será usada como fonte de energia, mas o céu será todo
escuro, sem estrelas. E a confusão será nosso epitáfio.
As cidades serão verdes. Mas os animais serão apenas os amigos e os
escravos. As plantas apenas as com frutas. E a confusão será nosso
epitáfio.
A eternidade será uma verdade. Mas só os milionários a terão. E a
confusão será nosso epitáfio.
Modificações genéticas. O fim do câncer. A vida infinita. Implantes
darão informações ilimitadas à mente. Poderemos ver o que pensam

157
os demais. Nossas mãos serão de silício e logo de um gás
teletransportável. Os humanos se transformarão em outra espécie. Eles
nos extinguirão e depois rirão dos criadores. Seus sentimentos, suas
emoções, serão outras. E a confusão será nosso epitáfio.
O que exatamente queremos do futuro? O escuro olhará nossa espécie
como olhamos os dinossauros, os trilobitas e as baratas gigantes. Todos
perdidos no escuro e no tempo.

158
Ah

Ah

Acalme-se

Acalme-se

Talvez, provavelmente, você tenha razão

Mas, acalma a tua alma...

159
Sidarta
Sidarta, até o que te afasta te aproxima.
Esses languidos sorrisos invertidos
Essa vontade de assassinar o céu a cada dia
Essa imagem se repetindo por anos como um mantra
Os pensamentos pensando a si mesmos a cada céu que escurece,
Isso, quer você queira quer não, também te aproxima
Do humano que repulsas e admiras.

As noites circulares com os olhos colados no teto


As culpas vindas do passado, do futuro e dos erros alheios
Aquela vontade de imobilizar o universo
Ou lançá-lo nas fezes de toda a humana incontinência
E, ah, aquela vontade de bocejar da aurora ao último crepúsculo
E aquela voz que desde sempre te repete: “Você,
Você está sozinho neste mar de ilhas que se pensam continentes”
Isso, Sidarta, até isso te aproxima...

Quanto mais queremos explodir esse sol


E escapar deste céu que nos rodeia,
Mais a nossa sombra nos apunhala nos sonhos
E mais ela se confunde com a sombra dos demais.
Com abjeta humildade enfim reconhecemos:
Viemos do mesmo deus, do mesmo nada ou acaso,
Somos todos da mesma matéria que a poeira e os sonhos.

160
A eles, os anoitecidos

A eles que já viram


Muitos verões e casas mofarem
E que já viram a cidade se tornar tantas cidades
E o país mudar de nome, fazer guerra, virar laico
E que viram o bem virar mal e o mal virar bem
Para de novo voltar a virar mal,
A eles não, não queimem o ar em que respiram
Não os insultem como se nunca fossemos errar, como se não
Estivéssemos errados...
A eles, a eles que como o vento
Já estão prestes a sair pela janela...

Quantas vezes 60 são de trinta, de vinte, de quinze?


Quantas vezes 90 são de sessenta, de quarenta, de quinze?
Não julgue os que já pisaram tantas pedras e alfinetes
Não julgue quem vê as montanhas e céus
Que já foram deixados para trás,
Quem espera em calma sem sequer esperar,
Um dia, o outro dia, noites, anos.
Um dia, talvez, cheguemos lá
E seremos como a névoa da manhã
Sempre prestes a partir...

Você se considera melhor por ter nascido em uma atmosfera mais pura?
Eles, eles fizeram o melhor que podiam fazer
E viram a lâmina do horizonte que lhes foi permitida.
Não, não queimem o ar em que respiram.

161
E depois desse céu tumultuoso onde a ira é rainha, e depois
De sentir culpa pelas nuvens venenosas cor de chumbo e depois
De tentar como um monge ateu acalmar a sua alma, de tentar
Reconectar-se à escorregadia humanidade, sim
Depois como sempre vem a chuva deserta...
E pensamos em cada um dos sentimentos como em cada oceano
E jogamos a raiva para dentro de nós como uma pedra num saco
E vamos meditando, cavilando, ruminando, dividindo o mundo
em caixinhas
Nosso hemisfério direito e nosso esquerdo produzindo menos ou mais serotonina, dopamina,
oxitocina
E nossa vontade de deglutir ingredientes diminuindo e aumentando enquanto marcham
Os cavalos já idosos -
Cada uma das pontes que passamos se destrói
Nosso sangue, justo ele, deixando de girar.

162
A dissolução

Há uma voz que pede para voltar a nascer


Uma voz que quer que o mundo anoiteça
E tudo o que é real se destrua.

O que são os dias e noites presentes


Frente ao que poderiam ter sido?
O que os entardeceres onde se respira o amor
Frente àqueles que os pesadelos
Nos imploram percorrer?

Há mortos em todos os rostos,


Em cada sonho um aborto de sonho.
E ao darmos um passo para a frente
Buscamos o tropeço e a queda
Na dissolução das estrelas.

Isso - oh noite de todas as noites - é o que queremos.

163
Estou aqui
De novo tentando voltar ao passado
Segurando com todas as forças os ponteiros...
Como, como poder alongar os anos circulares
E fazê-los cheios de tantas riquezas
Que eles passem lentos como os séculos dos mortos?

Eu fui paralisado pelo tempo.


Desde criança paralisado pelo tempo.
Os aniversários um por um me assassinando,
O ar ano após ano mais escasso que o ar em que nasci...
Estou, entendam, ainda por aqui:
Recreios vazios, árvores sedentas e a espera
Do milagre que faça do tempo uma piscina morna e infinita
E não, não este rio sem consciência
Que um por um vai arrastando nossos sonhos.

164
Sempre voltar, voltar atrás
Para descobrir a névoa, a névoa
Que tanto os anos arrasta para si -
As casas, que tanto diminuem de tamanho
Os brinquedos, que ficam sem usar
E os ecos, que perturbam nossos sonhos submersos,

Voltar, voltar porque sem isso não se pode avançar


Mesmo que essa busca consuma todos os sonhos e horizontes
Porque a tua alma não pode sem ela voar ou rastejar.
Seguir, seguir em meio a uma cidade destruída
Em busca da sombra que originou as nossas noites,

Sempre voltar, voltar atrás


Até ver ela, a criança de olhos cinzas,
Esse ídolo que queima,
Que sempre queimará.

165
Os traumas

Esses golpes que nos fazem gaguejar


Que nos fazem engatinhar para sempre
Ou desenvolver garras de harpia vingativa -
São a arma e o pesadelo de estar vivos.

Enfrentamos a vida com essas pedras nas costas


E às vezes são lanças e outras crucifixos.
Elas são a fonte perpétua da melancolia,
Se por acaso queremos senti-la
Apenas temos que abrir seu quarto sem janelas.

Lá sempre está escuro e sempre choramos insones


Lá as vozes da casa e da escola são um mesmo e lúgubre refrão
O machado corta o cadáver mofado em mil pedaços
E lá os bonecos surrados nos lançam úmidos olhares
E imploram que nunca os deixemos.

166
O desespero

Lutar sempre contra as ondas do mar


Percorrer ano após ano
As cores de todos os desertos,
E abalar a melancolia nos braços da alegria
Da alegria, essa capa de poeira do universo!

No fim, já cansados de lutar contra as ondas


Fazer um corte, um corte apenas
Neste corpo que por acaso nos pertence...
Nos cortar para que uma gota pesada
Se espalhe e contamine
Este mar infinito.

167
O arrependimorte

Se a cada segundo
Se a cada mísero segundo
Há uma escada certa e outra errada
Como não sentir
O fantasmagórico zumbido?
Se a cada segundo
Se no mar da nossa mente
Há cinco tubarões nunca amigos
Que disputam a nossa carne e a carne dos demais
E se damos voltas e voltas
Tentando juntar nossos pedaços
Como poderemos obter nosso reflexo? Sentir
Que somos um ser uno que nada para a frente
E não essa explosão de tripas coloridas e escuras?
E se nossos desejos, se eles vagam como ilhas
E se nunca ao certo saberemos
Qual de nossos tubarões irá nos atacar,
E se em cada segundo há tantas sendas
Sem volta que se abrem
E se não conseguimos, a cada mísero
Segundo
Controlar nossos desejos
Em prol dos desejos dos demais e de todos
Nossos outros mil desejos
Fazendo o mal como a criança malcriada
Cheia de barro na escola, e se
É impossível tendo culpa não a tê-la,
Como poderemos continuar ou parar
Sem que no mar da nossa mente
Não sintamos um profundo naufrágio?
168
A satisfação

O ser humano busca um prazer a cada esquina


E busca a mística pipa
Que lhe dá o sentido ao escovar dos seus dentes...
E assim consome o tempo que lhe deram
Nunca feliz e nunca triste
Ou muito feliz ou muito triste
A depender do minuto que se for analisar.

Mas, se por um momento


Sob a lua que já brilhou em tantas eras
Ele começa a sorrir sem segundos de descanso
E a pensar na mulher, no trabalho e nos amigos que têm
E em que alcançou o topo daquilo que rezara ao nascer
Ele experimenta um estranho nirvana,
Uma sensação de que a vida será sempre assim
Como uma balsa no lago ao meio dia...
Mas, pouco a pouco, no voar dos dias e das redes que balançam
Um oco maior que um disparo ou um túnel
Começa a perfurar suas membranas de tempo...
E ele, como um pássaro que foge da chuva
Parte a buscar as sombras nas esquinas.

169
O tédio

Dia e noite viver


Em um mundo que nunca será teu,
Como não poder pintar as nuvens
Das cores que nunca existiram?
Pois para aqueles que nasceram no tédio
Todas as cores lhes cansam
Como cansa a maça ao leopardo...

A infância – essa ponte entre as trevas –


A vida adulta – esse mundo de pássaros cansados –
A velhice – esse prenúncio de batidas de cavalos –
Esse resto de última árvore...
Entre o bocejo e a tentativa frustrada
De encontrar um oceano entre as pedras,
As noites e dias passando
Como uma tela cinzenta.

170
Os dias passam como lagartixas suicidas
E nas noites vêm os mesmos sonhos
As ruas que de súbito escurecem
As sonolências de um cadeado nunca aberto

As mesmas chuvas e os mesmos desertos


Os mesmos brinquedos sob a cama
E derrotas e glórias repetidas à exaustão
Como o eterno dominó

Chegará o segundo preciso


Em que se abrirá uma fenda na lógica do tempo?
Já não suporto a repetição dos céus circulares
Sempre noturnos e silenciosos como um grito
E nem os agasalhos que nunca nos cobrem
E as lagartixas que das horas se alimentam.

171
Se eu pudesse expressar
O chorume de toda uma vida,
Ah, as esperas em janelas fechadas
Os pensamentos que se destroem e que juntos
Nos devoram,
Os desejos que atiram nas escadas
Que pouco a pouco construímos,
E os pesadelos a derreter a luz dos astros
E a fazer que adormeçamos desde o crepúsculo da aurora,
Tudo, tudo o que não é nobre nem feliz nem ao menos ilusório
E que tampouco é verdade,

Se eu pudesse expressar
Todo esse chorume gota a gota
Como um câncer que vamos pouco a pouco
Mostrando em uma radiografia a cores
E dizendo: é isso, ele é nosso!
E então cada boca de espanto e de tédio
Ao ver um monstro que não é o próprio filho,

Ah, em salas de espera inexistentes,


Em teatros onde esperávamos ser a única estátua,
Em rios de desejos de ter tudo e não ter nada,
E o afã por congelar cada céu no semáforo parado,
O medo das angústias e a atração pelas mesmas
A empresa que falimos por inércia, o amor
Que lançamos às pombas, os segundos
Que gastamos à toa pensando nos segundos,
E as invejas por todos os galhos que chegaram mais perto do sol
Desse sol de raios fracos e frios,

Se eu pudesse, se eu pudesse expressar


E poder, neste quente cimento
Seguir rastejando em paz.

172
A infâmia

Napoleão no alto da pirâmide, triunfante, contemplando a História e


os mortos dos reinos conquistados.
Hitler em Paris com um sorriso de plenitude e inocência, enquanto
pensa numa Berlim pronta para ser a capital do planeta.
Pol Pot, na selva cambojana com uma felicidade radiante de menino
aventureiro, sorrindo para a foto após ter dizimado seu povo em
infinitas plantações de arroz.
É tudo o retrato da infâmia. Mas um sentimento fundo, escuro como
uma carcaça que deixamos na sombra, me faz ter vontade de por eles
chorar: tantas, tantas vezes, eu também quase consegui!

173
Ouve, ouve a voz cansativa dos anos
A voz perfurada por antigos infernos
A voz das lágrimas nas gargantas mais fundas
Dos subterrâneos que anseiam a dissolução das estrelas,
Ouve, ouve como clama por cada noite abandonada,
Como clama por tempestades que destruam a fonte do céu,
E de cada amor não devolvido
E de cada formiga esmagada no deserto
E de cada iceberg que não encontra sua voz
E de todos os insones
Que não choram e nunca chorarão,
Surgirá a árvore de sangue,
A árvore dos desterros infinitos...

Se reúnam, se reúnam ali. Abram os braços, se ajoelhem


E vejam: quantas lágrimas e armas
Não foram usadas em vão? Quantas
Quantas árvores e estátuas não caíram no caminho
Para que o mundo, tão alheio
Não continuasse sua órbita vazia? Pensem
Pensem nesse mar que abocanha os fantasmas,
Que chuta o nosso sofrimento como a um mísero mendigo,
Como, como pudemos nos esforçar tanto pra amá-lo?

Ouve, ouve essa voz que não te quer


Que diz a verdade como o menino que se mata
Como a mulher que amaste e que jamais lembrou de ti,
Há ilhas e mais ilhas que gritam por socorro
O suor teu e o do mundo não podem salvá-las
Você está sozinho e eles, mesmo sem saber, estão sozinhos
E a tempestade, ela já arrasta as últimas árvores
Vão todos os restos da batalha

174
Sendo deixados para trás... Lá, lá no lugar
Onde os mortos recém-nascidos adormecem.

Ouve, ouve a voz cansativa dos anos


A voz que te diz nunca e que aprisiona teus sorrisos
A voz dos sonhos que vão virando pesadelos circulares
A voz das cinzas que não conseguem nunca virar chamas
Das crianças soterradas que imploram que morramos com elas
A voz de todos os que anseiam por esse céu sem estrelas
Por essa fratura imensa que esvazia nossas almas,
E de cada amor não devolvido
E de cada subterrâneo abandonado
E de cada casa destruída e de cada
Desterro de noite não vivida e de cada
Sofrimento engasgado sem poder se libertar,
Surgirá uma voz de sangue
Uma voz que te chama para o fundo do oceano
Uma voz que perdura a todas as noites:
“Nada, neste mundo, ficará.”

175
O ressentimento

Quando eu era recém-chegado nesta ilha


Em mim muito bateram,
E eu olhava com bondade meus agressores.
Passados alguns anos as meninas nem me olhavam,
Eu era um galho seco de um arbusto,
Com muita atenção, no máximo podia dar pena...

Meus silêncios eram infinitos,


Meus pensamentos giravam para outros planetas,
Riam de cada uma de nossas palavras,
Da nossa existência riam como de um peixe esquisito
E quantas vezes
Não dissemos: nos vingaremos?

E nas noites
Me ponho a ouvir aquelas vozes...
“Eu era uma menina ignorada pela mãe
Nem minha mãe me considerava bonita,
E as meninas riam, me chamavam
Catapora, porque meu corpo era cheio de manchas
E meus cabelos bagunçados para o alto.”
“Eu era pobre, muito pobre
Olhava como a van buscava a todos
E eu voltava a pé, duas horas para casa,
Meus pés calejados no caminho de barro.”
“Já eu era doente, mais doente que os velhos
Não podia brincar, só ficar na cama tossindo,

176
Todo ano me falavam que eu podia morrer.”
“E eu era um autista que levava pedradas dos demais.”
“E eu era uma menina abandonada pelo pai em drogas viciado.”
“Eu era uma criança nem menino nem menina
Que esperava que a professora, o padre ou o doutor
Me explicassem o que eu era.”

Hoje, às vezes, me deito no sofá e imagino


Que sou o presidente deste reino imprestável
Que soldados se dispõem a morrer em meu nome
Ou que todas as teorias, invenções e descobertas
De todas as eras pertencem a mim,
E que eu tenho os pensamentos e sentimentos de todos os homens
Como uma tela mágica em que Deus se entretém
Com o mundo,
E aqueles que lançaram pedras perdem os cabelos
E aqueles antes mais fortes rastejam num riacho de fezes ferventes
E cada um me devolve o tempo que de mim foi roubado
E me deposita em cada pesadelo uma indescritível
Alegria,
Que me faz, enfim, dormir em paz no meu vazio.

Mas, ao estar deitado assim neste sofá


Também sinto aquela sombra no escuro...
Em minha garganta há uma pedra áspera e ardente
Que não mata e não pode
Jamais ser engolida.

177
Como se livrar - por um segundo sequer entre os segundos -
De toda essa sujeira, como o mofo
Sobre as tampas das privadas mais antigas?
Como se livrar desse chorume, desse esgoto inacabável
De autopunição e visões de pombas mortas?
Como, como dar sentido as gotas dispersas da vida?
Como unir esses pontos malditos
Numa única reta divina como o inexistente destino?
Como fazer que não haja apenas morte, espera e essas fezes
Espalhadas pelos cantos dos móveis?

178
E agora vamos ao tema
Que deixa o ninho das aves quentinho
E os cachorros sem humanos como desertos sem oásis.
O tema que ao levantar suas asas de pterodátilo sem olhos
Faz os vulcões do começo do mundo destruírem
Até as ilhas mais distantes.

179
Te procurei em todos os trens até encontrar-te,

No fim de um deles tua alma levantou-se:

O amor – essa ilha do outro lado do mar –

Me olhou como se o mundo

Acabasse de nascer.

180
Você se escondia entre a névoa
E eu te buscava como quem segue seu fantasma
Sim, você era um doce e enigmático fantasma
Me falavas que não passavas de uma ideia...
Mas nunca amei tanto tocar uma ideia!
Eu podia ficar anos e mais anos
Abraçando teus pensamentos.

181
Quantos, quantos barcos foram necessários
Para que eu pudesse encontrar tua orfandade?
Nos templos do desespero te esperei por muito, muito tempo
Sozinho com a escuridão em minhas mãos.

182
Quando a conheci ela não falou sobre livros,
Não falou sobre teorias alheias
E nem sobre acontecimentos reais.
Ela apenas contou a sua vida
E me narrou um sonho estranho
Em que morria
Na mesma hora em que nascia...

E tudo isso ela me disse


Enquanto me acompanhava à minha casa...

Eu lembro
Pois ela caminhava como se fosse cair

E eu lembro:
Seus cabelos eram negros como noites mal dormidas
Seus olhos puxados como as terras distantes
E sua voz pesada como os que querem morrer...

...

E às vezes riamos de tudo por horas,


Riamos dos outros e das crenças alheias
Riamos da família e de nós por igual
Riamos de nossos colegas, estudantes
E do amor entre Jesus e Madalena...

...

Passados dias me deparei pensando nela,


Lembrei de suas histórias como quem não pode esquecer.
E agora que os anos passaram e tenho pesadelos sozinho
Observo uma mancha que cresce no espelho.

183
En el medio del puente

Te evoco en el recuerdo
Llena de infinitos como una tarde de lluvia.
Caminábamos por un puente lejano
Ahora con los años lejano
Y me contabas de tu padre
De tu viaje a Japón
De tu infancia en un barrio pobre de Brasil…
Y después te miraba dormir a mi lado,
Tú tenías todas las edades al dormir,
Todos los cielos donde el viento no existe.

Sí, tú hacías las olas agrandarse para enseguida reventarse


¡Eras la luna que manejaba las estrellas ya extinguidas!
Y aquel día
Me contabas sobre tu padre
Siempre ausente
Me contabas como en una tarde como esta
Pasearon mano a mano sobre este mismísimo puente
Y era un recuerdo dulce, dulce y triste para ti…
Y hoy, hoy te evoco,
Mágica figura del mundo
Desprendida del hastío de mis años.
Te evoco, te evoco a ti
Que siempre caminas por mi puente mientras duermo.

A ti que siempre me apareces y tú huyes o yo huyo


Por una extensa escalinata
184
Por una caída sin fondo y sin principio
De la noche a la noche,
De la nada a la nada.
Y a veces me besas y a veces
¡Te transformas en una anciana que se muere!

Ah, como te admiraba


Eras mi heroína en este mundo de idénticas nubes,
Como me encantaba tu loca sonrisa
Que prenunciaba las tempestades del otro lado del mundo,
Cómo, como me encantaban tus digresiones y manera de hacer chistes
Y algunas veces, como un milagro
No me sentía sólo en este mundo
En este mundo que ya en la niñez nos abandona.

Ah, a veces yo era tu padre y otras


Tu hijo,
Y el mundo que separa a los seres
Permitía que muchos se juntasen en ti.
Tus muslos blancos en el cuarto en penumbra
Las caminatas por caminos oscuros en la universidad,
A veces yo te arrullaba en mi pecho, y otras
Tú acariciabas mi vacío
Como a un animal enfermo que duerme…

Te evoco,
Te evoco hoy más que nunca,
Pues hoy, por azar, en esta tarde
Me vine a caminar por este puente.
Cae la lluvia igual que antes,

185
Igual que cuando yo estaba a tu lado y tú con tu padre,
Cae despacio y siempre llega al suelo.
Te evoco, te evoco desde ahora hasta mi último sueño
Hasta que dejes de conversar conmigo mientras duermo.

186
Teu mundo
Está repleto de árvores de sonho
De canoas que atravessam o sonho.

Eu me entrego às tuas mãos


Tão fundas
Como o céu embaixo d’água.

Teus seios
São como a floresta
Onde nascem os milagres.

O céu que há em ti
Se alaga de teus sonhos,
De tuas luas cobertas de araras.

E nas tuas mãos, mãos de conchas


Tu juntas todas as estações tropicais
Na tua chuva perpétua.

187
Minha vulcã de cabelos ruivos, ao longe sempre visível
Caminhas como uma patinha apresada pelas ruas do centro
E me abraças como quando criança
Corremos para abraçar nossos pais.
Quando te conheci, você lembra?
Você vestia uma camiseta de unicórnio
E falava sobre abduções e suicídios e mundos em outros planetas,
Já eras diferente na forma de olhar para o caderno de estudos,
Falavas sobre as provas de concurso e sobre saídas do corpo,
Tinhas já no primeiro olhar aquele sol violeta que atrai...
E eu te amo como o meteoro que matou os dinossauros
E eu te amo como as bicicletas que escapam da trilha
Como as ondas repentinas que rompem nossa paz
E você é única como o rinoceronte negro oriental
Única como um cérebro de um dragão perdido num museu
Você que como eu veio ao mundo com fórceps
Você que sofreu do abandono como uma cratera o meteoro
(Teu pai que te deixou e tua mãe
Que te amando nunca soube demostrar),
Você que passou a infância batendo a cabeça nas paredes,
Que tem uma filha e que compra brinquedos para si
Que já cheirou cocaína no banheiro da empresa
Que é magra e tem alma de navio em busca de alimentos
Você que tropeça nos moveis, busca a chave, e bebe café e cerveja com tudo
Que ri sem ética e com plena liberdade
E nua parece como uma grega em uma pintura renascentista
Com o mais profundo eu te amo no momento do amor,
Você é única como o terremoto em São Paulo
Você é única como a lua ao aparecer ao meio dia
E eu te amo como as crianças amam seu primeiro animal de estimação
E eu te amo como quem tenta sempre voltar ao mesmo sonho
E eu te amo como o sonâmbulo que não consegue deixar o seu corpo
Minha agitadora de emoções violentas no vazio dos dias
Minha abduzida no berço quando a tua família toda viu uma luz tão intensa
Que teve a certeza de que tinham te trazido de outro mundo,
Minha repetidora de pensamentos de fevereiro a dezembro e
do meio dia à meia noite
Que vê em sonhos as 69 reencarnações que jura já ter tido
188
E que espera da vida uma porta a outra vida
Mesmo temendo a eternidade como a uma tampa de aço,
Você que usa e sempre quebra teus óculos
Que limpa as superfícies mil vezes
E que sempre vasculha meus ouvidos e nariz,
Você que me faz rir como ninguém
Com piadas sobre teus amigos bêbados vinte anos mais velhos
E sobre um filho que teríamos, metade sonolência e metade bipolar
Metade ateu e metade esperançoso pelo além,
Você que fala inclusive enquanto sonha
E que come de boca aberta como eu
E que fala tudo o que não deveria ser falado
E que anda e bebe e conversa comigo pelas ruas do mundo
Você é única como o som do coração quando começa a bater
E eu te amo como os aviões que perderam suas asas
Como as ilhas que foram inundadas pelo mar.

189
Abres tua alma na hora do amor,
Me recebes como a flor do infinito,
Tua pele é uma orquídea violeta
Que acumula as águas do prazer.

Um riacho corre alegre enquanto nos unimos,


Tranquilo enquanto nossos corpos se agitam.
Eu te conheço e você me conhece,
Eu sou você, você é eu...
Teus olhos sussurram palavras aladas
E nossos corpos juntam o sonho com a realidade.

Antes que sucumba eu sinto:


Do nada explodes para dentro
Perdes a consistência e soltas um grito
Mais forte que todos os pássaros do céu.
Não, não há nada mais bonito do que uma mulher quando goza.
Ela abre a mente para um céu sem pensamentos
E seu corpo se contrai e expande
Como se buscasse o infinito.

190
De la lejanía…

Hay una tierra


Llena de maleza y tiburones
Donde reina el olvido
Y la tristeza nos alimenta como un río
Hay una tierra
Huérfana de sentido y plenitud
Donde todo ya fue bello como el relámpago y la espera
Y los dos soles del planeta formaban una luna
De luz azul roja y amarilla
Sí, lleno es ese lugar ahora de dulces serpientes
De puertos olvidados o apenas soñados
Y en él hay lágrimas que se convierten en hielo
Y en él hay multitudes que adoran a una estatua
Que es y no es Dios
Que es y no es uno mismo

En ese lugar de naturaleza y espanto


Anclo mi barco mi tren submarino
Lo anclo en todas las noches y días que lloro
Que lloro solo como quien se sujeta a un sueño,
Y en éxtasis veo venir hasta mí
La dulce y triste procesión
De los amores perdidos.

191
Na antiga praça do relógio

Hoje me sentei em uma praça


E vi as folhas que caíam uma a uma
Enquanto me lembrava lentamente
Das mulheres que um dia eu amei.
Então, quando o poente veio e ouvi as badaladas
Pensei que elas, enfim, entenderiam
A aflição de ver o mundo como um morto à deriva,
Catarina, ela, que ouvia o grito dos pássaros
Caroline, ela, que contava as sombras do arco-íris...

Sim, eu sempre amei as problemáticas


Pois elas sabem da verdade.
Das escadas que levam para dentro
E não nos deixam jamais,
E não nos deixam jamais,
Dos corredores que percorrem o infinito
Dos sonhos que se rompem em espelhos
Das fraturas, das penumbras, dos incêndios
Dos retratos, dos relógios, dos invisíveis
Orfanatos,
De tudo o que não pode ser contido
Das esquinas que desaparecem na neblina
E desembocam em um mar
Escuro como o rosto de um cadáver.

192
A estação dos amores
A estação dos amores perdidos
Está coberta por uma névoa de tempos distantes
E nela, às vezes
Nós vemos dois arco-íris.

Há trens que chegam e não chegam,


Há trens que demoram uma vida em chegar,
Os céus gritam um nome a cada vez
Ou explodem e confundem os nomes,
E tudo é árido e submarino
E tudo é espera e passos que se vão
Como um louco que persegue o horizonte
Como uma sacola que voa pelos ares...

Um filme que nunca terminou,


Que nunca, sentados no distante sofá, acabamos de assistir.
Sempre na estação há um momento em que todos se sentam
E pensam no que foi, no que poderia ter sido...
Jovens e velhos olhando para o céu estagnado
Enquanto os trens chegam, vão, rompem o horizonte
E o antigo relógio, num poste abandonado
Parece dar sempre e sempre a mesma hora.

193
Você fez amigos em tardes de vento,
Aprendeu a sorrir e a rir,
Deu a mão a estranhos e amou-os,
Teve uma namorada e amou-a.
Mas o teu peito continua
A ser um porto onde os barcos não chegam.

194
- Você viu? O vulcão destruiu todas as ilhas. E agora os dias são iguais,
as insônias assolam esta terra devastada, e os pesadelos mostram um
ônibus que parte e um rosto que fica.
- Mas não tem chance de vocês voltarem?
- É cruel, mas, na real... Quando isso acontece, ou nos afastamos do
amor ou acabamos com nossa vida.

195
La soledad y sus brazos infinitos
Sueño tras sueño e insomnio tras insomnio
Como los senos invisibles de una luna que huye
Por siempre más allá del último horizonte,
Cuando miras hacia atrás
Diez o veinte años han pasado
Y la soledad continúa
La soledad y sus brazos infinitos
(Esos que jamás nos matan y que siempre
Nos ahogan),
Murciélago blanco que vuelas sobre nuestros sueños repetidos
Agua turbia que escapa del desierto
Y las voces de desalentadas sirenas
El amor como la imposible confluencia
De dos planetas de universos lejanos
Y los tan prometidos colores del desierto
Los colores de una playa siempre viva y sin fronteras,
Todo, todo siempre en el espeso
Más allá
Y aquí el vacío de un cuarto
Sin fantasmas
La soledad y sus brazos
Infinitos.
196
Ama as estrelas que alumbram teu caminho
Mas igualmente ama os tigres
Que na noite tentaram devorar-te.

197
Haicais da noite em espiral

As nuvens se desgrudam do céu.


A infância – essa lágrima escura
Não nos deixa dormir.

Batidas na porta.
Após anos separados
O vazio.

Na noite não há nuvens


Elas escapam do dia, vêm
Escurecer o coração.

Lá fora as estrelas.
Aqui dentro o relógio.
Entre os dois: a insônia.

Ouço a voz: cada estrela


É uma lembrança no céu. Mas você
Nunca irá para lá...

Inquieto ouço a noite


198
Mas o relógio é mais forte
Morte morte morte.

Com a chuva um cão


Começa a latir. Ao longe
Vejo eu refletido...

Viajantes, quantos
Não são mortos na chuva? Sinto
A dor das formigas.

Na noite o dia
Não existe. Raios nos lembram
A vida perdida.

Noite, noite espessa


Quem não olha teu olho
Não conhece as estrelas.

Tremem as janelas -
Agora a tempestade é mais forte
E agora a casa girando, girando...

Tudo gira. Os anos passam

199
Pensei que a noite
Da vida, também acabaria...

De súbito a calma
Algo, no escuro, se aproxima
Após anos de espera.

Amor – línguas de fogo


Proclamam noite mais clara,
Amor limpa minhas mágoas...

Como, no escuro, não ver


O rosto dela mais claro? Tento
Levá-la a meus sonhos...

Onde ela está? Está caindo


Fugindo, seus cabelos
Castanhos - flutuam no mar.

Queda. Vertigem.
Agora eu que vou girando,
girando
No fundo – águas negras.

200
Um homem cansado
Vê – recostado em um poste –
O fim das estrelas.

Sombra. Abrir de portas.


A luz treme. A lâmpada
Do sonho se rompe.

O que no espesso vazio


Foi sonhado? Só lembro
Do frio das pernas.

Lagartixa do sonho
Como poderemos cobrir-nos
Com a mesma coberta?

Névoa – cortinas
Quantos, quantos viajantes
Não se perdem ao sonharem?

Novamente: insônia.
O relógio, o eco, os fantasmas
De tudo o que nunca, e sempre
Seremos.

201
Lua
A noite Quem somos
Ela olha Seremos
A todos Quem fomos
De dentro Esse grito
Ela espera Silêncio
O sonho Essa espessura
Preciso, De sombras,
No mais Não a desprezes
Indefenso Jamais.
Dos dias, Ela
E nos cobre A noite
Com seu manto Te espera
De vazios No mais
Eternos Indefenso
Dos dias

202
A PAZ

Você nunca alcançará

203
A canção do ônibus que sacoleja pelas ruas

Sentir o vazio
É como ter uma perna amputada
Só que ninguém o percebe,
É como andar neste ônibus cheio
E ninguém perceber,
Que tua alma está partida
Que há um fantasma a buscar outro fantasma.

O vazio pesa como um câncer no estômago do nada


Se espalha pelas veias
E isso não é uma metáfora.

É metáfora para quem não tem nenhum buraco negro


Nenhum desses eternos que vai sugando teus órgãos
E faz teu cérebro querer explodi-los...

Haverá um dia
Em que as pessoas
(Nos ônibus, nos pontos, nos escritórios, nas salas de aula)
Verão os vazios dos outros
E porão as mãos na boca em espanto
Como se estivessem a ver um aleijado
Ou um simples fantasma.

204
Tristeza, dá-me a tua mão
E caminhemos altivos ao passado
Onde todas as casas são iguais
E onde um sol negro se levanta
Trazendo nos seus olhos o murmúrio
Do mar que nunca chega.

Tristeza, dá-me a tua mão


E demos voltas pelas ruas infinitas,
Como se só pudéssemos seguir
Ao darmos passos para trás...
E contemos as formigas que pisamos,
E cantarolemos a canção da nossa vida
“Tudo já passou e tudo ainda não passou,
Tudo passou e tudo nunca passará.”

Tristeza, sim, dá-me hoje a tua mão


Deixa que eu fique bem alegre contigo,
E vamos juntos pelas árvores do sonho
E vamos pelas sombras de todos os que foram,
Extasiados com o belo abismo do mundo,
Felizes por ter um ao outro.

205
Caindo

Caindo

De novo em cores, sons e precipícios

No meio do caminho adormeci

O mundo se tornava gotas que sobem

Rostos com verrugas gigantes na chuva

Tudo ventando em círculos medonhos

A própria terra se abre quando passo

206
E caminhei para dentro e para fora
No meio do caminho escurecido
Sem conseguir encontrar a aurora,

E os relógios da infância tinham ido


E as brincadeiras tornadas negro halo
E os corpos do amor já afundados,

Mergulhei na tempestade de gelo


Quando vi as feras que queriam
Que cruzasse o rio em crocodilo

Não há sequer um barco? – era o que eu gritava-


Entre os redemoinhos das poeiras infinitas...

E já com a cabeça nas águas que fluíam


Vi cidades com torres violetas
E os ídolos que mesmo nas águas ardiam...

Eu atravessava, ainda que não me mexesse


Para o outro lado do mundo invisível,
E o real, na minha dor, era como se derretesse.

“Caronte, poderemos
Cruzar este rio duas vezes?”

207
Me despierto en las calles del mundo
El río que crucé se evaporó por completo
Mis sueños son como zombis que me gritan al oído
Hay un vendedor de caramelos con ojos de roja adicción a la locura
Un pordiosero en el suelo que habla sobre Dios y una vagina
Los buses cargan hombres que derriten de sudor y de insomnio
Hay charcos de orina sobre las veredas polvorientas
Me pierdo poco a poco en la última frontera
Siento frío siento sed siento el vacío de los muertos
Siento las sombras que me pegan como si fuera un animal
Hay una crisis que construye un hueco en la realidad
Los pocos edificios me dan miedo
Sus sombras crecen como como las pesadillas de los monstruos
De las ventanas cantan las mujeres de la muerte
¿Qué he hecho para merecer el desierto del cielo?
¿Ese cielo de edificios, ese
Ruido de apocalipsis que trota en las laderas de la nada?
Los rostros pegados en sí mismos, el grito
De los que nunca son vistos
Y dentro de mí el río seco que cae al abismo
Una voz de enfermo que sueña con animales que flotan
De niño que les pone fuego a sus padres mientras duermen
¡Mátenme!
¿Qué más entre esos sonidos que no nos dejan soñar? ¿Entre
Esos túneles que nos llevan al centro del dolor?

Las hojas caen del cielo de edificios


En algún apartamento hay un entierro lejano,
Tocan el concierto de los dioses de la noche
Música rock, clásica, jazz
Ella se expande como un terremoto de vísceras
La tierra se disuelve por completo cuando paso
Los taxis flotan en la niebla
Y yo aprieto los controles del corazoón del sol
Estrellas, cruceros, mansiones
Chozas, cerros, desagües
208
Todo pide que atravesemos el espejo
Todo flota como un misterio que cae

Que cae hasta que decido ir más fondo


Al cielo más oscuro del océano de mis sueños,
Y veo lo que compone los huesos de la nada
Lo que duele sin doler en los agujeros del sol,
Y por eso parto en un viaje interestelar
Hacia las multidimensiones de mi cuerpo
Y me expando por las alcantarillas, los pájaros sin alas, los plomizos arcoíris
Y voy siendo colores que explotan y sonidos que rebotan en aguas
ancestrales
Y voy perdiendo el peso de mí mismo mientras vuelo
Y oigo los árboles que les cuentan el secreto a hombres jorobados
Y veo la llovizna a colores sobre los vivos y los muertos

En la plaza el loco Syd sonríe al ver la mágica llovizna


Dicen que enloqueció al hacer la música más verdadera
Sobre viajes al espacio, espantapájaros y los sueños de los niños,
Sobre la primera visión que tenemos al pisar este planeta.
“Pasa” – me dice – y entro a ese mundo,
Yo veo a todos pero nadie me ve,
Personas, animales, unicornios,
Los cables de luz que interconectan pensamientos,
Las bicicletas que se mueven por mágicos relojes.
Hay sólo un ser que me ve,
Una paloma calva me muestra los dientes…
Pero sonrío y me alegro
¿Qué importa el mundo? –le digo–
¿Si podemos recordar la cima de los montes violetas
Y el olor de ese mar que nunca vimos
Profundo como el olor de los recuerdos?

Estoy ahora en la calle de nuevo


Estoy mareado y bebo una cerveza
Fumo un poquitito de hierba
Voy caminando y volando y zambullendo en el infiniterno
Y en el corazón del volcanoave,
Alegre como quien vio al pterodáctilo negro
Y se encontró consigo mismo.
209
Hasta que en un callejón lleno de basura
Veo primero al mendigo, luego al leproso
Y por último al muerto de los muertos.
No, no hay como escapar
La tapa del cielo cayó sobre Syd y lo aplastó,
Sus órganos se expandieron hacia dentro…

Todo seco, todo


Caca seca, orín seco, aire seco
Todo, como espejos, llano nuevamente
Sin montañas, árboles, sin el verde océano,
Me meto en las calles del centro del mundo
Una drogadicta delgadita me pide que le inyecte
Un hombre de saco la mira y le escupe
El centro de cada ciudad es el espíritu del mal
Acá todo es orín desidia y gritos sin sentido
Una crisis vuelve y me ataca el pulmón
Todo es un aire irrespirable
El pordiosero que habla de vaginas me saluda
Los coches bocinan en una cola al infierno
El ambulante ahora trae a su hija a su lado
La niñita me pregunta si quiero caramelos
De las ventanas las mujeres de la muerte me saludan
La tristeza es un corazón pisado en el cemento
Paloma muerta que vuelas para siempre
Cabeza que te ahogas en el pozo de la nada
Grito que empiezas y terminas en la misma palabra
¡Mátenme!
Y voy volviendo hambriento por sueños y esperanzas
Me arrastro por la realidad como un fantasma que sangra
Como un loco sin sombra, como un espíritu del mal
Que apretó los controles del corazoón del sol.

210
Acorda, acorda... Olha
Diretamente para os buracos do sol,
E escuta os ecos que saem da lua,
O eclipse eterno
Entre a razão e a loucura.

211
O natimorto
Nasci de um pai tartamudo
De uma mãe que me batia
E não sei como vim ao mundo.

Não tenho relação com as estrelas


E nem com as plantas daninhas,
Eu não escolhi este mundo
E nem sequer coloquei
Esta mente neste corpo...

Como eu que nem o fora nem


O dentro escolhi,
Posso sentir que o mundo é bom?
E pensar no que sou no que serei
Se nem entendo essa mancha no espelho?

Fui crescendo assim sem pegadas


Com uma sombra que me deram,
Pois eu nasci com pensamentos
Que não queriam que tivesse...

Fecho os olhos neste quarto


E me imagino flutuando
Em um escuro sem fim.

212
Os apocalipses solitários

Todo suicídio não é mais


Do que um assassinato tecido a várias mãos.

As cidades e os homens de negócio


Os países e as modelos planetárias
Olham da janela o céu imperturbável
E não percebem o grande apocalipse
Do velho que não dorme e do menino
Que pinta a sua noite em seu olhar...

E o que acontece é o seguinte:


Por muitos anos e noites mal dormidas
Engenheiros trataram de alfinetar o boneco
Até que este se alimentasse do seu sangue
E cometesse Harakiri.

A frieza dos metrôs


A mãe que caiu do mais alto arranha-céu
As meninas que a ridicularizavam por ser gorda
Fizeram que Amanda
Jogasse o seu corpo para dentro
E se ajoelhasse
No fundo do mar.
Já Carlos
Lembrou dos olhos que o batiam
Do pai que se arrependia de tê-lo gerado
Da esquizofrenia dada de presente ao nascer
E então ligou o gás
213
E esperou que a cozinha
Se convertesse no inferno...

Não, nunca esqueça:

Todo suicídio não é mais


Do que um apocalipse solitário
Cavado pelas mãos dos assassinos.

214
O suicida

Eu comprava pães doces na padaria da esquina


Mas eu estou cansado de lá.
Às vezes, é verdade, tem uns sonhos bons,
Uns sorvetes com caramelos que explodem na boca,
Uns bolos cremosos com misteriosos recheios.
E às vezes fico observando as pessoas
Como se observasse bolhas de sabão,
Seus sorrisos são como luzes, suas esperas
Como sombras passageiras...
Mas pensa, faz tanto tanto tempo
Que até as nuvens são iguais,
As mesmas bicicletas do lado de fora
Os mesmos rostos que entram e saem
E os grãos de açúcar formando
As mesmas figuras sobre os pães.

E não sei por que, não sei mesmo


Faz poucos dias lembrei de quando era criança:
Na escola, estávamos todos de mãos dadas
Girávamos sentados na roda vermelha,
E eu girava, mas não gostava... E então eu chorei
Chorei como há anos não fazia
Mesmo que a cada segundo desta vida
Eu sempre tivesse tido vontade de chorar...

E hoje, nesta noite, resolvi


Eu não vou mais pra padaria.
O sonho que ainda tenho na mão
Vou comê-lo como se nunca
215
Tivesse comido um sonho. E depois
Não vou mais para lá. Se eu pudesse
Iria para outra padaria, com outro céu diferente,
Com sombras e vozes de pessoas diferentes.
Mas, me disseram, não há outras no bairro,
E não há outras na cidade nem no mundo.

Quando era criança eu girava na roda


E às vezes, quase nunca, até gostava...
Mas, mas sabem, eu
Eu não quero mais girar.

216
Adormece, adormece
Para não ver novamente
Essa explosão silenciosa,
Essa suicidante
Verdade,
E esse sangue
Que coagula em contato com o sol...

217
No meio do caminho deste sonho
Eu encontrei esse varal apodrecido,
Onde as lembranças fazem ninho,

De cada ovo, sim, saía um condenado


Tinham na boca uma noite espantosa
E tudo o que diziam era findo,

Ah, pra fugir de uma boca asquerosa


Eu mergulhei a cabeça entre as ondas
E esperei a revelação silenciosa!

Da ilha-vulcão saíram labaredas


De sonhos esquecidos surdamente
E tudo o que era findo virou sendas...

Meia-noite. Voltei a errar vagamente,


Toquei esse varal de casa abandonada
A porta desse ermo se abriu lentamente...

Foi quando eu vi a cara machucada


Daqueles que cansados da mente
Se escondiam em ação distorcida.

E o que eu vi acontecer lentamente?


218
Como num sonho os silêncios cantavam
E as sombras tremiam no ar silente...

No chão os escravos e reis copulavam


Na sombra as velhas sangravam o dedo
E todos, sentados, vazios, contemplavam

Olhando, escutando o som mundo


Tateando, sentindo o nunca topo
Absorvendo o tom surdo e o sem fundo,

“A guerra terminou faz muito tempo”


Me falou um deles olhando fixamente
Para o relógio de carne sem corpo

Que dava as horas brancas loucamente...


“Agora podemos nesta tediosa cozinha
Passar a vida ou a morte como teste.”

Foi quando uma televisão ligou sozinha


Todos olharam os fantasmas que saíam
E pararam de comer a insípida farinha

E transar sem gemidos, pois nem riam,


“Um dia seremos como eles, os fervidos
Só agora vemos, éramos só almas que iam!”

219
Mas logo voltavam ao cansaço, ao gélido cansaço...

“Estamos contando os segundos sem segundos,


Esperando que passem nesta sala de espera
Você quer nos contar teus segredos?”

PARA QUE POSSAMOS AGUENTAR ESTE MORMAÇO, PARA QUE


POSSAMOS AGUENTAR ESTE MORMAÇO

E estava tudo parado na imutável esfera


E estava tudo azul no árido cosmo
E eles me olharam como quem apenas era,

O mar se abriu, o vulcão expeliu a si mesmo


Pterodáctilos cruzaram o fundo
Do coração do mamute a esmo

De cada gota subiu um condenado


De cada lagoa um redemoinho
E o sangue se juntou todo gorado,

No meio do caminho deste sonho


Eu rasguei no poente o varal apodrecido
E a vida escureceu todo o caminho,

O ninho da humanidade estava ensombrecido.

220
“Está muito pesado esse fardo?” – perguntei ao senhor
Que olhava e não olhava a concha das nuvens.
“Tem só arroz, nada que pese a alma, rapaz”
E então chegamos à base da montanha
E então pernoitamos sob a lua cor de vinho
Sonhando junto a nossos ancestrais...

O monte Fuji é mais belo quando amanhece


Nuvens de algodão se juntam à neve
Enquanto os raios de sol atravessam as flores.
Ficaria lá bebendo chá toda uma vida
Mas ele me falou que tínhamos que ir,
Tínhamos ainda que atravessar todo um bosque.

“O anel da melancolia em algum lugar está perdido


Embaixo ou em cima de alguma árvore frondosa.”
E como num sonho entramos no sagrado labirinto
E ele se pôs a ouvir o riacho das horas
Onde o tempo dissipa e retém nossos reflexos.

“Riacho, onde a filha da lua perdeu seu círculo de névoa?


Como podemos nos livrar deste fardo e encontrá-lo?”
“Abandonem, abandonem a alma e suas pedras” – era
O que o riacho cor de sangue sussurrava...
E então alegres retiramos nossas cascas de inseto
E então alegres começamos a buscar,
Cantando canções em louvor à natureza, contemplando
As garças que sorviam as águas da memória...

Mas... mas quando pisamos no galho apodrecido


Veio aquilo que junta o céu com a terra.
E a confusão começou a ser nosso epitáfio
221
E as horas, no riacho, foram se tornando círculos de água
E as sombras, das árvores humanas,
Passaram a ecoar nossas lembranças...
Nossas mais escuras lembranças
De quando ainda tateávamos o mundo!

Sabe, queria permanecer lá no monte Fuji


E sua névoa delicada de algodão.
Agora, agora está tudo encharcado
O arroz cai e se mistura ao lodo e às folhas
Nunca vamos encontrar o anel.

222
Tapete dos sonhos
Em cada fio seu entrelaçado
Um tempo se elabora.

De um sonho a outro sonho


O que está estendido?
(Como, oh ocaso, podemos
Entrelaçar os segundos e anos?
Onde, onde a eternidade?)

Paisagem sua sem cor ou substância


Os pássaros que por aqui já passaram
Se perderam no escuro
Esbranquiçado dos seus sonhos circulares.

Quem, quem descobriu o segredo


Se perdeu no antes, no além e no sem-nome?
Milhões de retratos desde o escuro nos olham
Os olhos de plantações de escravos nos seus infinitos trabalhos...

O trem, no fim do oceano se perdeu.


A mão, sozinha deu adeus.
As pombas, uma a uma, caíram das nuvens
A lua, ela absorveu todas as luzes
De todos os olhares lá embaixo

Tapete, tapete dos sonhos que nos levas para longe


Desapareces ao ser visto
E só, ao nos despertar
Reapareces, quando
Por um mísero segundo
Nós vemos a verdade.

Os fios que compõem o infinito

223
Não podem ver a si mesmos e nem
As figuras que formam.

A verdade – é uma Deusa


De olhos turvos.

224
Acorda, acorda para sempre e observa
O limite das cidades e dos sonhos
Onde
O presente e o passado
Encontram as mãos do cadáver do arco-íris

225
Em Lima, fevereiro de 2016

O mar diante de mim se estende,


A praia de areias pesadas e ondas lentas,
A neblina estática e sempre a dar voltas
E os precipícios que separam o oceano
Da cidade,
Os precipícios
Ora desertos
Ora verdes,
Tudo se misturando na memória e tudo
Convergindo ao presente.

Veja, lá longe os barquinhos que se perdem,


E as pouquíssimas sombras humanas
Que mergulham por segundos e parece
Que será para sempre... Um pelicano
Passa sobre mim, andorinhas
Ao sentirem a fria água da maré
Voam em revoada para longe,
E eu estou na areia sem fim nem princípio
A contemplar o que chamam de vida – essa
Estranha sucessão de segundos e anos que passam...

Qual o sonho que ocupou mais vezes nossas noites?


A emoção que mais deturpou nossa razão? Qual
A cor da nossa lágrima? O segredo
Que soluça nas mais fundas piscinas?
Você

Você foi feliz ou infeliz nesta vida?


226
Fiquemos, fiquemos mais um pouco em silêncio
Sintamos sem sentir as ondas que por pouco
Chegariam até nós...
Aquele menino se foi, aquele outro também...
A tristeza – que sempre foi nossa mãe –
Juntará nossos ossos
Na orla do mar.

227
Coda

Oh meu Big Bang feito de carne que explode e suja tudo o que encontra
Quantas chuvas que sobem não vimos
Sobre os oceanos dos nossos sonhos destruídos?
As sombras passam pelas ruas do mundo
Os objetos todos têm significações misteriosas
Tudo é memória e desejo e um rastro de espuma
Um cheiro de perfume estragado e fruta sem sabor,
E um caleidoscópio que espalha os arco-íris
Da alegria extrema, da tristeza extrema e da apatia...
Tudo, tudo é árido e submarino
E continuamos buscando nossos rostos sem forma
E continuamos em busca da luz submersa
Ou de um escuro onde mergulhar para sempre.

A janela que dá para o eclipse


As ondas que levam o suicida para a praia
As cidades que escondem os seus mortos
Tantas, tantas coisas que tentaram nos ocultar no despertar das manhãs,
Como caminhamos tanto e tão pouco

228
Sem nos espantarmos com o que nasce pro espanto?
(Escuta, o hino do botijão daqui a pouco voltará
A parteira, ela dará à luz mais uma múmia
O amor, ele continuará a dar as horas na estação
E a melancolia, ela virá em novas canções sobre a névoa,
Afundados neste vulcão, o que tanto esperamos?)
Eu, eu ouço agora a música que vem das janelas distantes
Eu sinto o perfume de tudo o que já foi enterrado
E vou perdendo a consistência
E vou pedalando entre os bosques invisíveis
Até chegar na sala dos mágicos relógios
Onde a música ressoa os labirintos de coral
E tudo se perde em arco-íris que derretem
E tudo ecoa como a sombra que vai perdendo seus reflexos
E eu descanso da jornada circular
Como o camponês que carregou a montanha dos sonhos
E dorme agora entre os sons do infinito...

....

Oh meu pequeno Big Bang


Permita-me que eu tenha conseguido expressar
Todas as noites onde nos afogamos,
Todas as ardências dos desertos polares,
Todos os rios que caíram sem cair no mar das ausências...
E você, criatura que olha desde o fundo do teu mundo
Esse escuro que chega até ti como a névoa que sai dos espelhos

229
Essas cores que te entretêm como bonecos malvados
E essa água espessa que une e despedaça nossos sonhos:
Só espero que não sejas mais o mesmo
Que olhes sem desviar aos degraus do abismo,

Neste mundo de eclipses que que esburacam o céu.

230
231
Melancolía
Erosión de los sueños asesinados por el día
Y cristal que explota desde dentro al infinito
Melancolía
Volcán de voces infantiles extinguidas
Amor que huye, tiembla o está siempre ausente
Y pájaros que en la niebla dan vueltas en sí mismos
Melancolía
Lluvia en ciudades de sombras hambrientas por sueños
Una bicicleta que se parte al andar sola o con los otros
Oscuridad de parpadeantes palabras sin sentido
Origen de todo lo que nunca y siempre tiene origen
Melancolía
Cansancio de un alma que no soporta a sí misma
De cuerpo que pide parar los pensamientos
Y noche que atraviesa los años en los gritos de un muerto
Melancolía
Todo lo que fue y sigue siendo en el pasado
Todo lo que se sabe no-ser, era y nunca y más allá
Niño de ojos grises con una pelotita en las manos
Melancolía
Pasos en la oscuridad de una sala infinita
Universo que nunca y siempre se detiene.

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SUMÁRIO

Prefácio 6
Oh meu pequeno Big Bang... 8
Melancolía/ hija de la niebla... 10
Melancolia/Os dias foram feitos para ti... 12
A verdade 13
Um dia, a ciência... 14
LEMBRANÇA 1 – Cavamos um túnel de areia... 15
Como um oceano debaixo do mundo... 16
Se eu pudesse jogar meu coração 17
E como então começar a contar... 19
Sempre me entristeceram coisas simples... 21
Uma a uma as coisas simples... 22
Um jogo da velha em um parque imemoriável... 23
As casas 25
Os brinquedos sem usar 27
Os contornos dos tecidos... 29
Os aniversários 29
As piscinas 30
Os mapa-múndi 31
Dudu, na época com 8 anos de idade 33
Ode à música do botijão de gás 35
Pequena canção para una menina que cheguei a conhecer 37

236
Mas não é que a melancolia é um céu muito mais amplo? ... 38
Passagem pelo inferno 39
O orangotango 41
Araras nos galhos... 43
Os excluídos 44
A mulher de olhos turvos 45
E vamos para as periferias do mundo... 46
O lado escuro da lua 47
Luz da lua rodeada de escuro... 48
A parteira 49
Niebla que calla las estrellas… 52
Ah, desde a penumbra aquilo me chama... 53
Dia após dia.... 54
As pessoas solitárias, onde andarão?... 55
Encontro meu amigo, o Jonas... 57
Ode para as almas que sempre se levantam 60
A canção da enfermeira 63
O conto do senhor moreno de olhos verdes 67
O homem da casa com piscina verde 71
A insatisfeita 74
A amante 75
As mulheres que apanham 76
La chica que en una discoteca está vestida de negro 77
O adolescente 78
A canção do estrangeiro 81

237
Os que na vida nunca encontraram o seu lar 82
Os velhos, três tipos 83
O órfão 84
A estuprada 85
Ode aos que jamais dormem 86
Após mais uma noite em claro caminho pelos bares… 89
A canção dos sem guarda-chuvas 90
Ao caminhar insone encontrei um homem de olhos cinzas... 92
A história do mundo I 93
A história do mundo II 98
A história do mundo III 99
Melancolia no Shopping Center 100
Ele fechou o livro, me olhou como com raiva reprimida 102
La lluvia no puede limpiar y jamás lo podrá... 103
De tanta vergonha de mim e do mundo… 105
Aonde Aonde vou?... 106
O flautista nas portas da aurora... 107
O sol explode em mil espelhos... 108
Procurei teus olhos como o barco que se afoga... 109
O céu dentro do céu... 110
Me despierto y voy por las callejuelas del caos... 112
Mamón mammoón... 113
Há um oceano de sonhos que jamais serão lembrados... 115
Nos despertar sempre com a pálida luz... 116
Estou no meu quarto, sim... 117

238
LEMBRANÇA 2 -The happiest days of our lives 121
LEMBRANÇA 3 - A transição dos céus circulares 122
O tempo 123
Porque o tempo não volta 124
Aidaluz 125
En el planeta de la melancolía 126
Mandala negra 127
De tua boca apenas sai... 128
Luto, palavra... 129
Melancolia/Quando alguém se afasta... 130
Quando o sol – lanterna entre as nuvens – ... 131
The great unknown 1 132
The great unknown 2 133
The great unknown 3 135
Você que cresceu entre as flores 136
Poema do ateu 137
Melancolía/ Hija de la niebla... 138
Melancolia/Quando tua sombra aparece em surdina... 139
Debajo del cielo... 141
Llévame madre 143
Mae, após noites lendo este livro... 145
Oh meu pai... 146
Para um amigo 14
AS CIDADES 148
Lima 148

239
São Paulo 148
Campinas 149
Ica 149
No delta do Amazonas, indo a Marajó 149
Estava pensando nesses lugares e pessoas... 150
SÁTIRAS 151
1. À burrice 151
2. Aos críticos de arte (alguns tipos) 152
3. Aos nunca-satisfeitos 153
4. À positivamorte 154
O futuro: homem esquizoide do século XXI e meio 157
Ah/Ah/Acalme-se... 158
Sidarta 159
A eles, os anoitecidos 160
E depois desse céu tumultuoso onde a ira é rainha, e depois... 162
A dissolução 163
Estou aqui... 164
Sempre voltar, voltar atrás... 165
Os traumas 166
O desespero 167
O arrependimorte 168
A satisfação 169
O tédio 170
Os dias passam como lagartixas suicidas... 171
Se eu pudesse expressar... 172

240
A infâmia 173
Ouve, ouve a voz cansativa dos anos... 174
O ressentimento 175
Como se livrar - por um segundo sequer entre os segundos - 176
E agora vamos ao tema... 179
Te procurei em todos os trens... 180
Você se escondia entre a névoa... 181
Quantos, quantos barcos foram necessários... 182
Quando a conheci ela não me falou sobre livros... 183
En el medio del puente 184
Teu mundo/Está repleto de árvores de sonho... 187
Minha vulcã de cabelos ruivos, ao longe sempre visível... 188
Abres tua alma na hora do amor... 190
De la lejanía 191
Na antiga praça do relógio 192
A estação dos amores perdidos 193
Você fez amigos em tardes de vento... 194
- Você viu? O vulcão destruiu todas as ilhas... 195
La soledad y sus brazos infinitos... 196
Ama as estrelas que iluminam teu caminho... 197
Haicais da noite em espiral 198
Lua... 202
A PAZ... 203
A canção do ônibus que sacoleja pelas ruas 204
Tristeza, dá-me a tua mão... 205

241
Caindo/ Caindo... 206
E caminhei para dentro e para fora... 207
Me despierto en las calles del mundo... 208
Acorda, acorda... Olha 211
O natimorto 212
Os apocalipses solitários 213
O suicida 215
Adormece, adormece… 217
No meio do caminho deste sonho... 218
“Está muto pesado esse fardo?” – perguntei ao senhor... 221
Tapete dos sonhos... 223
Acorda, acorda para sempre e observa... 225
Em Lima, fevereiro de 2016 226
Coda 228
Melancolía /Erosión de los sueños asesinados por el día... 232

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