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Prólogo

Um homem corre ao centro do palácio enquanto grita:


– Sacerdote! Ele está louco!
Ele se prostra diante do sacerdote sentado em seu
trono no fundo do palácio, e a sua longa cabeleira cai
lentamente de suas costas, revelando o desenho de um
fogo branco em sua vestimenta preta de manga longa.
– Ele disse que vai pedir o retiro ao senhor! Se ele
se for, teremos que cancelar uma operação crucial e
definitiva para o nosso destino! Por favor, meu senhor,
não o deixe ir embora!
– Meu filho! O que foi que eu lhe ensinei sobre
desespero!? – O sacerdote o repreende com energia em
sua voz.
– Perdão, perdão! Mas não sou só eu, a base inteira
já está sabendo do caso! Estão todos desesperados!
O sacerdote bufa e relaxa o corpo em seu trono.
– Parece que voltamos aos primeiros meses. Bem! Por
que ele ainda não está presente?
Antes que o homem pudesse responder, vozes de fora
começam a invadir o palácio ao discutirem:
– Me larguem! Vocês não entendem e nunca vão
entender! Respeitem as regras!
– Não faça isso com a gente, Yan! E o nosso ideal?!
– Por favor, Yan! Você não pode nos largar!
– Ah droga! Me deixem entrar!
O portão do palácio começa a se abrir lentamente até
ser empurrado bruscamente por um homem. Uma torrente
de ar gelado entra junto com o homem e apaga os
candelabros, que se reacendem após o portão ser fechado.
O homem tranca o portão e se vira ao ouvir o seu
nome:
– Yan! Você vai mesmo fazer isso?! – Ele se coloca
entre Yan e o sacerdote.
– Já tivemos essa conversa – Diz Yan com uma voz
grossa e levemente rasgada por de trás de uma voz
concentrada.
Yan avança devagar e sem pudor de o empurrar com o
seu corpo caso seja preciso. O homem, intimidado com a
atitude de Yan, se retira do caminho. Yan para próximo
ao trono, coloca as mãos no bolso de seu longo casaco
marrom escuro que chega até os pés e fica olhando para
o sacerdote.
– Yukio, o Senhor Bracchia não vai parar com suas
demonstrações de tristeza e desespero. Nos deixe a sós.
Yukio, hesitando, deixa o palácio.
– Não se curvará?
– Por mais que eu continue mantendo certo respeito
por essa instituição, ele diminuiu o suficiente para
que eu faça isso. Por isso que estou aqui para pedir o
retiro.
O sacerdote sai de sua posição relaxada, deixando
suas costas reta e rígida, e o seu peito levemente
estufado.
– Se não tiveres bons motivos, serás punido por
negligência com as palavras e atitudes.
– É justamente pelo cuidado com as palavras e
atitudes que estou saindo, sacerdote – Yan se aproxima
ainda mais do trono, ficando entre as espadas
tradicionais que dão início a um arco de armas fixadas
no chão que cercam o trono.
– Acusa Yukio de desespero, mas as ideias dessa
divisão e até da organização por inteiro velam um
desespero, um desespero que chamo de desespero lógico.
– E o que te fazes pensar nisso?
– Veja! Esse desespero se revela através do uso da
felicidade como bússola e que aparece, inegavelmente,
no conceito de salvação. O problema que isso nos traz
é o da aproximação dos bons atos, das boas obras, com
atos explicitamente condenáveis. Ambos os atos usam no
fim, como norte, a felicidade e a alegria, fazendo com
que seja excluído qualquer fator que dê sentido o
suficiente para que as atitudes adotadas pelos
indivíduos possam se distinguir entre má e boa ação.
– Vejo que se esqueceste das primeiras aulas. Na
fundação dessa instituição, antes mesmo dela se voltar
para alguns fins militares, John Essé fez questão de
ressaltar o amor como rei sobre a felicidade e tristeza.
O amor por Deus, no caso, pela importante figura que
está no centro do que é importante e que nos dá o
sentido, é o que importa. Ignoramos, por um momento,
as consequências de nossas ações no que tange a
inflição de dor ou felicidade em nossa alma para
prevalecer as consequências de relação para conosco com
esse fator primordial que é Deus. Para fortalecer essa
ideia contra o ceticismo é que vem a justificação da
fé como condição necessária de salvação. É preciso ter
fé em Deus, acreditando nele e que ele possui tudo que
precisamos, e é preciso, também, ter humildade,
reconhecendo que não é possível de se saber, ao menos
no momento, todo o caminho para se chegar na conclusão
final e atribuidora de sentido aos objetos. Te lembro
também que esta questão é apenas uma das várias que
fazem a fé se justificar como algo necessário.
– Há quatro problemas. A primeira é a da exclusão da
felicidade e da dor que, apesar de não ser a sua
intenção, é o que acontece. Dentro da instituição, se
reconhece dois mundos que podemos ver como
representativos da felicidade e da dor, esses mundos
são, respectivamente, o paraíso e o inferno. O que
acontece é que, pela existência desses dois mundos,
fica claro que há todo um sistema baseado em punição e
recompensa caso seja feito más ou boas obras, logo fica
claro que, pela magnitude da felicidade e dor presentes
tanto em nosso mundo quanto em outros, é preciso ter
uma incorporação dessas duas forças ao amor e dessa
espécie de síntese a algo mais que as justifique. Visto
isso, há um problema na ideia de John Essé, pois ignora
a necessidade dessa incorporação para justificar a
grandeza com que essas duas espécies de forças aparecem
no nosso e outros mundos.
Yan se senta, toma um pouco de ar enquanto sinaliza
com a mão para o sacerdote esperar, e continua:
– Ah, mas você acabou de sofrer um problema! Você
mudou sua linha de argumentação para dizer que eu
excluí certos fatores, sendo que tinha alegado que a
organização os levava a sério demais. Isso não é
verdade pelo simples fato de que a sua resposta de amor
continua levando de muito a felicidade e a dor, e isso
nos leva para o segundo problema. Deus é como o oceano
e nós somos o peixe, se sairmos para fora dele,
morreremos. A questão aqui é que não importa tanto se
morremos ou não, e sim se o que fazemos faz ou não
sentido. O amor por Deus por ele nos ter criado e dado
tudo que precisamos não passa de felicidade por
reconhecer o belo e o quão essa pessoa nos faz bem, e
isso nos empurra novamente para a aproximação das más
e boas ações e da utilização indevida da felicidade e
dor. O terceiro problema é o da fé, que mesmo com certas
evidências que nos fazem ter mais confiança para
acreditar na palavra de Deus, nos coloca à deriva
quando tudo o que temos para continuar seguindo é a
felicidade e dor ou coisas que as possuem por trás, e
isso cria um problema na hora de agir, pois ficamos
presos nessas dinâmicas e naquele escopo das boas e más
obras terem a mesma coisa por trás justamente por conta
do isolamento que estamos ao que as fazem ser distintas.
Com isso, chego no quarto problema que é o da motivação
da instituição. Percebo que ela irá ruir, mesmo que
seja relativamente sólida. Pela incompletude que ela
apresenta em relação ao que se seguir ela se aproxima
mais de outras instituições e culturas que estão se
degradando ou já se degradaram, e é visível que todas
elas se baseiam nessas forças incompletas para o
sustento de algo com maior rigor. Com isso, lhe alerto
que é perigoso para mim e para os outros ficarem por
aqui sem evoluir estas questões, assim como é perigoso
se afiliar demais com a sociedade, outros grupos,
outros conceitos, filosofias e que, agora, preciso
explorar o mundo novamente para conseguir resolver
esses problemas.
– Mas e o que te guiará a partir e hoje?
– Não é claro? Me forçarei, me destruirei e me
reconstruirei novamente. Me jogarei na dor e na
felicidade sem pretensões para com elas. Apenas as
deixarei fazerem o seu trabalho para que eu possa
salva-las, claro, junto de minha liberdade, junto de
minha consciência, das quais também geram um debate
imenso que também compõe parte do que falamos.
O sacerdote desmonta em seu trono. Ele fecha os olhos
e reza por alguns segundos, até que os abre e diz em
voz alta:
– São Jorge! Protocolo de retiro!
O chão debaixo do trono do sacerdote começa a se
elevar. Um holograma em forma de uma tela de computador
azul aparece na frente do sacerdote com algumas coisas
escritas e uma voz robótica ecoa:
– Diga o seu cargo e nome.
– Sacerdote Eclésio Iglêsio!
– Aguarde. Estamos verificando sua identificação...
Identificação válida! Diga a divisão, cargo e nome para
que eu possa transferir a informação de retiro para a
central de informações das Forças Especiais!
– Divisão Eclesiástica! Comandante do sétimo time,
Yan Bracchia!
Ex-
Comandante
Enquanto pegava o pingente de suas mãos, só pude
sentir profunda melancolia ao olhar no fundo dos olhos
de Eclésio.
– Caso entres ou pretendas entrar em confusão, leve
o pingente para a biblioteca central de Ashford.
Apenas o agradeci e fui rumo a saída. Desde o começo,
já sabia que aquelas palavras seriam demais para o
sacerdote e, enquanto olhava para o desenho esculpido
no portão de uma tocha queimando um coração, só pude
pensar que seria uma injustiça mexer com a determinação
de alguém com palavras de peso e não fazer nada para
que tenha valido a pena.
Quando sai para fora, o bracelete no pulso direito
começou a apitar. Puxei a manga, ativei o rastreio de
mensagem apertando um botão e o meu bracelete começou
a emitir uma luz azul. Conforme passava a luz nas
árvores, na rasa neve e na estrada, o tempo de apito
se modificava. Logo o bracelete fez um som único e a
luz projetou uma caixa de texto escrito “Não se esqueça
de passar na base sete”.
Durante a trilha que conectava a igreja e o Centro
Militar Eclesiástico, ou CME, me deparei com as
anomalias digitais pelo caminho, distorções visuais
ocasionadas no cérebro pelo RPC, um chip de alta
tecnologia militar que reorganiza os processos
cerebrais. Isso significava que seria preciso resetar
os parâmetros de análise.
Durante o pôr do Sol, cheguei na CME, que consistia
em um pequeno agrupamento de construções. Me dirigi até
a base do time sete pela estrada central. A CME estava
vazia, a maior parte dos soldados estavam em uma missão
crucial, missão em que eu era considerado essencial.
Ao chegar na entrada do saguão do time sete, vi a
bandeira do meu time jogada na rasa neve do asfalto.
Quando entrei, ouvi um homem gritar:
– Aquele miserável vai ver! Ele não vai embora antes
que eu o derrote!
Na recepção, diferentemente de outros saguões, não
possuíamos nenhum tipo de símbolo militar mirabolante
no chão ou nas paredes e nem bandeiras de títulos de
honra, também não tinha muita tecnologia de serviços
complexos nas alas básicas, apenas de serviços simples
como um robô recepcionista.
– Estamos fechados, volte mais tarde ou cante a
música secreta – Foi o que o robô que estava atrás de
uma bancada ao lado de uma porta dupla me disse.
– O quê!? Como assim? – Falei espantado.
Então Tights Briefs, a cientista e engenheira do time
sete, falou através do robô:
– É isso ai! Você vai ter que cantar atirei o pau no
gato! – Ela soltou uma gargalhada após a sua fala.
– M- mas que besteira! Eu nem sei mais como cantar
isso direito!
– Então você não vai entrar.
– Aaaah! Sua maldita!
Me preparei engolindo a saliva e comecei a cantar.
Na metade da música, fui interrompido por risadas
vindas do áudio.
– Ai ai ai! Maluco! Nunca pensei que ia ver esse
panaca fazer algo assim.
– Zasz! Você não muda mesmo no dia em que eu vou
embora!
Zasz é louco e me preocupou nas primeiras missões,
ainda mais por ele ser especialista em explosivos, mas
se provou muito útil quando precisei dele.
– Escuta aqui seu metido! Você não manda mais aqui!
Você vai nos abandonar covardemente mesmo depois de
ficar se gabando nos campos de batalha!
– Me gabando nada! Você que é o preguiçoso e
indisciplinado!
Foi então que Zasz começou a me imitar com uma voz
de retardado mental:
– Olha só! Eu sou o Yan Bracchia e você deve pegar
isso, fazer aquilo, explodir dois tanques A15, destruir
a base inimiga sozinho, impedir a erupção de um vulcão,
salvar o universo e blábláblá.
Tights me defendeu:
– Mas ele nunca pediu coisas absurdas como essas.
– Cala boca! Escuta aqui seu covarde! É melhor você
estar preparado quando abrir a porta do refeitório
porque eu vou te pegar!
Esse cara sempre tentou me desbancar, desde o
primeiro dia.
– Bem, agora que o Zasz saiu, eu vou abrir a porta
pra você – Na mesma hora pensei “então não precisava
cantar nada?”.
Passei pela porta e segui pela esquerda até virar em
um corredor na direita. Meu bracelete apitou enquanto
andava pelo corredor, apertei o botão para checar a
notificação e uma imagem se projetou, nela dizia:
“Estamos informando que Yan Bracchia está sendo
desligado da Força Eclesiástica e terá seus
equipamentos de comunicação confiscados. O novo
comandante do time sete será Yukio Matsuda”
Na imagem tinha um homem com o cabelo levemente
marrom, liso e curto, suas mechas estavam jogadas para
o lado esquerdo, e um asiático com um longo cabelo liso.
Eu, com o corte de cabelo da mamãe, e Matsuda. Eu até
entendo Matsuda ter sido escolhido, ele tinha o melhor
histórico no campo de batalha dentre os seis
combatentes, conseguia ser melhor que eu em combate
corporal em diversos momentos e tinha bastante rigor
em seus treinamentos, o problema é que ele é muito
sério, fechado e difícil de lidar. Fiquei preocupado
em como o time vai se ajustar a ele.
O Time Sete
Quando entrei no refeitório, lá estava ele, em cima
da mesa com uma jaqueta de couro preta e um sorriso
confiante. Seu queixo fino, suas bochechas magras e seu
nariz grande formava um rosto peculiar. Ele também
usava óculos escuro e possuía um grande cabelo ruivo
espetado para cima.
– Se prepare! –Foi o que ele gritou logo antes de
saltar em minha direção tentando me golpear com um
chute.
Bem, como eu estava na porta, bastou que eu recuasse
um pouco e a fechasse, já que Zasz era bem magro e não
tinha tanta força assim, se pôde ouvir seu grito de dor
depois que ele bateu na porta.
– Hahahaha! Zasz! De novo? – Era Hugo quem falava,
uma voz bem arrastada.
Quando abri a porta, Tights estava sentada no banco
e rindo, e Hugo, negro, careca e levemente forte,
estava encostado na parede.
– Hugo! Oi! Sabe dizer onde Jacok, Queela e Yukio
estão?
– Que que é isso chara. Não vai nem perguntar como
eu tô?
– Ah. Uh, foi mal – me encontrei perdido com a
situação, então balancei a cabeça e tomei uma postura
mais séria.
– Estou sendo direto porque vi a bandeira jogada na
neve e não estou vendo os três aqui.
Hugo olhou para o lado por alguns instantes e falou
em seguida:
– Yukio está treinando na sala de gravidade, já os
outros dois vazaram do time sem mais nem menos.
Enquanto isso, Zasz se rastejava lentamente atrás de
mim.
– Eles tão dizendo que Yukio não vai ser um bom líder,
só que o que fez eles tomarem essa decisão mesmo foi
que eles tão pensando que o time tá manchado com a sua
atitude.
Tights se aproximou arrumando sua touca com a cor do
reggae e o seu grande cabelo loiro e falou:
– Maaa, mais num vai dar nada não. Os outros times e
setores da Força só tem pessoa séria e que dá medo,
principalmente os generais. Tenho certeza que voltarão.
Quando vi que Zasz estava prestes a fazer algo eu o
chutei consecutivas vezes enquanto falava:
– Não! Não! Não! Já chega dessa palhaçada!
– Ai ai ai! Socorro! Ele revelou a sua verdadeira
face, me ajudem!
Tights e Hugo pareciam estar confusos.
– Bem, eu vou ir logo falar com o Yukio.
Senti que Tights estava chateada comigo, não sei se
é por eu estar abandonando o time ou por minha pressa.
Não sei dizer se era a minha ansiedade em ver se Yukio
estava relativamente bem para seguir em frente ou se
eu queria sair logo do clima de despedida que me
apressava, em todo caso, fui até a sala de gravidade.
Nos dois andares acimas da base sete, que eram
acessíveis por elevadores ou escadas, ficavam os
espaços dedicados aos recursos tecnológicos, desde
salas com simuladores de combates específicos até
serviços de manutenção e computacional. Quando cheguei
na porta da sala de gravidade, pude ver Yukio fazendo
movimentos elaborados com pesos nos pulsos e nas pernas
e sem camisa através de um vidro. A sala tinha
aproximadamente 30 metros quadrados.
Quando Yukio me notou, desativou a gravidade
aumentada e me chamou para dentro da sala.
– Cada vez mais forte. Não vai parar não? – O físico
de Yukio não é massivo, mas é assustador ver os seus
músculos serem ativados na aplicação de força.
Yukio tirava os seus pesos lentamente enquanto falava
comigo:
– Vai embora hoje?
– Sim. Vou pegar o barco à meia noite para Ashford.
– Entendo. É uma pena.
Yukio jogou o último peso no chão e eu prossegui com
a conversa:
– Você parece ter voltado ao normal novamente – ele
sempre teve uma fala lenta e fria, me surpreendi ao ver
o seu abalo na igreja.
– Lute comigo uma última vez – Yukio passou a assumir
uma postura de combate estranha aos meus olhos. Sua
perna direita estava à frente e dobrada de uma forma
que sua coxa ficasse quase reta, a esquerda estava
completamente esticada, o seu braço direito levemente
arqueava à frente e o esquerdo estava completamente
esticado para trás. Foi algo novo para mim.
– E Jacok e Queela? O que houve? – Tirei o meu casaco
enquanto perguntava.
– Eu entendi que as coisas estão difíceis demais para
se levar qualquer coisa para o coração. Eles não
entenderam.
Joguei o meu casaco no chão e assumi uma postura
simples de boxe. Quando me dei conta, Yukio tinha dado
um impulso através de um salto incrivelmente veloz em
minha direção, então aproveitei que ele não iria
conseguir parar e dei um chute lateral visando pegar a
sua cintura. Pra minha surpresa, Yukio conseguiu dar
um leve salto no meio de seu impulso e rotacionar no
ar em diagonal. Com isso ele atacou o meu chute
atingindo próximo de meu joelho com a força de seu
cotovelo girando e me desferiu um chute giratório no
ar.
Fui atingido na barriga e fui empurrado levemente
para a esquerda. Senti uma dor enorme. Logo após Yukio
ter caído no chão, ele disparou em sequência, com a sua
perna esquerda, um novo chute giratório no ar com o
calcanhar. Pendulei o meu corpo para o sentido do chute
avançando rapidamente por debaixo da perna de Yukio.
Dei continuidade no movimento me deslizando no chão de
joelhos e estendendo o meu braço direito à minha
direita. Meu braço pegou na perna direita de Yukio que
estava dobrada no ar e eu o fiz cair com o rosto no
chão.
Aproveitei que ele tinha caído e lhe apliquei um
mata-leão enquanto o pressionava com o meu peso.
– Eu sei sair disso, mas vou te mostrar algo diferente
– Yukio dificultosamente falou.
E o que ele fez foi algo impressionante. Yukio
começou a se esforçar ao extremo para se levantar
comigo em suas costas, e estava conseguindo mesmo com
tantos segundos de mata-leão! Quando ele deu o último
esforço para ficar com apenas um joelho no chão e deixar
o seu outro pé de apoio, eu imediatamente movi meu
corpo para o lado afim de que ele ficasse com o seu
corpo para cima, mas ele conseguiu se aproveitar da
força que eu apliquei e se empurrar comigo para a parede
com o seu pé, que estava meio cheio no chão. Eu me bati
contra a parede. Não tinha doído muito, mas foi o
suficiente para que eu o soltasse.
Nos recuperamos rapidamente. Eu resolvi adotar uma
posição com os braços mais distantes do corpo e com as
mãos abertas.
– Que absurdo. Nunca pensei que alguém pudesse chegar
nesse nível mesmo com a sala de gravidade aumentada.
– Isso é treino. E disciplina.
Antes de começarmos a trocar golpes, ficamos alguns
segundos com pequenas fintas buscando o momento certo
de atacar. Eu consegui derruba-lo ao achar uma
oportunidade de chutar as suas duas pernas, mas ele
imediatamente revidou do chão ao se levantar enquanto
aplicava uma sequência de chutes que subia da minha
canela até a minha cabeça, chutes dos quais consegui
me livrar.
Quando criamos proximidade, começamos a trocar golpes
principalmente com as mãos. Ele intercalava seus golpes
com punhos cerrados, ataques com as pontas dos dedos e
leves recuos para aplicar alguns chutes. A velocidade
dos seus golpes era incrível! Depois de, talvez uns
dois minutos, fui arrastado para a parede ao receber
um soco no tórax que veio debaixo do meu cruzado. Aquilo
foi impressionante! Ele conseguiu me arrastar por dois
ou três metros com um soco.
No ápice da luta, começamos a ficar cansados, mas eu
estava claramente com vantagem no fôlego já que Yukio
tinha acabado de treinar, mas, mesmo assim, eu estava
levando uma enorme pressão. No fim de nosso treino,
comecei a ver uma espécie de sombra humana logo atrás
de Yukio imitando os seus movimentos segundos depois.
Aquilo começou a me confundir e, por conta disso, Yukio
percebeu a vantagem que ganhou e parou.
– O que está acontecendo?
Eu estava com pouco fôlego, então respondi
pausadamente:
– O meu RPC, acho que preciso calibrar ele. Mas, essa
anomalia foi bem esquisita.
Yukio cruzou os braços, fez uma cara de reprovação e
falou:
– Então quer dizer que agora você dá desculpas?
Eu sabia que Yukio ia ficar chateado, mas o esforço
necessário pra acompanhar ele é demais pro chip
aguentar fora da normalidade, sem o chip, talvez não
acontecesse isso e eu conseguiria continuar lutando.
– Ah cara, deixa disso! – dei uma risada e gesticulei
com a mão – Você tá muito forte! Tenho certeza que eu
iria perder.
Yukio ficou claramente mordido. Ele deu um leve
rosnado, se virou e falou baixinho. Parece que ele não
vai me perdoar se eu tiver pego leve com ele. Mas é
fato é que eu dei duro pra lutar.
– Bom. Vou buscar minhas coisas! Me encontre no
refeitório junto com o pessoal.
– Claro.
– Só toma cuidado pra não ficar tão forte à ponto de
te confundirem com um androide – ri novamente após ter
pego meu casaco no chão e saído da sala de gravidade.
Não me lembro de nenhum caso em que algo assim tenha
ocorrido. Todas as anomalias digitais, até então
conhecidas, eram distorções visuais esquisitas, tipo
uma parede se esticando, o chão “caindo” ou as cores
se modificando sem critério.
Buraco na
Água
– O quê!? Você vai levar tudo isso? – Todos, menos
Yukio, ficaram surpresos.
Eu coloquei uma mão atrás da cabeça e falei:
– Ah, que isso galera. Vocês acham mesmo que as coisas
vão ser fáceis assim na cidade? – Eu estava com uma
mochila enorme de acampamento nas costas e duas malas.
Enquanto conversávamos, Zasz estava me encarando e
encarando Yukio o tempo todo.
– Ei, Yan – Tights se aproximou – Eu fiz esse
comunicador pra você, assim você vai poder falar com a
gente mesmo fora da Força – ela me mostrou um pequeno
quadrado com um botão, bem rústico.
– Bem... – Ela estava quase chorando – A Força não
permite – falei hesitante.
Tights deu início à um escândalo. Ela chorou e me
balançou com os seus braços falando “por favor, quebre
as regras só dessa vez!”, eu fiquei sem jeito, olhei
para o Hugo e ele a tirou perto de mim. Enquanto ele a
consolava, deu um joínha discreto pra mim, eu afirmei
com a cabeça. Coitada.
– Aí, vocês tavam brigando não tavam?
– Ué. Não.
– Viram? Nosso ex-comandante sempre foi um mentiroso!
E esses machucados dos dois?
Yukio cruzou os braços, fez uma cara de decepção e
falou depressivamente:
– Eu acho que ele pegou leve.
– Ah é!? E quem ganhou?
– Caramba Zasz! Você não vai deixar de ser chato nem
no último dia!
– Tá, mas quem ganhou?
Fiquei por algum tempo com eles ali. Zasz ficou
perguntando “quem ganhou?” exaustivamente. Falei sobre
minha arma preferida com o Hugo, a Solar-S1, atira
lasers de calor poderosos! Tentei animar a Tights e
tentei puxar assunto sobre filmes clássicos de Kung-Fu
com o Yukio, mas é sempre difícil falar com ele.
– Pessoal! Agora tenho que ir. O horário vai bater
daqui a pouco – já estava na porta de saída do
refeitório.
– Tá, mas e quem ganhou?
Todos já estavam de saco cheio do Zasz, então deram
um chute em conjunto que o fez sair voando pra parede
do refeitório. Rimos bastante, menos Yukio.
Me despedi. Quase chorei porque a Tights não parava
de chorar. Quando fui ao porto, que não ficava muito
longe da CME, tive que ser revistado pra ver se não
estava levando algo que não podia, o soldado ficou
confuso com o tanto de coisa que eu levava. O porto não
era muito tecnológico, eles sempre prezavam por não
chamar atenção nas viagens para as cidades, por isso
que sempre que zarpamos para as cidades, vamos em
horários não convencionais, como meia noite.
– Senhor, o que é isso aqui?
Ele estava falando do meu calibrador de RPC. Demora
um dia inteiro para recalibrar, por isso que não o fiz
na ilha. Eu expliquei para ele e ele foi verificar uma
lista pelo seu bracelete.
– Ok – ele disse.
Depois que ele terminou as malas, pegou a minha
mochila.
– Vamos lá, vamos lá. Vamos ver o que têm aqui dentro
– ele abriu a mochila e fez uma cara de estranheza.
– Você tá de sacanagem? Só tem livro aqui!
– É que eu gosto de ler.
– Tá bom, tá bom. Me dê o bracelete – Depois dele
confiscar o meu bracelete, colocou um pequeno
escaneador de retina no meu olho e disse:
– Certo. Demos um jeito de colocar você no sistema,
você se chamará Tarkov Kobalsky.
Mas que porcaria de nome, quem foi que me deu esse
nome?
Quando fui ao barco, um senhor me chamou:
– Faz tempo que eu não dirijo pra Ashford – era um
velhinho com uma roupa de capitão de navio.
Entramos no barco. Nada tecnológico também, o
funcionamento dele era com o motor Ciclo-Otto, tão
ultrapassado que foi inventado em 1876.
Eu não vou mentir. Sempre foi difícil viver desse
jeito. Nunca tive algum padrão tão extenso em minha
vida, o máximo que ela ficou estável foi por 10 anos
na Força, e agora, estava mudando tudo de novo. Olhei
para a minha mão e me lembrei do passado, minha mão
tremendo pelas mudanças que aconteciam, agora já não
tremia mais. Curioso foi que me lembrei de um amigo
falando “tu vai é fazer só buraco na água se continuar
vivendo desse jeito”, e um pequeno redemoinho começou
a se formar no mar.
O Céu e o
Inferno
Ashford é uma das maiores cidades costeiras dos EUA,
ela está cheia de prédios sofisticados com banners
digitais e carros com tecnologia gravitacional.
– Aquela catedral é a biblioteca central?
– Sim.
A cidade também está cheia de ricos e ladrões, por
esse motivo, dizem que Ashford é o céu e o inferno.
– Eclésio me mandou entregar esse pingente.
A moça da recepção retirou a joia do pingente,
revelando um encaixe de pen-drive na onde estava a joia.
Ela pegou uma grande maleta preta com uma entrada USB
e colocou o pen-drive.
– O acesso foi permitido, pode levar.
Quando saí, pude ver um grande feixe de luz azul
disparado para o céu, o brilho se redistribuiu criando
uma cúpula na cidade. Segundos depois, o brilho sumiu.
Depois disso, optei por andar pela escuridão dos
grandes becos formados pelos grandes prédios, pois os
caminhos seguros são os mais longos. Meu lar residia
em um pequeno apartamento, o único pequeno na cidade.
– Aí grandão! Que que tu tá fazendo aqui? Cê mora na
região de Martini é?
É verdade. Me avisaram que o apartamento está no
território de Martini. O cara tem uma milícia própria
e dominou uma pequena região no norte de Ashford
militarmente e politicamente. O que acontece é que as
pessoas dessa região estavam insatisfeitas com o
governo de Ashford, então apelaram ao Martini, um
antigo mafioso, para que se separassem. Um bandido pelo
outro.
Aos poucos, Martini foi criando influência dentro do
governo, fazendo com que a guerra interna em Ashford
cessasse. Atualmente, estão passando por um processo
de reestruturação, isso explica porque os becos estão
tão escuros assim. Bem, esse é o resumo do relatório
que me deram.
– Vai fingir surdez mesmo!? Seguinte, somos homens
do Martini, então é melhor você passar essa sua maleta
pra cá, se não...
No mesmo instante que o homem ameaçou sacar sua arma,
larguei a maleta, investi contra ele e apliquei um
cruzado em seu queixo que o fez tropeçar para o lado
direito, os outros dois se assustaram. Durante o seu
tropeço, o empurrei contra o homem da direita pela
cabeça, peguei a sua arma do coldre, atirei contra o
da esquerda e mirei novamente contra o homem da direita.
O homem se rendeu. Retirei as armas de todos e mandei
o homem levar os outros para o hospital.
No território Martini, enquanto eu andava pelas ruas,
soldados me paravam para checar se eu estava no sistema
através de um scanner de retina. Quando cheguei à rua
Clyford, onde ficava o meu apartamento, vi algumas
crianças sendo arrastadas de suas casas por alguns
soldados. A família estava em prantos.
Não há céu em Ashford, apenas o inferno maior e o
inferno menor.
Matar Ou Não
Matar?
Pode parecer rápido para os outros, mas quando vejo
o olhar de desespero, frações de segundos se tornam
anos vividos. Em uma indústria abandonada, perto das
esteiras, o conflito foi iniciado. O choque da luta em
que já se foi dominado, com a sua jugular sendo apertada
e o seu capacete facilmente retirado refletiu no início
de uma respiração pesada e numa expansão dos olhos. Em
minhas mãos, sentia facilidade em esmagar o seu pescoço,
facilidade em mata-lo.
Não é só uma questão de se corromper ou de eliminar
o perigo de vez, nem de que a vida humana é inviolável.
Atrelado, lá no fundo, está a minha alma, e ela grita,
um grito que ainda não consigo traduzir em palavras.
Por algum motivo, sinto que esse grito sou eu em meu
estado mais primário, esse grito sou eu quando penso
sem usar palavras, pensamentos suficientes sem usar
todas as considerações que possuo, suficiente sem a
força dos instintos, sem as emoções que construímos.
Avancei com o homem até a quina da esteira e o
empurrei para que batesse sua coluna. Ele gritou, se
debateu com os seus braços, mas não conseguia mover da
cintura pra baixo. O soldado segurou o meu braço e eu
o suspendi no ar. As crianças estavam assustadas no
canto, os outros dois soldados, caídos no chão.
– Por favor! Não me mate! – Com dificuldade, o soldado
falou.
Alguns segundos se passaram e o homem começou a
perder a força nos braços até que fechasse os olhos. O
larguei no chão e as crianças fugiram.
Aberração
Metálica
A Instalação de uma fonte de energia principal se
tornou primazia de qualquer base e posto em seu início
de construção, e, por causa disso, as guerras e cidades
mudaram em muito a sua estratégia e formação.
Postos próximos de onde se quer atacar se tornaram
mais necessários, a demanda de energia das armas e
armaduras são altas, combatentes que chegam por naves
ficam menos tempo em combate por ter postos longes, é,
muitas das vezes, impossível esticar o condutor de uma
base até o local de ataque por conta do terreno e, se
for possível passar o condutor pelo terreno, o mesmo
será destruído por conta da fragilidade do terreno
frente as armas. Quando for atacar um posto ou quiser
encontrar a construção que abriga a fonte de energia
principal do local, procure pelo centro do lugar. Lá
estará a fonte dentro de uma delegacia ou, no caso de
postos militares, um forte tecnológico.
Nesse caso era um forte. Martini ainda estava se
estabelecendo no local, então eu estava entrando em um
lugar cheio de armas e soldados.
– Identifique-se!
Fiz um movimento brusco de abertura com a mão e alguns
buracos com vidros surgiram na luva da armadura.
Coloquei minha mão em um analisador na parede e a porta
se abriu.
– Mapas disponíveis.
A armadura demorou um pouco para responder, mas me
disponibilizou os mapas em sua memória através de seu
visor, incluindo o mapa onde eu estava. O lugar ainda
estava em suas fases iniciais, poucas coisas
funcionavam além do gerador de energia e ainda não
estava bem organizado.
Quando entrei no depósito de armas, peguei uma
granada PEM em uma grande caixa nas prateleiras, me
dirigi até o fundo e comecei a retirar a minha armadura.
Quando a retirei por completo, abri o compartimento da
luva esquerda e quebrei o codificador, um pequeno
cilindro preto. Depois disso, peguei o escaneador de
arquivos, uma espécie de tablet grosso e preto, e
desativei a sincronização de armadura antes que
detectassem os falsos sinais e me rastreassem.
O tempo era curto até que começassem a desconfiar.
Eclésio sabia qual era a minha arma favorita, e ela
estava na maleta esperando para ser usada nesse momento.
A Solar S1 consiste em um cano longo e grande com um
retardador de energia na ponta e um grande tambor com
um enrolamento de fio gigantesco, no tambor ficam 20
capsulas de energia. Apertei no gatilho da arma para
que o enrolamento girasse e em questões de
milissegundos o soltei, depois disso, tirei o
retardador de energia, que consistia em uma grande peça
branca na ponta, parecida com um silenciador, corri
para o outro lado e apontei para a parede. Esperei por
alguns segundos para que o retardador liberasse a
energia de calor, que sai em feixe, o suficiente para
abrir uma leve fenda na parede, foi então que coloquei
a bomba PEM na fenda e corri.
As bases de energia sempre possuem grande
complexidade tecnológica, a parede é, por exemplo,
feita para suportar grandes impactos e resistir aos
pulsos eletromagnéticos (provenientes, por exemplo,
das bombas PEM), mas uma vez que o pulso atinja o
interior das paredes, onde ficam sistemas eletrônicos
e a fiação, além da eletricidade possuir menos
resistência no interior das paredes, todo o sistema
interligado da base sofrerá um pane por alguns minutos!
Quando a explosão de eletricidade ocorreu e o lugar
se apagou, meu sangue começou a ferver, minha visão
embaçou, tudo ficou acelerado e, quando a visão
normalizou, já estava com o escaneador acoplado
verticalmente no braço com o radar ativado, segurando
uma pistola de energia com a mão esquerda e a maleta
na mão direita enquanto corria para a porta.
– Fiquem atentos!
O radar indicava três pessoas virando no corredor do
depósito em uma velocidade razoável, então decidi me
esconder em um canto entre as prateleiras de armas e
caixas de munição. Foi uma situação tensa, eu estava
em desvantagem sem armadura e sozinho, operações deste
tipo sempre foram arriscadas.
Quando os soldados entraram, pude perceber uma luz
vermelha sendo projetada de seus capacetes, isto não
era bom sinal. Eles se dividiram em três lados a partir
da porta, então decidi me mover de forma a chamar
atenção dos soldados para um único ponto.
– Atenção! Eu ouvi um barulho e vi alguém se mover
por aqui!
– Então vamos andar juntos por esse lado. Bryan
ficará por ali, assim ele vai ter uma ampla visão para
nos cobrir e não poderá ser pego de surpresa.
A armadura desse exército não é recente e nem muito
antiga. Foi criada em 2040 para prevalecer sobre o
combate corporal e combate furtivo. Ela é equipada com
visão noturna e térmica, com um radar que funciona em
conjunto com a base e com um poderoso laser que se
ativa quando a luz vermelha detecta algo. Pelo motivo
do laser que forcei uma movimentação que juntasse dois
soldados, assim eles são obrigados a desativa-lo para
evitar acidentes.
A luz da base piscou e um soldado, através do radar,
me detectou por onde eu estava.
– Droga! A base voltou e eu não consegui reparar –
– Cuidado Brian! Ele está próximo de você!
Mas não deu tempo o suficiente para que Brian
reagisse. Surgi do corredor ao lado do corredor dos
outros dois soldados e atirei no fuzil de Brian.
– Perdi minha arma!
Os outros dois soldados começaram a voltar o seu
caminho com o intento de chegar até mim. Foi então que
eu deixei minha maleta no chão, andei até ficar quase
lado a lado em relação a eles, tirei algumas caixas da
prateleira e pulei entre o vão que tinha entre a
prateleira de cima e a debaixo.
Ao rolar e parar de joelho, realizei um salto para
cima dos braços do soldado que estava prestes a apontar
seu fuzil para mim e entramos em uma disputa de braços.
Eu defendi os seus chutes com as minhas pernas que, por
sinal, doía muito devido ao material da armadura.
Quando o soldado de trás começou a se mover, foi então
que me aproveitei de um movimento brusco realizado pelo
meu oponente para o balançar levemente ao lado direito
e quebrar o seu braço.
Quando sua arma caiu, a chutei para longe e empurrei
o meu adversário contra o soldado que avançava, o
desestabilizando. Em seguida, avancei contra o soldado
desestabilizado colocando minha mão em seu capacete
para levanta-lo um pouco e abrir uma brecha em seu
pescoço, assim pude desferir um golpe com a pistola em
sua jugular que o deixou agonizando no chão.
– Merda! – Uma luz vermelha estava sobre nós e começou
a se intensificar no capacete de Brian.
Brian estava disposto a fazer picadinho de mim mesmo
que os outros soldados morressem. Infelizmente, tive
de atirar no ponto de onde a luz era projetada. Brian
recuou para trás devido ao impacto e, momentos depois,
a energia que ele acumulava explodiu sua cabeça. Ao
mesmo tempo, a luz da base começou a piscar com mais
frequência e, quando me dei conta, estava sujo de
sangue.
Eu fiquei mal por causa daquilo. É claro que eu sabia
que iria ser inevitável, mas continua sendo ruim se
deparar com o fato de que as piores coisas da guerra
não saem de um homem mesmo fazendo o possível. Apesar
disso, eu tinha que correr até o elevador antes que a
base se recuperasse do pane elétrico. Então lidei
rapidamente com o soldado com o braço quebrado, peguei
minha maleta e disparei para fora do depósito.
O caminho estava para se fechar. O radar apontava uma
rápida movimentação ao corredor do elevador, por sorte,
dava tempo de chegar ao meu objetivo.
O elevador não estava no andar. Pelo que me parece,
essa base foi projetada para que nada trancasse os
soldados caso a base sofresse de um problema elétrico.
Por isso, retirei o meu casaco e enrolei na corda do
elevador de tal forma que pudesse controlar a minha
descida.
O andar mais fundo era sinistro. Era composto
basicamente de prisões com grades de ferro em longos
corredores e, para ajudar, a base se recuperou e
acionaram o sistema de segurança. Luzes vermelhas
pulsavam lentamente e uma sirene ficou tocando, mas por
algum motivo, meu radar detectava apenas duas pessoas
no local.
Continuei seguindo caminho até me deparar com uma
parede circular que dava acesso aos outros corredores.
Virei com cautela para verificar o outro corredor e vi
um homem preso. Era um velho ruivo, descabelado, com
barba e bigode grandes, pequeno e com um jaleco branco.
– O que você tá fazendo aqui?
– Por favor, me salve!
O velho me contou que estava sendo forçado a projetar
experimentos biotecnológicos com os humanos, isso me
fez pensar que o que está acontecendo pode ser muito
mais do que apenas uma máfia. Bem, o libertei com a
mesma técnica que usei para abrir uma fenda na parede
e ele me apontou um caminho para sair da instalação que
estava no subterrâneo. Mas eu ainda tinha mais uma
coisa para fazer.
– Preciso destruir a fonte de energia.
– O quê?! E como pretende fazer isso?! – Após o
cientista falar isso, tirei a Solar-S1 da maleta.
– Meu deus, garoto! Como você conseguiu isso?
– A vida é uma loucura não é mesmo? – Dei uma risada
alegre – Bem, até mais! – Eu estava estranhando toda a
situação. Não havia sinal de nenhum soldado nesse andar,
mesmo depois do tempo passado
Depois disso, me separei do velho, fui até a parede
circular e andei até achar uma porta que, para a minha
surpresa, era uma porta com válvula. Quando me esforcei
para abri-la, um grito assustador começou a soar vindo
de dentro da sala.
– O quê?! – Falei surpreso.
O grito soava como um humano desesperado junto com
uma voz digitalmente distorcida. Quando abri a porta,
adentrei a sala e lá estava a fonte de energia, bem no
meio da sala. Olhei nos arredores para entender de onde
saíram aqueles gritos, foi então que encontrei um
garoto em uma câmara de vidro submerso em um líquido
verde e com um respirador.
“O que esses caras estão fazendo?”, me perguntei. O
grito soou de novo e percebi que ele vinha de cima.
Quando fui olhar, as paredes começaram a se distorcer
em ondas de espinhos, acredito que foi devido a grande
surpresa que estava lá em cima. Uma aberração metálica
estava presa lá em cima com grandes garras metálicas
iguais a de um louva-deus e uma cabeça humana de um
menino.
Apenas O
Primeiro Dia
Os homens testam os limites de todas as formas, mas não
o fazem com total responsabilidade. Os problemas desses
testes são que os danos sempre são delegados aos
terceiros, por isso, todos sempre são expostos aos
testes de limites, sendo você causador de sua própria
situação limite ou submetido. Aquela máquina, uma
mistura de louva-deus gigante metálico com uma cabeça
humana é a representação disso, a exposição do ser no
limite.
Quando ela caiu no chão, o barulho foi ensurdecedor, o
som se foi e voltou várias vezes como um remix na minha
cabeça e o impacto fez com que tudo que eu olhasse se
comportasse como ondas por um breve momento. O chip
estava tendo problemas.
– Droga!
Eu apontei a Solar-S1 para a criatura e, após um grito,
ela moveu sua garra direita em linha reta numa
velocidade incrível, cortando meu ombro de forma
razoável. Sangue se esguichou do meu corpo e pensei:
“Essa coisa é muito rápida!”. A luta continuou se
desenrolando com o objetivo de chegar até a porta.
Desviando durante todo o percurso com muito custo,
cheguei até a porta. Eu tinha sofrido um ferimento
mediano sobre o meu tórax e estava com o meu casaco
todo rasgado. Os golpes dessa aberração eram tão fortes
que, quando eu adotei uma estratégia de ficar perto da
parede para que ela prendesse suas garras, a coisa
simplesmente fez um corte na parede.
– Espero que dê tempo! – Pensei alto enquanto carregava
o tiro da Solar-S1.
A criatura, gritando desesperadamente, cavava a parede
para tentar me alcançar e, quando senti que estava
pronto, inclinei a arma para a diagonal e soltei o
gatilho. Um grande feixe laranja avermelhado saiu de
forma contínua por alguns segundos da arma,
atravessando a parede ao derrete-la e explodindo na
criatura, fazendo com que a parte superior da criatura
se separasse do resto do corpo.
“Bem, acho que foi, literalmente, graças a deus que eu
tenho essa arma aqui comigo hoje”, pensei enquanto
assoprava o cano da Solar.
Mudanças repentinas em meu estilo de vida sempre se
deram por meios extremos e, após descarregar a Solar-
S1 na fonte de energia, a base começou a explodir aos
poucos enquanto eu voltava para o hotel com o garoto
nos braços.
Infelizmente, estes tipos de situações, sejam nas
cidades, campos, estações espaciais, nos exércitos e
nas famílias, continuam existindo em massa. Cada
situação com a sua forma de ser, mas com problemas
compartilhados. É como se os homens crescessem e não
aprendessem nada, isso que só foi o primeiro dia.
Incógnita
da Mente
Um dia depois, eu estava no apartamento prestes a
calibrar o meu chip com uma faca na mão e com o meu
calibrador, uma espécie de módulo “autônomo”. Fiz um
corte profundo e especifico em meu peitoral, peguei uma
das injeções que estava em um compartimento do
calibrador e injetei no local cortado. Após isso, com
a mão, retirei dois fios de dentro de onde cortei,
peguei outros dois fios conectados aos pinos do
calibrador com terminais nas duas pontas e os conectei
com os fios do chip. Eu apaguei.
“Menino, não pode ficar pensando o dia inteiro se não
você vai ficar doido”. “Eu entendo a sua busca, mas não
pode ser algo tão tenso assim”. “Pai, o que te faz
seguir com a vida?”. “Como você pode dizer que tem algo
pra seguir com a vida? Olha o que você tá falando! Você
já tem filhos!? Você é pai!? Você nem viveu ainda seu
moleque!”. “Eu entendo o do porquê vocês agirem assim
comigo, eu só não sigo porque vocês, mesmo com esses
pensamentos, ainda não saíram do lugar. Por que vocês
querem que eu aceite o que vocês falam?”. “Yan, por que
você está assim? Não está sendo mais alegre comigo, eu
sinto falta”
Quando adquiri algum nível de consciência, estava em
um lugar colorido como uma aurora boreal. Enquanto eu
andava reto, falas minhas e de outros de momentos
complicados surgiam em minha mente. As cores começavam
a se misturar e formavam lugares bizarros, as vezes eu
apagava e, de repente, estava andando de cabeça para
baixo ou voando. Quando me dei conta, estava andando
em um lugar completamente preto, e logo o lugar começou
a rachar. O lugar se quebrou e, então, eu estava caindo.
Quando eu cheguei ao chão, percebi que, lá no fundo
o ambiente, colorido outra vez, estava espelhado. Andei
até ele e uma silhueta preta, como uma sombra, imitava
os meus movimentos pela área espelhada. Quando cheguei
ao fim, a sombra deixou de refletir os meus movimentos
e enfiou a sua mão em meu corpo. “Vamos até o fim.
Vamos mais uma vez”.
Eu acordei. Meu coração acelerou de um jeito que eu
nunca senti antes. Arrumei a fiação e o lugar onde eu
tinha cortado se fechou. Fui todo desgovernado até a
varanda para tomar um ar e, ao olhar para o lado,
percebi que a sombra preta estava sentada na ponta da
varanda.
Epílogo
Jim Tucker era um cientista da comunidade que estava
desaparecido. Ele denunciou Martini pelos experimentos
forçados com crianças para autoridades governamentais.
A região, antes dominada por Martini, foi investigada.
As famílias disseram que omitiam esse fato com a
esperança de que recuperassem os seus filhos, mas agora
sabiam que estavam mortos por declarações de Tucker.
Contudo, isso foi apenas o começo.
Tucker e eu aproveitamos o vácuo que ficou na região
e abrimos uma agência para resolver problemas de risco.
Bem, isso era o que dizíamos ao governo que nada pôde
fazer, talvez até certo momento, porque estabilizamos
relativamente bem a região, fazendo com que as pessoas
não sentissem urgência de uma autoridade externa. Mas
a verdade é que buscávamos resolver, em sigilo, certos
problemas fora do lugar.
Tucker cuidava da criança, buscando analisar as
consequências dos processos das quais ela foi submetida.
Eu passei a frequentar lugares de cunho acadêmico, por
assim dizer, para entender qual era o pensamento
corrente mais forte. Eu sinto que esses lugares tem se
tornado cada vez mais confusos, as ideias predominantes,
ao menos daqui, são ou pessimistas ou colocam como se
o ser humano fosse virar uma espécie de Deus por conta
da tecnologia. Parece que as pessoas continuam do mesmo
jeito que eram anos atrás, o que aconteceu foi que a
tecnologia apenas deu um jeito de ampliar certas formas
de pensamento.
Créditos
Produção
Escritor Final: Guelpa Revisor: Guelpa
Idealizador dos personagens: Guelpa
Construção de mundo: Guelpa e Yunah
Pesquisador: Guelpa Idealizador de batalhas: Guelpa
Idealizador de diálogos: Guelpa
Crítico: Yunah

Patrocinador
Yunah Productions
Agradecimentos
especiais
Yunah e Geo, Obrigado!
Seis Meses
Depois
O dono do hotel fez bem em ceder a maior parte da
estrutura para nós e montar um bar no térreo.
– Adocica meu amor! Adocica!
Essa ideia até aumentou a procura por nossos serviços.
Os clientes colam um papel em um quadro com informações
de missões e depois entramos em contato, ou outra
pessoa pega a missão, por causa disso, pegamos a fama
de “Guilda Tarkov”. O único problema do bar é a
barulheira e que o velho do Tucker não para de cantar
as garotas daqui ao invés de ir trabalhar.
– Sai daqui seu tarado! – Uma moça deu um tapa no
velho, marcando o seu rosto.
– Matou o véio – Tucker falou.
Eu acabava de chegar cheio de livros da Biblioteca
Central de Ashford. Os guardei e peguei um para ler na
sala das armas, uma sala relativamente grande com uma
mesa de escritório arqueada no centro e cheia de armas
dentro de um compartimento que pegava a maior parte da
parede.
Passado algumas horas, já não conseguia me focar mais
no livro depois de dias lendo em quase todo o tempo
livre que tinha, então, acabei me distraindo pensando
no projeto de treino com hologramas que Tucker estava
enrolando para começar. De repente, comecei a ouvir
algo que soava como um estrondo.
Larguei o livro e olhei para os lados. O som ficava
cada vez mais forte até que a parede de onde eu estava
estourou.
– Mas quê – Eu apertei um botão na mesa e uma parte
da parede subiu.
O que estourou na parede se tratava de um caça pequeno,
como um Eurofighter Thypoon de datado cerca de dois mil
e vinte e um, ou pelo menos parecia. O compartimento
do piloto se abriu e de lá saiu uma pessoa com uma
armadura toda preta e sem visor, algo que eu nunca
tinha visto. Como que ele conseguia ver?
Em todo caso, atirei com um fuzil de energia e ele
desviou como se tivesse premeditado a minha mira.
Troquei para o modo automático e, além de disparar na
direção dele, disparei em sua volta, mas ele desviou
pulando.
Enquanto ele estava no ar, o estrondo sonoro disparou
novamente. O tempo ficou lento e partículas pretas
passaram a surgir do chão e estourar no ar. Raios
brancos começaram a percorrer por toda a sala, até que
se juntaram em um único ponto e se dispersaram junto
de um som de explosão.
Tudo voltou ao normal e meu adversário tinha ganhado
mais impulso no ar. Fui disparar e percebi que minha
munição tinha acabado, malditas armas com pouca
capacidade!
Quando me dei conta, uma nova explosão ocorreu e
aquele cara estava vindo em minha direção. A velocidade
dele era alta, mas ainda foi o suficiente para que eu
me deslocasse para o lado. Foi então que ele rotacionou
o seu corpo no ar e se impulsionou na parede para me
alcançar junto de uma outra explosão. Eu nunca pensei
que iria falar isso naquela época, mas recebi um soco
voador na parte inferior das costelas que me fez voar
para longe.
Eu cuspi sangue na hora e senti que tinha quebrado
algumas costelas, além de ficar com as costas doloridas.
Naquele momento, eu preferia lutar contra dez Yukios
do que meio cara desse. Fala sério, ele não dava espaço
algum. Em instantes, ele estava se movendo pelo ar de
novo, dessa vez mais próximo ao chão e aplicando um
chute giratório que visava a minha cabeça.
Quando desviei, consegui entender o que estava
acontecendo. No momento do golpe e em sua movimentação,
sua armadura estava dando alguns trancos nas partes
sobrepostas, muito parecido com a tecnologia de energia
cinética aplicada nos tanques atuais para eliminar boa
parte do recuo causado pelo poder do canhão, mas é
impossível que um ser humano consiga utilizar isso
justamente pelo impacto que causaria sobre o corpo.
“Isso seria um robô? Mas um robô não tem tamanho o
suficiente para possuir mecanismos que anule tal força
sobre o próprio material. Além disso, como diabos uma
IA se movimentaria desse jeito?” pensei.
Ele avançou novamente contra mim e engajamos em um
combate. Desviei nos primeiros instantes e logo percebi
que tinham alguns pontos cegos em sua armadura que
abriam brecha para me defender, pontos cegos que
estavam nas laterais dos braços e pernas. Percebi que
não adiantaria de nada se eu me mante-se assim, então
arrisquei um soco que pegou em cheio no peitoral do meu
adversário, o fazendo recuar.
– Olha só! Então quer dizer que você é suscetível a
ataques físicos! – falei após uma risada alegre.
Eu recuei para trás, peguei uma pistola na parede e
ele avançou violentamente com os mesmos mecanismos de
movimentação. Durante o seu avanço, ele preparou um
movimento em diagonal com o braço. Quando desviei, meu
adversário atacou verticalmente enquanto ativava uma
espécie de lâmina de energia estática vermelha,
derretendo parte da parede ao lado da parede de armas.
Em um rápido movimento, atirei nas granadas ao lado
dele, quebrando as paredes e o expulsando para fora.
– Ufa! Eu não sei o que faria se ele não caísse nessa
– falei ofegante.
E, quando eu menos esperava, comecei a ouvir uma
sequência intensa de estouros vindo de fora.
– Ah, meu deus. Quem foi que mandou esse maluco pra
cá!? – “Eu não teria quase nenhuma chance mesmo com as
armaduras mais atuais que eu poderia encontrar”, pensei.
A parede foi cortada em X por fora, e ele apareceu
novamente após fazer um novo corte nesse X. Ele veio
voando da parede até mim com o intuito de me cortar.
Eu me movi um pouco para o lado, o que me salvou de ter
meu corpo cortado ao meio, mas recebi um corte profundo
vertical em meu peitoral.
– Droga – Meu peitoral espirrou sangue em excesso e
eu cedi de joelhos.
A explosão fez o caça cair de onde estava, fazendo
com que ele emitisse um som de explosão lá fora. Meu
adversário tinha parado do outro lado da sala devido
ao impulso de seu golpe. Ele começou a vir lentamente
em minha direção. Por um milagre, sua armadura começou
a pifar. Raios começaram a surgir e, quando reparei
bem, sua armadura estava levemente vermelha. Graças a
deus ele cedeu de joelho.
– Está na hora de fazer um último esforço antes de
morrer – “que sorte”, foi o que pensei enquanto dava
um sorriso.
Me levantei mesmo com a pressão baixa. Eu estava
sangrando pelo peitoral e sentia que poderia morrer a
qualquer momento. Quando apontei a arma, percebi que a
armadura estava desintegrando, revelando um humano
debaixo daquilo. O humano estava pálido, talvez isso
dê alguma pista sobre o funcionamento da armadura.
Quando estava prestes a atirar, uma explosão
aconteceu acima de nós e uma parte do teto desabou. Eu
me desequilibrei e caí sentado com as costas encostada
na mesa de escritório, “chega de explosões por hoje”.
Minha visão estava embaçando, a última coisa que vi
foram três pessoas descendo de corda pelo buraco do
teto.

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