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Dos efeitos da prece sobre os Espíritos sofredores

Revista Espírita, dezembro de 1859

Um dos nossos assinantes nos escreveu de Lausanne:


"Há mais de quinze anos professo uma grande parte daquilo que a
vossa ciência Espírita ensina hoje. A leitura de vossas obras não fez senão
me afirmar nesta crença; trouxe-me, por outro lado, uma grande
consolação, e lança uma viva claridade sobre uma parte que não era senão
trevas para mim. Embora bem convencido que minha existência deveria ser
múltipla, não podia me explicar em que se tornava o meu Espírito durante o
intervalo. Mil vezes obrigado, senhor, de haver-me iniciado nesses grandes
mistérios, indicando-me um único caminho a seguir para ganhar um lugar
melhor no outro mundo. Abristes meu coração à esperança e duplicastes
minha coragem para suportar as provas deste mundo. Consenti, pois,
senhor, vir em minha ajuda para reconhecer uma verdade que me interessa
no mais alto grau. Eu sou protestante, e na nossa Igreja não se ora jamais
pelos mortos, o evangelho não no-lo ensina. Os Espíritos que evocais,
frequentemente, dissestes, pedem os socorros de vossas preces. É, pois,
porque estão ainda sob a influência das idéias adquiridas na Terra, ou é
verdade que Deus leva em conta as preces dos vivos para abreviar o
sofrimento dos mortos? Esta questão, senhor, é muito importante para mim
e para outros de meus
correligionários, que contrataram alianças católicas. Para terem respostas
satisfatórias, seria necessário, eu o creio, que o Espírito de um protestante
esclarecido, tal qual um dos nossos ministros, quisesse se manifestar a vós
em companhia de um de vossos eclesiáticos."
A questão é dupla: 1º A prece é agradável àqueles por quem se ora?
2°- É-lhes útil?
Escutemos, de início, sobre a primeira questão o Reverendo Pai Félix
em uma introdução notável de um pequeno livro intitulado: os Mortos
sofredores e abandonados. "A devoção aos mortos não é somente a
expressão de um dogma e a manifestação de uma crença, é um encanto da
vida, uma consolo do coração. Que há, com efeito de mais suave ao coração
que esse culto piedoso que nos prende à memória e aos sofrimentos dos
mortos?
Crer na eficácia da prece e nas boas obras para o alívio daqueles que
perdemos, quando os choramos, que essas lágrimas derramadas sobre eles
podem ainda ser-lhes de socorro; crer, enfim, que mesmo nesse mundo
invisível que habitam nosso amor pode ainda visitá-los por seus benefícios:
que doce, que amável crença! E, nessa crença, que consolação para aqueles
que viram a morte entrar sob seu teto, e ferir junto de seu coração! Se essa
crença e esse culto não existissem, o coração humano, pela voz dos seus
mais nobres instintos, diz a todos aqueles que o compreendem que seria
necessário inventá-los, não fora senão para colocar a doçura na morte e o
encanto até nos seus funerais. Nada, com efeito, não transforma e não
transfigura o amor que roga sobre uma tumba ou chora nos funerais, como
essa devoção, à lembrança e aos sofrimentos dos mortos. Essa mistura da
religião e da dor, da prece e do amor, tem não sei o que de delicado e de
enternecedor tudo junto. A tristeza que chora aí se torna um auxiliar da
piedade que roga; a piedade, por sua vez, aí se torna para a tristeza o mais
delicioso aroma; e a fé, a esperança e a caridade não se encontram nunca
melhor para honrar a Deus consolando os homens, e colocar no alívio dos
mortos a consolação dos vivos!
"Esse encanto tão doce que encontramos no nosso comércio fraternal
com os mortos, quanto se torna mais doce ainda quando chegamos a nos
persuadir de que Deus, sem dúvida, não deixa esses defuntos queridos
ignorantes completamente do bem que lhes fazemos. Quem não desejou,
quando ora por um pai ou um irmão trespassado, que ele estivesse ali para
escutar, e quando se consagra por ele, que estivesse ali para ver? Quem
não se disse, enxugando suas lágrimas junto ao caixão de um parente ou
de um amigo perdido: "Se, pelo menos, ele pudesse me ouvir! Quando meu
amor lhe oferece, com lágrimas, a prece e a consagração, se eu estivesse
seguro que ele o sabe e que seu amor compreende sempre o meu! Sim, se
eu pudesse crer, não somente que o alívio que lhe envio chegue a ele, mas
se eu pudesse me persuadir também que Deus se digna delegar um de seus
anjos para lhe ensinar, levando-lhe meu benefício, que esse alívio vem de
mim: oh! Deus bom para aqueles que choram, que bálsamo em minha
ferida! Que consolação na minha dor!".
"A Igreja, é verdade, não nos obriga a crer que os nossos irmãos
mortos sabem, com efeito, no Purgatório, o que fazemos por eles na Terra,
mas também não o proíbe; ela o insinua, e parece persuadir-nos pelo
conjunto de seu culto e de suas cerimônias', e homens sérios e honrados na
Igreja, não temem afirmá-lo. Qualquer que seja, de resto, se os mortos não
têm o conhecimento presente e distinto das preces e das boas obras que
fazemos por eles, é certo que lhes sentem os efeitos salutares; e essa firme
crença não basta a um amor que quer se consolar da dor pelo benefício, e
fecundar suas lágrimas pelos sacrifícios?".
O que o P. Félix admite como uma hipótese, a ciência Espírita admite
como uma verdade incontestável, porque disso lhe dá a prova patente.
Sabemos, com efeito, que o mundo invisível está composto daqueles que
deixaram seu envoltório corporal, dito de outro modo, das almas daqueles
que viveram na Terra; essas almas, ou esses Espíritos, o que é a mesma
coisa, povoam o espaço; e estão por toda parte, aos nossos lados tão bem
como nas regiões mais distantes; desembaraçados do pesado e incômodo
fardo que os retinha na superfície do solo, não tendo mais que um
envoltório etéreo, semi-material, eles se transportam com a rapidez do
pensamento. A experiência prova que podem vir ao nosso chamado; mas
vêm mais ou menos de bom grado, com mais ou menos prazer; segundo a
intenção, isso se concebe; a prece é um pensamento, um laço que nos liga
a eles: é um apelo, uma verdadeira evocação; ora, como a prece, que ela
seja eficaz ou não, é sempre um pensamento benevolente, não pode, pois,
ser senão agradável àqueles que lhes são o objeto. É-lhes útil?
É uma outra questão. Aqueles que contestam a eficácia da prece
dizem: Os decretos de Deus são imutáveis, e não pode derrogá-los a pedido
do homem. - Isso depende do objeto da prece, porque é bem certo que
Deus não pode infringir suas leis para satisfazer a todos os pedidos
inconsiderados que lhes são endereçados; consideremo-la somente do
ponto de vista do alívio das almas sofredoras. Diremos primeiro que,
admitindo que a duração efetiva dos sofrimentos não pode ser abreviada, a
comiseração, a simpatia, são um adoçamento para aquele que sofre. Que
um prisioneiro seja condenado a vinte anos de prisão, não sofrerá mil vezes
mais se estiver só, isolado, abandonado? Mas que uma alma caridosa e
compassiva venha visitá-lo, consolá-lo, encorajá-lo, não tivesse o poder de
quebrar suas cadeias antes do tempo certo, ela lhe faria parecer menos
pesadas, e os anos lhe pareceriam mais curtos. Qual é aquele que, na
Terra, não encontrou na compaixão um alívio às suas misérias, uma
consolação na expansão da amizade?
Podem as preces abreviarem os sofrimentos? O Espiritismo diz: Sim;
e o prova pelo raciocínio e pela experiência: pela experiência, naquilo que
são as próprias almas sofredoras que vêm confirmá-lo, e nos pintam a
mudança de sua situação; pelo raciocínio, considerando-se seu modo de
ação.
As comunicações incessantes que temos com os seres de além-
túmulo fazem passar sob os nossos olhos todos os graus do sofrimento e da
felicidade. Vemos, pois, seres infelizes, horrivelmente infelizes, e se o
Espiritismo, de acordo nisso com um grande número de teólogos, não
admite o fogo senão como uma figura, um emblema das maiores dores, em
uma palavra, como um fogo moral, é preciso convir que a situação de
alguns não vale muito mais que se estivessem no fogo material. O estado
feliz, ou infeliz, depois da morte não é, pois, uma qui mera, um verdadeiro
fantasma. Mas o Espiritismo nos ensina ainda, que a duração do sofrimento
depende, até um certo ponto, da vontade do Espírito, e que ele pode
abreviá-lo pelos esforços que faça para melhorar-se. A prece, eu entendo a
prece real, a do coração, a que é ditada por uma verdadeira caridade, leva
o Espírito ao arrependimento, desenvolve nele bons sentimentos; ela o
esclarece, fá-lo compreender a felicidade daqueles
que estão acima dele; leva-o a fazer o bem, a se tomar útil, porque os
Espíritos podem fazer o bem e o mal; ela tira-o, de alguma forma, do
desencorajamento no qual se entorpece; fá-lo entrever a luz. Pelos seus
esforços, portanto, pode sair do lamaçal onde está mergulhado; assim é
que a mão de socorro que se lhe estende pode abreviar-lhe os sofrimentos.
Nosso assinante nos pergunta se os Espíritos que solicitam prece não
estariam ainda sob a influência das idéias terrestres: A isso respondemos
que, entre os Espíritos que se comunicam conosco, há os que, quando
vivos, professaram todos os cultos, e que todos, católicos, protestantes,
judeus, muçulmanos, budistas, a esta pergunta; Que podemos fazer para
que vos seja útil? Respondem: Orai por mim. - Uma prece, segundo o rito
que professastes, vos seria mais útil ou mais agradável? - O rito é a forma;
a prece do coração não tem rito. - Nossos leitores se lembram, sem dúvida,
da evocação de uma viúva de Malabar, inserta no número da Revista de
dezembro de 1858. Quando se lhe disse: Vós nos pedis para orar por vós,
mas somos cristãos; nossas preces poderiam vos ser agradáveis? Ela
respondeu: Não há senão um Deus para todos os homens.
Os Espíritos sofredores se prendem àqueles que oram por eles, como
o ser reconhecido àquele que lhe faz o bem. Essa mesma viúva de Malabar
veio várias vezes às nossas reuniões sem ser chamada; aí vinha, dizia, para
se instruir; seguia-nos mesmo na rua, como constatamos com a ajuda de
um médium vidente. O assassino Lemaire, cuja evocação narramos no
número de março de 1858, evocação que, entre parêntese, havia excitado a
verve zombeteira de alguns céticos, esse mesmo assassino, infeliz,
abandonado, encontrou, num dos nossos leitores, um coração compassivo
que dele teve piedade; vem, frequentemente, visitá-lo, e tratou de se
manifestar por todas as espécies de meios, até que essa mesma pessoa,
tendo a ocasião de se esclarecer sobre essas manifestações, soube que era
Lemaire que queria testemunhar-lhe seu reconhecimento. Quando teve a
oportunidade de exprimir seu pensamento, disse-lhe: Agradeço-vos, alma
caridosa! Eu estava só com o remorso da minha vida passada, e tivestes
piedade de mim; eu estava abandonado, e pensastes em mim; eu estava
no abismo, e me estendestes a mão! Vossas preces foram para mim como
um bálsamo consolador; compreendi a enormidade dos meus crimes, e pedi
a Deus conceder-me a graça de repará-los por uma nova existência, quando
poderia fazer tanto bem quanto mal eu fiz. Obrigado ainda, ó obrigado!
Eis, de resto, sobre os efeitos da prece, a opinião atual de um ilustre
ministro protestante, o senhor Adolphe Monod, falecido no mês de abri l de
1856.
"O Cristo disse aos homens: Amai-vos uns aos outros. Esta
recomendação encerra a de empregar todos os meios possíveis para
testemunhe/ a afeição aos seus semelhantes, sem entrar, para isso, em
nenhum detalhe sobre a maneira de atingir esse objetivo. Se é verdade que
nada pode desviar o Criador de aplicar a justiça da qual ele é o tipo, a todas
as ações do Espírito, não é menos verdadeiro que a prece que lhe
endereçais por aquele por quem vos interessais, é para este último um
testemunho de lembrança que não pode senão contribuir para lhe aliviar os
sofrimentos e consolá-lo; desde que testemunhe o menor arrependimento,
e então somente, ele é socorrido, mas não ignora jamais que uma alma
simpática se ocupou
dele; esse pensamento leva-o ao arrependimento, e deixa-o na doce
persuasão de que sua intercessão lhe foi útil. Disso resulta,
necessariamente, de sua parte, um sentimento de reconhecimento e de
afeição por aquele que lhe deu essa prova de amizade ou de piedade;
consequentemente, o amor que o Cristo recomenda aos homens não faz
senão aumentar entre eles; eles têm, pois, ambos que obedecer à lei de
amor e união de todos os seres, lei de Deus, que deve levar à unidade, que
é o fim do Espírito."
- Não tendes nada a acrescentar a essas explicações? - R. Não, elas
encerram tudo.
- Eu vos agradeço por consentir em no-las dar. - R. É uma felicidade,
para mim, contribuir para a união das almas, união que os bons Espíritos
procuram fazer prevalecer sobre todas as questões de dogma que os
dividem.

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