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AULA 8 VERDADE, CERTEZA E PROVA

Vídeo 1

Introdução

O tema desta aula não é apenas “histórico” mas vital e existencial. Tem a ver

não apenas com um objeto de estudo da Primeira Modernidade mas com a minha

própria vida e, do meu ponto de vista, daquilo que o ser humano tem de melhor e está

sendo-lhe tirado: a opinião, a perspectiva, o ponto de vista. O direito de ter uma

opinião que é só sua e que, por isso mesmo, precisa de ser contrastada

(CONTRASTADA E NÃO CANCELADA) com a opinião dos outros.

É daí que nasce o debate e a convicção de que o homem é um ser racional.

Vamos começar por aí. O que se queria dizer quando se dizia que o homem era

um ser racional?

O homem e a mulher eram pessoas, não indivíduos e, portanto, estavam sempre

numa relação dada, determinada.

Mas do que é mesmo que vamos falar?

Vamos falar da percepção, da representação. Não de como o mundo era

percebido, mas como é que é preciso pensar para perceber o mundo da maneira em

que era percebido no século XVII.

O espaço cronológico em que tudo isto se desenvolve pode ser encontrado

entre as disputas entre Descartes, Pascal e os primeiros probabilistas e a metade do

século XVIII em que a Igreja católica tomou posições mais rígidas com relação ao

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Probabilismo.

Vamos falar, portanto, sobre verdade, certeza e opinião.

Vou começar por exemplos corriqueiros para situar o problema. Quando se fala

sobre a verdade, costuma-se fazer uma oposição entre verdade absoluta/relativa e

verdade objetiva/subjetiva. Daí surgem as seguintes frases: a verdade é relativa ou é

absoluta? A verdade não existe. Cada um tem a sua própria verdade. Verdade é o que

a coisa é. Se for verdade, então é objetiva.

Vou continuar dando exemplos: uma coisa é afirmar que isto é um cavalo ou

uma árvore, outra é afirmar que o Brasil é o melhor país do mundo. Uma coisa é dizer

que eu sou o Rafael e outra dizer que eu sou um bom ou mau professor. Uma coisa é

dizer que o homem é um ser que morre e outra é dizer que o homem é alguém

movido só pelo egoísmo ou pelo instinto sexual. Uma coisa é dizer que o Brasil foi

descoberto pelo Cabral e outra é dizer que foi descoberto para ser explorado

econômicamente. Uma coisa é dizer que meu carro foi batido pelo seu e outra dizer

que é você o culpado.

O que estou querendo dizer com todos esses exemplos? tentem juntá-los agora

com verdade absoluta/relativa: tem sentido falar que a verdade é absoluta? será que

nesses exemplos cabe isso? tem sentido falar que a verdade é relativa? tem sentido

isso? por exemplo: foi você o culpado da batida do carro? é uma verdade absoluta ou

relativa? o Brasil é o melhor do mundo? isto é um cavalo?

A discussão sobre a verdade é normalmente descontextualizada, tirada das

circunstâncias e das coisas sobre as que se fala. E se fica falando sobre uma

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abstração: a verdade, sem nenhuma referência à frase que foi afirmada nem à coisa

sobre a que se está falando. E assim fica muito difícil entender-se. Quando alguém

afirma ou questiona se há ou não verdades absolutas ou relativas, o que é que está

querendo dizer?

Há níveis de realidade, níveis de conhecimento e níveis de discurso. Não está

tudo isso num mesmo patamar.

Na realidade há coisas sobre as quais se pode ter conhecimento certo. Há

coisas sobre as quais se pode ter conhecimento razoável ou provável. Há coisas sobre

as que se pode ter conhecimento incerto. E há muitas coisas sobre as que não temos

conhecimento.

E para cada um desses níveis de certeza temos, por um lado, um tipo de

conhecimento (falamos de ciência ou de opinião) e um nível de discurso (falamos de

discurso científico e discurso retórico ou político ou moral). É sobre tudo isto que

procuraremos aprofundar agora. Tudo isto foi discutido intensamente a partir do

século XVII.

Relação entre realidade e conhecimento

Os gregos foram os primeiros que começaram a discutir sobre esses temas.

Vamos tentar avançar na questão a partir deles,

Aristóteles percebeu que havia uma relação entre o mundo do ser e o mundo do

conhecer. Antes dele isso já tinha sido percebido, mas ele conseguiu explicá-lo

claramente de forma mais ou menos simples.

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Que há coisas parece que é um dado evidente, a questão se coloca quando me

pergunto se posso ou não conhecê-las e se, quando as conheço, meu conhecimento é

mesmo certo ou não.

Que relação foi essa?

1º a gente vê que existem coisas, que elas mudam, e que mesmo assim

continuam sendo as mesmas só que com algumas mudanças. Isso que não muda foi

chamado de substância, e o que muda foi chamado de acidentes.

Temos assim: substância, qualidade, quantidade, relação, ação, paixão, lugar,

hábito. (guardem isto e lembram do que falamos sobre as circunstâncias, sobre os

casos, sobre as provas...)

Quando a Espanha descobriu América a primeira questão foi: os índios são da

mesma substância que os espanhóis? Se são, então em que são diferentes? Aí as

circunstâncias, os acidentes serviram para estabelecer o lugar da diferença.

2º até aí já se tinha dado um bom passo. A realidade é fluida, muda, porém não

tudo, tem algo na realidade de cada ser que permanece. Uma rosa é uma rosa, mesmo

que com cores diferentes, cheiro mais forte, independente de ser uma ou um buquê,

ser minha ou ser de ninguém....uma rosa é uma rosa (Romeu e Julieta).

Mas a grande descoberta de Aristóteles foi que para cada coisa havia uma

forma de conhecer e de dizer sobre ela. Chamamos a isso de “categorias” ou

“predicamentos” porque é o que se pode dizer ou predicar da coisa. Substantivo.

Adjetivo. Número. Pronome. Verbo ativo. Verbo passivo. Advérbio de lugar, de modo

Ou seja o que Aristóteles mostrou é 1º que as coisas existem, 2º que podemos

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conhecê-las e 3º que podemos falar delas. E, mais ainda, que tudo isso está

relacionado e que, portanto, as coisas permanecem na sua substância mas podem

mudar nos seus acidentes e circunstâncias.

É por isso que deveríamos ter pelo menos duas formas de conhecer: uma que

permita conhecer a substância, aquilo que não muda e que permanece igual, e outra

que permita conhecer os acidentes: as circunstâncias sempre diferentes e sempre

mutáveis de cada substância.

Os gregos também descobriram que há um mundo de coisas que foi chamado

de Física sobre o qual se pode ter (ou não) um conhecimento certo. Para esse tipo de

conhecimento foi criado o nome de ciência. É um tipo de conhecimento que, quando

se tem, podemos dizer que conhecemos mesmo o que a coisa é.

Há um mundo de coisas que não é o da realidade física, mas o das relações

sociais, por exemplo, sobre o qual não temos um conhecimento certo, mas incerto.

Foi chamado de opinião, para diferenciá-lo da ciência. Para esse tipo de

conhecimento foi criado o nome de Política e de Retórica. Tem também outro mundo

de coisas que é o formado pelas ações humanas, aí, se olhamos apenas para a

realização do ato, temos a técnica, que normalmente tem um conhecimento certo, mas

temos também a arte, que é incerto, e temos também a possibilidade de olhar para o

que se passa conosco quando agimos e temos, então, a Ética, que tem tanto

conhecimentos certos como incertos e que trata não do fazer, mas de como fazer, qual

é a responsabilidade que temos no que fazemos.

Se as coisas são assim, volto a perguntar: qual é o sentido de discutir se há

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verdade absoluta ou relativa? A resposta seria: depende do que se esteja falando

haverá verdades absolutas e relativas, não há exclusão.

Vou dar um exemplo moral: faz o bem e evita o mal. É absoluto. Mas que tipo

de bem é para realizar? É relativo. Um exemplo químico: isto é água. Se for, é

absoluto. Um exemplo político: o homem é um ser sociável e político. Absoluto. Este

tipo de governo é o melhor. Relativo.

Depois de tudo isto, parece-me que fica mais claro que há uma relação

intrínseca entre realidade e conhecimento. E que não há nenhuma possibilidade de

dizer isto é objetivo, a não ser que se esteja querendo dizer algo como isto é

verdadeiro, ou isto tem de ser aceitado por todo o mundo porque é assim....

Se for conhecimento de algo, sempre será subjetivo e objetivo. Então, quando é

que se pode falar de “verdade”? Vamos precisar avançar um pouco mais nos gregos.

Características da coisa

Pensem em qualquer coisa existente, por exemplo, uma fruta, um ser humano,

um animal, uma cachoeira...Há uma série de características que são próprias de

qualquer coisa que existir, que se podem dizer de todas elas. São características

extremamente gerais e amplas, não são particularidades de nenhuma coisa em

especial, mas, ao contrário, podem ser “predicadas” de qualquer coisa: que é una, que

é verdadeira, que é boa e que é bela. Aqui acaba de surgir a palavra verdadeira como

adjetivo e não como substantivo. Isso já é uma advertência.

A primeira coisa que os gregos perceberam é que se uma coisa existe ela é

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verdadeira. Ela é o que ela é. Uma rosa é uma rosa. Um homem é um homem. Um

dólar falso é um dólar falso. Se não tivermos isto em conta, e não percebermos que

este dólar é falso, então vamos nos dar muito mal, porque ele é falso,

independentemente do que a gente achar sobre ele.

O que se tira daqui? tira-se que a primeira resposta que se pode dar a quem

perguntar: mas quem diz o que é a verdade? a resposta é: a realidade, a coisa.

Podemos achar que um aspargo é uma chave, mas não vamos abrir nenhuma porta

com ele. Podemos montar um modelo ótimo de vida, podemos ter um plano ótimo de

racionalização de processos produtivos, mas se tudo isso é mesmo verdadeiro será a

realidade quem vai nos dizer...

Só que o fato de saber que a coisa é verdadeiramente a coisa não nos resolve

nada, porque o verdadeiro problema é: como é que eu conheço essa coisa

verdadeira? ou como conheço a verdade da coisa? ou como ter certeza de que o

que eu conheço é mesmo verdadeiro? Acabamos de introduzir a verdadeira

questão: como ter certeza do que conhecemos?

A questão do conhecimento

Como é que acontece o conhecimento de algo? os gregos deram uma

explicação e criaram uns nomes a partir da relação sexual. Inclusive a palavra

conhecimento (conhecer a mulher) na tradição bíblica significa exatamente isso.

Quando o sujeito conhece a coisa, a mente concebe a coisa, por meio do concebido

(conceito). Esse conceito da coisa é o que conhecemos. Depois dar-lhe-emos um

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nome, por meio do qual possamos reconhecer a coisa e comunicar-nos. Esse processo

de dar nome já cria muitos desentendimentos. Vamos por partes.

Se o sujeito conhece a coisa por meio do conceito, então, se pode dizer que a

verdade está também na inteligência. A coisa é verdadeira e, quando conhecida essa

coisa verdadeira está na minha cabeça. Vamos ver como S. Tomás, a partir de

Aristóteles explica tudo isto (II-IIae, q. 16).

Da mesma forma que a vontade tende para o que é bom, ou seja para a bondade

da coisa (a coisa é boa e é por isso que nossa vontade tende para ela), a inteligência

tende para o verdadeiro, ou seja a verdade da coisa (a coisa é verdadeira, e minha

inteligência tende para ela).

Portanto, se quisermos definir o que é a verdade, podemos fazê-lo de várias

formas: Santo Agostinho e a sua tradição diziam que a verdade é aquilo com o que

fica descoberto o que a coisa é. Ou, então, verdadeiro é o ser que se desvela, que fica

em evidência. Nessa mesma linha, Avicena, para falar de outra tradição, dizia que a

verdade de uma coisa é a propriedade do ser que está inerente nela. Como se vê,

essas definições põem de relevo principalmente a coisa verdadeira.

S. Tomás vai dar uma definição que coloca o foco na inteligência: verdade é a

adequação entre o objeto e a inteligência. Ou seja, quando nossa mente capta

verdadeiramente o ser da coisa, então está na verdade. E se produz conhecimento.

Quando a capta falsa ou erradamente, então se está no erro e não se produz

conhecimento, pelo menos não se produz conhecimento verdadeiro.

Desses dois tipos de definição podemos extrair uma conclusão interessante: a

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definição agostiniana fala em desvelamento. A palavra grega para “verdade” era

alétheia. Está relacionada com o verbo lanthanó, que significa “ocultar, esconder,

encobrir”. Com a partícula negativa a queria se significar o desvelamento, a

descoberta de algo oculto.

No pensamento grego, as coisas não são apenas o que parecem, elas têm uma

realidade essencial (lembrem do que falei da substância e dos acidentes). O que

vemos logo de cara são as aparências, os acidentes, mas isso que vemos não é

verdadeiramente, essencialmente a coisa.

É preciso que essa verdade se evidencie, se apresente, se manifeste. A verdade,

neste sentido, é uma epifania. A epifania daquilo que é. Nesse sentido, os gregos ao

falar da verdade se referiam em primeiro lugar àquilo que a coisa era mesmo, e, em

segundo lugar, àquilo que se podia dizer dela, logos (lembrem daquela relação que

Aristóteles fez entre o que a coisa é e o que se pode dizer dela). Dessa forma, o logos,

ou seja, a palavra, o que se diz da coisa, é precisamente o que nos permite ver a

verdade, desvelar a verdade, tornar patente ou evidente a verdade. (como se pode

ver, isto tem enorme importância para a tradição cristã. Tudo foi feito pelo Logos. As

coisas foram criadas e Adão deu-lhes um nome).

A falsidade, então, é o pseudo. Tem o significado de imitação ou de parecido

enganoso. Sua origem é o verbo pseudomai que significa esconder, ocultar, dizer uma

falsidade.

Na tradição hebraica, o termo que designa verdade era emet, que estava

relacionado com duas outras palavras bem conhecidas: emunah, que significa fé, e

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amém, que exprime a solidez ou firmeza de algo inquebrantável nas coisas ou nas

palavras (podemos traduzi-lo como é isso mesmo. ou como assim seja. Tem, portanto,

dois sentidos, um de presente e outro de futuro. Por isso que no Sinai, uma vez dada a

Lei, o povo exclama Amém).

Essa tradição relaciona verdadeiro ou verdade com justo, correto. Está mais

diretamente relacionada com a conduta humana do que com as coisas. Tem um

âmbito mais pessoal do que material. Uma coisa verdadeira é aquela na qual eu posso

confiar. Um homem verdadeiro é aquele que é inquebrantável. Isto dá uma dimensão

histórica à verdade: a verdade enquanto aletheia é algo que já está dado e que precisa

ser desvelado; a verdade enquanto emet e´algo que precisa ser vivido, mantido,

realizado.

Por que isto é importante? porque o mundo ocidental adentrou pela discussão

sobre a verdade em chave grega, portanto, uma questão principalmente de

conhecimento racional e, depois da Modernidade, uma questão de conhecer

metodologicamente a verdade das coisas. De certa forma, a tradição grega não

implicava o ser humano como um todo, podia ser apenas a sua mente.

Na tradição hebraica não é assim. Conhecer a verdade implica confiança e

fidelidade e isso tem uma implicação completa do ser humano e, mais ainda, uma

implicação temporal. É preciso manter-se fiel. Manter-se na verdade. Não é que

tenhamos a verdade, é ela quem nos tem. Daí que se possa entender agora melhor o

que pode significar duas frases de Cristo sobre a Verdade: Eu sou o caminho, a

verdade e a vida. Conhecereis a verdade, e a verdade vos tornará livres.

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A questão da certeza

Com a chegada da Idade moderna, o avanço da ciência e do racionalismo, a

questão sobre a verdade muda de lugar. A questão que interessará será: me prova que

é verdade. Se provar, então eu aceito. Se não provar, não.

A prova da verdade é o que produzirá a certeza do sujeito. Por isso é que a

discussão será centrada em torno da demonstração. Para aceitar a verdade é preciso

que esteja demonstrada. Ora, em tempos de Descartes isto era fácil a partir do

momento em que se aceitava que o único tipo de conhecimento era o científico. Por

que? porque era o único demonstrável. Daí que as ciências exatas e as empíricas, por

meio de axiomas ou de comprovação de hipóteses (experiências) foram as únicas

com categoria de verdade.

Acontece que, como já disse Sto Tomás (II, IIae, q. 70, art. 2) , lembrando

Aristóteles, não se podia procurar o mesmo tipo de certeza em todas as coisas e

temas, porque a certeza demonstrativa não podia ser nem exigida nem esperada em

questões que não fossem exatas.

Para um grande número de coisas só era possível a certeza provável, opinião,

que era a que podia ser obtida nas coisas contingentes e mutáveis. Que coisas?

Aquelas que se davam circunstanciadamente. Ou seja, quase todas. Por quê? Porque a

substância (que é o que permanece, o que é igual sempre) só se dá existencialmente

no aqui e agora, nas circunstâncias de tempo e lugar.

Em termos concretos: Não existe isso que se chama de Justiça, a não ser no

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mundo conceitual. O que existe de verdade são atos, fatos, homens, coisas mais ou

menos justas, mais ou menos injustas. A justiça se dá de forma proporcionada. Trata-

se de um espectro, de um leque, e não de uma conclusão, nem uma categoria fixa.

Será aqui que surgirá o sentido daquelas questões iniciais. O que se está

querendo dizer com verdade objetiva/relativa? que se for demonstrável, então é

objetiva, porque todo o mundo tem que aceitar. Porém, se for apenas uma opinião,

então, como não era demonstrável, ninguém era obrigado a aceitá-la

necessariamente, portanto, era relativa.

Não há muita dificuldade em aceitar que isto é uma cadeira, ou que dois mais

dois é igual a quatro. Aceita-se que seja algo objetivo, porque se não, o que se

verifica é que a pessoa é burra. Contudo, já é mais difícil de se aceitar que todos os

homens são livres, ou que o homem pode falar com Deus, ou que a virtude seja

necessária para ser feliz. Em todas essas questões não há demonstração possível, só

há opinião, baseada numa certeza provável.

Quando escutamos a palavra opinião imediatamente fica ligada a algo

subjetivo e, portanto, carente de prova e, portanto, relativo, ou seja, não é verdade, é

só uma opinião.

Quando, na verdade, a questão é a seguinte: tem coisas, muito poucas, que

podem ser demonstradas. Ao saber que trata sobre isso se dá o nome de ciência.

Tem coisas, muitíssimas, que não podem ser demonstradas. Ao saber que trata

sobre isso se dá o nome de opinião.

A ciência dá certeza. A opinião certeza moral ou razoável ou provável. A

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ciência age por demonstração, a opinião por argumentação. Não é por ser opinião

que é algo arbitrário ou aleatório, não é palpite.

A opinião é uma forma de conhecimento que procede por argumentação. E é a

forma mais comum do ser humano conhecer. É um conhecimento raciocinado. E se

atinge a verdade possível para aquele tipo de questão. Normalmente são questões

relativas a juízos e não a coisas. Não discutimos se isto é ou não uma pedra, mas se

posso ou não usar pedras contra a casa do vizinho. Todo o mundo aceita que isto é

um celular, mas não é todo o mundo que aceita que usar celular na direção causa

acidentes.

Voltando a Aristóteles, nos Tópicos, ele dizia que há principalmente dois tipos

de raciocínio: o demonstrativo quando parte de premissas verdadeiras e primeiras. E

o dialético que parte de opiniões geralmente aceitas. São verdadeiras e primeiras

aquelas coisas nas quais acreditamos em virtude de nenhuma outra coisa que não

sejam elas próprias, por exemplo, os princípios da ciência. São opiniões geralmente

aceitas aquelas que todo o mundo admite, ou a maioria das pessoas ou os sábios e

notáveis.

É por isso que a forma mais comum de se chegar à verdade de muitas coisas

seja por um processo dialético, de argumentação, e não por um processo

demonstrativo. A dialética é um processo de conhecimento por meio do qual

(Aristóteles de novo) temos mais fundamento para a escolha ou a rejeição de alguma

coisa, ou ainda para a verdade e o conhecimento, porque se discutem raciocínios,

onde se tenta ver se as coisas são ou não assim, havendo argumentos convincentes a

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favor de ambos pontos de vista.

E há pontos sobre os quais não temos mesmo nenhum argumento, por ser o

tema extremamente vasto...E inclusive há temas que nem dá para discutir ou

argumentar porque um homem que não sabe se devemos ou não honrar os deuses e

amar nossos pais necessitam de castigo, não de argumentaação, da mesma forma que

quem não sabe que a neve é branca necessita de percepção (Tópicos, 105a).

A questão da argumentação

As opiniões não são palpites. Elas nascem e se fundamentam em duas bases: a

argumentação e a autoridade. Por isso que se pode falar em opiniões apenas

prováveis, muito prováveis ou pouco prováveis. Não basta ter um argumento, é

preciso saber também de quem é esse argumento. Se eu quero saber o que é melhor

para cuidar do câncer, não é bom trabalhar com a opinião argumentada da Xuxa ou

do Jô Soares.

O problema hoje é que qualquer celebridade dá opinião sobre qualquer coisa e

passa a ter uma autoridade enorme. Mas isso é uma das doenças dos tempos

modernos. O normal seria que para ter um conhecimento razoável sobre qualquer

assunto se procure quem tem autoridade na matéria e se escutem diferentes pontos de

vista.

No século XVII procurava-se a opinião comum dos doutores.

Quem tem autoridade na matéria? a experiência e a sabedoria. Muitas vezes a

autoridade vem não do muito saber, mas do muito ter vivido. Principalmente em tudo

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o que se relaciona com questões práticas do relacionamento humano.

Diferentes pontos de vista: qualquer tema pode ser analisado a partir de muitos

pontos de vista. E, em geral, é difícil encontrar alguém que consiga ver o assunto de

todos os pontos de vista possíveis.

Foi a esta realidade que Aristóteles chamou de animal racional. O homem é,

por natureza e condição, um ser relacional.

Normalmente, cada um consegue ver a partir do seu próprio ponto de vista, que

é parcial, fragmentado, focado, e pouco mais. Daí a necessidade da relação, da

dialética, do diálogo. O diálogo é a forma em que o processo dialético de

conhecimento se processa.

Para que haja diálogo é preciso haver um elemento prévio: humildade. Ter a

consciência de que o meu próprio ponto de vista pode estar enganado; ou pode estar

certo, mas não totalmente; ou pode estar totalmente certo, mas não é para aplicar

agora ou com esta pessoa. Ou seja, é preciso aceitar que temos de toda a realidade

apenas uma opinião. E que precisamos das opiniões dos outros.

Por isso há necessidade da conversa, que tem como origem a conversão. É por

meio de uma conversa dialógica sobre os mais distintos pontos de vista que se pode

chegar não a um consenso -que é o que se procura hoje de forma politicamente

correta- mas a um convencimento, a uma conversão. o problema é que a palavra

conversão hoje ganhou outro sentido, tem a ver com imposição do próprio ponto de

vista, mas na origem, das muitas opiniões, das muitas versões, o processo dialógico

procura chegar à conversão, a uma opinião sólida, fundada em argumentos

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prováveis e razoáveis.

Essa é uma das formas mais corriqueiras do ser humano chegar à verdade.

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