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Sumário
Introdução.........................................................................................................3
Que é sexo?.........................................................................................................5
Ninguém Deseja o que já Possui.......................................................................7
A Perspectiva Espiritual da Sexualidade............................................................9
Sobre a Guerra dos Sexos.................................................................................11
Sobre a Verdadeira Modéstia...........................................................................14
Considerações Mais ou Menos Históricas......................................................19
Compilação: San
Editoração e capa: San
Revisão e notas: San
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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto
Introdução
Quando o assunto é sexo o que há de mais comum hoje em dia é a mente
ser empurrada pelo doutrinarismo opaco dos religiosos, que nos dizem: “ho-
mossexualismo é contra a natureza”, “o matrimônio é indissolúvel”, “adultério é
pecado” ou pelo experimentalismo1 vale tudo da modernidade, que reza: “sexo
é um produto da evolução” “tudo tem uma motivação sexual inconsciente” “o
importante é não se reprimir”. Se, por um lado, os religiosos não são capazes de
nos oferecer mais do que vagas referências à tradição como explicação para suas
teses tão impopulares em nossos tempos, as atitudes modernas em relação a
sexo, por outro, têm consequências evidentemente corruptoras e tenebrosas. Se
sexo é mero produto da evolução, os machos nascem para espalhar sua semente
e as fêmeas, para escolher os parceiros mais fortes. Em termos humanos isso sim-
plesmente quer dizer que os homens nascem para ser adúlteros contumazes e as
mulheres para ser vadias de bandidos. Se tudo é sexo, como querem certas cor-
rentes da psicologia moderna, quem morde um lápis ou fuma um charuto já
cometeu adultério em seu coração. Há também a vertente “mística nova era”
segundo a qual sua espiritualidade é medida de maneira mais ou menos direta
pelo número e qualidade dos seus orgasmos.
No plano concreto das escolhas reais, é preciso lembrar que a verdade é
necessária mesmo quando não a compreendemos. Antes de encarar a questão
teoricamente, considere que se a posição religiosa parece opaca isso pode ser
devido mais aos defeitos intelectuais particulares dos fiéis e sacerdotes que a
ensinam e à nossa própria indiferença e estupidez ao ouvi-la do que ao conteú-
do direto das doutrinas em questão. É possível termos perdido de vista os dados
fundamentais capazes de tornar essa doutrina clara. Considere também que as
doutrinas religiosas trouxeram para a humanidade a companhia de multidões
de santos e santas, enquanto o experimentalismo moderno só teve por efeito
nos obrigar a conviver com multidões de viciados e viciadas em pornografia,
1 Experimentalismo é a atitude de explorar novos conceitos e representações de mundo, rompendo com as
convenções estabelecidas na tradição artística e literária.
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O Sexo e a Modéstia
pílulas, brinquedos e dietas. Isso devia bastar escolher um lado. Dize-me com
quem queres andar e te direi quem és.
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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto
Que é sexo?
Para responder essa questão o primeiro que é necessário é recuperar a ino-
cência. Falo antes de inocência intelectual que de inocência moral, pois o
telhado protetivo da moral desaba fácil quando sobrecarregado de dúvidas. Ino-
cência intelectual é um tipo de abandono das noções em favor da percepção. É
algo aparentado com a ignorância socrática, com o unknowing2 do monge
anônimo, com a não-mente do zen e a pobreza de espírito do Evangelho. Não
digo que essas atitudes são todas equivalentes perfeitas, mas que todas elas
guardam algo em comum e, de certo modo, apontam para a mesma direção. No
caso de que tratamos, é tentar olhar para as coisas que têm sexo antes de criar
um pseudo debate de explicações que só existe em nossa cabeca. Para quem faz
esse esforço na direção da inocência é evidente que sexo é em primeiro lugar a
divisão de papéis em relação à reprodução. É também evidente que meu
próprio sexo é facilmente verificável com um breve olhar para o conjunto de
órgãos que tenho entre as pernas.
“Façamos o homem à Nossa Imagem e semelhança”3 e “macho e fêmea Ele os
criou”4
É interessante notar que uma das primeiras coisas que Deus quis nos
informar acerca da condição humana depois da queda foi a vergonha de ter o
sexo exposto. A nudez real e direta — não a da arte, que é meramente represen-
tada — é capaz de causar diversos tipos de reação, desejo, aversão, desdém e indi-
ferença. Com o pecado original a semelhança com Deus foi quebrada e a
Imagem Divina no coração foi enterrada sob os fragmentos desordenados da se-
melhança perdida. De todos os motivos para se envergonhar, porque sentir
vergonha da nudez? Creio que o sexo revela no corpo algo dessa semelhança
perdida. Homo representa a Imagem Divina, enquanto macho e fêmea indicam
modos fundamentais de semelhança. Talvez muitos dos elementos “culturais”
de masculinidade e feminilidade resultem de esforços para reconstituir uma se-
2 Cf. A Núvem do Não-Saber.
3 Cf. Gênesis 1, 26.
4 Cf. Gênesis 1, 27.
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melhança divina. O sexo então indica algo que é simultaneamente menos que
eu — essa é sua dimensão puramente biológica, e algo que é mais que eu — na
sua dimensão simbólica, o sexo é como um indício de um potencial na direção
de uma Virilidade Perfeita ou de uma Feminilidade Perfeita. Nossos primeiros
pais então sentiram vergonha de exibir uma promessa que eles já não podiam
cumprir e alguma apreensão ou mesmo medo do que sua nudez podia causar
ou deixar de causar. Vergonha de uma semelhança da qual o sexo (como mero
fato biológico) é só uma dolorosa lembrança.
Toda discussão sobre se a identidade sexual é “natural” ou “cultural”
parece fazer de conta que não somos animais racionais. Não somos uma sobre-
posição lógica dos conceitos “animal” e “racional”, nem tampouco uma junção
ou mistura de dois elementos provenientes de mundos diferentes (material +
imaterial), somos todos instâncias reais de uma espécie em que animalidade e
racionalidade constituem uma só realidade vital. Mas é preciso ir muito além
desse pseudo-dualismo e lembrar que há ainda um terceiro elemento em nossa
constituição. Homo, seja Vir5 ou Femina6, é corpo, alma e espírito. E na sexuali-
dade humana, como em tudo o mais que é humano, cada um desses componen-
tes tem que deixar sua marca. No corpo, basta olhar o que tenho entre as pernas
para saber qual é o meu sexo. A isso se acrescenta uma identidade sexual
anímica, parte natural, parte aprendida ou cultural (para quem não conhece as
cosmologias tradicionais da humanidade, a alma é o elemento intermediário,
parte semelhante ao espírito, parte semelhante ao corpo). Mas também sou es-
pírito, e isso quer dizer que, para ser humano, o sexo também tem que permitir
a contemplação e assimilação de qualidades espirituais que transcendem tanto a
natureza quanto a sociedade, tanto o corpo quanto a alma.
5 Homem.
6 Mulher.
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matrimônio. A maior parte dos casais sequer concebe o que é sexualidade con-
sagrada.
Entre o iconoclasmo da ideologia de gênero — que quer abolir a ideia de
identidade sexual natural (como fazer isso sem destruir o que temos entre as
pernas?) e a idolatria das “medidas perfeitas”, que com sua dietas e ginásticas
quer fazer de nossos corpos perfeitas fábricas de “sex appeal”, já não sobra
nenhum espaço para uma verdadeira iconodulia8 do sexo.
8 O termo vem do grego neoclássico εἰκονόδουλος, que significa “aquele que serve imagens”.
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Agora, o problema dessa civilização vai ser que essa alteração e diminuição
geral do desejo natural terá dois efeitos colaterais: o surgimento de inúmeras
taras sexuais compensatórias, e uma inevitável redução da taxa de natalidade.
Talvez ela possa compensar o primeiro efeito com a aceitação e normalização de
todas as taras; e o segundo, com grandes volumes de imigração. Pessoalmente,
não acredito que vai dar certo.
Se a gente pensar bem, acaba percebendo que em nenhuma sociedade
justa é possível a plena satisfação dos desejos sexuais por meio da liberação
sexual. A “liberação” vai tender sempre, ou na direção do modelo masculino —
que é bom para os homens e ruim para as mulheres, ou na direção do modelo
feminino — que é bom para as mulheres e ruim para os homens. Ou pela cria-
ção da “terceira via”, que é ruim para todo mundo.
Outra alternativa bem diferente é condenar moralmente a “liberação sexual” e
limitar a prática do sexo sem tentar alterar a natureza do desejo sexual. E a
verdade é que até muito recentemente, todas as soluções razoáveis para esse
dilema envolveram a recriminação pública do sexo, sua limitação à esfera
privada e formalizada do casamento, e a criação do pátrio poder na esfera do-
méstica.
Dentre as melhores soluções que aplicam essas restrições estão a da odio-
síssima cristandade tradicional (proibição do sexo fora do casamento, ocultação
pública dos atributos sexuais pela vestimenta, casamento estritamente monogâ-
mico e em princípio indissolúvel, e tolerância ao adultério — desde que não
cause escândalo público), e a do odiosíssimo mundo islâmico (proibição do
sexo fora do casamento, ocultação pública dos atributos sexuais pela vestimenta,
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1. “O que é a nudez?”
2. “Porque ela deve ser coberta por vestes?”
3. “Qual é o modo adequado de cobri-la?”
Vamos ver se podemos dar alguns passos na direção da resposta à primeira
pergunta.
Independente de outros possíveis significados, a nudez do Gênesis eviden-
temente se refere aos genitais. E os genitais explicitam o sexo (macho ou fêmea).
Então me parece que não é possível responder o que é a nudez do Gênesis sem
tentar entender as diferenças sexuais na espécie humana.
O PRIMEIRO PLANO em que é podemos tratar a diferença entre macho e
fêmea é o vegetativo. Macho e fêmea são funções reprodutivas, estão ligadas à
função principal da alma vegetativa, que é a reprodução. Que macho e fêmea
são diferentes no domínio vegetativo não é preciso argumentar e as implicações
disso para a vida humana vão ser discutidas mais adiante.
O SEGUNDO PLANO é o sensitivo. Somos animais, isto é, somos dotados
de sentidos. Macho e fêmea são sensivelmente diferentes.
Como as faculdades sensitivas não estão restritas aos sentidos particulares,
mas compreendem em seu conjunto a estimativa, a percepção de características
físicas masculinas e femininas indica que tipo me é agradável e desejável num
outro ser humano e ao mesmo tempo põe em ação a avaliação estimativa de
qual tipo me é possível realizar. Todo ente tende para a sua própria perfeição
como a um fim, e essa tendência se torna inclinação psicológica no animal (e em
nós) por meio da avaliação do conjunto das faculdades sensitivas. A estimativa
se destaca dos sentidos particulares por sua ação dupla, uma ligada à superação
de dificuldades e obstáculos que impedem a satisfação dos sentidos externos e
outra que é superior aos sentidos externos, pois se refere ao potencial do animal
para sua tipicidade própria tal como percebida pelos sentidos internos.
O TERCEIRO PLANO é o do imaginal. Como somos seres humanos, i.e.,
animais racionais, as diferenças sensitivas não são meros dados brutos, mas
carregam sempre valores estéticos. Neste plano somos capazes de pressentir nas
qualidades sensíveis que diferenciam macho e fêmea indicações de tipos
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esse conteúdo é despejado de uma só vez em nossas almas por simples percepção
direta. Ainda que a ascensão cognitiva não seja natural e espontânea, ela pelo
menos não é realmente muito problemática para quem esteja acostumado a
uma atitude verdadeiramente intelectual ou contemplativa. Mas a descida de
volta à caverna será com certeza muito mais acidentada.
Se todo o conteúdo cognitivo do fato da masculinidade ou feminilidade
descrito no post acima pode se despejar sobre uma alma humana subitamente e
pode ser pressentido integralmente numa única curva dum corpo, num único
olhar, num único sorriso, podemos prever que o impacto que esse momento
singular exerce sobre a alma individual é incomparavelmente estonteante e
quase sempre invencível. A exposição repentina, ainda que fugaz, mas real, a
um por cento do que é ser homem ou mulher é suficiente para causar paixões
avassaladoras praticamente irresistíveis num indivíduo perfeitamente normal e
mesmo em um acima do normal.
É certo que hoje todos são muito cínicos e bem pouco contemplativos,
então a força avassaladora de que falei no parágrafo anterior provavelmente tem
algo de inverossímil e de irreal para quase todos. Para vencer o cinismo e a força
avassaladora do fato sexual humano deixar de ser inverossímil, o único recurso
da maioria é reduzir o conteúdo indicado no post ao que seja facilmente conce-
bível. O que tem por consequência reduzir o fato do sexo somente aos planos
cognitivos mais familiares, mutilando de maneira fatal o objeto em questão e
tornando impossível avançar no assunto de maneira inteligente.
Fazendo uso de chavões determinados, seja pelo ambiente social mais
imediato, seja pela arte, seja pela religião, seja pela falta de religião, o sujeito ime-
diatamente trava o intelecto contemplativo e se conforta com o retorno à famili-
aridade psicológica de sua própria cosmovisão. Em outras palavras, a nudez de
que fala o Gênesis é um objeto cognitivamente tão imenso que é praticamente
impossível de ser exposta integralmente.
Pode não ser a única, mas a primeira razão para cobrir a nudez é que ela já está
efetivamente coberta e é mais ou menos impossível de ser descoberta realmente
sem violar as condições práticas da vida terrestre.
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A primeira razão para cobrir a nudez é como a razão para a ausência de na-
turalismo nos ícones. É simplesmente impossível desenhar a santidade dos
santos tal como ela existe no santo tridimensional de carne e osso.
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“ralé”, isto é, da gente menos capaz, geralmente muito pobre, que é natural-
mente atraída pelas migalhas de prosperidade que pode mendigar nas cidades.
Essa gente muito pobre costuma ter muito pouco de ethos no sentido próprio,
ela geralmente aceita como mais ou menos normal tudo que se possa resolver
com brigas, “barracos” e, em último caso, facadas.
Sendo realmente incapaz de emular o clero ou a nobreza, a gente urbana
mais próspera é a grande mãe dos moralismos ocos e da famigerada “mentalida-
de burguesa", da gente de bem, da “família estruturada” — família na qual
existe adultério, formicação, incesto, estupro, alcoolismo e tudo o que a gente
de bem publicamente despreza, desde que se possa manter as aparências.
O mesmo ethos de gente de bem existe igualmente entre os nobres
quando estes deixam de ser gente da guerra para se tornar gente da corte, habi-
tantes dessa cidadezinha de luxo que vive dentro da cidade vulgar. Também
acontece o mesmo com o clero, quando se afasta de suas raízes ascéticas e
começa a ser somente membro da corte do bispo.
De modo geral, nos dias de hoje só tem existência social real o ethos de
aparências da gente de bem e o tudo se resolve com barraco dos miseráveis. Essa
é uma das razões de parecer que o dilema das questões sexuais é uma mera
questão de moralismo versus libertinagem.
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