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O Sexo e a Modéstia

Sumário
Introdução.........................................................................................................3
Que é sexo?.........................................................................................................5
Ninguém Deseja o que já Possui.......................................................................7
A Perspectiva Espiritual da Sexualidade............................................................9
Sobre a Guerra dos Sexos.................................................................................11
Sobre a Verdadeira Modéstia...........................................................................14
Considerações Mais ou Menos Históricas......................................................19

Compilação: San
Editoração e capa: San
Revisão e notas: San

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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto

Introdução
Quando o assunto é sexo o que há de mais comum hoje em dia é a mente
ser empurrada pelo doutrinarismo opaco dos religiosos, que nos dizem: “ho-
mossexualismo é contra a natureza”, “o matrimônio é indissolúvel”, “adultério é
pecado” ou pelo experimentalismo1 vale tudo da modernidade, que reza: “sexo
é um produto da evolução” “tudo tem uma motivação sexual inconsciente” “o
importante é não se reprimir”. Se, por um lado, os religiosos não são capazes de
nos oferecer mais do que vagas referências à tradição como explicação para suas
teses tão impopulares em nossos tempos, as atitudes modernas em relação a
sexo, por outro, têm consequências evidentemente corruptoras e tenebrosas. Se
sexo é mero produto da evolução, os machos nascem para espalhar sua semente
e as fêmeas, para escolher os parceiros mais fortes. Em termos humanos isso sim-
plesmente quer dizer que os homens nascem para ser adúlteros contumazes e as
mulheres para ser vadias de bandidos. Se tudo é sexo, como querem certas cor-
rentes da psicologia moderna, quem morde um lápis ou fuma um charuto já
cometeu adultério em seu coração. Há também a vertente “mística nova era”
segundo a qual sua espiritualidade é medida de maneira mais ou menos direta
pelo número e qualidade dos seus orgasmos.
No plano concreto das escolhas reais, é preciso lembrar que a verdade é
necessária mesmo quando não a compreendemos. Antes de encarar a questão
teoricamente, considere que se a posição religiosa parece opaca isso pode ser
devido mais aos defeitos intelectuais particulares dos fiéis e sacerdotes que a
ensinam e à nossa própria indiferença e estupidez ao ouvi-la do que ao conteú-
do direto das doutrinas em questão. É possível termos perdido de vista os dados
fundamentais capazes de tornar essa doutrina clara. Considere também que as
doutrinas religiosas trouxeram para a humanidade a companhia de multidões
de santos e santas, enquanto o experimentalismo moderno só teve por efeito
nos obrigar a conviver com multidões de viciados e viciadas em pornografia,
1 Experimentalismo é a atitude de explorar novos conceitos e representações de mundo, rompendo com as
convenções estabelecidas na tradição artística e literária.
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O Sexo e a Modéstia

pílulas, brinquedos e dietas. Isso devia bastar escolher um lado. Dize-me com
quem queres andar e te direi quem és.

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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto

Que é sexo?
Para responder essa questão o primeiro que é necessário é recuperar a ino-
cência. Falo antes de inocência intelectual que de inocência moral, pois o
telhado protetivo da moral desaba fácil quando sobrecarregado de dúvidas. Ino-
cência intelectual é um tipo de abandono das noções em favor da percepção. É
algo aparentado com a ignorância socrática, com o unknowing2 do monge
anônimo, com a não-mente do zen e a pobreza de espírito do Evangelho. Não
digo que essas atitudes são todas equivalentes perfeitas, mas que todas elas
guardam algo em comum e, de certo modo, apontam para a mesma direção. No
caso de que tratamos, é tentar olhar para as coisas que têm sexo antes de criar
um pseudo debate de explicações que só existe em nossa cabeca. Para quem faz
esse esforço na direção da inocência é evidente que sexo é em primeiro lugar a
divisão de papéis em relação à reprodução. É também evidente que meu
próprio sexo é facilmente verificável com um breve olhar para o conjunto de
órgãos que tenho entre as pernas.
“Façamos o homem à Nossa Imagem e semelhança”3 e “macho e fêmea Ele os
criou”4
É interessante notar que uma das primeiras coisas que Deus quis nos
informar acerca da condição humana depois da queda foi a vergonha de ter o
sexo exposto. A nudez real e direta — não a da arte, que é meramente represen-
tada — é capaz de causar diversos tipos de reação, desejo, aversão, desdém e indi-
ferença. Com o pecado original a semelhança com Deus foi quebrada e a
Imagem Divina no coração foi enterrada sob os fragmentos desordenados da se-
melhança perdida. De todos os motivos para se envergonhar, porque sentir
vergonha da nudez? Creio que o sexo revela no corpo algo dessa semelhança
perdida. Homo representa a Imagem Divina, enquanto macho e fêmea indicam
modos fundamentais de semelhança. Talvez muitos dos elementos “culturais”
de masculinidade e feminilidade resultem de esforços para reconstituir uma se-
2 Cf. A Núvem do Não-Saber.
3 Cf. Gênesis 1, 26.
4 Cf. Gênesis 1, 27.
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O Sexo e a Modéstia

melhança divina. O sexo então indica algo que é simultaneamente menos que
eu — essa é sua dimensão puramente biológica, e algo que é mais que eu — na
sua dimensão simbólica, o sexo é como um indício de um potencial na direção
de uma Virilidade Perfeita ou de uma Feminilidade Perfeita. Nossos primeiros
pais então sentiram vergonha de exibir uma promessa que eles já não podiam
cumprir e alguma apreensão ou mesmo medo do que sua nudez podia causar
ou deixar de causar. Vergonha de uma semelhança da qual o sexo (como mero
fato biológico) é só uma dolorosa lembrança.
Toda discussão sobre se a identidade sexual é “natural” ou “cultural”
parece fazer de conta que não somos animais racionais. Não somos uma sobre-
posição lógica dos conceitos “animal” e “racional”, nem tampouco uma junção
ou mistura de dois elementos provenientes de mundos diferentes (material +
imaterial), somos todos instâncias reais de uma espécie em que animalidade e
racionalidade constituem uma só realidade vital. Mas é preciso ir muito além
desse pseudo-dualismo e lembrar que há ainda um terceiro elemento em nossa
constituição. Homo, seja Vir5 ou Femina6, é corpo, alma e espírito. E na sexuali-
dade humana, como em tudo o mais que é humano, cada um desses componen-
tes tem que deixar sua marca. No corpo, basta olhar o que tenho entre as pernas
para saber qual é o meu sexo. A isso se acrescenta uma identidade sexual
anímica, parte natural, parte aprendida ou cultural (para quem não conhece as
cosmologias tradicionais da humanidade, a alma é o elemento intermediário,
parte semelhante ao espírito, parte semelhante ao corpo). Mas também sou es-
pírito, e isso quer dizer que, para ser humano, o sexo também tem que permitir
a contemplação e assimilação de qualidades espirituais que transcendem tanto a
natureza quanto a sociedade, tanto o corpo quanto a alma.

5 Homem.
6 Mulher.
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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto

Ninguém Deseja o que já Possui


Ninguém deseja o que já possui. Isso não é uma ordem, é simples bom
uso da linguagem. Se acontecer de alguns homens desejarem outros homens e
de algumas mulheres desejarem outras mulheres, é simplesmente porque
sentem que o desejado possui algo que ao desejante faz falta. Nenhum homem é
completamente masculino, nenhuma mulher é completamente feminina. Em
todos nos falta algo. Creio que essa é a razão que leva alguns homossexuais a
crer que somos todos homossexuais no fundo. Também entendo que romper
com as formas sociais — às vezes bem artificiais — de masculinidade e feminili-
dade pode ser bastante libertador e até um ato que envolve coragem e sincerida-
de.
Mas discordo das conclusões que normalmente se tiram dessas ideias. Se é
verdade que nenhum homem é perfeitamente masculino e nenhuma mulher é
perfeitamente feminina, não se conclui que são todos masculino/feminina.
Muito menos se conclui que o mero contato erótico com outros indivíduos,
sejam eles do mesmo ou de outro sexo, possa fazer algo para curar essas deficiên-
cias.
Me parece que os homens são parte masculinos, parte fragmentos desor-
denados de uma semelhança divina perdida e que o mesmo vale para as
mulheres. Até onde vejo, a relação entre este homem concreto e “ Vir Perfeito”
ou entre esta mulher concreta e “Femina Perfeita” é a relação entre um frag-
mento de símbolo e a perfeição simbolizada. Acredito que o sexo é ao mesmo
tempo sinal de um dom corporal e de uma dívida espiritual. A quem foi dado
nascer de um sexo cabe agradecer ao dom corporal de ser homem ou mulher
como Homo, isto é, completando o dom corporal com uma Masculinidade ou
Feminilidade espiritual.
Esse completar o dom corporal com um aperfeiçoamento espiritual não
depende necessariamente de atividade sexual. Depende de uma compreensão do
que é a Imago Dei que foi soterrada e da reconstituição da semelhança a partir
do dado físico que nos resta. Isso é possível na virgindade consagrada e na sexu-

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O Sexo e a Modéstia

alidade consagrada. A mera atividade sexual não pode conduzir ninguém a


nenhuma perfeição espiritual. É necessário usar o sexo num quadro simbolica-
mente adequado e com a graça de Deus ou renunciar a seu uso num quadro
equivalente. Tanto a virgindade quanto a sexualidade envolve elementos de
amor e sacrifício. A virgindade consagrada se baseia no fato de que a Imago Dei
está dentro de nós e é portanto possível recuperá-la contando somente com a
ajuda do próprio Deus, sem nenhum auxílio humano. A virgindade consagrada
vai direto ao essencial: “Uma só coisa é necessária”, “escolheu a melhor parte,
que não lhe será tirada” e “buscai somente o reino dos céus e sua justiça e tudo o
mais vos será dado por acréscimo”. A virgindade é um renunciar a um apoio no
próximo (num cônjuge) e contar com o apoio direto de Deus. Ora, o apoio
direto de Deus é mais perfeito do que o apoio mediado pela criatura, pois Deus
é mais perfeito que a criatura. A renúncia ao uso do sexo cria na alma do consa-
grado um espaço preenchido pelo Espírito Santo pelo Dom do Amor que Deus
sente pelo Homo, Vir e Femina, e resulta na expansão quase indefinida do po-
tencial real de amor do consagrado ao próximo. Para quem escolheu a virginda-
de, todos os seres humanos são sua própria família. Esse amor é bem fácil de
notar nos bons sacerdotes, frades, monges e monjas. Quando conversamos com
eles sentimos claramente que eles são realmente nossos pais e mães, nossos
irmãos e irmãs. Sua renúncia é uma morte espiritual que se repete continua-
mente, por todos os dias de suas vidas. Quem não sente profunda reverência ao
conhecê-los e ao refletir sobre isso está espiritualmente morto.

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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto

A Perspectiva Espiritual da Sexualidade


A perspectiva espiritual da sexualidade consagrada é um pouco diferente,
mas visa o mesmo propósito. Ela se baseia no fato de que, juntos, homem e
mulher constituem eles mesmos uma imagem da Imago Dei7 e esse é um
poderoso símbolo para quem o compreende. O elemento de disciplina não se
baseia diretamente na renúncia, mas no perdão e na misericórdia. Por todos os
dias de suas vidas, esposo e esposa terão que perdoar um ao outro por ser
somente “este homem” e “esta mulher” e não “Vir Perfeito” e “Femina
Perfeita”. E este perdoar as deficiências pessoais em razão do Dom Universal é
um importante componente da alquimia espiritual do matrimônio. “Com a
mesma medida com que julgardes sereis julgados” e “quem recebe um profeta
na qualidade de profeta, terá recompensa de profeta”. Ou ainda, “bem-aventu-
rados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia”. Perdoar a esposa
quando ela é “só esta mulher aqui” em razão do amor pelo dom de Femina
Perfeita que ela porta em si e concede a ti cria na alma do homem um espaço
que o Espírito Santo preenche com virilidade espiritual e o mesmo vale para a
esposa que perdoa o marido pelo motivo correspondente. Na vida em família o
amor ao próximo se vê na prática relativamente restringido a um círculo menor
de pessoas, mas isso é compensado pelo fato desse amor cumprir a função
sagrada de perpetuar a presença da Imago Dei neste mundo.
Não escrevo estas linhas para dizer aos outros o que eles devem fazer (mais
uma vez, faço minhas as palavras do meu pai Olavo de Carvalho: “Quase nunca
sei o que os outros devem fazer”), mas simplesmente para informar meus
amigos das possibilidades que a virgindade consagrada e a sexualidade consagra-
da podem oferecer e para lembrar que essas formas de consagração são as reais
“opções” sexuais e espirituais para o ser humano que quer ser perfeito.
É tão fácil e lugar comum nos nossos tempos denunciar os que consagra-
ram sua virgindade a Deus por não serem sempre fiéis a seus votos. Mas
ninguém fala da culpa dos casais que fazem pouco ou nenhum uso espiritual do
7 A imagem de Deus.
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O Sexo e a Modéstia

matrimônio. A maior parte dos casais sequer concebe o que é sexualidade con-
sagrada.
Entre o iconoclasmo da ideologia de gênero — que quer abolir a ideia de
identidade sexual natural (como fazer isso sem destruir o que temos entre as
pernas?) e a idolatria das “medidas perfeitas”, que com sua dietas e ginásticas
quer fazer de nossos corpos perfeitas fábricas de “sex appeal”, já não sobra
nenhum espaço para uma verdadeira iconodulia8 do sexo.

8 O termo vem do grego neoclássico εἰκονόδουλος, que significa “aquele que serve imagens”.
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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto

Sobre a Guerra dos Sexos


O desejo mais comum nos homens é o de dormir com o maior número
possível de mulheres atraentes. Já o desejo mais comum das mulheres é estar en-
tronizada no coração do mais poderoso dos homens.
PARA SATISFAZER O DESEJO DOS HOMENS, seria necessário criar uma so-
ciedade em que a sexualidade feminina estivesse totalmente “socializada”, uma
sociedade em que todos os homens pudessem dormir com todas as mulheres e
nenhuma mulher pudesse se negar sexualmente a nenhum homem.
PARA SATISFAZER O DESEJO DAS MULHERES, seria preciso criar uma soci-
edade em que os homens estivessem permanentemente em guerra com outros
homens. Assim seriam selecionados somente os mais bravos e fortes e todos os
homens seriam potencialmente atraentes para as mulheres. O excedente popula-
cional feminino faria da poligamia a norma geral e todas as mulheres poderiam
estar fortemente ligadas a homens poderosos.
Vamos chamar a primeira sociedade de “modelo masculino”, pois nela são
os desejos masculinos que subordinam os desejos femininos. E a segunda vamos
chamar de “modelo feminino”, pois aqui são os desejos femininos que se so-
brepõem aos desejos masculinos e determinam a forma da sociedade.
Como tem por finalidade satisfazer os homens, o “modelo masculino” se
destaca pela gentileza, pela sociabilidade e pelo desapego, enfim, é uma socieda-
de bem “feminina”. Já a sociedade moldada pelos desejos das mulheres, essa se
diferencia pela bravura, pela força e pelo heroísmo. É uma sociedade bem “mas-
culina”. Sociedades dos dois tipos já existiram em modo tribal. Nenhuma
jamais existirá que possa corresponder aos dois tipos ao mesmo tempo.
Assim, a “guerra dos sexos” é uma guerra entre dois modelos subconsci-
entes de sociedade absolutamente incompatíveis. A sociedade que se propõe a
total “liberação sexual” vai criar e alimentar dentro de si os dois modelos sociais
antagônicos. Nessa sociedade, a única maneira real de diminuir a tensão entre
os dois modelos é tentar limitar o desejo sexual. Isso se faz em nossa civilização
por três meios:

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O Sexo e a Modéstia

1. Pelo uso de meios químicos capazes de reduzir ou alterar os desejos.


2. Pela superexposição ao sexo “maquiado”, que resulta em dessensibi-
lização ao sexo real.
3. Pela redução das diferenças entre os sexos.

Agora, o problema dessa civilização vai ser que essa alteração e diminuição
geral do desejo natural terá dois efeitos colaterais: o surgimento de inúmeras
taras sexuais compensatórias, e uma inevitável redução da taxa de natalidade.
Talvez ela possa compensar o primeiro efeito com a aceitação e normalização de
todas as taras; e o segundo, com grandes volumes de imigração. Pessoalmente,
não acredito que vai dar certo.
Se a gente pensar bem, acaba percebendo que em nenhuma sociedade
justa é possível a plena satisfação dos desejos sexuais por meio da liberação
sexual. A “liberação” vai tender sempre, ou na direção do modelo masculino —
que é bom para os homens e ruim para as mulheres, ou na direção do modelo
feminino — que é bom para as mulheres e ruim para os homens. Ou pela cria-
ção da “terceira via”, que é ruim para todo mundo.
Outra alternativa bem diferente é condenar moralmente a “liberação sexual” e
limitar a prática do sexo sem tentar alterar a natureza do desejo sexual. E a
verdade é que até muito recentemente, todas as soluções razoáveis para esse
dilema envolveram a recriminação pública do sexo, sua limitação à esfera
privada e formalizada do casamento, e a criação do pátrio poder na esfera do-
méstica.
Dentre as melhores soluções que aplicam essas restrições estão a da odio-
síssima cristandade tradicional (proibição do sexo fora do casamento, ocultação
pública dos atributos sexuais pela vestimenta, casamento estritamente monogâ-
mico e em princípio indissolúvel, e tolerância ao adultério — desde que não
cause escândalo público), e a do odiosíssimo mundo islâmico (proibição do
sexo fora do casamento, ocultação pública dos atributos sexuais pela vestimenta,

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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto

casamento majoritariamente monogâmico, poligamia e divórcio bem controla-


dos e limitados, e máxima intolerância ao adultério).
Alguém pode argumentar que nenhuma dessas soluções é “ideal”. Mas
quem disse que este mundo é ideal? Por que diabos toda vez que tentamos des-
crever o mundo como ele é, a reação é sempre nos pedir para descrever como
acreditamos que ele deveria ser?

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Sobre a Verdadeira Modéstia


A modéstia — ou pudor — não consiste em se vestir como uma mãe de
família de propaganda de margarina dos anos 50, embora não haja nada de mal
nisso e também não se deva cair no exagero contrário (mini saia, shorts na missa
etc.). A modéstia consiste em uma atitude de não exibicionismo (provocativo)
em relação ao sexo oposto salvo interesse honesto explícito. Quem, por
exemplo, não pode ver uma roda de conversas composta por pessoas do sexo
oposto sem se atirar no meio e ser o centro das atenções, é uma pessoa imodesta.
Afinal, o que é isto que estamos realmente tentando esconder e ao mesmo
tempo mostrar com as vestes?
Avisos:
1. As notas a seguir têm como pressuposto o dirigir-se a alguém já famili-
arizado com as minhas aulas. Não vou explicar aqui o que é alma vege-
tativa, estimativa, símbolo, plano imaginal e etc.
2. Considerem essas notas como meros apontamentos para uma possível
aula sobre o assunto.
3. As notas a seguir também podem fornecer um exemplo do tipo de es-
peculação que se passa na minha cabeça quando alguém fala de modés-
tia.
Antes de fazer qualquer especulação sobre modéstia ou imodéstia no
vestir, me parece conveniente fazer um breve exame introdutório. Afinal, o que
é isto que estamos realmente tentando esconder e ao mesmo tempo mostrar
com as vestes?
“E macho e fêmea Ele os criou”, “E abriram-se lhes os olhos, e conhece-
ram que estavam nus”.9
As passagens acima indicam que o Gênesis dá como propósito original
das vestes o esconder a nudez. Como eu tenho o costume de acreditar no
Gênesis, minha investigação vai girar em torno das questões:
9 Cf. Gênesis 3:7.
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1. “O que é a nudez?”
2. “Porque ela deve ser coberta por vestes?”
3. “Qual é o modo adequado de cobri-la?”
Vamos ver se podemos dar alguns passos na direção da resposta à primeira
pergunta.
Independente de outros possíveis significados, a nudez do Gênesis eviden-
temente se refere aos genitais. E os genitais explicitam o sexo (macho ou fêmea).
Então me parece que não é possível responder o que é a nudez do Gênesis sem
tentar entender as diferenças sexuais na espécie humana.
O PRIMEIRO PLANO em que é podemos tratar a diferença entre macho e
fêmea é o vegetativo. Macho e fêmea são funções reprodutivas, estão ligadas à
função principal da alma vegetativa, que é a reprodução. Que macho e fêmea
são diferentes no domínio vegetativo não é preciso argumentar e as implicações
disso para a vida humana vão ser discutidas mais adiante.
O SEGUNDO PLANO é o sensitivo. Somos animais, isto é, somos dotados
de sentidos. Macho e fêmea são sensivelmente diferentes.
Como as faculdades sensitivas não estão restritas aos sentidos particulares,
mas compreendem em seu conjunto a estimativa, a percepção de características
físicas masculinas e femininas indica que tipo me é agradável e desejável num
outro ser humano e ao mesmo tempo põe em ação a avaliação estimativa de
qual tipo me é possível realizar. Todo ente tende para a sua própria perfeição
como a um fim, e essa tendência se torna inclinação psicológica no animal (e em
nós) por meio da avaliação do conjunto das faculdades sensitivas. A estimativa
se destaca dos sentidos particulares por sua ação dupla, uma ligada à superação
de dificuldades e obstáculos que impedem a satisfação dos sentidos externos e
outra que é superior aos sentidos externos, pois se refere ao potencial do animal
para sua tipicidade própria tal como percebida pelos sentidos internos.
O TERCEIRO PLANO é o do imaginal. Como somos seres humanos, i.e.,
animais racionais, as diferenças sensitivas não são meros dados brutos, mas
carregam sempre valores estéticos. Neste plano somos capazes de pressentir nas
qualidades sensíveis que diferenciam macho e fêmea indicações de tipos
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O Sexo e a Modéstia

máximos. Enquanto a quantidade é medida por um mínimo (unidade), a quali-


dade é medida por um máximo, por sua tipicidade. É principalmente neste
plano que começamos a nos diferenciar claramente dos outros animais. Sem a
formação imaginal de tipos esteticamente ideais de masculinidade e feminilida-
de a atividade da inteligência será profundamente prejudicada. Se a arte sem
ciência é nada, a ciência sem arte é mais ignorância do que ciência.
No plano mais propriamente humano, que é o plano do racional e inte-
lectual, a captação estética dos tipos máximos fornece material para a inteligên-
cia apreender neles símbolos metafísicos, perfeições humanas e conceitos ade-
quados.
A partir dos tipos ideais estéticos podemos extrair modelos morais, enten-
didos estes tanto no sentido de perfeição moral intrínseca, quanto no sentido de
moral social extrínseca e acidental. Em outras palavras, é dessa apreensão estéti-
ca no plano imaginal que extraímos ideias acerca dos comportamentos reais que
se harmonizam efetivamente com os tipos ideais masculinos ou femininos
(aspecto moral intrínseco) na sociedade real e concreta em que vivemos (aspecto
moral extrínseco). Dos mesmos tipos estéticos podemos também extrair símbo-
los, podemos aprender algo acerca de Deus a partir de Homem e Mulher, suas
imagens ao mesmo tempo naturais e sagradas.
A apreensão intelectual, por sua vez, fornece à vontade algo para amar.
Esse amor encontra vazão tanto num sentido transcendente, na direção de
Deus, agora mais conhecido por meio de suas imagens Homem e Mulher,
quanto no sentido imanente, pois conhecemos homem e mulher como
modelos de conduta humana. Essa ascensão cognitiva de macho e fêmea como
funções reprodutivas » aparências sensíveis » tipos estéticos » modelos intrín-
secos e extrínsecos de conduta » símbolos teológicos e metafísicos não é espon-
tânea, nem muito menos reflete uma ordem sucessiva em que apreendemos os
fenômenos.
Ela foi indicada aqui somente para dar uma breve indicação da imensidão
de conteúdo oferecida à alma humana na simples percepção de que existem
homens e mulheres. Ainda que não tenha sido examinado e discernido, todo
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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto

esse conteúdo é despejado de uma só vez em nossas almas por simples percepção
direta. Ainda que a ascensão cognitiva não seja natural e espontânea, ela pelo
menos não é realmente muito problemática para quem esteja acostumado a
uma atitude verdadeiramente intelectual ou contemplativa. Mas a descida de
volta à caverna será com certeza muito mais acidentada.
Se todo o conteúdo cognitivo do fato da masculinidade ou feminilidade
descrito no post acima pode se despejar sobre uma alma humana subitamente e
pode ser pressentido integralmente numa única curva dum corpo, num único
olhar, num único sorriso, podemos prever que o impacto que esse momento
singular exerce sobre a alma individual é incomparavelmente estonteante e
quase sempre invencível. A exposição repentina, ainda que fugaz, mas real, a
um por cento do que é ser homem ou mulher é suficiente para causar paixões
avassaladoras praticamente irresistíveis num indivíduo perfeitamente normal e
mesmo em um acima do normal.
É certo que hoje todos são muito cínicos e bem pouco contemplativos,
então a força avassaladora de que falei no parágrafo anterior provavelmente tem
algo de inverossímil e de irreal para quase todos. Para vencer o cinismo e a força
avassaladora do fato sexual humano deixar de ser inverossímil, o único recurso
da maioria é reduzir o conteúdo indicado no post ao que seja facilmente conce-
bível. O que tem por consequência reduzir o fato do sexo somente aos planos
cognitivos mais familiares, mutilando de maneira fatal o objeto em questão e
tornando impossível avançar no assunto de maneira inteligente.
Fazendo uso de chavões determinados, seja pelo ambiente social mais
imediato, seja pela arte, seja pela religião, seja pela falta de religião, o sujeito ime-
diatamente trava o intelecto contemplativo e se conforta com o retorno à famili-
aridade psicológica de sua própria cosmovisão. Em outras palavras, a nudez de
que fala o Gênesis é um objeto cognitivamente tão imenso que é praticamente
impossível de ser exposta integralmente.
Pode não ser a única, mas a primeira razão para cobrir a nudez é que ela já está
efetivamente coberta e é mais ou menos impossível de ser descoberta realmente
sem violar as condições práticas da vida terrestre.
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O Sexo e a Modéstia

A primeira razão para cobrir a nudez é como a razão para a ausência de na-
turalismo nos ícones. É simplesmente impossível desenhar a santidade dos
santos tal como ela existe no santo tridimensional de carne e osso.

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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto

Considerações Mais ou Menos Históricas


Estou simplificando a história, não foi exatamente
assim como vou falar aqui. Mas enfatizei os aspectos
que são relevantes para o assunto de que estamos
tratando.
Nas origens mais ou menos remotas dos costumes tardios de uma civiliza-
ção estão os diversos grupos sociais que lhe deram identidade histórica. Cada
grupo tem seu próprio ethos10, seu próprio senso de certo e errado, de bem e
mal. Nas origens da civilização ocidental somente dois grupos tinham um ethos
bem definido acerca do sexo, o clero e a nobreza.
O clero tinha um ethos fortemente monástico, de celibato total, que é na-
turalmente acompanhado por um sentimento de pureza da abstinência. Não é
que reprovavam moralmente o sexo enquanto tal, mas sim que, estando o senti-
mento de pureza associado à abstinência total, e ele necessariamente o está no
ethos monástico, toda e qualquer manifestação de sexualidade corresponde à
impureza, ao menos no modo de sentir. Já a nobreza, que era ainda constituída
principalmente de pessoas ativamente engajadas em guerras e combate corpo a
corpo, tinha um ethos bastante diferente. De um modo geral, os guerreiros têm
a tendência natural a considerar coisa miúda os adultérios e as fornicações.
Quem tem que passar meses arriscando a vida longe de casa e da esposa acaba
desenvolvendo algum grau de indiferença pelo que aconteceu na cama do
castelo quando estava matando vikings e tentando não ser morto por eles. Cor-
respondentemente, as esposas dos guerreiros também acabavam aprendendo a
não perguntar se, entre uma batalha e outra, seu marido não tinha dado uns
chamegos numa pobre aldeã qualquer. Foi só num tempo posterior que o ethos
de artesãos e comerciantes, gente muito urbana, começou a contar alguma
coisa. Gente urbana tende a ser incrivelmente inclinada ao amor das aparências
e a ter um ethos que quase sempre se define somente por tentar se diferenciar da
10 Ethos significa um conjunto dos costumes e hábitos fundamentais, no âmbito do comportamento (instituições,
afazeres etc.) e da cultura (valores, ideias ou crenças), característicos de uma determinada coletividade, época ou
região.
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O Sexo e a Modéstia

“ralé”, isto é, da gente menos capaz, geralmente muito pobre, que é natural-
mente atraída pelas migalhas de prosperidade que pode mendigar nas cidades.
Essa gente muito pobre costuma ter muito pouco de ethos no sentido próprio,
ela geralmente aceita como mais ou menos normal tudo que se possa resolver
com brigas, “barracos” e, em último caso, facadas.
Sendo realmente incapaz de emular o clero ou a nobreza, a gente urbana
mais próspera é a grande mãe dos moralismos ocos e da famigerada “mentalida-
de burguesa", da gente de bem, da “família estruturada” — família na qual
existe adultério, formicação, incesto, estupro, alcoolismo e tudo o que a gente
de bem publicamente despreza, desde que se possa manter as aparências.
O mesmo ethos de gente de bem existe igualmente entre os nobres
quando estes deixam de ser gente da guerra para se tornar gente da corte, habi-
tantes dessa cidadezinha de luxo que vive dentro da cidade vulgar. Também
acontece o mesmo com o clero, quando se afasta de suas raízes ascéticas e
começa a ser somente membro da corte do bispo.
De modo geral, nos dias de hoje só tem existência social real o ethos de
aparências da gente de bem e o tudo se resolve com barraco dos miseráveis. Essa
é uma das razões de parecer que o dilema das questões sexuais é uma mera
questão de moralismo versus libertinagem.

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