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As evidências do cotidiano

É comum em nosso cotidiano fazermos perguntas, afirmações e até avaliarmos coisas e


pessoas. Quando os ânimos estão exaltados é corriqueiro gritarmos com outras pessoas,
mas sempre tem alguém querendo acalmar os ânimos e chegar a um consenso, resolver
o desentendimento forma justa. Em alguns momentos pegamos nossos pais e amigos
fazendo comentários de que somos subjetivos em relação às namoradas por tanto
escolhermos, logo vem às perguntas a fim de comprovar se a pessoa é ou não uma boa
companhia. Através de simples perguntas como “que dia é hoje?” ou “que horas são?”
ficamos na expectativa de uma resposta exata. O tempo passa e, por isso, pode ser
medido em horas e dias e o que já passou é diferente do agora e o que virá também será
diferente, o nosso passado pode ser lembrado, e o futuro, esse pode ser desejado e ao
mesmo tempo temido, assim uma simples pergunta contem vários sentidos não
questionados por nós.
Sonhar é diferente de estar acordado, no sonho o impossível e improvável se apresentam
como possível e provável, além disso, o sonho se relaciona com o irreal, já a vigília com
o que realmente existe. Devido à capacidade de perceber e conhecer tal como muitas
vezes diferenciamos a realidade da ilusão acredito, portanto, que a realidade existe fora
de nós. Assim, ao acreditar que sei distinguir razão de loucura, acredito também que a
razão se refere a uma realidade que é a mesma para todos, ainda que sejamos diferentes.
Acreditamos que nossa realidade é feita de causalidade, que as coisas, fatos, situações se
encadeiam em relações causais que podemos conhecer e controlar para o uso de nossa
vida. Acreditamos que as coisas ou pessoas podem ser comparadas, avaliadas e julgadas
pela qualidade ou quantidade afirmando assim que ambas existem e que é possível
conhecê-las e usá-las ao nosso favor. A nossa percepção alcança as coisas ora como são
em si mesmas, ora como nos aparecem considerando, portanto, que o espaço existe e
possui qualidade e quantidade e que, por isso, pode ser medido. Está presente em nossa
crença que há diferença entre verdade e mentira, enquanto a primeira diz realmente
como as coisas são a segunda distorce a realidade, no entanto consideramos a mentira
diferente do sonho, da loucura e do erro, porque o sonhador e o louco se iludem
involuntariamente, enquanto o mentiroso decide voluntariamente deformar a realidade e
os fatos, acreditamos com isso que erro e mentira são falsidades diferentes porque
somente na mentira há a decisão de falsear. Ao diferenciarmos erro da mentira,
manifestamos silenciosamente que somos dotados de vontade e que dela depende dizer
a verdade ou mentira, porém nem sempre avaliamos a mentira como algo ruim e que
não seja aceitável. Quando distinguimos verdades e mentiras aceitáveis ou inaceitáveis
não estamos apenas nos referindo ao conhecimento ou desconhecimento da realidade,
mas também o caráter de todos, com isso ao possuir vontades as pessoas podem ser
morais e imorais, pois cremos que ela é livre para o bem e para o mal. Consideramos
então que quando alguém defende um ponto de vista, uma preferência ou opinião de
forma incisiva chegando a brigar por isso esse alguém perde sua objetividade e acaba
sendo ditado pela subjetividade, o nos torna a acreditar dessa forma que ambas existem
e que a primeira diferente da segunda não deforma a realidade. Ao dizermos que alguém
“é legal” por possui o mesmo habitat que o nosso estamos silenciosamente acreditando
que a vida com outras pessoas nos faz semelhantes ou diferentes. Achando óbvio que
todos os seres humanos que cultivam das mesmas regras e normas de conduta vivem na
companhia de seus semelhantes e procuram distanciar-se dos diferentes, dos quais
discordam, acreditamos com isso que somos seres morais e racionais pois regras,
normas, valores e finalidades só podem ser estabelecidas por seres conscientes e
dotados de raciocínio. Nossa vida cotidiana é feita de crenças silenciosas, da aceitação
de evidências que nunca questionamos porque nos parecem óbvias.

A atitude filosófica

Imaginemos que alguém fizesse perguntas inesperadas como “o que é o tempo?”, que
em vez de gritar “mentiroso!”, questionasse “o que é mentira?”, em vez de falar
subjetividade dos namorados indagasse “O que é o amor?” se, em lugar de discorrer
sobre “maior” e “menor” resolvesse investigar “o que é a qualidade?” e se, em vez de
afirmar que gosta de alguém que possui as mesmas idéias preferisse analisar “o que é
um valor moral?”, alguém que tomasse essas decisões estaria se afastando do cotidiano
e de si mesmo passando a indagar o que são as crenças e os sentimentos que alimentam
silenciosamente nossa existência. Ao tomar essas decisões ele estaria disposto a
conhecer, saber o porquê sentimos e o que são nossas crenças e sentimentos, esse
alguém estaria adotando a chamada atitude filosófica. Assim, uma primeira resposta à
pergunta “O que é filosofia?” poderia ser: a decisão de não aceitar como óbvias e
evidentes as coisas, as idéias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos do
nosso cotidiano, jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.

A atitude crítica

A primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, dizer não ao senso


comum, aos pré-conceitos, pré-juízos, idéias, fatos estabelecidos e experiências. A
segunda característica é a positiva, uma interrogação sobre o que são as coisas, fatos,
situações, valores e comportamentos é uma interrogação sobre os porquês e sobre como
tudo é assim e não de outra maneira, essas indagações são fundamentais na atitude
filosófica. Dessa maneira a atitude crítica é a face negativa e o pensamento crítico a face
positiva da atitude filosófica.
A filosofia começa dizendo que não sabemos o que imaginávamos saber, como
afirmava Sócrates, o patrono da filosofia: “Sei que nada sei”, para seu discípulo Platão a
filosofia começa com a admiração, já o discípulo de Platão, o filósofo Aristóteles
acreditava que a filosofia começa o espanto.
Admiração e espanto significam: tomamos distância do nosso mundo, através do
pensamento, olhando-o como nunca antes, como se não tivéssemos ninguém e nada ao
nosso redor, como se fôssemos recém-nascidos e precisássemos perguntar o que é,
porque somos e como somos para o mundo.

Para que filosofia?


Costumamos receber uma resposta irônica: “A filosofia é uma ciência com a qual e sem
qual o mundo permanece tal qual”, ou seja, não serve para nada. Em nossa sociedade
acostumamos a considerar que algo só tem direito de existir se tiver alguma finalidade.
O senso comum não enxerga algo que os cientistas sabem muito bem, as ciências
pretendem conhecimentos verdadeiros, obtidos graças a procedimentos rigorosos de
pensamento e agir sobre a realidade objetivando obter progressos nos conhecimentos.
Todas essas pretensões das ciências pressupõem que elas acreditam na existência de sua
verdade, de procedimentos, tecnologia, na racionalidade dos conhecimentos que podem
ser corrigidos e aperfeiçoados, tudo isso não é ciência, são questões filosóficas e a
filosofia é quem as formula. Assim, o trabalho das ciências pressupõe a filosofia,
mesmo que cientistas não sejam filósofos, porém ainda assim o senso comum continua a
afirmar que a filosofia não serve para nada. Alguns entendem que para dar utilidade a
filosofia seria necessária a possibilidade de usos técnicos ou obter lucros, para quem
pensa dessa formar a filosofia seria um ensinamento moral ou ético, estudando as
paixões, vícios, liberdade e vontade humana ensinando-nos a vivermos de forma justa,
porém essa definição não nos ajuda, mesmo se disséssemos que o objetivo da filosofia é
apenas uma vida moral e ética, ainda assim o estilo filosófico e a atitude filosófica
permaneceriam os mesmos.

A atitude filosófica: indagar

A atitude filosófica possui algumas características que são independentes do conteúdo


investigado, por exemplo, perguntar a realidade, natureza e significação ou indagar qual
estrutura e relação que constitui essa coisa ou ainda perguntar a origem. A atitude
filosófica dirigi essas indagações ao mundo e as relações que temos com ele, tornando-
se assim o pensamento auto-interrogativo, dessa formar a filosofia se realiza como
reflexão.

A reflexão filosófica

A reflexão significa o pensamento voltado a si mesmo. Ela é considerada radical porque


é um movimento para conhecer-si a si mesmo, para indagar como é possível o próprio
pensamento. Porém não somos somente seres pensantes, somos também seres agentes
no mundo, que se relacionam com outros seres por meio da linguagem, gestos e ações.
Essa reflexão filosófica é divida em três partes, a primeira: quais os motivos, razões e
causas para pensarmos; a segunda: qual o conteúdo ou o sentido do que pensamos e a
terceira: qual é a intenção ou a finalidade do que pensamos.

Filosofia: um pensamento sistemático

Essas indagações são fundamentais, pois a filosofia não é uma pesquisa de opinião ou
uma pesquisa de mercado, as indagações filosóficas se realizam de modo sistemático o
que significa que a filosofia busca encadeamentos lógicos entre enunciados, e os
conceitos e idéias são obtidos através de demonstrações e provas. O trabalho filosófico é
um trabalho intelectual exigindo assim que as questões sejam válidas e verdadeiras além
de serem provadas e demonstradas racionalmente.

Em busca de uma definição da Filosofia

O que é a filosofia? Em um primeiro momento podemos citar pelo menos quatro


definições gerais, a primeira diz que a filosofia é um conjunto de idéias, valores e
práticas, mas pelo fato dela ser genérica e tão ampla ela não é aceita; a segunda diz que
a filosofia seria um modo de como nos devemos conduzir uma vida justa, sábia e feliz,
porém ela também não é aceita por ser muito vaga; a terceira fala que a filosofia é um
esforço racional para conceber o universo como uma totalidade ordenada e dotada de
sentido, no entanto esta definição também é problemática, porque dá a filosofia a tarefa
de explicar uma compreensão total sobre o universo, ou seja uma tarefa impossível; a
quarta e ultima fala que a filosofia é uma fundamentação teórica e crítica dos
conhecimentos e das práticas, esta ultima capta a filosofia como analise, reflexão e
critica, sendo ela a definição aceita do que é a filosofia.

Inútil? Útil?

Partindo do senso comum de nossa sociedade que considera e julga as coisas como
sendo úteis a partir de seus resultados ou o que dá prestigio, poder, fama e riqueza,
desse ponto de vista a filosofia é inteiramente inútil e defende o direito de ser inútil.
Definindo utilidade de outra maneira, temos as definições de filosofia dadas por
importantes filósofos. Platão definia a filosofia como um saber verdadeiro que deve ser
usado em benefício dos seres humanos. Descartes dizia que a filosofia é o estudo da
sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar
para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes.
Kant afirmou que a filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para
saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade
humana. Marx declarou que a filosofia havia passado muito tempo apenas
contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo,
transformação que traria justiça, abundância e felicidade para todos. Merleau-Ponty
escreveu que a filosofia é um despertar para ver e mudar nosso mundo. Espinosa
afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser percorrido por
todos, se desejaram a liberdade e a felicidade. Qual seria, então, a utilidade da
Filosofia?. Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se
não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for
útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se
conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se
dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si
e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil,
então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres
humanos são capazes.

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