Você está na página 1de 9

Ensaio Filosófico

As nossas escolhas e ações são fundamentais na construção da


nossa identidade pessoal. Mas, será que essas escolhas realmente
moldam a nossa identidade ou é apenas uma ilusão? Este ensaio
filosófico tem como objetivo discutir a relação entre as nossas
escolhas e a formação da nossa identidade pessoal ao longo do tempo.
A importância deste tema dá-se pelo facto de que compreender
como a nossa identidade pessoal é formada, nos pode ajudar a tomar
decisões mais conscientes e a entender melhor a nós mesmos e aos
outros. A partir desta reflexão, podemos ampliar o nosso
autoconhecimento e, consequentemente, melhorar a nossa relação
com o mundo e connosco próprios.
Para solucionarmos este problema precisamos de trazer a tese
concorrente à discussão, isto é, para provar que a nossa tese é correta
temos de abordar a ideia contraria à nossa.
Existem muitas teses que nos objetam, se tivéssemos de debater sobre
todas essas teses concorrentes ficaríamos a filosofar por muito tempo,
por isso, limitamos a nossa pesquisa a apenas a tese concorrente à
nossa que acreditamos ser a principal.
A tese concorrente que vamos apresentar é o determinismo radical,
que é uma corrente filosófica que argumenta que todas as ações
humanas são determinadas por fatores que estão além do nosso
controlo. Segundo essa teoria, não há espaço para o livre-arbítrio, uma
vez que todas as nossas escolhas são resultado de uma cadeia causal
que remonta a eventos anteriores.
De acordo com o determinismo radical, o ser humano não é uma
exceção às leis da natureza, sendo assim, não podemos agir de forma
livre e autónoma. Essa teoria parte do pressuposto de que todos os
eventos do universo são interligados e interdependentes, o que
significa que cada ação é uma consequência inevitável do que
aconteceu antes. Embora essa teoria seja controversa, muitos filósofos
e cientistas argumentam que ela pode explicar de forma mais clara e
abrangente a natureza das escolhas humanas.
Se aceitarmos essa ideia, teremos de questionar se realmente temos
controlo sobre nossas ações e escolhas ou se tudo já está
predeterminado. Alguns filósofos argumentam que, se o determinismo
radical for verdadeiro, então a noção de responsabilidade moral seria
incoerente e, por conseguinte, os sistemas jurídicos e éticos seriam
comprometidos. Isso porque, se tudo já está determinado, como
podemos responsabilizar alguém pelas suas ações?
Seria correto punir alguém por algo que ele ou ela não teve
controlo? Um exemplo deste cenário seria: se um individuo realiza-se
um crime imperdoável como roubo, homicídio ou fraude, ele não
poderia ser responsabilizado pela sua ação, isto porque, já estava
predestinado que ele fosse cometer o crime devido a fatores fora do
seu controlo como o ambiente onde cresceu, a sua genética e as suas
experiências de vida anteriores. Ou seja, neste caso, de acordo com os
deterministas, os verdadeiros culpados neste evento seriam esses
fatores e não o individuo em questão.
Vamos agora apresentar a tese que iremos defender neste
ensaio, com base nalguns capítulos do livro “A coragem de escolher”
de Fernando Savater, e outros filósofos libertistas.

"A maneira como escolhemos viver e agir molda a nossa


identidade pessoal ao longo do tempo?"

No capítulo “Para Quê? Porquê?”, é explorada a relação entre a


liberdade e o propósito da vida, questionando o significado e o valor
da existência humana. Destaca-se importância da liberdade para a
busca de um propósito, mas também a responsabilidade pessoal no
que toca a tomar decisões e na busca da felicidade, porque é através
das escolhas que fazemos que definimos quem somos e o que
queremos realizar. Mas também aponta que muitas pessoas se sentem
perdidas ou desmotivadas devido á falta de um propósito claro,
levando à ansiedade ou desespero. Ele afirma que o propósito de vida
não necessita ser algo grandioso ou extraordinário, mas sim algo que
nos dê sentido e satisfação pessoal, e que pode mudar ao longo do
tempo.
É discutida a relação entre liberdade e felicidade, em que é
argumentado que a liberdade é necessária, mas não o suficiente para a
felicidade, enfatizando que a felicidade é uma conquista gradual,
contruída através das nossas escolhas e ações ao longo da vida. Isto
mostra-nos como a liberdade nos permite escolher como queremos
viver e que devemos usá-la para criar uma vida significativa e
satisfatória.
Esta ideia tem o livre arbítrio como pressuposto básico, ou seja,
a crença de que nós, como indivíduos, temos a capacidade de tomar
decisões e escolher o rumo das nossas vidas. A partir dessa premissa,
argumentamos que as nossas escolhas, ações e experiências ao longo
do tempo moldam a nossa identidade pessoal, isto é, aquilo que nos
torna únicos e nós mesmos.
Segundo a ideia que defenderemos, as nossas decisões são o que
moldam a nossa essência, ou seja, o que escolhemos seguir na área
profissional, os nossos interesses pessoais, os nossos relacionamentos
pessoais e as nossas escolhas, especialmente as mais importantes e
decisivas como com quem nos relacionamos e as que influenciam a
nossa saúde mental e física são coisas que nos ajudam na nossa "auto-
programação"
De acordo com Fernando Savater, os seres humanos nascem
programados como seres, ou seja, nascemos com os nossos instintos
naturais como os outros animais, mas não nascemos programados
como humanos, isso é algo que devemos fazer sozinhos.
Isso é possível graças à nossa capacidade inata de realizar
comportamentos não inatos, e possuímos esta habilidade graças à
nossa dotação genética.
Resumindo, temos a capacidade de realizar ações que não
sabemos realizar quando nascemos, e isso possibilita a construção da
nossa identidade individual.
Um exemplo de Sartre, que complementa esta ideia é, tomemos
como por exemplo um relógio. Ao construir esse objeto, o seu
construtor possuía um conceito de relógio na sua mente e aplicou uma
série de técnicas de produção. Tal objeto tem uma utilidade definida,
um propósito. Caso contrário, não teria sido criado. Nesse caso,
podemos dizer que a essência do objeto precede à sua existência. O
que ele é já está definido na cabeça de seu criador antes que passe a
existir. O homem, ao contrário, não possui uma essência. Ele não é o
fruto da criação de um ser superior que determinou a sua natureza e
propósito. Assim, o homem primeiro existe, surge no mundo, e só
então passa a definir o que será. Segundo Sartre, o homem “de início
não é nada: só posteriormente será alguma coisa e será aquilo que ele
fizer de si mesmo.”

É importante considerar a questão da moralidade e ética no que


toca a tomar decisões, destacando a importância de pensar nas
consequências das nossas escolhas e de assumir a responsabilidade
por elas, pois a liberdade não é só apenas uma questão de tomar
decisões, mas também escolher aquilo que é moralmente correto e
justo. E que não significa fazer o que queremos sem restrições, mas
sim fazer escolas que respeitem os direitos e a dignidade dos outros,
pois devemos levar em conta o impacto que as nossas ações têm nos
outros. No livro é discutida a diferença entre o bem e o mal, em que é
argumentado que esses conceitos não são absolutos e universais, mas
sim construídos socialmente e culturalmente, e que a moralidade é
uma questão de acordo comum. Devemos também destacar
importância de uma abordagem, crítica e reflexiva em relação à
moralidade, questionando as normas e os valores estabelecidos e
procurando uma ética que respeite a liberdade e a diversidade.

Por exemplo, quando escolhemos adotar valores como a


honestidade, respeito e a compaixão, esses valores tornam-se parte de
quem somos. Por outro lado, quando escolhemos adotar valores
negativos, como a ganância, a arrogância ou o egoísmo, podemos ter
comportamentos prejudiciais para nós e para os outros, moldando
assim a nossa identidade pessoal de maneira negativa. Tal como a
escolha de hábitos saudáveis, como praticar exercício físico e manter
uma alimentação saudável, ajuda a melhorar a nossa saúde tanto física
como mental, tornando-nos mais confiantes e resilientes. Já se
escolhermos hábitos prejudiciais, como fumar ou beber em excesso,
pode nos causar efeitos negativos a nível físico e mental.

Estes exemplos mostram como a maneira como escolhemos


viver e agir pode afetar as nossas crenças, valores e comportamentos,
moldando a nossa essência e identidade pessoal ao longo do tempo.

Fernando Savater, num dos capítulos do seu livro apresenta


inicialmente, um mundo hipotético em que a felicidade não existe,
mas onde as pessoas procuram evitar a infelicidade como por
exemplo a substituição de palavras com conotação negativa em
palavras com valores positivos. Neste contexto, é descrito um caso em
que o personagem Torben mata a sua esposa, quando está bêbado,
durante uma discussão sobre a rápida adaptação da sua mulher a esta
nova realidade, e é levado para um centro psiquiátrico onde é
considerado “desequilibrado”. Algum tempo depois, Torben participa
numa entrevista onde o jornalista lhe diz "Há momentos em que não
há outro remédio senão confessar que existe uma coisa chamada
consciência".

É mencionada, em seguida, a tendência da sociedade em aliviar as


responsabilidades negativas dos cidadãos culpando essencialmente o
determinismo (traumas, doenças, condições e ambiente na infância,
etc) e o fato de que muitos preferem ser diagnosticados com uma
patologia do que assumir um vício. Como por exemplo, a sociedade é
mais compreensiva e até mais interessada quando se lhe é apresentada
um cleptomaníaco, ludopata ou pirómano do que propriamente um
ladrão, um viciado no jogo ou um incendiário. O que nos mostra que a
visão da sociedade é muitas vezes generalizada e por isso vista como
certa, o que faz com que as nossas escolhas sejam feitas com a
sociedade atual em mente e não a nossa própria consciência.

A questão da responsabilidade e da culpa é também aprofundada


na obra, onde se destaca que o alívio da responsabilidade serve apenas
para a culpa, nunca para o mérito. Atletas olímpicos ganham por si
mesmos, tendo de passar por inúmeros testes e provas de árduo
trabalho, porém um assassino em série age dessa forma devido aos
variados acontecimentos, traumáticos ou não, e pelas circunstâncias
das ocorrências. A isto é dado o nome de “determinismo parcial”. Não
aceitarmos a nossa culpa quando é devida faz com que nos julguemos
invencíveis o que pode completamente moldar uma pessoa.

É mencionado que agir bem é uma consequência direta de


conhecer o que é bom e, citando Sócrates, quando o sujeito humano
conhece o bom prefer-o sempre ao mal. Voltando a referir o tal
determinismo parcial, é também reportado que a sociedade acredita
que fazemos o bem querendo mas o mal por culpa das circunstâncias.
É também abordado a akrasia, que se trata de um ponto fraco na
vontade, que leva o ser humano a preferir o mal mesmo sabendo da
existência de uma opção melhor. As duas citações mais usadas para
exemplificar e provar a acrasia seriam “vejo o que é melhor e aprovo-
o, mas depois sigo pelo pior” e “querer o bem está ao meu alcance,
mas não cumpri-lo, visto que não faço o bem que queria e cometo o
mal que não quereria”, incluídas nas obras Metamorfoses de Ovídio e
a “Epístola dos Romanos” pertencente ao Novo Testamento,
respetivamente. Podemos até incluir a famosa fábula de Orson Welles
que conta a história de um escorpião que quer ajuda para atravessar o
rio a uma rã. A mesma nega inicialmente com receio da picada mortal
do aracnídeo, mas acaba por permitir depois de ouvir o argumento
lógico da rã: “Se eu te picasse, ao morreres tu, eu também morreria
afogado". O conto finaliza com ambos os animais a morrer, dado o
facto que a rã acabou por ser picada pelo escorpião que, quando
questionado, rebate que o seu caráter é assim e que não há nada que o
possa mudar. Esta fábula mostra-nos a luta inconsciente que a nossa
consciência tem consigo mesma e que as pessoas ao longo do tempo
vão se convencer de que na verdade até estão a agir bem quando
anteriormente até podiam achar o completo contrário.

Posteriormente, um estudo de Morel centrado sobre algumas decisões


absurdas e o porquê das mesmas terem sido tomadas, destaca a
tendência das pessoas de concordarem com decisões absurdas quando
estão em grupo, concordando com coisas que não concordariam se
estivessem a pensar por si mesmas, o que é uma tendência das pessoas
de apagarem a sua opinião quando estão em funções sociais, ao invés
de pensarem por si mesmas, que a longo prazo podem danificar o
sentido de identidade e individualidade de um indivíduo

No entanto, a ideia de liberdade pode ser vista como algo que não
existe em si, mas em provas da mesma, como por exemplo, o nosso
próprio testemunho pessoal, as nossas obras/ o rasto ou o legado que
deixamos e a vulnerabilidade humana.

Um dos argumentos contra o libertismo, defendidas pelos


deterministas, é que as decisões que tomamos podem parecer livres,
mas na verdade esse sentimento de liberdade é apenas uma ilusão pois
os nossos relatos introspetivos às vezes são equivocados. Não somos
realmente livres pois somos condicionados por vários fatores que
influenciam as nossas escolhas no dia a dia, o que nos mostra então
que a nossa liberdade não é total. Embora vivamos numa sociedade na
qual temos liberdade política para fazer o que desejarmos, não temos
livre-arbítrio pois vivemos num universo determinista onde os nossos
desejos são determinados por acontecimentos e desejos anteriores.
Consequentemente, não escolhemos realmente as nossas ações.

Imaginemos um universo no qual uma pessoa, vamos chama-la de


José, nasce em 2000, em 2006 começa a estudar, em 2013 os seus
pais levam-no ao teatro, em 2014 conhece a Carla que faz teatro, em
2015 começa a gostar de teatro, em 2016 entra para o grupo de teatro
da escola e em 2018 para a faculdade de teatro. Talvez por sua
constituição genética, gosto pelo teatro ou nome, em 2019 se
apaixona pela Marília,a sua colega de curso, e faz uma viagem com
ela. O que vemos é uma série de causas e efeitos que levaram a esse
desejo no José, de fazer uma viagem com a Marília em julho. Se não
fossem algumas dessas causas, talvez eles nem se tivessem conhecido
ou desejado ir viajar.

A questão é: será que o José poderia ter escolhido fazer outra


coisa? Ou, dada a sequência de causas que o trouxe até aqui, ele foi
determinado a agir dessa forma? Se vivemos num universo
determinista, a mesma sequência de causas deve gerar o mesmo
efeito. Caso contrário, seria um universo aleatório. Só nos resta
concluir, portanto, que José fará a mesma coisa, irá viajar com Marília
em julho.

No entanto nós não sabemos ao certo se as mesmas causas


geram os mesmos efeitos. Aliás até podemos dizer que as mesmas
causas podem resultar em efeitos e consequências diferentes, visto
que quando praticamos uma ação não existe apenas uma reação. Ou
seja, para cada acontecimento pode haver vários efeitos, o que prova
que as coisas não estão determinadas já que apenas um desses efeitos
é que irá acontecer, e isso depende da pessoa e da sua identidade
pessoal que vai construindo ao longo da sua vida. Por exemplo, se eu
empurra-se uma pessoa aleatória na rua, a pessoa podia empurrar-me
de volta, ou então podia ignorar-me e continuar a vida dela - isso é
uma escolha da pessoa, não porque estava determinada a fazê-lo, mas
sim porque ao longo da sua vida foi moldando a sua essência ao fazer
escolhas como esta. Tal como o José, que conhece a Carla que faz
teatro, começa a gostar de teatro, mas podia ter conhecido a Carla e
não começar a gostar de teatro, e eventualmente conhecer Marília fora
do seu curso, num café ou através de um amigo em comum. Com isto
pretendo mostrar que o universo pode ser sim aleatório e cada um tem
liberdade de escolher, embora seja influenciada por uma causa.

Finalizando este ensaio, que tem como problema "A maneira


como escolhemos viver e agir molda a nossa identidade pessoal ao
longo do tempo?", refletimos sobre o problema do livre-arbítrio e o
determinismo, com base em alguns dos capítulos do livro “A coragem
de escolher.” de Fernando Savater, podemos concluir que a
construção da nossa identidade pessoal está diretamente relacionada
com as nossas escolhas e ações a longo prazo. Este ensaio filosófico
examinou esta ideia, uma vez que compreender como a nossa
identidade é formada pode ajudar-nos a tomar decisões mais
conscientes e a entender melhor a nós mesmos e aos outros, o que nos
leva a funcionar melhor em sociedade. Nesse sentido, abordamos a
tese concorrente à nossa, o determinismo radical, que argumenta que
todas as ações humanas são determinadas por fatores além do nosso
controle, não havendo espaço para o livre-arbítrio. No entanto,
acreditamos que a liberdade é fundamental para a busca de um
propósito de vida e para a construção de uma identidade pessoal
positiva.

Discutimos também a relação entre liberdade e propósito,


destacando a importância da liberdade na busca de um propósito de
vida e na construção de uma identidade pessoal sincera e auto-
suficiente. Também abordamos a relação entre liberdade e felicidade,
realçando que a felicidade é uma conquista gradual, construída através
das nossas escolhas e ações ao longo da vida. No entanto, é
importante considerar a questão da moralidade e ética na tomada de
decisões, destacando a importância de pensar nas consequências das
nossas escolhas e assumir a responsabilidade por elas.
Por fim, concluímos que a liberdade é fundamental para a
construção da nossa identidade pessoal e que devemos usá-la para
criar uma vida significativa e satisfatória. Devemos ser críticos e
reflexivos em relação à moralidade, questionando as normas e os
valores estabelecidos e procurando uma ética que respeite a liberdade
e a diversidade, ao contrário de nos deixarmos levar pelo que a
maioria vê como correto. É através das nossas escolhas e atos que
moldamos a nossa identidade pessoal, por isso devemos tomar
decisões conscientes e responsáveis, levando em conta o impacto que
elas têm em nós e nos outros, de forma a estarmos em constante
evolução como seres humanos sociais.

Você também pode gostar