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Subjetivismo

Por James Rachels

Extraído de: SINGER, Peter (Org.). A Companion to Ethics. Maiden, Estados Unidos da
América: Blackwell, 2000. pp. 432-441.

Em 1973, religiosos conservadores ficaram atônitos com a decisão da Suprema


Corte dos Estados Unidos da América que legalizou o aborto. Desde então, eles têm
trabalhado para reverter essa decisão. Tiveram aliados poderosos na Casa Branca,
primeiro em Ronald Reagan, que fez da oposição ao caso Roe versus Wade1 uma
condição para a indicação ao cargo federal, e subsequentemente em George Bush, que
após sua eleição sugeriu para a Corte que ela deveria reconsiderar toda a questão.

Na mente do presidente Bush, a questão de se o aborto deveria ser legal é


intimamente ligada à questão de se ele é moralmente errado: ele se opõe ao aborto
legalizado, ele diz, porque ele acredita que o aborto é imoral. Qual deveria ser nossa
reação a isso? Uma possibilidade é que nós concordemos com ele, e dizermos que o
aborto, de fato, é imoral. Outra possibilidade é que nós discordemos, e dizermos que o
aborto, de fato, é moralmente aceitável. Mas há uma terceira possibilidade. Nós podemos
dizer algo como o seguinte:

“Onde a moralidade está implicada, não há ‘fatos’ e ninguém está ‘certo’ ou ‘errado’. O
Presidente Bush está expressando seus próprios sentimentos pessoais sobre o aborto e
nada mais. Ele diz que o aborto é errado, mas isso é meramente a maneira que ele se sente
a respeito disso. Outros discordam, e seus sentimentos não são mais ‘corretos’ do que os
de qualquer outra pessoa. Pessoas diferentes têm sentimentos diferentes, e esse é o fim da
história”.

Essa é a ideia básica do subjetivismo ético. O subjetivismo ético é a teoria que diz
que as pessoas, ao realizarem julgamentos morais, não fazem nada além de expressar seus
desejos e sentimentos pessoais. Nessa perspectiva, não há ‘fatos’ morais. É um fato que
mais de um milhão de abortos têm sido realizados anualmente nos Estados Unidos desde

1
“O caso Roe contra Wade ou Roe v. Wade foi um litígio judicial ocorrido em 1973, no qual a Suprema
Corte dos Estados Unidos decidiu que a Constituição dos Estados Unidos deveria proteger a liberdade
individual das mulheres grávidas e de garantir-lhes a opção de fazer um aborto sem alguma restrição
governamental”. Extraído da Wikipédia.

1
1973, mas não é um fato que isso seja uma coisa boa ou ruim. E, claro, o aborto é apenas
um exemplo conveniente: a mesma coisa poderia ser dita de qualquer problema moral.

Essa ideia tem atraído uma ampla gama de pensadores, especialmente aqueles com
uma mentalidade empirista. David Hume expressou o ponto essencial em 1739, quando
escreveu em sua grande obra Tratado da Natureza Humana que a moralidade é uma
questão de “sentimento, não de razão”:

Tomemos qualquer ação reconhecidamente viciosa: o homicídio


voluntário, por exemplo. Examinemo-la sob todos os pontos de vista, e
vejamos se podemos encontrar o fato, ou a existência real, que
chamamos de vício. [...] Não o encontraremos até dirigirmos nossa
reflexão para nosso próprio íntimo e darmos com um sentimento de
desaprovação, que se forma em nós contra essa ação. Aqui há um fato,
mas ele é objeto de sentimento, não de razão2.
A função do julgamento moral, diz Hume, é guiar a conduta: mas a razão por si
só nunca pode nos dizer o que fazer. A razão meramente nos informa da natureza e das
consequências de nossas ações, e das relações lógicas entre proposições. Assim, a razão
pode dizer a uma mulher que, caso ela faça um aborto, sua vida será mais fácil em alguns
aspectos, mas que o feto morrerá. Contudo, nada segue disso a respeito da questão de se
ela deveria realizar um aborto. Para que ela decida o que fazer, é necessário que suas
emoções entrem em jogo – ela se importaria caso o feto morresse? O quanto ela se
importa com a vida mais fácil que ela poderia vir a ter? Se ela se imagina realizando o
aborto, ela fica confortável com esse pensamento ou é repelida por ele? Hume conclui
que, em última análise, “a moralidade é determinada pelo sentimento”.

As pessoas têm sido atraídas por essa perspectiva por várias razões, algumas boas
e outras nem tanto. Às vezes, as pessoas abraçam o subjetivismo ético porque elas
associam-no com uma atitude de tolerância. Nós devemos ser tolerantes, elas dizem, com
aqueles que discordam de nós. Cada pessoa tem direito à sua própria opinião, e ninguém
tem o direito de ditar aos outros quais visões morais eles têm de aceitar. O subjetivismo
ético, que diz que a moralidade não é nada além de uma questão de sentimentos pessoais,
oferece uma razão plausível para essa atitude de tolerância. Se os sentimentos de ninguém
são mais “corretos” do que aqueles de qualquer outra pessoa, então ninguém pode estar
justificado ao forçar suas opiniões sobre os outros. Onde a moral afeta a política, como

2
HUME, David. Tratado da natureza humana. Tradução de Déborah Danowski. 2ª edição. São Paulo:
Editora UNESP, 2009, p. 508.

2
no caso do aborto, a implicação é óbvia: nenhum segmento da comunidade tem o direito
de impor sua perspectiva moral sobre outro.

Essa linha de raciocínio, no entanto, envolve um erro sutil. A ideia de que nós
devemos ser tolerantes é ela mesma um julgamento moral, e o subjetivismo não implica
a aceitação de qualquer julgamento moral particular, incluindo esse. Não é esse tipo de
teoria. Alguém que aceite a teoria ainda terá opiniões morais, claro – ela poderá dizer que
o aborto é moralmente aceitável, ou que é odioso. Mas a teoria não nos diz qual posição
adotar. Ela apenas nos diz que, qualquer que seja a posição que escolhamos, nossa escolha
não representará a “verdade”. Nossas opiniões representarão nossos próprios sentimentos
pessoais, e nada mais.

Exatamente o mesmo é verdadeiro para um valor tal como a tolerância. Pessoas


que aceitam o subjetivismo ético podem afirmar o valor da tolerância ou negá-lo. Mas,
qualquer que seja a posição que elas escolham, elas não acreditarão que sua escolha
represente a “verdade” a respeito de como nós devemos nos comportar. Elas, ao contrário,
reconhecerão que estão apenas expressando seus sentimentos pessoais. Mais ainda, a
crença na tolerância não é uma prerrogativa exclusiva do subjetivista. Aqueles que
rejeitam o subjetivismo ético, e acreditam, ao invés disso, que existem verdades morais
objetivas, podem, ainda assim, acreditar que elas devem ser tolerantes, porque elas podem
acreditar que “nós devemos ser tolerantes” é uma das verdades morais objetivas (Conferir
o artigo 39, “Relativismo”, para uma discussão sobre a tolerância no contexto de
divergência cultural ou social sobre perspectivas morais).

Outro equívoco comum é que, se o subjetivismo ético é verdadeiro, então nada é


“realmente” certo ou errado. Essa noção pode ser expressa de diferentes maneiras: pode-
se dizer que “tudo é permitido” ou que “nada realmente importa”. Independentemente de
como seja expressa, muitas pessoas acham-na uma ideia libertadora e tomam-na como
um argumento em favor do subjetivismo. Outras acham-na uma ideia perniciosa que nega
toda moralidade, e concluem que o subjetivismo deveria ser rejeitado por conta dela.
Ambas as reações, no entanto, estão enganadas, porque o subjetivismo ético, na realidade,
não acarreta que nada é moralmente certo ou errado.

Para ver o porquê do niilismo moral não seguir do relativismo, nós precisamos
apenas lembrar que, de acordo com o subjetivismo ético, os julgamentos morais
expressam sentimentos. Portanto, se você diz que “nada é certo ou errado” ou que “nada

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importa”, você está expressando uma falta de sentimento em relação a tudo realmente
extraordinária. Isso dificilmente parece possível, ao menos que você esteja sofrendo de
algum tipo de melancolia extrema. Segue-se, se você aceita o subjetivismo ético, que você
parará de ter sentimentos do tipo associado com opiniões morais? Segue-se mesmo que
você deveria parar de ter tais sentimentos, ou que é impróprio que você os tenha? Não.
Portanto, não se segue, caso você aceite o subjetivismo ético, que você tenha de concluir
que “nada é certo ou erro”. Você pode, de fato, ter exatamente as mesmas visões morais
que você teria caso não fosse um subjetivista. Ser um subjetivista significa apenas que
você tem um entendimento filosófico específico do que se tratam essas visões.

Nós poderíamos chamar a ideia de que nada é certo ou errado de niilismo moral.
Enquanto muitos filósofos têm sido atraídos pelo subjetivismo, poucos o foram pelo
niilismo. Há uma razão para isso. Considere como seria para alguém realmente acreditar
que nada é certo ou errado. Alguém que dissesse estaria afirmando, presumivelmente, que
o estupro não é certo ou errado; que a tortura não é certa ou errada; que o assassinato não
é certo ou errado; e assim por diante para qualquer coisa que possa ser mencionada. Se
tudo isso fosse dito seriamente, e não apenas como parte de uma discussão filosófica,
seria alarmante ao extremo. Isso significaria que essa pessoa não se opõe ao estupro, à
tortura, ao assassinato, ou qualquer outra coisa. Pense o quão estranho isso seria. Ela não
se importaria que essas coisas fossem feitas a ela? Ela não pensaria nada quanto a fazê-
las aos outros? Ninguém que não esteja cativo de uma patologia aterradora poderia
endossar tal perspectiva; ao contrário, poderia ser sugerido que qualquer um tentado a
fazê-lo – realmente tentado a adotar essa perspectiva na vida real, e não apenas tentado a
defendê-la num seminário filosófico – deveria buscar ajuda psiquiátrica.

Essa rejeição do niilismo moral pode parecer a alguns leitores como apressada
demais. Certamente, eles podem pensar, deve haver uma conexão em algum nível mais
profundo entre subjetivismo e niilismo. O subjetivismo não significa que nada realmente
seja certo ou errado? A resposta depende apenas do que se quer dizer com “realmente
certo ou errado”. Se com isso queremos dizer “certo ou errado independentemente de
como qualquer pessoa se sinta”, então é claro que o subjetivismo nega que qualquer coisa
seja certa ou errado nesse sentido. O subjetivismo ético nega que haja fatos morais
independentes de nossos sentimentos. Se isso é o que se quer dizer com niilismo moral,
então o subjetivismo ético implica o niilismo moral. No entanto, ainda vale a pena
enfatizar que o subjetivismo não é comprometido com o niilismo moral no nosso sentido

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original: o subjetivista não é compelido a dizer que nada importa, ou que nada é certo ou
errado.

O desenvolvimento histórico do subjetivismo ético ilustra um processo típico das


teorias filosóficas. Ela começa como uma ideia simples – nas palavras de David Hume, a
moralidade é uma questão mais de sentimento do que de razão. Mas, conforme objeções
foram levantadas contra a teoria, e conforme seus defensores tentaram responder a essas
objeções, a teoria se tornou mais complicada. Até aqui, nós não tentamos formular a teoria
muito precisamente – estivemos satisfeitos como formulações aproximadas da ideia
básica. Agora, contudo, nós precisamos ir um pouco além disso.

Uma maneira de formular o subjetivismo ético mais precisamente é a seguinte:


nós o tomamos como sendo a tese de que quando uma pessoa diz que algo é moralmente
bom ou ruim, isso significa que ele ou ela aprova essa coisa, ou a desaprova, e nada
mais. Em outras palavras,

X é moralmente aceitável

X é certo Todas significam: Eu (o falante) aprovo X

X é bom

X deve ser feito

E, similarmente,

X é moralmente inaceitável

X é errado Todas significam: Eu (o falante) desaprovo X

X é mau

X não deve ser feito

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Nós podemos chamar essa versão da teoria de subjetivismo simples. Ela expressa
a ideia básica do subjetivismo ético de uma forma clara, descomplicada, e muitas pessoas
acharam-na atrativa. Contudo, o subjetivismo simples é aberto a muitas objeções um tanto
óbvias, porque ele tem implicações que são contrárias ao que sabemos ser o caso (ou, ou
pelo menos, contrárias ao que pensamos saber) quanto à natureza da avaliação moral.

Para começar, o subjetivismo simples contradiz o fato claro de que, às vezes, nós
podemos estar errados em nossas avaliações morais. Nenhum de nós é infalível. Nós
cometemos erros, e quando nós descobrimos que estamos enganados, nós podemos querer
mudar nossos julgamentos. Mas, se o subjetivismo simples estivesse correto, isso seria
impossível – porque o subjetivismo simples implica que cada um de nós é infalível.

Considere novamente o Sr. Bush, que diz que o aborto é imoral. De acordo com o
subjetivismo simples, o que ele realmente está dizendo é que ele, George Bush, desaprova
o aborto. Claro, é possível que ele não esteja falando sinceramente – tanto que
recentemente, em 1980, ele apoiou publicamente o caso Roe versus Wade. Ou ele mudou
de opinião, ou agora ele está simplesmente jogando com seu público conservador. Mas,
se nós assumirmos que ele está falando sinceramente – se nós assumirmos que ele
realmente desaprova o aborto – então, segue-se que o que ele dizer é verdade. Contanto
que ele esteja representando honestamente seus próprios sentimentos, ele não pode estar
enganado.

Outro problema sério é que o subjetivismo simples não pode dar conta do fato de
que as pessoas discordam sobre a ética. George Bush diz que o aborto é imoral. Betty
Friedan, autora de The Feminine Mystique, e uma liderança intelectual feminista, nega-o,
dizendo que o aborto não é imoral. Claramente, o Sr. Bush e a Sra. Friedan discordam.
Mas, considere o que o subjetivismo simples implica em relação a essa situação.

De acordo com o subjetivismo simples, quando o Sr. Bush diz que o aborto é
imoral, ele está meramente fazendo uma declaração sobre sua atitude – ele está dizendo
que ele, Georg Bush, desaprova o aborto. A sra. Friedan discordaria disso? Não, ela
concordaria com isso, que Bush desaprova o aborto. Ao mesmo tempo, quando ela diz
que o aborto não é imoral, ela está apenas dizendo que ela, Betty Friedan, não o desaprova.
E porque o Sr. Bush discordaria disso? De fato, o sr. Bush certamente reconheceria que
Friedan não desaprova o aborto. Assim, de acordo com o subjetivismo simples, não há
desacordo entre eles – cada um reconheceria a verdade do que o outro está dizendo!

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Certamente, contudo, há algo erado aqui, porque certamente Bush e Friedan discordam
quanto ao aborto ser imoral.

Há uma espécie de frustração eterna implicada pelo subjetivismo simples: Bush e


Friedan opõem-se profundamente entre si: contudo, eles não podem sequer declarar suas
posições de uma maneira que articule o problema. Friedan pode tentar negar o que Bush
diz, ao negar que o aborto seja imoral, mas, de acordo com o subjetivismo simples, ela é
bem-sucedida apenas em mudar de assunto.

Essas considerações, e outras como elas, mostram que o subjetivismo simples é


uma teoria ruim. Diante de tais dificuldades, muitos filósofos escolheram rejeitar toda a
ideia de subjetivismo ético. Outros, contudo, escolherem uma abordagem diferente. O
problema, eles dizem, não é que a ideia básica do subjetivismo ética esteja errada. O
problema é que o “subjetivismo simples” é uma maneira demasiado simples de expressar
essa ideia. Assim, esses filósofos continuaram a ter confiança na ideia básica do
subjetivismo ético, e tentaram refiná-la – dar a ela uma formulação nova e aprimorada –
de modo que essas dificuldades fossem ultrapassadas.

A versão aprimorada foi uma teoria que passou a ser conhecida como emotivismo.
Desenvolvida mais plenamente pelo filósofo americano Charles L. Stevenson, o
emotivismo tem sido uma das teorias éticas mais influentes do século vinte. Ela é uma
teoria mais sutil e sofisticada do que o subjetivismo simples porque ela incorpora uma
visão mais sofisticada da linguagem.

O emotivismo começa com a observação de que a linguagem é usada em uma


variedade de maneiras. Um de seus principais usos é o de declarar fatos, ou, pelo menos,
declarar aquilo que acreditamos ser fatos. Assim, podemos dizer:

George Bush é o presidente dos Estados Unidos da América;

George Bush se opõe ao aborto;

Tem havido mais de um milhão de abortos por ano nos Estados Unidos desde Roe versus
Wade;

E assim por diante. A cada caso, nós estamos dizendo algo que é verdadeiro ou
falso, e o propósito de dizer tais coisas é, tipicamente, transmitir informação para o
ouvinte.

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Contudo, há outros propósitos para os quais a linguagem pode ser usada. Por
exemplo, suponha que eu diga para uma mulher grávida, que está ponderando realizar um
aborto, “por favor, não faça isso!”. Esse enunciado não é verdadeiro nem falso. Não é
uma declaração de qualquer tipo; é um comando (ou uma solicitação, ou um pedido), o
que é algo completamente diferente. Seu propósito não é transmitir informação, ao invés
disso, seu propósito é prescrever uma ação particular ou curso de conduta.

Ou, considere enunciados como os seguintes, que não são nem declarações de fato
nem comandos:

Viva para Betty Friedan!

Quem dera o aborto fosse ilegal!

Meu Deus!

Maldito Roe versus Wade!

Essas são sentenças comuns, perfeitamente familiares, que nós entendemos com
facilidade suficiente. Mas, nenhuma delas é verdadeira ou falsa (Não faria sentido dizer
que “é verdade que Viva para Betty Friedan!” ou “é falso que meu Deus!”). De novo,
essas sentenças não são usadas para declarar fatos; ao invés disso, elas são usadas para
expressar as atitudes do falante.

Nós precisamos notar claramente a diferença entre relatar uma atitude e expressar
a mesma atitude. Se eu digo “Eu gosto da Betty Friedan”, eu estou relatando o fato de que
eu tenho uma atitude positiva em relação a ela. A declaração é uma declaração de fato,
que é verdadeira ou falsa. Do outro lado, se eu grito “Viva para Friedan!”, eu não estou
declarando nenhum tipo de fato. Eu estou expressando uma atitude, mas eu não estou
relatando que eu a sustento.

Agora, com esses pontos em mente, vamos voltar nossa atenção para a linguagem
moral. De acordo com o emotivismo, a linguagem moral não é uma linguagem de
declaração de fatos: ela não é usada tipicamente para transmitir informação. Seu propósito
é inteiramente diferente. Ela é usada, primeiramente, como um meio de influenciar o
comportamento das pessoas; se alguém diz “você não deveria fazer isso”, essa pessoa
está tentando impedir a outra de fazer isso. E, em segundo lugar, a linguagem moral é
usada para expressar (e não relatar) a atitude de alguém. Dizer “Betty Friedan é uma boa
mulher” não é como dizer “eu aprovo Friedan”, mas é como dizer “Viva para Friedan!”.
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A diferença entre o subjetivismo simples e o emotivismo deve ser óbvia agora. O
subjetivismo simples interpretou as sentenças éticas como declarações de fatos de um tipo
especial – nomeadamente, como relatos das atitudes dos falantes. De acordo com o
subjetivismo simples, quando o sr. Bush diz que “o aborto é imoral”, isso quer dizer o
mesmo que “Eu (Bush) desaprovo o aborto” – uma declaração de fato sobre sua atitude.
O emotivismo, do outro lado, negaria que esse enunciado declara qualquer fato que seja,
mesmo um fato sobre o próprio falante. Ao invés disso, o emotivismo interpreta esse
enunciado como equivalente a algo como “aborto – urgh!” ou “não faça um aborto!” ou
“quem dera ninguém jamais realizasse um aborto”.

Essa pode parecer uma diferença trivial, ínfima, com a qual não valeria a pena se
preocupar. Mas, de um ponto de vista teórico, é uma diferença grande e importante. Ela
significa que o emotivista não será vulnerável ao tipo de dificuldade que assolou o
subjetivismo simples. Considere os dois problemas que mencionamos, tendo a ver com a
infalibilidade e o desacordo. O problema da infalibilidade emergiu apenas porque o
subjetivismo simples interpreta julgamentos morais como declarações sobre nossos
sentimentos. Se as pessoas relatam sinceramente seus sentimentos, como elas podem estar
erradas? O emotivismo não interpreta julgamentos morais como declarações sobre nossos
sentimentos, ou declarações que são em qualquer sentido verdadeiras ou falsas; assim, o
mesmo problema não irá emergir dele. Similarmente com o desacordo moral. O
emotivismo lida com esse problema enfatizando que há mais de uma maneira pela qual
as pessoas podem discordar. Se eu acredito que Lee Harvey Oswald agiu sozinho no
assassinato de John Kennedy, e você acredita que houve uma conspiração, isso é um
desacordo sobre os fatos – Eu acredito que algo seja verdadeiro e você, falso. Mas,
considere um tipo de desacordo diferente. Suponha que eu apoie uma legislação de
controle estrito de armas de fogo, a qual você se opõe. Aqui nós discordamos, mas em
um sentido diferente. Não são nossas crenças que estão em conflito, mas nossos desejos
(você e eu poderíamos concordar sobre todos os fatos em torno da controvérsia do
controle de armas de fogo, e ainda assim tomar lados diferentes quanto ao que queremos
que aconteça). No primeiro tipo de desacordo, nós acreditamos em coisas diferentes, que
não podem ambas serem verdadeiras. No segundo, nós queremos coisas diferentes, que
não podem ambas acontecerem. Stevenson chama isso um desacordo nas atitudes, em
contraste com um desacordo sobre atitudes. Desacordos morais, diz Stevenson, são
desacordos na atitude. O subjetivismo simples não pôde explicar o desacordo moral

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porque, uma vez que ele interpretou julgamentos morais como declarações sobre atitudes,
o desacordo desapareceu.

Não há dúvida de que o emotivismo representou um avanço em relação ao


subjetivismo simples. Ele não foi, contudo, o fim da história. O emotivismo também tinha
seus problemas, e eles eram sérios o suficiente para a maioria dos filósofos rejeitarem a
teoria hoje. Um dos principais problemas é que o emotivismo não pôde dar conta do lugar
da razão na ética.

Um julgamento moral – ou, para essa questão, qualquer julgamento de valor –


deve ser apoiado por boas razões. Se alguém lhe disser que uma certa ação é errada, por
exemplo, você pode perguntar o porquê dela ser errada, e se não houver uma resposta
satisfatória, você pode rejeitar o conselho como infundado. Dessa maneira, julgamentos
morais são diferentes de meras expressões de preferências pessoais. Se alguém diz “eu
gosto de café”, essa pessoa não precisa ter uma razão – ela pode estar fazendo uma
declaração sobre seu gosto pessoal, e nada mais. Mas, julgamentos morais exigem o apoio
de razões, e na ausência de tais razões, eles são meramente arbitrários. Esse é um ponto
sobre a lógica dos julgamentos morais. Não é meramente que seria uma coisa boa ter
razões para os julgamentos morais. O ponto é mais forte que isso. Deve-se ter razões, ou
não se está sequer fazendo um julgamento moral. Desse modo, qualquer teoria sobre a
natureza dos julgamentos morais deve ser capaz de dar conta da conexão entre
julgamentos morais e as razões que lhe dão apoio. É justamente nesse ponto que o
emotivismo vacila.

O que um emotivista pode dizer sobre razões? Lembre-se que, para o emotivista,
um julgamento moral é primariamente um meio verbal de tentar influenciar as atitudes e
condutas das pessoas. A perspectiva sobre as razões que se articula naturalmente com
essa ideia é que razões são quaisquer considerações que tenham o efeito desejado, que
influenciem as atitudes e condutas da maneira desejada. Suponha que eu esteja tentando
persuadir-lhe a rejeitar a visão de Betty Friedan sobre o aborto. Sabendo que você é
antissemita, eu diria: “Friedan, no fim das contas, é uma dessas judias”. Isso funciona:
sua atitude muda e você passa a concordar que a visão dela sobre o aborto deve ser
rejeitada. Portanto, poderia parecer que, para o emotivista, o fato de Friedan ser judia é,
pelo menos em alguns contextos, uma razão para apoiar o julgamento de que o aborto é
imoral. De fato, Stevenson assume exatamente essa perspectiva. Em sua obra clássica
Ethics and Language, ele diz: “Qualquer declaração sobre qualquer fato que qualquer
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falante considere como capaz de alterar atitudes pode ser assumida como uma razão para
ou contra um julgamento ético” (Stevenson, 1944).

Obviamente, algo deu errado. Não é qualquer fato que pode contar como razão
para apoiar qualquer julgamento moral. O fato deve ser relevante para o julgamento, e
influência psicológica não necessariamente traz relevância consigo. O emotivismo não
basta; precisamos de pelo menos mais um refinamento para produzir uma teoria que dê
conta não apenas da conexão entre julgamento moral e emoção, mas também da conexão
entre moralidade e razão.

O terceiro e último refinamento do subjetivismo ético, que seus defensores


esperam que possa resolver esse problema, foi sugerido por pensadores como John
Dewey e W. D. Falk. Eles argumentaram que, enquanto julgamentos morais expressam
sentimentos, não são quaisquer sentimentos que valem. O processo de “pensar bem”
[think through] sobre os vários fatos, argumentos e outras considerações em torno de um
problema moral pode mudar a maneira como uma pessoa se sente. Ele pode fazer com
que velhos sentimentos se enfraqueçam, modifiquem-se ou desapareçam; e que novos
sentimentos se formem. Ou pode ter o efeito de fortalecer os sentimentos que já se tem.
Uma distinção deve ser feita, portanto, entre os sentimentos que alguém tem antes de
“pensar bem sobre a questão” e os sentimentos que se pode ter depois. São esses últimos
sentimentos – aqueles produzidos ou sustentados pela razão – que são a base apropriada
para julgamentos morais. Hume já havia feito esse ponto em Uma Investigação Sobre os
Princípios da Moral, quando escreveu:

Mas, para pavimentar o caminho para um tal sentimento [isto é, um


sentimento que forme a base para um julgamento moral] e dar um
discernimento apropriado de seus objetos, notamos que é
frequentemente necessário que muito raciocínio deva preceder, que
distinções finas sejam feitas, conclusões justas extraídas, comparações
distantes formadas, relações complicadas examinadas e os fatos gerais
fixados e apurados (Hume, 1752).
Uma pessoa pode ter sentimentos fortes sobre o aborto, por exemplo, sem ter
pensado bem sobre os vários problemas que o cercam. Quem são, exatamente, as
mulheres que fazem aborto? Como suas vidas são afetadas? Como as vidas das mulheres
que não fazem abortos são afetadas? E quanto ao próprio feto? Ele deveria ser
considerado como uma pessoa com direito à vida? Quais as características que um
indivíduo deve possuir para que tenha direito à vida? Um feto tem tais características? Se
um feto é uma pessoa com direito à vida, segue-se disso que um aborto é errado em todas

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as circunstâncias? Em quaisquer circunstâncias? Qual parte, se alguma, os argumentos
religiosos devem desempenhar no apoio a julgamentos morais? Existem, de fato,
argumentos religiosos decentes contra o aborto, ou o assim chamado argumento religioso
é apenas um blefe fundamentalista? Obviamente, há muito sobre o que pensar aqui.
Qualquer um que queira ter uma opinião informada sobre essas questões tem muito
trabalho a fazer.

Mas, suponha que alguém tenha pensando bem sobre tudo isso, de maneira
inteiramente inteligente e imparcial, com seus sentimentos sendo formados por esse
processo. Então, seus sentimentos deveriam estar em tanta harmonia com a razão quanto
possível. Essa pessoa teria considerado a natureza e as consequências do aborto, junto
com qualquer razão possível a favor ou contra ele, com uma mente aberta, e todas essas
considerações teriam tido o efeito que poderiam em suas atitudes. A razão, então, não
poderia fazer mais nada. Quaisquer desacordos que permanecessem entre tais pessoais
seriam irresolvíveis – ou, pelo menos, não resolvíveis por meios racionais. Certamente,
poderia se pensar, não haveria mais nenhum papel a ser desempenhado pela razão na
ética.

Assim, como nossa tentativa final de formular um entendimento subjetivista


adequado do julgamento ético, nós poderíamos dizer: algo é moralmente certo se for tal
que o processo de pensar bem sobre sua natureza e consequências possa causar ou
sustentar um sentimento de aprovação em uma pessoa que seja tão racional e imparcial
quanto é humanamente possível. Essa é apenas uma maneira convoluta de dizer que a
coisa moralmente certa a se fazer é o que quer que uma pessoa razoável aprove. Isso pode
parecer algo distante da ideia simples com a qual começamos, mas é a coisa mais perto
da ideia original que tem alguma chance de ser verdadeira.

É um fato encorajador que, tendo acrescentado qualificações ao subjetivismo ético


para torná-lo mais adequado, este se tenha tornado menos subjetivista e tenha começado
a assemelhar-se a outras teorias cujos defensores têm trabalhado para o mesmo objetivo.
A nossa formulação final do subjetivismo ético torna-o próximo da teoria do observador
ideal, que diz que a coisa certa a se fazer é o que um juiz perfeitamente racional, imparcial
e benevolente acharia melhor. Tem também muito em comum com a teoria de Richard
Brandt – Brandt defende que, ao decidir o que é correto, a questão-chave é “O que uma
pessoa (talvez todas as pessoas), se racional no sentido de fazer um uso ótimo de toda
informação disponível, quer e escolhe fazer?”. E tem muitas características óbvias em
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comum com a teoria de R. M. Hare (conferir o artigo 40, PRESCRITIVISMO
UNIVERSAL). Isso é encorajador porque, se existe algo como a verdade na filosofia
moral, devemos esperar uma eventual convergência nas teorias que a procuram. Acordo
em pontos básicos, embora não seja uma garantia absoluta da verdade, é, ao menos, mais
tranquilizador do que discussão incessante.

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