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O QUE É RETA AÇÃO? - P.

Krishna

Na vida todos nós temos de tempos em tempos de tomar difíceis


decisões e muitas vezes fazemos a pergunta, o que devemos fazer?
Talvez ainda mais para os teósofos, porque acreditamos ser cidadãos
do mundo e não limitados à estreita moral de uma cultura ou religião
particular. Gostaria de examinar a questão de como decidir qual é a
reta ação e o que envolve a tomada desta decisão.
Se olharmos para o mundo ao nosso redor, veremos que o conceito
do que é certo ou errado varia de cultura para cultura, de religião para
religião e muitas vezes de país para país. Na cultura bramanista da
Índia, considera-se não ético comer carne, usar álcool ou outras drogas
estimulantes; mas é muito normal agir assim para outros indianos e
também no Ocidente.
Em muitos países a relação sexual fora do casamento é aceita e
considerada assunto privado de adultos. Mas, em outros países isto é
proibido, por ser considerado um pecado equivalente ao assassinato.
O casamento de viúvas não é bem-visto entre os hinduístas, mas bem
aceito no islamismo e no cristianismo.

Assim, dependendo da cultura em que fomos criados e os valores


que absorvemos desta cultura varia o sentido do que é certo ou errado.
Foi assim por séculos. Mas agora isto é um problema porque o mundo
encolheu, vivemos na era globalizada quando muitas pessoas vão
trabalhar no exterior, quer por negócios ou pela educação, vivendo e se
misturando com pessoas de outras culturas.

Os que já passaram por esta experiência recordarão que a primeira


vez que entraram em contato com outra cultura tiveram diversos
choques e levaram algum tempo questionando e compreendendo o que
estava acontecendo. Os próprios valores diferentes de moralidade
dividiram a humanidade porque não se pode dizer muito bem porque o
que é imoral aqui é moral em outro lugar.
Para os teósofos, a questão assume um significado ainda maior,
porque consideramos que todos nós pertencemos a uma única família
humana. Assim, como podemos definir a reta ação, ou não haverá uma
diretriz universal? Dizem muitas vezes que devemos seguir nossa voz
interior, a voz de nossa própria consciência, mas a consciência
também varia de pessoa para pessoa.

Alguém que foi criado no vegetarianismo fica horrorizado com o


pensamento de comer ou tocar carne, sente-se culpado se a provou,
mas outro que foi criado comendo carne não sente nada disto. Portanto
nossa consciência também está condicionada pela cultura e a religião
em que crescemos e, portanto as respostas de diferentes seres
humanos são variadas.
Nos mundos políticos e nos de negócios falam da ação correta
como aquela que consegue realizar seu objetivo. A que falha é
considerada errada, o que significa que o fim justifica os meios. Isto é
verdade?
Pergunto-me: foi certo Buda abandonar sua família, esposa e filho e
ir meditar na floresta para descobrir a causa do sofrimento da
humanidade ou ele estava fugindo de sua responsabilidade familiar e
social? Sua ação foi justificada por ter-se iluminado e dado uma
profunda mensagem ao mundo? Pois, afinal, quando partiu não sabia se
atingiria ou não a iluminação, se encontraria o que estava buscando.
Assim, como pode o resultado justificar o acerto de uma prévia ação?
O Sr. Bush justifica as mortes de espectadores "inocentes" no
Afeganistão e no Iraque como um "dano colateral"! Isto é, não tinha
intenção de matá-los para criar uma democracia, mas incidentalmente
muitas pessoas inocentes morreram neste processo.
Desta maneira o motivo é uma faca de dois gumes; você pode
defender qualquer lado. Na realidade, em todo caso em julgamento há
um advogado para cada lado da questão. A reta ação é aquela que
pode ser justificada por engenhosos argumentos?

Shakespeare escreveu: "Nada é bom nem mau, mas o pensamento


o faz assim." Muito verdadeiro, mas nosso pensamento também está
baseado em nossos valores e condicionamentos e na atmosfera na
qual crescemos; assim, pessoas diferentes pensam de maneira
diferente.
Até se considerarmos peritos filósofos como Bertrand Russell ou
Will Durant se achará que suas opiniões diferem sobre o que é certo ou
errado. Assim, quais os pensamentos que devemos aceitar e em que
base?

Pessoas que viveram em culturas diferentes, dizem muitas vezes


que a coisa prática a fazer é assumir que o que noventa por cento das
pessoas a nosso redor fazem é certo.

Assim, se quisermos pegar um ônibus em Delhi e as pessoas não


ficarem em fila, está certo empurrar os outros para entrar no ônibus;
mas este não é o costume em Mumbai, onde todos respeitam a fila.

Na Índia, se numa família todos são vegetarianos, este é o hábito


correto; mas se formos para o Ocidente o correto é comer carne porque
é o que a maioria das pessoas faz aí. Também temos o ditado: "Em
Roma, faça como os romanos". Esta é uma das orientações que nos é
dada.

Mas a reta ação é algo que deva ser votado ou decidido pela
maioria? A prática do sati por uma viúva na pira funeral de seu marido
é certa se um milhão de pessoas o aprova, ou isto ainda é errado? Se
olharmos para nossa vida, acharemos que quando estivermos em
dúvida para discernir o que é certo ou errado com nossa inteligência
nos voltaremos para o que conhecemos e imitaremos o que nossos pais
e os mais velhos da família fizeram em similar situação.
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Isto significa que se nossos pais pensavam "poupar a vara é


estragar o filho", quando nosso filho é travesso tendemos a imitá-los e
bater na criança porque apanhamos na infância. Isto significa praticar
uma má ação de uma geração a outra. Certamente isto não é muito
inteligente. Pratica-se muito erro justificando-o por todo tipo de
argumentos engenhosos, históricos e outros mais.

Desta maneira a discriminação baseada em casta, raça ou sexo


continuou na sociedade por milhares de anos. Podemos dizer que isto é
"nossa cultura, nossa tradição", mas isto está certo? Ou a
discriminação é sempre maldosa sem considerar onde, quando e há
quanto tempo vem sendo praticada? Há considerações universais ou
valores morais nos quais podemos nos basear para tomarmos nossa
própria decisão quando tivermos estes dilemas?
Há uma solução secular, racional e científica para este problema?
Se perguntarmos a uma pessoa do mundo, ela nos falará do auto-
interesse enaltecido. Sabemos que estamos todos interconectados,
que não vivemos isolados, por isso o certo ou errado de uma ação deve
ser decidido com base no efeito que a longo prazo isto terá no todo,
não apenas no efeito em si mesmo. Isto parece bastante racional.

Diz-se frequentemente que a honestidade é a melhor política. Isto


significa que a honestidade não é uma virtude moral. Ela é a melhor
política porque é a que tem êxito a longo prazo, até mesmo nos
negócios. E novamente pensamos em sucesso, não na moral.

Baseado neste princípio se pode criar uma fórmula científica para


decidir se uma ação é certa ou errada. Considere como a ação afeta
todos que estão ligados a ela. Inclua-se como uma destas pessoas.
Considere (+dH) significar felicidade/prazer/alegria que isto dá a um
indivíduo numa unidade de tempo. Se isto causar
infelicidade/desprazer/desconforto, considere-o negativo (-dH). Agora
some todos os indivíduos, todo tempo como uma série. Em ciência isto
é chamado de integração Se o resultado for positivo, a ação é certa, se
for negativo é errada!

Este conceito tem sentido, mas como fazer logicamente a


integração mental? Não há fórmula matemática para somar esta série
em pessoas diferentes que darão variadas importâncias para
considerações diferentes.

A pessoa egoísta dirá que primeiro ela, sua esposa, sua família ou
seus vizinhos é o mais importante; e que todos os outros cidadãos ou
arredores podem ser desconsiderados. Isto é precisamente o que
significa ser egoísta. Alguns estão ligados a sua família e os
consideram muito, incluindo esposa e filhos, mas excluem outras
pessoas. Assim a lógica falha porque temos diferentes pessoas que
nesta série tiveram valores diferentes dependendo do estado da
consciência individual e da abertura do coração! E o dilema não é
resolvido por ser antigo ou por nos livrar de tradições.

Isto nos traz para a definição espiritual da ação reta ou incorreta.


Esta definição não está baseada em considerações de sucessos e
fracassos. Não está baseada nos resultados desta ação. Baseia-se no
estado da consciência de onde surge esta ação.

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Se a consciência de onde ela emana for egoísta, desordenada e estreita é
uma ação errada, mesmo se produzir o bom resultado esperado. Se
emanar de uma consciência amorosa, compassiva, não-violenta e
generosa, será então a reta ação, mesmo se falhar. Esta consciência é
ordenada e tem virtude.

Portanto, o ato de Buda de abandonar sua esposa e filho e ir para a


floresta pode ser a ação reta se ele o fez por amor e
compaixão à humanidade; e o mesmo ato seria errado se o praticasse
por motivos egoístas, por querer livrar-se de sua responsabilidade. A
qualidade da mente ao tomar uma decisão determina se esta é certa ou
errada. É por isso que a virtude precisa ser definida não em termos de
ações externas, mas em termos do estado interno ou motivo do qual brota
esta ação.

Se como teósofos nós aceitamos esta definição de virtude, então a coisa


mais importante a fazer é descobrir uma consciência pacífica, porque ela
tem a sabedoria e a inteligência para compreender qual é a ação reta.
Quando você descobre este estado de virtude do ser iluminado, então
faça o que quiser e sempre estará certo.

Isto porque não há auto - interesse nesta consciência, não há predileção


por "mim" e pelo "meu". Krishnamurti expressou isto de outra maneira; ele
disse: "Descubra o amor e faça o que quiser". Assim não temos que
pensar e calcular. E devemos compreender o que ele queria dizer por
"amor". Para ele, "amor é onde o eu não está". Ele não está falando de
amor como romance, apego ou sentimento. Apenas quando o auto -
interesse não for a motivação existirá o amor. Esta é a definição do
verdadeiro amor, o amor do qual Jesus e Buda falaram. Hoje o mundo está
alternando tanto daqui para ali, com tantos significados superficiais que
devemos ser cuidadosos para descobrir o significado original que vem dos
sábios.

Há 2.500 anos Buda chamou a atenção para três grandes verdades acerca
da consciência humana. A primeira é apenas uma constatação: existe o
sofrimento. Há muitos sofrimentos psicológicos na consciência humana.
Isto é um fato.

A segunda verdade é que o sofrimento tem uma causa e esta é a


ignorância - não é a falta de conhecimento, mas a forma de ilusão. Muitas
ilusões estão presentes na mente. Uma ilusão é algo que assumimos
como verdadeira embora não o seja, ou então algo a que atribuímos
grande importância, quando realmente não é importante na vida.
Compreender isto e livrar a mente do falso é sabedoria. Há muito pouca
sabedoria numa mente cheia de ilusões.
A terceira grande verdade indicada por Buda é que a causa do sofrimento
podemos eliminar. A causa da desordem está na ilusão e esta pode ser
eliminada. Não podemos eliminar um fato, podemos apenas eliminar a
ilusão porque, quando descobrimos o que é verdade, o que é falso vai
desaparecer.

Damos uma ilustração, se imaginamos que em cada árvore há um


fantasma escondido, quando saímos à noite tememos os fantasmas; mas
tudo isto é imaginação, ilusão. Se na realidade soubermos que não
existem fantasmas, que isto é apenas algo que nossa imaginação criou,
porque na infância nos contaram sobro fantasmas, então o medo
desaparecerá.

Medo e sofrimento são criados por nosso próprio pensamento ou


imaginação, e se descobrirmos que são falsos desaparecerá. Quando
finda a ilusão, finda a correspondente desordem na consciência. Toda
divisão entre seres humanos também nasce da ilusão e assim ela pode
findar, e isto é sabedoria.
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A teosofia é a busca da sabedoria, o que é sinônimo da busca da verdade


o do fim da ilusão. Por sua vez isto é o mesmo que terminar com a
desordem na consciência. Se finda a desordem, surge a ordem. Há uma
tremenda ordem na Natureza. A manifestação desta ordem no mundo
externo é o que os cientistas estudam.

Em nosso próprio corpo também há uma tremenda ordem. Mil coisas estão
acontecendo neste momento em nossos corpos de maneira ordenada, e
tudo que fazemos é nos alimentarmos e fazermos algum exercício. É a
ordem da Natureza ou inteligência que está operando. É isto que mantém
este mecanismo funcionando - não nossa inteligência. Esta inteligência,
esta ordem cósmica opera também em nossa consciência porque é pré-
existente.

Mas sobrepusemos nossa própria "inteligência" condicionada que tem


determinados sistemas de valores que não investigamos. Deles surgem a
divisão, o ódio, a discriminação e a violência. Isto cria o ego como um eu
separado, fazendo-nos sentir que é bom ter em mente o auto -interesse.
Mas isto é uma ilusão. Realmente não é de nosso auto-interesse visar o
auto -interesse!

Por exemplo, se alguém se corrompe e aceita suborno parece que ele


se beneficia. Se o lucro é a principal consideração, esta parece ser a
ação certa. Se for a ação certa para um, deve ser a ação certa para
todos. Está claro que não podemos negar isto, mas se quando formos
inscrever nosso filho na escola ou levá-lo para tratamento no hospital, e o
diretor ou o médico forem corruptos, todos sofreremos porque somos
todos dependentes uns dos outros. O ego pode buscar algum benefício
imediato, mas isto é uma ilusão. Isto não é benéfico a longo prazo,
porque se continuarmos egoístas todos perderão e surgirá a violência;
todos sofrerão, pois não somos entidades isoladas.

A teosofia vai mais longe. Diz que os seres humanos, os animais, as


plantas, os rios e o universo inteiro são um todo, já que tudo está
conectado com tudo mais. Isto é o que vimos no filme de AI Gore
intitulado "Uma Verdade Inconveniente", onde ele diz que toda a Terra e
seu meio é um enorme organismo vivo que sobreviveu durante bilhões de
anos com certo equilíbrio provindo da inteligência da Natureza; mas que a
"inteligência" humana agora põe em perigo este equilíbrio e isto não é
muito inteligente. Esta é uma outra grande ilusão da humanidade.

Um verdadeiro teósofo deve investigar profundamente o que é


verdadeiro e o que é falso e descobrir o autoconhecimento; e então esta
sabedoria, esta inteligência despertada nos dirá sempre qual é a ação
reta.

P. Krishna - Prof Krishna é membro da ST ha muitos anos, escritor


e palestrante. E Cientista Honorário da Academia Científica Nacional
Indiana, na D. A. Universidade, Indore.

(Extraído da revista The Theosophist, de maio de 2007.)

Tradução: Izar G. Tauceda, MST - Loja Jehoshua, Porto Alegre, RS

Texto Extraído da Revista TheoSophia

Ano 96 – Abril a Junho de 2007

Editora Teosófica

Postado há 13th June 2021 por Loja Teosófica Dharma

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