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APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
1 ÉTICA E MORAL
uma pequena pergunta: há valores universais, perenes, para além do aqui e agora
cultural?
A Ética é a parte da Filosofia que se ocupa do estudo dos fundamentos da
vida moral. Nestes termos, embora haja autores que discordem do nosso ponto de
vista, poderíamos afirmar que enquanto a Ética se pergunta o que é o bem e o mal?
A Moral nos afirma o bem é... ou o mal é..., dependendo de onde se alicerce a
análise, quer seja na ordem cósmica, como afirmava Epicuro1, na vontade de Deus,
como defendia São Tomás de Aquino2 ou em nenhuma ordem exterior à própria
consciência humana, de acordo com a perspectiva existencialista3.
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Epicuro vinculou de modo inédito a física atomística à ética emancipadora: sua idéia central, resumo
de todas as outras, é a de que compreendendo a ordem cósmica como efeito mecânico do
entrechoque dos átomos nos libertamos do terror supersticioso e do temor da morte. Sua lição
atravessou os séculos. Nela reconhecemos a vocação iluminista do materialismo filosófico, isto é, sua
confiança na força libertária das luzes do conhecimento. Cumpre ressaltar a permanência histórica do
vínculo ligando o princípio ontológico de que o substrato último de todas as coisas visíveis e invisíveis
são partículas corpóreas indivisíveis e eternas – cuja junção e separação no vazio infinito constroem
e desconstroem os mundos que foram, são e serão – ao princípio ético de que, exatamente por
resultar do entrechoque mecânico dos átomos, o cosmos não contém nenhuma finalidade ou
intenção imanente ou transcendente, natural ou divina. Para o pensador, a morte é meramente a
separação dos átomos que nos compõem. Não anuncia, portanto, nem castigos, nem recompensas
para os homens. Não devemos temer nem a morte e, menos ainda, as punições infernais inventadas
pela ignorância e pela superstição.
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São Tomás de Aquino, em Questões discutidas sobre a Verdade, afirma que embora o ente, o
verdadeiro, o uno e o bom se identifiquem, em Deus, mais do que nas coisas criadas, não é
necessário que, pelo fato de se distinguirem logicamente em Deus, nas criaturas se distingam
também realmente. Isto acontece com aquelas coisas que pelo seu próprio conceito não se
identificam, tais como a sabedoria e o poder, os quais, embora em Deus constituam uma só coisa,
nas criaturas se distinguem realmente. Ora, o ente, o verdadeiro, o bom e o uno, pelo seu conceito se
identificam. Daí que, onde quer que se encontrem concretizados, constituem realmente uma só coisa,
embora seja mais perfeita a unidade quando se encontram em Deus do que quando se encontram
nas criaturas.
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Sartre, em O existencialismo é um humanismo, afirma que o existencialista, pelo contrário, pensa
que é muito incomodativo que Deus não exista [...] o existencialista não pensará também que o
homem pode encontrar auxílio num sinal dado sobre a terra, e que o há de orientar; porque pensa
que o homem decifra, ele mesmo, esse sinal como lhe aprouver [...] mas se verdadeiramente a
existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do
existencialismo é o de pôr todo homem de posse do que ele é e atribuir-lhe a responsabilidade total
por sua existência. E, quando dizemos que o homem é responsável por si próprio, não queremos
dizer que o homem é responsável por sua estrita individualidade, mas que é responsável por todos os
homens.
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Atenção
Assim, há uma moral constituída, exterior ao homem, que orienta seu
comportamento, determinando o que é moral ou imoral em um
determinado tempo e espaço, para um determinado grupo de
homens, que têm uma dependência mútua e que precisam acordar
normas de trabalho coletivo a fim de garantir a sobrevivência do
grupo.
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Marx foi brilhante ao descrever esse processo de alteração nos quatro estágios dos modos de
produção -comunismo primitivo, escravismo, feudalismo e capitalismo - e a moral social vigente em
cada um deles.
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Emanuel Kant nasceu em Königsberg (Prússia), em 22 de abril de 1724. Alguns autores viram certo
significado no fato do seu pai ser de descendência escocesa e supuseram ser esta a causa da
parcialidade com que o filósofo se ocupou, mais tarde, dos pensadores daquele país. Do nosso ponto
de vista, parece mais importante a atmosfera pietista na qual o jovem Kant foi criado pelos pais –
pietismo que constituía uma reação contra o protestantismo dogmático e que realçava o valor da
exaltação do espírito, confiança nas boas intenções, mais do que ciência teológica – e indagar se isto
não corresponde ao papel que esta religião desempenhou no pensamento do filósofo. Além disso,
sua mãe parece ter exercido uma grande influência sobre ele, fazendo-o partilhar dos seus
sentimentos acerca da natureza e associar esse fato com a tentativa que ele fez de combinar sua
crença religiosa com sua admiração pelos fenômenos cósmicos.
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sabe ultrapassadas, obsoletas, mas, por outro lado, sabe, também, como é difícil
promover a mudança dessas mesmas normas.
As contradições entre o velho e o novo são vividas quando as relações
estabelecidas entre os homens exigem um novo código de conduta. Essas mesmas
contradições se põem no plano pessoal, como nos apontavam os existencialistas. A
singularidade do ato moral nos coloca em situações únicas, em que só o indivíduo
livre e responsável é capaz de decidir, são as chamadas situações-limites, em que
regra alguma é capaz de orientar a ação.
Como exemplo, podemos citar a reflexão de Kohlberg (1991), acerca do
período pós II Guerra Mundial, quando se engajou no transporte ilegal de
sobreviventes do holocausto para a Palestina, então sob domínio britânico:
[...] Nosso navio foi capturado pela marinha britânica, assim como
havia sido seu antecessor, o Exodus, celebrado no livro e no filme
de Leon Uris.
A marinha britânica e os fuzileiros usaram gás lacrimogêneo, vapor
e abriram caminho para a sala de direção e sala das máquinas e
pararam o navio. Vários bebês morreram, embora os ingleses
tivessem tentado não usar violência desnecessária. Eu, meus
companheiros e os refugiados fomos levados para um campo de
concentração em Chipre. A Hagenah ajudou-nos a escapar para a
Palestina fornecendo-nos documentos falsos. Eu e alguns
companheiros de tripulação ficamos em um kibutz ou acampamento
coletivo até que fosse seguro deixarmos o país com documentos
falsos e pegar outro navio da América para a Europa, e de lá para a
Palestina; um navio que se tornou da marinha na guerra de
independência de Israel contra os estados árabes, em 1948.
Minhas experiências com imigração ilegal em Israel levantaram todo
tipo de questões morais, que eu via como questões de justiça. Era
certo ou justo usar a morte e a violência para um fim político?
Enquanto os bebês morriam e os adultos iam para um campo de
concentração, os objetivos da Hagenah eram políticos, tratava-se de
pressões internacionais sobre os britânicos, para abandonarem a
Palestina. Quando é permissível envolver-se com meios violentos
para obter fins supostamente justos?
Esse tatear ao redor de questões de justiça era mesclado por um
hedonismo e relativismo adolescentes a respeito das exigências da
sociedade sobre mim, seja a sociedade norte-americana, seja a
israelense. O kibutz israelense representava ideais de justiça social
que eu tinha de admirar, mas estaria eu obrigado a segui-los, ou
poderia viver de acordo com as demandas mais familiares e mais
fáceis de minha terra natal, os Estados Unidos? Ao final, essas
questões se tornaram questões de relativismo ético. Havia uma
moralidade universal ou toda escolha moral era relativa, dependente
da cultura ou da escolha pessoal e emocional de cada pessoa?[...]
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Como muitos outros filósofos, Kant pensava que a moralidade pode resumir-se num princípio
fundamental, a partir do qual se derivam todos os nossos deveres e obrigações. Chamou a este
princípio «imperativo categórico». Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) exprimiu-o
desta forma: Age apenas segundo aquela máxima que possas ao mesmo tempo desejar que se torne
lei universal. No entanto, Kant deu igualmente outra formulação do imperativo categórico. Mais
11
QUESTÕES PROPOSTAS:
adiante, na mesma obra, afirmou que se pode considerar que o princípio moral essencial afirma o
seguinte: Age de tal forma que trates a humanidade, na tua pessoa ou na pessoa de outrem, sempre
como um fim e nunca apenas como um meio.
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Utilizamos a expressão ser, neste contexto, na acepção do verbo de ligação, como sinônimo de
estar, ou seja, na dimensão de contextualização temporal. A palavra ser não deve, nesta discussão,
ser confundida com o ser, substantivo, cujo significado liga-se a essência, tendo, portanto, a
conotação de permanência atemporal.
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John Locke (Wringtown, 29 de Agosto de 1632 – Harlow, 28 de Outubro de 1704) foi um filósofo do
predecessor Iluminismo cujas noções do governo com o consentimento dos governados e os direitos
naturais do homem (vida, liberdade e propriedade) tiveram uma enorme influência nas modernas
revoluções liberiais: Revolução Inglesa, Revolução Americana e na fase inicial da Revolução
Francesa, oferecendo-lhes uma justificação da revolução e a forma de um novo governo. Para fins
didáticos, Locke costuma ser classificado entre os "Empiristas Britânicos", junto com David Hume e
George Berkeley, principalmente por sua obra relativa à questões epistemológicas. Em ciência
política, costuma ser enquadrado na escola do direito natural ou jusnaturalismo.
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O aristocrata Charles-Louis de Secondat, senhor de La Bredé e Barão de Montesquieu, nasceu
em 18 de Janeiro de 1689, perto de Bordeaux, na França, e faleceu em 10 de Fevereiro de 1755, em
Paris. Político, filósofo e escritor francês, filho de uma família nobre, ficou famoso pela sua teoria da
separação dos poderes, atualmente consagrada em muitas das modernas constituições nacionais.
Teve formação iluminista com padres oratorianos, de modo que cedo se mostrou um crítico severo e
irônico da monarquia absolutista decadente, bem como do clero. Montesquieu escreveu várias obras,
como Cartas Persas (1721), Considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua
decadência (1734) e O Espírito das Leis (1748). Ganhou notoridade e exerceu notável influência.
Contribuiu também para a Enciclopédia e foi uma das maiores figuras do Iluminismo.
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Jean-Jacques Rousseau (28 de Junho de 1712, Genebra - 2 de Julho de 1778, Ermenonville,
perto de Paris) foi um filósofo suíço, escritor, teórico político e um compositor musical autodidata.
Uma das figuras marcantes do Iluminismo francês, Rousseau é também um precursor do
Romantismo. Foi uma das principais inspirações ideológicas da segunda fase da Revolução Francesa
- a última das revoluções modernas, e que deu início a um longo período de terror e instabilidade
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Atenção
Montesquieu elaborou uma teoria política, que aparece em sua obra mais
famosa O Espírito das Leis (1748), inspirada em Locke e no estudo das instituições
políticas inglesas. Nela, ele discutiu as instituições e as leis, e buscou compreender
as diversas legislações existentes em diferentes lugares e épocas. Esta obra
inspirou os redatores da Constituição Francesa de 1791 e tornou-se a fonte das
política, que acabaria por levar à ditadura de Napoleão. Do Contrato Social, de sua autoria, inspirou
muitos dos revolucionários e regimes nacionalistas e opressivos subseqüentes a esse período, por
toda a Europa continental. Inspirados nas idéias de Rousseau, os revolucionários defendiam o
princípio da soberania popular e da igualdade de direitos.
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Não é necessário, tampouco conveniente, que o poder legislativo esteja sempre reunido; mas é
absolutamente necessário que o poder executivo seja permanente, visto como nem sempre há
necessidade de elaborar novas leis, mas sempre existe a necessidade de executar as que foram
feitas. Quando o legislativo entregou a execução das leis que fez a outras mãos, ainda tem o poder
de retomá-la, se houver motivo, e de castigar por qualquer má administração contra as leis. (LOCKE,
J. Segundo Tratado sobre o Governo. In, Coleção Os Pensadores, São Paulo: Abril Cultural, 1979,
p. 101).
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As leis escritas ou não, que governam os povos, não são fruto do capricho ou do arbítrio de quem
legisla. Ao contrário, decorrem da realidade social e da história concreta própria ao povo considerado.
Não existem leis justas ou injustas. O que existe são leis mais ou menos adequadas a um
determinado povo e a uma determinada circunstância de época ou lugar. (MONTESQUIEU, O
Espírito das Leis)
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Montesquieu não era um revolucionário. Sua opção social ainda era por
sua classe de origem, a nobreza. Ele sonhava apenas com a limitação do poder
absoluto dos reis, pois era um conservador, que queria a restauração das
monarquias medievais e o poder do Estado nas mãos da nobreza. As convicções de
Montesquieu tiveram origem na sua classe social e, portanto, o aproximavam dos
ideais de uma aristocracia liberal. Ou seja, ele criticava toda forma de despotismo,
mas não apreciava a idéia de o povo assumir o poder. Sua crítica, no entanto, serviu
para desencadear a Revolução Francesa e instaurar a república burguesa.
Rousseau, por sua vez e como seus antecessores Hobbes13 e Locke,
desenvolveu seu pensamento a pártir da hipótese do homem em estado natural e
procurou resolver a questão da legitimidade do poder nascido do contrato social.
Sua posição foi, contudo, inovadora, pois distinguiu os conceitos de soberano e de
governo, atribuindo ao povo a soberania inalienável.
Rousseau descrevia de forma nostálgica o estado feliz em que o homem
vivia no contato direto com a Natureza e denunciava o caráter de desigualdade
social introduzido pela propriedade privada, diferenciando rico e pobre, poderoso e
fraco, senhor e escravo, até a predominância da lei do mais forte14. Para ele, o
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Thomas Hobbes (Malmesbury, 5 de abril de 1588 – Hardwick Hall, 4 de dezembro de 1679) foi um
matemático, teórico político, e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1651).Na obra
Leviatã, explanou os seus pontos de vista sobre a natureza humana e sobre a necessidade de
governos e sociedades. No estado natural, embora alguns homens possam ser mais fortes ou mais
inteligentes do que outros, nenhum se ergue tão acima dos demais por forma a estar além do medo
de que outro homem lhe possa fazer mal. Por isso, cada um de nós tem direito a tudo, e uma vez que
todas as coisas são escassas, existe uma constante guerra de todos contra todos (Bellum omnia
omnes). No entanto, os homens têm um desejo, que é também em interesse próprio, de acabar com
a guerra, e por isso formam sociedades entrando num contrato social.
Leviatã é um monstro bíblico cruel e invencível que simboliza, para Hobbes, o poder do Estado
absoluto. Seu corpo é constituído de inúmeras cabeças e ele empunha os símbolos dos dois poderes,
o civil e o religioso.
De acordo com Hobbes, a sociedade necessita de uma autoridade à qual todos os seus membros
devem render o suficiente da sua liberdade natural, por forma a que a autoridade possa assegurar a
paz interna e a defesa comum. Este soberano benevolente, quer seja um monarca ou um estado
administrativo, deveria ser o Leviatã, uma autoridade inquestionável. A teoria política do Leviatã
mantém no essencial as idéias de suas duas obras anteriores, Os elementos da lei e Do cidadão (em
que tratou a questão das relações entre Igreja e Estado).
Thomas Hobbes defendia a idéia segundo a qual os homens só podem viver em paz se concordarem
em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. Para ele, a Igreja cristã e o Estado cristão
formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o direito de interpretar as
Escrituras, decidir questões religiosas e presidir o culto. Neste sentido, critica a livre-interpretação da
Bíblia na Reforma Protestante por, de certa forma, enfraquecer o monarca.
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Enquanto os homens se contentaram com suas cabanas rústicas, enquanto se limitaram a costurar
com espinhos ou com cerdas suas roupas de peles, a enfeitar-se com plumas e conchas, a pintar o
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homem que surge, então, é um homem corrompido pelo poder e esmagado pela
violência, trata-se, neste sentido, de um falso contrato social, que coloca o homem
sob grilhões. O que Rousseau defendia era um verdadeiro contrato, no qual o povo
estivesse reunido sob uma só vontade.
Nesta medida, o contrato deveria originar-se do consentimento, que, por
sua vez, deveria ser unânime. Cada cidadão deveria abdicar de todos os seus
direitos em favor da comunidade, mas, como todos abdicariam igualmente, ninguém
perderia nada, pois,
Atenção
Nestes termos, o homem abdica de sua liberdade pelo pacto social, mas
como faz parte do todo social, ao obedecer à lei, obedece a si próprio, sendo,
conseqüentemente, livre. Na concepção do autor, o contrato social não faz o
indivíduo perder sua soberania pois não institui um Estado separado de si me=mo, já
que
corpo com várias cores, a aperfeiçoar ou embelezar seus arcos e flechas, a cortar com pedras
agudas algumas canoas de pescador ou alguns instrumentos grosseiros de música - em uma palavra:
enquanto só se dedicavam a obras que um único homem podia criar e a artes que não solicitavam o
concurso de várias mãos, viveram tão livres, sadios, bons e felizes quanto o poderiam ser por sua
natureza, e continuaram a gozar entre si das doçuras de um comércio independente; mas, desde o
instante em que um homem sentiu necessidade de socorro de outro, desde que percebeu ser útil a
um só contar com provisões para dois, desapareceu a igualdade, introduziu-se a propriedade, o
trabalho tornou-se necessário e as vastas florestas transformaram-se em campos aprazíveis que se
impôs regar com o suor dos homens e nos quais logo se viu a escravidão e a miséria germinarem e
crescerem com as colheitas. (ROUSSEAU, J. J. Discurso sobre a origem da desigualdade entre
os homens. In Coleção Os Pensadores, 1979).
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Revolução Francesa. Por essa lei, foram introduzidas, na Inglaterra, várias medidas
que, mais tarde, se tornariam parte do regime democrático, tais como eleições livres
para o parlamento, liberdade de debates dentro dele, supressão de penalidades
cruéis, proibição de encargos fiscais sem autorização legislativa, contudo, ainda, os
direitos dos indivíduos apareciam de forma reflexa, como decorrência dos deveres
impostos à coroa, isto é, ao Estado.
Foi somente após a independência dos Estados Unidos, com as
constituições escritas dos estados na nova federação, que as Declarações de
Direitos, inseridas nesses documentos, adquiriram o caráter de relação de direitos
oponíveis aos do Estado e de que todos os cidadãos eram sujeitos de direitos.
Como exemplo, a Constituição da Virgínia, de 1776, (Virginia’s 1776
Declaration of Rights), diz expressamente:
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Para Hegel, o Estado é uma das mais altas sínteses do espírito objetivo. O Estado sintetiza, numa realidade
coletiva, a totalidade dos interesses contraditórios entre os indivíduos. Assim como a família é a síntese dos
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QUESTÕES PROPOSTAS
interesses contraditórios entre seus membros, e a sociedade civil a síntese que supera as divergências entre as
diversas famílias, o Estado representa a unidade final, a síntese mais perfeita que supera a contradição
existente entre o privado e o público. Portanto, o Estado se define por não possuir nenhum interesse particular,
mas apenas os interesses comuns e gerais a todos. (ARANHA & MARTINS, 1986, p. 264)
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3 ÉTICA E CIDADANIA
que esses objetivos possam ser. Kant dá o seguinte exemplo: suponha que você
precisa de dinheiro e queira um empréstimo, mas saiba que não será capaz de
devolvê-lo. Em desespero, pondera fazer uma falsa promessa de pagamento de
maneira a levar um amigo a emprestar-lhe o dinheiro. Poderá fazer isso? Talvez
precise do dinheiro para um propósito meritório — tão bom, na verdade, que poderia
convencer-se a si mesmo de que a mentira seria justificada. No entanto, se mentisse
ao seu amigo, estaria apenas a manipulá-lo e a usá-lo como um meio.
Por outro lado, como seria tratar o seu amigo como um fim? Suponha que
você dissesse a verdade, que precisava do dinheiro para um certo objetivo mas que
não seria capaz de devolvê-lo. O seu amigo poderia, então, tomar uma decisão
sobre o empréstimo. Poderia exercer os seus próprios poderes racionais, consultar
os seus próprios valores e desejos, e fazer uma escolha livre e autônoma. Se
decidisse, de fato, emprestar o dinheiro para o objetivo declarado, escolheria fazer
seu esse objetivo. Dessa forma, você não usaria o seu amigo como um meio para
alcançar o seu objetivo, pois seria agora igualmente o objetivo dele. É isto que Kant
queria dizer quando afirmou que os seres racionais […] têm sempre de ser
estimados simultaneamente como fins, isto é, somente como seres que têm de
poder conter em si a finalidade da ação.
A concepção kantiana da dignidade humana não é fácil de entender;
precisamos encontrar uma forma de tornar a idéia mais clara. Para isso,
analisaremos mais detalhadamente uma das suas aplicações mais importantes: a
cidadania.
As ações humanas são mediadas tanto pela percepção do real como pela
capacidade de dar diferentes respostas frente a um estímulo. Como já vimos, os
diferentes grupos humanos criaram diferentes formas de responder às suas
necessidades. Formas estas ligadas à sua cultura, aos valores que criaram e
passaram a cultuar.
Assim, a moralidade está presente em todas as culturas e ganha
concretude quando analisamos o comportamento de cada pessoa em relação a si
própria e aos outros, um povo em relação às suas condicionantes internas e na
relação com outros povos.
É no viver em sociedade, na pólis, na “cidade” que se configuram valores,
estabelecem-se direitos, prescrevem-se normas, regras e leis e é, também nesse
espaço de cidadania que normas, regras e leis podem ser contestadas, a partir da
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Atenção
QUESTÕES PROPOSTAS
1. Para o filósofo Immanuel Kant, os seres racionais têm de ser tratados sempre
como um fim e nunca apenas como um meio. O que isso significa? Para o indivíduo,
a noção de fim implica em certas restrições?
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Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, Suíça, no dia 9 de agosto de 1896 e faleceu em Genebra em
17 de setembro de 1980. Estudou a evolução do pensamento até a adolescência, procurando
entender os mecanismos mentais que o indivíduo utiliza para captar o mundo. Como epistemólogo,
investigou o processo de construção do conhecimento, sendo que nos últimos anos de sua vida
centrou seus estudos no pensamento lógico-matemático. Piaget foi um menino prodígio. Interessou-
se por História Natural ainda em sua infância. Aos 11 anos de idade, publicou seu primeiro trabalho
sobre a observação de um pardal albino. Esse breve estudo é considerado o início de sua brilhante
carreira científica. Aos sábados, Piaget trabalhava gratuitamente no Museu de História Natural. Piaget
freqüentou a Universidade de Neuchâtel, onde estudou biologia e filosofia. E recebeu seu doutorado
em biologia em 1918, aos 22 anos de idade. Após formar-se, Piaget foi para Zurich, onde trabalhou
como psicólogo experimental. Lá, ele freqüentou aulas lecionadas por Jung e trabalhou como
psiquiatra em uma clínica. Essas experiências influenciaram-no em seu trabalho. Ele passou a
combinar a psicologia experimental – que é um estudo formal e sistemático – com métodos informais
de psicologia: entrevistas, conversas e análises de pacientes. Em 1919, Piaget mudou-se para a
França onde foi convidado a trabalhar no laboratório de Alfred Binet, um famoso psicólogo infantil que
desenvolveu testes de inteligência padronizados para crianças. Piaget notou que crianças francesas
da mesma faixa etária cometiam erros semelhantes nesses testes e concluiu que o pensamento se
desenvolve gradualmente. O ano de 1919 foi um marco em sua vida. Piaget iniciou seus estudos
experimentais sobre a mente humana e começou a pesquisar também sobre o desenvolvimento das
habilidades cognitivas. Seu conhecimento de biologia levou-o a enxergar o desenvolvimento cognitivo
de uma criança como sendo uma evolução gradativa. Em 1921, Piaget voltou à Suíça e tornou-se
diretor de estudos do Instituto J. J. Rousseau da Universidade de Genebra. Lá ele iniciou o maior
trabalho de sua vida, ao observar crianças brincando e registrar meticulosamente as palavras, ações
e processos de raciocínio delas. Em 1923, Piaget casou-se com Valentine Châtenay com quem teve
29
Atenção
3 filhos: Jacqueline (1925), Lucienne (1927) e Laurent (1931). As teorias de Piaget foram, em grande
parte, baseadas em estudos e observações de seus filhos que ele realizou ao lado de sua esposa.
Enquanto prosseguia com suas pesquisas e publicações de trabalhos, Piaget lecionou em diversas
universidades européias. Registros revelam que ele foi o único suíço a ser convidado a lecionar na
Universidade de Sorbonne (Paris, França), onde permaneceu de 1952 a 1963. Até a data de seu
falecimento, Piaget fundou e dirigiu o Centro Internacional para Epistemologia Genética. Ao longo de
sua brilhante carreira, Piaget escreveu mais de 75 livros e centenas de trabalhos científicos.
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O trabalho de pesquisa aqui citado é descrito na obra O Julgamento Moral na Criança, publicado
em francês em 1932 e traduzido para o português em 1977.
31
18
Lev Semionovitch Vygotsky (variações de tradução encontradas: Vigotski, Vygotski ou
Vigotsky) (russo Лев Семёнович Выготский, transliteração: Lev Semënovič Vygotskij, nasceu a 17
de Novembro de 1896, em Orsha e faleceu em 11 de Junho de 1934, Moscou) foi um psicólogo bielo-
russo, descoberto nos meios acadêmicos ocidentais depois da sua morte, causada por tuberculose,
aos 37 anos. Pensador importante, foi pioneiro na noção de que o desenvolvimento intelectual das
crianças ocorre em função das interações sociais (e condições de vida). As obras de Vygotsky
incluem alguns conceitos que se tornaram incontornáveis na área do desenvolvimento da
aprendizagem. Um dos conceitos mais importantes é o de Zona de Desenvolvimento Proximal, que
se relaciona com a diferença entre o que a criança consegue aprender sozinha e aquilo que
consegue aprender com a ajuda de um adulto. A Zona de Desenvolvimento Proximal é, portanto, tudo
o que a criança pode adquirir em termos intelectuais quando lhe é dado o suporte educacional
devido. Este conceito será, posteriormente desenvolvido por Bruner, sendo hoje vulgarmente
designado por etapa de desenvolvimento. Outra contribuição vygotskiana de relevo foi a relação que
estabelece entre pensamento e linguagem, desenvolvida no seu livro Pensamento e Linguagem. É
chamado por muitos de "o Mozart da Psicologia". Vygotsky é o grande fundador da escola soviética
de psicologia, principal corrente que, hoje, dá origem ao socioconstrutivismo. Em sua curta vida,
Vygotsky foi autor de uma obra muito importante. Seus primeiros estudos foram voltados para a
psicologia da arte. Extremamente culto, tinha entre seus amigos o grande cineasta Serghei
Eisenstein, admirador de seu trabalho. O contexto em que Vygotsky viveu ajuda a explicar o rumo
que seu trabalho tomou: suas idéias foram desenvolvidas na União Soviética saída da Revolução
Comunista de 1917 e refletem o desejo de reescrever a psicologia, com base no materialismo
marxista, e construir uma teoria da educação adequada ao mundo novo que emergia dos escombros
da revolução. O projeto ambicioso e a constante ameaça da morte (a tuberculose se manifestou
desde os 19 anos de idade e foi responsável por seu fim prematuro) deram ao seu trabalho,
abrangente e profundo, um caráter de urgência. Para Vygotsky, o que nos torna humanos é a
capacidade de utilizar instrumentos simbólicos para complementar nossa atividade, que tem bases
biológicas. Em um pequeno artigo sobre o jogo infantil, diz que as formas tipicamente humanas de
pensar surgem, por exemplo, quando uma criança pega um cabo de vassoura e o transforma em um
cavalo, ou em um fuzil, ou em uma árvore... Os chimpanzés, por mais inteligentes que sejam, podem
no máximo utilizar o cabo de vassoura para derrubar bananas, por exemplo, e jamais para criar uma
situação imaginária. O que nos torna humanos, segundo Vygotsky, é nossa capacidade de imaginar...
A linguagem é uma espécie de "cabo de vassoura" muito especial, capaz de transformar
32
Atenção
Atenção
Eles não gozam, portanto, de uma liberdade ilimitada. Mas descentralizar não
significa diluir os sujeitos nas estruturas sociais a ponto de fazê-los perder qualquer
intenção ou qualquer razão eficaz para os seus atos. Os sujeitos não são
inteiramente os produtores de seus atos, porém tampouco são totalmente
determinados pelas forças sociais. Como nos ensina Puig (2004),
QUESTÕES PROPOSTAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
19
Para maior clareza do assunto, ver documentos de Apresentação dos Temas Transversais,
Trabalho e Consumo, Pluralidade Cultural.
45
REFERÊNCIAS
ANEXO
48
RESPOSTAS COMENTADAS
Capítulo I
R - É... é possível. Como o próprio Kohlberg afirma - no seu relato sobre o seu
engajamento no transporte de sobreviventes do holocausto para a Palestina -,
escolhas tinham de ser realizadas. Sua escolha: salvar judeus. O que implicava,
muitas vezes, no sacrifício do outro, até mesmo na sua morte. Neste caso tem-se a
caracterização de uma situação limite. E nessas situações, e sua história se encaixa
neste quadro, é difícil estabelecer o que está certo ou o que está errado. Assim,
como apontar o que devemos fazer? Por exemplo: o que é certo para o homem
latino que vive à margem na cultura norte americana, ou mesmo, por aqui - em São
Paulo -, para os imigrantes bolivianos? Percebem! Nessas situações, em que viver
parece extremamente difícil, a ética e seus postulados vêem-se enfraquecidos e por
49
Capitulo II
Capitulo III
R - Para este filósofo, tratar o outro como fim é o mesmo que reconhecê-lo como
pessoa, um cidadão igual à mim, com direitos. E neste caso, jamais observá-lo ou
mesmo tratá-lo como meio. Como meio, o outro passa a ser um instrumento/objeto
para meu usufruto, perdendo sua condição de pessoa. Por isso Immanuel Kant
reitera a necessidade de, como uma obrigação, observar sempre o homem como um
fim, e isto vai implicar em sérias restrições para o sujeito. Porque se vejo o outro
como fim, não posso tratá-lo como coisa, usá-lo ou explorá-lo como algo sem valor.
A restrição está aí! Como fim, o outro é sempre um semelhante, sobre o qual eu não
posso fazer nenhum mal.
e os nossos fins serem substituídos por meios. Como se não nos interessasse mais
observar qualquer forma de responsabilidade pelo que fazemos. Por isso, como esta
nos PCNs " Ser responsável é ter cuidado com o poder que se exerce, ao realizar escolhas
e definir caminhos para a ação. É preciso ter claro, portanto, que o que se verifica é um
posicionamento de cada pessoa frente aos valores e princípios que são criados e que têm
significação no âmbito mais amplo de uma comunidade humana." Assim, cuidado é zelo...
zelo por nossas ações, escolhas, por nossa prática.
Capítulo IV