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Table of Contents

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................2
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TRANFORMAÇÕES DO CONCEITO DE
FAMÍLIA....................................................................................................................2
3 OS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA......................................................................4
3.1 CRIMES CONTRA O CASAMENTO 4
3.1.1 Bigamia.....................................................................................................................4
3.1.2 Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento...............................4
3.1.3 Conhecimento prévio de impedimento.................................................................4
3.1.4 Simulação de autoridade para celebração de casamento.................................4
3.1.5 Simulação de casamento.......................................................................................4
3.2 CRIMES CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO 5
3.2.1 Registro de nascimento inexistente......................................................................5
3.2.2 Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil de
recém-nascido....................................................................................................................5
3.2.3 Sonegação de estado de filiação..........................................................................6
3.3 CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR 7
3.3.1 Abandono material...................................................................................................7
3.3.2 Entrega de filho menor a pessoa inidônea...........................................................9
3.3.3 Abandono intelectual.............................................................................................10
3.4 CRIMES CONTRA O PÁTRIO PODER, TUTELA E CURATELA 12
3.4.1 Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes..............12
3.4.2 Subtração de incapazes.......................................................................................13

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................14
5 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................14
1 INTRODUÇÃO

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS TRANFORMAÇÕES DO


CONCEITO DE FAMÍLIA

A família é um objeto jurídico tutelado pelo direito penal no título VII do


Código Penal. A fim de se delimitar os alcances das normas tratadas conteúdo
deste núcleo é largamente estudado pelo direito civil, sendo imprescindível
recorrer a doutrina civilista a fim de se compreender o que se busca proteger
naquela seção do códex.

sofreu diversas alterações, muitas delas com reflexos legislativos.

O Código Civil de 1916 calcava seus pressupostos familiares no


matrimônio, exaltando os efeitos desse enlace, principalmente no tocante à
legitimação da família. Demonstrativo de tal afirmação, o artigo 229 1, destacava
a criação da família legítima, em clara oposição a qualquer outra forma de
entidade familiar não matrimonial, consideradas ilegítimas. Assim, ainda que o
legislador de 1916 não tenha definido o que seria família, resta evidente sua
intenção de atrelá-la ao casamento. Nesse sentido:

“A família, assim, era uma comunidade de sangue calcada no


casamento. Estatuindo que o casamento cria a família legítima(art.
229), o Código definiu-se por um conceito matrimonializado de
família, dando ao casamento também a função de fonte de
legitimidade dos filhos”.2

Mais adiante, no capítulo intitulado “Dos Direitos e Deveres do Marido”, o


antigo Códex revela outra característica da família de sua época, a
patriarcalidade. O art. 2233 traz o marido como chefe, relegando à esposa
1
Art. 229. Criando a família legítima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou
concebidos
2
FACHIN, Luiz Edson. Estabelecimento da filiação e da paternidade presumida, Porto Alegre: Fabris,
1992, p. 57.
3
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colaboração da mulher,
no interêsse comum do casal e dos filhos (arts. 240, 247 e 251).
papel secundário de mera colaboradora, atrelando a dignidade desta “à
administração da casa e à educação dos filhos, sendo ela responsável pelo
zelo e bom nome da família e pela honra do lar” 4.

Dessa forma, temos que a conceituação e a proteção da família


orbitavam entre estes institutos, prezando-se pela mantença dos bens e da
consanguinidade5, concedendo-se vital importância ao matrimônio e afastando-
se a proteção jurídica das diversas realidades desviantes.

Este distanciamento do direito positivado em relação a vida 6, como se


poderia esperar, perpetuou injustiças e infelicidades. A distinção entre os filhos
concebidos na constância ou não do casamento – elevando os laços biológicos
(muitas vezes presumidos) à alçada de superiores –, as restrições aos direitos
dos adotados e a total invisibilidade jurídica destinada a novos arranjos
familiares, entre tantas outras situações, aliadas à inserção da mulher no
mercado de trabalho7 e as consequentes revoluções, notadamente a sexual,
desencadearam lentas, mas importantes, mudanças no cenário jurídico-
familiar, especialmente o prestígio, ainda que tímido, dos vínculos afetivos 8.

Como ensina Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk, a Constituição de 1988


gerou uma ampliação da liberdade juridicamente protegida em matéria de
família, além de estender esta proteção a outras entidades familiares não
expressamente previstas no texto legal 9. E quais seriam estes núcleos inéditos,
senão aqueles criados pelo afeto?

A partir desses novos rumos trazidos pela Carta Magna vigente


refletidos no direito de família como consequência de sua constitucionalização,
a afetividade passa a ocupar papel expressivo nas relações privadas 10. Assim,
incia-se uma revolução: a família passa a ser “um conceito sociológico
4
FACHIN, Rosana Amara Girardi. Em busca do novo milênio – uma reflexão crítica sobre as origens
históricas e as perspectivas do Direito de Família brasileiro contemporâneo, São Paulo: Renovar, 2001,
p. 53.
5
Clóvis Beviláqua sobre o conceito de família: “No direito moderno, família é o conjunto de pessoas
ligadas pelo vínculo da consanguinidade”. In: Direito da Família, São Paulo: Freitas de Bastos, 1956, p.
16.
6
FACHIN, Luiz Edson. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 271.
7
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT, 2013, p. 28.
8
Idem
9
RUZIK, Carlos Eduardo Pianovski. Institutos fundamentais do direito civil e liberdades, Rio de Janeiro:
GZ, 2011, p. 331.
10
FACHIN, Luiz Edson. Da paternidade, Belo Horizonte: Del Rey, 1996, p. 60.
inapreensível aprioristicamente (...) plural, como plurais são as aspirações
afetivas que instituem o fenômeno familiar”11.

Tal entendimento funda-se na capacidade dos laços afetivos de constituírem


vínculos familiares12. Deste modo, saem da invisibilidades jurídica inúmeras
construções familiares, as quais devem ser protegidas juridicamente,

3 OS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA


3.1 CRIMES CONTRA O CASAMENTO
3.1.1 Bigamia
Art. 235 - Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com
pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com
reclusão ou detenção, de um a três anos.
§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o
outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.

3.1.2 Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento


Art. 236 - Contrair casamento, induzindo em erro essencial o
outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja
casamento anterior:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do
contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de
transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou
impedimento, anule o casamento.

3.1.3 Conhecimento prévio de impedimento


Art. 237 - Contrair casamento, conhecendo a existência de
impedimento que lhe cause a nulidade absoluta:
Pena - detenção, de três meses a um ano.

3.1.4 Simulação de autoridade para celebração de casamento

Art. 238 - Atribuir-se falsamente autoridade para celebração de


casamento:
Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não constitui crime
mais grave.

O casamento, por se tratar de ato jurídico formal, é revestido de uma


série de solenidades que precisam ser observadas sob pena de gerar vícios
que permitam sua anulação ou nulidade. O crime em questão trata portanto
11
FACHIN, Luiz Edson. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo, Rio de Janeiro: Renovar,
2008, p. 271 a 273.
12
Nesse sentido: FACHIN, Luiz Edson. Questões do direito civil brasileiro contemporâneo, Rio de
Janeiro: Renovar, 2008, p. 275; DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, São Paulo: RT,
2013, p. 385, entre outros.
daquele que se intitula falsamente como autoridade competante para celebrar o
matrimônio. O crime é considerado pela doutrina como comum, exigindo o dolo
e a conduta comissiva para sua configuração.
O bem jurídico protegido é novamente a ordem jurídica do casamento,
configurando-se como sujeitos passivos o Estado e o(s) cônjuge(s) de boa-fé.
É possível a tentativa, consumando-se o delito quando o agente pratica
qualquer ato relacionado à solenidade da celebração, nãosendo necessário
que esta chegue ao fim. Tento em vista que o Estado consta no polo passivo,
aação é pública incondiconada.

3.1.5 Simulação de casamento

Art. 239 - Simular casamento mediante engano de outra pessoa:


Pena - detenção, de um a três anos, se o fato não constitui
elemento de crime mais grave.

Embora trate-se do mesmo bem jurídico tutelado do artigo anterior, aqui


não se trata de ineficácia da autoridade para celebração do casamento mas
sim da simulação do casamento como um todo, com realização de falsa
cerimônia. O crime também é considerado comum admitindo a tentativa nos
mesnos moldes do tipo anterior. O dolo é elemento subjetivo exigido pelo tipo
penal que admite ainda a possibilidade de configuração na forma comissiva e
omissiva imporópria, na hipótese de dolo daquele situado na posiçnao de
garantidor

3.2 CRIMES CONTRA O ESTADO DE FILIAÇÃO

3.2.1 Registro de nascimento inexistente

Art. 241 - Promover no registro civil a inscrição de nascimento


inexistente:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.

Trata-se de um delito comum, de ação pública incondicionada, que


consiste em registrar ou possibilitar o registro civil de nascimento que não
ocorreu. O tipo abrange também a declaração de natimorto como vivo ou ainda
quando se registra criança de parto que não ocorreu, estando a mãe grávida ou
não. É possivel que se pratique na forma comissiva ou na omissão.
A literatura é unânime ao afirmar que o crime é necessariamente doloso
e é possível a tentativa quando o registro não ocorre por circunstâncias alheias
à vontade do agente. O bem jurídico protegido aqui é a segurança do estado
de filiação, a veracidade dos registros públicos, a boa ordem da administração
pública. É portanto, em princípio o Estado como sujeito passivo, não sendo
afastados outros eventuais prejudicados. O tipo ainda absorve, quando é o
caso, o crime de falsidade ideológica que o informa:“vale dizer, o crime-meio
(falsidade ideológica) é absorvido pelo delito-fim (registro de nascimento
inexistente)”13

3.2.2 Parto suposto. Supressão ou alteração de direito inerente ao estado civil


de recém-nascido
Art. 242 - Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o
filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou
alterando direito inerente ao estado civil: (Redação dada pela Lei nº
6.898, de 1981)
Pena - reclusão, de dois a seis anos. (Redação dada pela Lei nº
6.898, de 1981)

Parágrafo único - Se o crime é praticado por motivo de reconhecida


nobreza: (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)
Pena - detenção, de um a dois anos, podendo o juiz deixar de
aplicar a pena. (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)

O tipo penal do artigo 242 é sensivelmente diferente do anterior. Embora


ambos tenham como bem jurídico protegido o estado de filiação e a fé pública,
lesada quando há informações falsas no registro; aqui, de fato, o parto
necessariamente deve ter ocorrido com rescém nascido vivo, e no entanto, há
informações inverídicas a cerca de sua filiação. Percebe-se então, que nas
condutas elencadas no artigo 242, há sempre mais de um sujeito passivo, pois
além de haver lesão ao Estado e aos seus registros a criança em questão
também figura nesse polo. Também é traço comum dos dois tipos: a
possibilidade de tentativa, a exigência de dolo, e ação penal pública
incondicionada e a possibilidade de prática na forma omissiva.

13
GRECO, Curso de Direito Penal p. 645
Há no artigo 4 modalidades de prática do delito: em primeiro lugar o ato
de dar parto alheio como próprio, ou seja, situação na qual um sujeito ativo
necessariamente do sexo feminino atribui a si a maternidade de filho de
outrém; no segundo caso, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, vez que se
trata da conduta de registrar como seu o filho de outrém. A terceira conduta,
também delito comum como a quarta, consiste na ocultação do recém nascido
para que não seja registrado e por último, se criminaliza a substituição de um
nascido por outro, a fim de suprimir ou alterar seu direito ao estado civil.
O parágrafo único fala em forma privilegiada ou até mesmo em perdão
judicial nos casos em que o crime “é praticado por motivo de reconhecida
nobreza”, ressaltando que é impositivo ao juiz apreciar essa especificidade do
crime em concreto na aplicação da pena.
GRECO ainda aponta a possibilidade de erro de proibição nos casos em
que a intenção do autor com o registro era a de promover a adoção da criança.
Cabe ao juiz, no caso concreto, analisar se as condições sociais, de cultura ou
instrução permitiam ao autor ter conhecimento ou não da ilicitude do fato
praticado.
A exclusão da questão do âmbito penal, entretanto não resolve o
problema gerado pelas “adoções à brasileira” no caso concreto. Coube então
ao direito civil, tentar regularizar a temática.
Segundo Maria Berenice Dias “ há uma prática disseminada no Brasil,
de o companheiro de uma mulher perfilhar o filho dela, simplesmente
registrando como se fosse seu descendente. Ainda que este agir constitua
crime contra o estado de filiação, pela motivação afetiva que envolve essa
forma de agir é concedido o perdão judicial” 14. No entanto, em muitas situações
havendo rompimento do vínculo entre o casal, o pai buscava se furtar da
obrigação de pagar alimentos por meio de uma ação anulatória de paternidade.
A jurisprudência, consiente da voluntariedade do ato, passou a considerá-lo da
mesma forma que a adoção, como irreversível.

3.2.3 Sonegação de estado de filiação

14
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo- SP : Revista dos Tribunais, 2013. P.
509
Art. 243 - Deixar em asilo de expostos ou outra instituição de
assistência filho próprio ou alheio, ocultando-lhe a filiação ou
atribuindo-lhe outra, com o fim de prejudicar direito inerente ao estado
civil:
Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

O artigo em questão trata de crime existente tanto na forma comissiva


quanto na omissão que se caracteriza por deixar em institução de assistência
(ou asilo de axpostos) fliho seu ou de outrem sem prestar informações a cerca
da filiação ou prestando informações inverídicas. De acordo com Hungria,
fundamental é que o agente tenha conhecimento da filação e não a forneça:

“elemento do crime é o conhecer o agente da filiação da criança,


que expõe, e ocultá-la, isto é, no caso, deixar de de a declarar, ou
declará-la falasamente. Assim, se alguém, ocultando o estado civil
de uma criança, a depõe em uma casa particular e o dono da
casa, a seu turno, a deixa no asilo, não se configura o crime, a
cargo do último.”15

Também é crime que viola o bem jurídico “estado de filiação”, seguindo


o entendimento do código presente também nos dois tipos anteriores de que a
informação sobre a ascendência é direito do nascido, e sua ocultação viola a
ideia de familia protegida neste capítulo além de prejudicar os registros
públicos do Estado.
Há a exigência de dolo, é possível tentativa e a ação é publica
incondicionada. Escolha essa, coerente com o tipo, vez que o sujeito pasivo
dos crimes contra o estado de filiação é, primeiramente o Estado ( não excluido
o abandonado e outros eventuais prejudicados).

3.3 CRIMES CONTRA A ASSISTÊNCIA FAMILIAR

3.3.1 Abandono material

15
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código Penal , v. VIII p. 398.
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do
cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o
trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos,
não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao
pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou
majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou
ascendente, gravemente enfermo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a
dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Parágrafo único - Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente,


frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono
injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão
alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.

O crime de abandono material inaugura o capítulo sobre os crimes


contra a assistência familiar é tem como objeto jurídico a “família” nos moldes
do código. GRECO entende que o tipo protege, além do valor da família a
solidariedade, vez que “ não devemos ficar indifentes às necessidades alheias
quando podemos, de alguma forma, estender a mão, pois ninguém é capaz de
saber o dia de amanhã”.16 Levando em conta o moralismo recorrente na
proposta do código, não é impossível que o legislador da década de quarenta
tivesse algo assim em mente. É questionável, entretanto, uma leitura atual do
direito tão aproximada da moral. Em todo caso, a solidariedade como dever já
está presente no código no crime de omissão de socorro, podendo ser
recorrente também aqui.
Há no artigo 224 três condutas típicas que dão forma ao crime de
bandono material: A primeira consiste em deixar de prover os meios
necessários à subsistência (podendo incluir-se aqui medicamentos, alimentos
vestuário) ao cônjuge, filho menor de 18 anos ou inapto ao trabalho e
ascendente inválido ou maior de sessenta anos. Trata-se de enumeração
numerus clausus, não podendo abranger as relações de parentenco com
irmãos, tios ou sobrinhos. A segunda modalidade, também denominada de
abandono pecuniário, consiste em “faltar ao pagamento de pensão alimentícia
judicialmente acordadada, fixada ou majorada.” O disposto também se
relaciona com o descrito no parágrafo único, que visa abarcar as condutas
daqueles que fraudam o pagamento de pensão alimentícia de alguma forma,
ou deixam o emprego com esse objetivo. Por último, o artigo fala em “deixar de
socorrer ascendente ou descendente gravemente infermo” cabendo o dever de

16
GRECO, Curso de Direito Penal . p. 666.
pestar auxílio, seja no caso de doença física ou psíquica.
GRECO17 fala em tipo misto cumulativo e alternativo, podendo em
algumas hipóteses o agente praticar mais de uma conduta típica e responder
por duas infrações penais (por exemplo deixando de pagar pensão ao filho e
não o socorrendo em caso de doença grave), ou praticar duas condutas típicas
e responder por uma única infração penal (caso do pai que deixa de prover os
meios necessários para subsistência justamente por deixar de pagar a
pensão).
O abandono material é exemplo de crime próprio tanto no que diz
respeito ao sujeito ativo quanto ao passivo. Se inclui também na classificação
dos crimes de perigo concreto ou seja, aqueles que “exigem a efetiva produção
do perigo para o objeto de proteção, de modo que a ausência de lesão do bem
jurídico pareça meramente acidental”18. Trata-se de crime doloso, de iniciativa
pública condicionada, de modalidade omissiva própria e portanto, sem
possibilidade de tentativa. Aponta-se também a justa causa como elemento
negativo do tipo, que ao ser constatada pelo juiz no caso concreto exclui a
tipicidade da conduta.

3.3.2 Entrega de filho menor a pessoa inidônea

Art. 245 - Entregar filho menor de 18 (dezoito) anos a pessoa em cuja


companhia saiba ou deva saber que o menor fica moral ou
materialmente em perigo:
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos.

§ 1º - A pena é de 1 (um) a 4 (quatro) anos de reclusão, se o agente


pratica delito para obter lucro, ou se o menor é enviado para o
exterior.

§ 2º - Incorre, também, na pena do parágrafo anterior quem, embora


excluído o perigo moral ou material, auxilia a efetivação de ato
destinado ao envio de menor para o exterior, com o fito de obter
lucro.

O crime consiste em entregar, no sentido de deixar o menor sob a


guarda, filho menor de 18 anos a pessoa inidônea, capaz de lhe causar mal
material ou moral. Aqui, o código aponta para uma interpretação claramente
preconceituosa, vez que se trata de crime de perigo no qual o “mal” em
17
GRECO, Curso de Direito Penal. p. 669
18
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Pena: Parte Geral. 2010, p. 108.
questão não precisa necessariamente ocorrer ao menor. São citados pela
doutrina como “inidôneos” ébrios habituais (vez que o código não os trata como
doentes), prostitutas, mendigos, e criminosos (desconsiderando a dignidade
desses três últimos grupos). Embora parte da doutrina (PRADO) afirme que o
delito se consuma com a simples entrega do menor a pessoa inidônea”, uma
maioria considerável de autores entende que é preciso demonstração efetiva o
de perigo para que se configure o delito.
Ao falar em “filho”, o código deixa claro que se fala de crime próprio, vez
que necessária é a relação parental para configurar sujeitos ativo e passivo. O
bem jurídico protegido continua sendo a assistência familiar, aqui, em especial
aos filhos menores de 18 anos. Apenas MIRABETE 19 interpreta a locução
“deva saber” como uma abertura para que se admita o crime na modalidade
culposa, o restante da doutrina citada faz aponta como tipo subjetivo o dolo
direto (saiba) e eventual (deva saber). O crime ainda pode ser praticado por
omissão imprópria e admite tentativa.
Há qualificadoras do crime nos parágrafos 1º e 2º. No primeiro caso,
qualifica-se o delito pela finalidade especial de obtenção de lucro (animus
lucrandi) e no segundo, pelo fato de o menor ser enviado ao exterior.
GRECO20 ainda complementa ao defender que o § 2º foi revogado tacitamente
pelo artigo 239 do Estatuto da criança e do Adolescente que dispõe:

Art 239. Promocer ou auxiliar a efetivação de ato destinado ao envio de


criança ou adolescente para o exterior com inobservância das
formalidades legais ou com o fito de obter lucro.
Pena - reclusão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos.

3.3.3 Abandono intelectual

Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de


filho em idade escolar:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

19
MIRABETE, Código Penal interpretado.p. 1423
20
GRECO , Curso de Direito Penal. p. 681
O artigo 246 trata de crime próprio, tanto no que tange ao sujeito ativo
quanto ao passivo, de caráter omissivo que consiste em deixar de prover
instrução primária para criança em idade escolar. O bem jurídico protegido é
portanto, o próprio direito a instrução fundamental do menor, que precisa ficar
tempo “juridicamente relevante” afastado da instrução. Não há na doutrina
qualquer tipo de indicação sobre a duração desse lapso temporal.
É necessária a configuração de dolo e o tipo, por ser omissivo puro, não
admite tentativa. Há o elemento normativo negativo na figura da justa causa,
presente na esmagadora maioria dos casos em que a omissão ocorre.
Considerando a realidade brasileira, a tipificação penal da conduta parece
bastante exagerada. Ainda que se trate de uma pena bastante diminuta,
entende-se que há formas mais inteligentes e justas de garantir que os pais se
empenhem em possibilitar a educação primária dos seus filhos. O Estado
poderia por exemplo, mobilizar seus esforços para garantir educação pública
de qualidade ao invés de se ocupar em criar tipos penais para a conduta
descrita.

3.3.4. Abandono Moral

Art. 247 - Permitir alguém que menor de dezoito anos, sujeito a seu poder ou
confiado à sua guarda ou vigilância:
I - freqüente casa de jogo ou mal-afamada, ou conviva com
pessoa viciosa ou de má vida;
II - freqüente espetáculo capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe
o pudor, ou participe de representação de igual natureza;
III - resida ou trabalhe em casa de prostituição;
IV - mendigue ou sirva a mendigo para excitar a comiseração
pública:
Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

A conduta descrita no tipo consiste em permitir (seja a partir de ato


omissivo ou comissivo) que menor de 18 anos, seja ele seu filho ou qualquer
que tenha sido confiado à sua guarda (nesse sentido o crime é comum, pois
basta que o menor estaja sob seu dever de cuidado) que pratique qualquer
uma das condutas enumeradas em caráter habitual.
O tipo tem como objetivo principal a proteger “a formação moral do
menor” sem que se tenha qualquer conceito exato para o que seja esse bem
jurídico. O crime só pode ser cometido na forma dolosa, e é considerado pela
maioria da doutrina (com exceção de PRADO 21) como crime de perigo
concreto. A tipologia é cheia de conceitos subjetivos como “casa mal-afamada”,
ou “pessoa de má vida”, que demonstram o atraso do código frente aos
problemas sociais da atualidade. Ainda, a discriminação de mendigos e
prostitutas, vistos pelo código como inimigos e não como frutos e conflitos
sociais ou como pessoas em situação de vulnerabilidade é evidente também
nesse artigo.

3.4 CRIMES CONTRA O PÁTRIO PODER, TUTELA E CURATELA

Antes de adentrar no capítulo é necessária uma introdução sobre os


bens jurídicos protegidos que demandam conceitos advindos do direito civil: A
expressão Pátrio Poder elencada no título do capítulo, remete ao direito
romano, no qual o pai, como senhor da família, tinha direito absoluto e ilimitado
sobre os demais. Trata-se de um termo que guarda resquícios de uma
sociedade patriarcal, na qual apenas o homem tinha direito sobre os filhos.
Com as mudanças ocorridas na sociedade exigiu-se que o direito adaptasse
seu vocabulário, abarcando também a figura da mãe como líder na sociedade
conjugal. Surge então a expressão “poder familiar” no direito civil, como forma
de garantir isonomia nas relações familiares.

O poder familiar (antigo pátrio poder) é um dos três bens jurídicos


protegidos neste capítulo do Código Penal. Embora sofra críticas no direito civil
por conta daqueles que consideram o instituto muito mais como uma obrigação
dos pais do que como um efetivo poder, o termo foi assim fixado e o poder
familiar se caracteriza por ser irrenunciável, intrasferível, inalienável,
imprescritível e decorrer tanto da paternidade natural como da filiação legal e
da socioafetiva. As obrigações que dele emergem são personalíssimas, fatos
que tornam os crimes desse capítulo própríos quanto ao sujeito passivo.

21
PRADO. Comentários ao Código Penal p. 717
Segundo o artigo 8º do Código de Processo Civil, os absolutamente
incapazes (menores de 16 anos) necessitam ser representados enquanto os
relativamente incapazes (entre 16 e 18 anos) precisam ser assistidos. O
Estado confere aos pais esse encargo, outorgando-lhes o chamado poder
familiar. Se por alguma razão, o menor deixa de estar sob o poder familiar dos
pais é preciso que alguém se responsabilize por ele. Essa pessoa é chamada
pelo direito civil de tutor, ou seja, aquele que “ocupa o lugar jurídico deixado
pelo vazio da autoridade parental” 22
na falta de ambos os pais.
A Curatela, por outro lado “é instituto protetivo dos maiores de idade,
mas incapezes”23 ou seja, aqueles que por algum motivo, seja em razão de
doença ou de deficiência mental não tem condições de zelar por seus próprios
interesses ou reger sua própria vida, recebem a assistência do chamado
curador.
É portanto o direito de tutores, curadores e detentores de poder familiar
de exercerem as atribuições para as quais foram designados que é violado nos
tipos penais que se seguem:

3.4.1 Induzimento a fuga, entrega arbitrária ou sonegação de incapazes

Art. 248 - Induzir menor de dezoito anos, ou interdito, a fugir do lugar


em que se acha por determinação de quem sobre ele exerce
autoridade, em virtude de lei ou de ordem judicial; confiar a outrem
sem ordem do pai, do tutor ou do curador algum menor de dezoito
anos ou interdito, ou deixar, sem justa causa, de entregá-lo a quem
legitimamente o reclame:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

É exemplo de crime comum e abrange três figuras típicas: a primeira se


caracteriza por induzir, no sentido de persuadir ou incitar, menor de 18 anos ou
interdito à fuga. Uma segunda figura típica consiste em confiar (entregar), sem
o consentimento do tutor, curador ou detentor do poder familiar aos cuidados
de outro qualquero menor ou interdito. A terceira conduta típica se dá pela não
entrega,sem justa causa, do incapaz àquele que legitimamente o reclame.
Assim, as duas primeiras condutas se mostram comissivas e passíveis e

22
FACHIN, Luis Edson. Elementos críticos do direito de família. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. P. 250.
23
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo- SP : Revista dos Tribunais, 2013. P.
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tentativa enquanto a última é conduta omissiva, na qual consta elemento
negativo que exclui a tipicidade (justa causa) sem possibilidade de tentativa.
O bem jurídico protegido não é entretanto o incapaz, mas sim o exercício
mesmo do poder familiar, da tutela ou da curatela. O elemento subjetivo é
unicamente o dolo, e a competência para julgar esse delito é exclusiva dos
juizados especiais criminais. Como em todos os demais crimes contra a familia
que envolvam menores, a ação penal é pública incondicionada.

3.4.2 Subtração de incapazes

Art. 249 - Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de


quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial:
Pena - detenção, de dois meses a dois anos, se o fato não
constitui elemento de outro crime.
§ 1º - O fato de ser o agente pai ou tutor do menor ou curador do
interdito não o exime de pena, se destituído ou temporariamente
privado do pátrio poder, tutela, curatela ou guarda.
§ 2º - No caso de restituição do menor ou do interdito, se este
não sofreu maus-tratos ou privações, o juiz pode deixar de aplicar
pena.

O artigo 249, por sua vez, tipifica não mais o induzimento à fulga mais
agora a efetiva subtração do menor ou interdito do âmbito de proteção do tutor,
curador ou detentor do poder familiar. Por esse motivo, a pena dobra ainda que
o parágrafo segundo fale em hipótese de perdão judicial.
Da mesma forma que o tipo anterior, o bem jurídico protegido é a
guarda dos menores ou interditos, o crime pressupõe a existência de dolo, e
admite tentativa. Também é exemplo de crime comum no pólo ativo como
reforça o parágrafo primeiro, que não exime de pena pai, tutor ou curador que
em algum momento não possui a guarda do incapaz. O polo passivo,
entretanto, é necessariamente menor de 18 anos ou interdito.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
É perceptível que o conceito de família hoje recepcionado pela constituição não
corresponde ao apresentado e protegido pelo código penal. Uma interpretação
dos tipos penais em pauta à luz das novas pespectivas do direito de família
tornam boa parte do código desprovido de sentido e função. Há muitos tipos
com uma casuística rara e desimportante, enquanto problemas como possíveis
abusos do poder familiar não são mencionados pelo código. A proteção da
família vem mudando, saindo de um controle moral do Estado sobre as
relações interpessoais entre os componentes do núcleo e indo em direção à
preservação mais ampla possível dos interesses dos vulneráveis nela contidos.
O direito penal infelizmente, parece ser o último ramo a absorver essas
mudanças tão necessárias para a melhora nas relações constituintes de nossa
sociedade.

5 BIBLIOGRAFIA

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial IV. 6ª


edição. São Paulo- SP: Saraiva, 2012.

DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Roberto Jr. Código


Penal Coementado. 4ª edição. São Paulo- SP: Renovar, 1998.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Volume III, 6ª edição. Niterói- RJ:
Impérius, 2009.

HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código Penal. Rio de Janeiro- RJ: Forense,


1976.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal interpretado. São Paulo- SP: Editora
Atlas, 2000.

PRADO, Luis Regis. Comentários ao Código Penal. 3ª edição. São Paulo-SP:


Revista dos Tribunais, 2006.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro- RJ
Freitas Brastos, 2010.

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