Você está na página 1de 47

SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

SOCIOLOGIA E
RELAÇÕES
ÉTNICO-CULTURAIS
E DIREITOS HUMANOS

AUTORIA
Tatyana Léllis da Matta e Silva

1
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

EDITORIAL
A Faculdade Multivix está presente de norte a sul

GRUPO do Estado do Espírito Santo, com unidades em

MULTIVIX Cachoeiro de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova


Venécia, São Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória.
Desde 1999 atua no mercado capixaba, desta- FACULDADE MULTIVIX
cando-se pela oferta de cursos de graduação,
técnico, pós-graduação e extensão, com quali- Diretor Executivo Revisão Técnica
dade nas quatro áreas do conhecimento: Tadeu Antônio de Oliveira Penina Alexandra Oliveira
Agrárias, Exatas, Humanas e Saúde, sempre Alessandro Ventorin

Diretora Acadêmica Graziela Vieira Carneiro


primando pela qualidade de seu ensino e pela
Eliene Maria Gava Ferrão Penina
formação de profissionais com consciência Design Editorial e Controle de
cidadã para o mercado de trabalho. Produção de Conteúdo
Diretor Administrativo Financeiro
REITOR Carina Sabadim Veloso
Fernando Bom Costalonga
Atualmente, a Multivix está entre o seleto grupo Maico Pagani Roncatto
de Instituições de Ensino Superior que possuem Ednilson José Roncatto
Conselho Editorial Aline Ximenes Fragoso
conceito de excelência junto ao Ministério da
Eliene Maria Gava Ferrão Penina (presidente do Conselho Editorial) Genivaldo Félix Soares
Educação (MEC). Das 2109 instituições avaliadas Kessya Penitente Fabiano Costalonga
no Brasil, apenas 15% conquistaram notas 4 e 5, Carina Sabadim Veloso Multivix Educação a Distância
Patrícia de Oliveira Penina Gestão Acadêmica - Coord. Didático Pedagógico
que são consideradas conceitos de excelência
Roberta Caldas Simões Gestão Acadêmica - Coord. Didático Semipresencial
em ensino.
Gestão de Materiais Pedagógicos e Metodologia
Estes resultados acadêmicos colocam todas as Direção EaD
Coordenação Acadêmica EaD
unidades da Multivix entre as melhores do
Estado do Espírito Santo e entre as 50
melhores do país.
BIBLIOTECA MULTIVIX (DADOS DE PUBLICAÇÃO NA FONTE)

MISSÃO

Formar profissionais com consciência cidadã S586s Silva, Tatyana Léllis da Matta.

para o mercado de trabalho, com elevado Sociologia, relações étnico-culturais e direitos humanos / Tatyana Léllis da Matta Silva. - Vitoria : Multivix, 2016.
padrão de qualidade, sempre mantendo a 103 f. ; 30 cm
credibilidade, segurança e modernidade,
Inclui referências.
visando à satisfação dos clientes e colabora-
1. Sociologia 2. Direitos humanos 3. Relações étnico-culturais I. Faculdade Multivix. II. Título.
dores.
CDD: 301

VISÃO

Ser uma Instituição de Ensino Superior


reconhecida nacionalmente como referên- Catalogação: Biblioteca Central Anisio Teixeira – Multivix

cia em qualidade educacional. 2017 • Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.
As imagens e ilustrações utilizadas nesta apostila foram obtidas no site: http://br.freepik.com

2 3
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

Aluno (a) Multivix,

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO Estamos muito felizes por você agora fazer parte do

DA DIREÇÃO maior grupo educacional de Ensino Superior do

EXECUTIVA Espírito Santo e principalmente por ter escolhido a


Multivix para fazer parte da sua trajetória profissional.
1 INTRODUÇÃO 7

A Faculdade Multivix possui unidades em Cachoeiro


de Itapemirim, Cariacica, Castelo, Nova Venécia, São
Mateus, Serra, Vila Velha e Vitória. Desde 1999, no 2 NOÇÕES GERAIS DE SOCIOLOGIA 9
mercado capixaba, destaca-se pela oferta de cursos 2.1 SENSO COMUM X CONHECIMENTO CIENTÍFICO 10
de graduação, pós-graduação e extensão de quali- 2.1.1 O SENSO COMUM 10
dade nas quatro áreas do conhecimento: Agrárias, 2.1.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO 11
Exatas, Humanas e Saúde, tanto na modalidade 2.2 O OLHAR SOCIOLÓGICO 13
REITOR
presencial quanto a distância.

Além da qualidade de ensino já comprovada pelo


3 SOCIOLOGIA CLÁSSICA 15
MEC, que coloca todas as unidades do Grupo
3.1 O POSITIVISMO E A ORIGEM DA SOCIOLOGIA 15
Multivix como parte do seleto grupo das Institu-
3.2 ÉMILE DURKHEIM 16
ições de Ensino Superior de excelência no Brasil,
3.3 MAX WEBER 19
contando com sete unidades do Grupo entre as
3.4 KARL MARX 22
100 melhores do País, a Multivix preocupa-se
bastante com o contexto da realidade local e
com o desenvolvimento do país. E para isso,
Prof. Tadeu Antônio 4 SOCIOLOGIA NO SÉCULO XX 26
procura fazer a sua parte, investindo em projetos
de Oliveira Penina 4.1 GEORG SIMMEL E A VIDA NA CIDADE MODERNA 26
sociais, ambientais e na promoção de oportuni-
Diretor Executivo do dades para os que sonham em fazer uma facul-
4.2 A ESCOLA DE CHICAGO E A SOCIOLOGIA URBANA 29
Grupo Multivix 4.3 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA 31
dade de qualidade mas que precisam superar
alguns obstáculos. 4.4 PIERRE BOURDIEU: PODER SIMBÓLICO E VIOLÊNCIA SIMBÓLICA 34

Buscamos a cada dia cumprir nossa missão


que é: “Formar profissionais com consciência
5 SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA 38
cidadã para o mercado de trabalho, com
5.1 A CRISE DOS PARADIGMAS SOCIOLOGICOS E A PÓS-MODERNIDADE 38
elevado padrão de qualidade, sempre man-
5.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS MODERNIDADE 39
tendo a credibilidade, segurança e moderni-
dade, visando à satisfação dos clientes e
colaboradores.”
6 RELAÇÕES ÉTNICAS E RELAÇÕES CULTURAIS 43
Entendemos que a educação de qualidade 6.1 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CULTURA 43
sempre foi a melhor resposta para um país 6.2 ETNOCENTRISMO 45
crescer. Para a Multivix, educar é mais que 6.3 RELATIVISMO CULTURAL 49
ensinar. É transformar o mundo à sua volta. 6.4 ETNIA X RAÇA 51
6.5 MULTICULTURALISMO 56
Seja bem-vindo!
6.6 INTERCULTURALIDADE 57

4 5
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

7 CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS DIREITOS HUMANOS


7.1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS
59
60 1 INTRODUÇÃO
7.1.1 A MAGNA CARTA (1215) 60
7.1.2 A PETIÇÃO DE DIREITO (BILL OF RIGHTS - 1628) 61
7.1.3 A DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS A Sociologia tem sua origem no Século XIX. Três acontecimentos são considerados
DA AMÉRICA (1776) 62 fundamentais para a origem dessa ciência: O primeiro é de ordem econômica: a re-
7.1.4 A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO (1789) 63 volução industrial. O segundo é de ordem política: a revolução francesa, e o terceiro,
7.1.5 A PRIMEIRA CONVENÇÃO DE GENEBRA (1864) 63 de ordem cultural, são na verdade dois: o iluminismo e o renascimento. Esses acon-
7.1.6 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU - 1945) 64 tecimentos mudaram o rumo da história da Humanidade, alterando seus aspectos
7.1.7 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948) 65
econômicos, políticos e culturais, dando origem a estrutura do mundo atual. Essas
7.2 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA 66
transformações geraram inúmeras dúvidas e questionamentos sobre o motivo delas
7.2.1 A CIDADANIA SEGUNDO A TEORIA CLÁSSICA DE T. H. MARSHALL 68
7.2.2. NOVAS CONFIGURAÇÕES DO CONCEITO DE CIDADANIA 71
ocorrerem, as causas e consequências delas, e como agir diante de tudo o que esta-
va acontecendo. Essa necessidade de compreensão da sociedade e de saber como
proceder neste grande momento de crise foi o que fomentou a criação da Sociologia.
8 DIREITOS HUMANOS E RELAÇÕES ETNICO-CULTURAIS NA SOCIEDADE 75
8.1 A IDEIA DE MINORIA 75 Concebida inicialmente na Europa, para resolver problemas de uma Modernidade
8.2 GÊNERO E SUBJETIVIDADE 78 industrial localizada, durante muito tempo, embora oficialmente a Sociologia tivesse
8.3 AÇÕES AFIRMATIVAS E AÇÕES TRANSFORMATIVAS 84 por objeto as relações sociais em geral, desenvolveu-se ao redor dos problema das
grandes capitais europeias, a vida na cidade e o mundo do trabalho/consumo, bem
como as relações de poder neles desenvolvidas, deixando em segundo plano outras
9 REFERÊNCIAS 89 questões igualmente graves e contemporâneas daquele meio social, seja pela retirada
da mulher de casa para compor a força de trabalho, ou pela colonização e descoberta
de novos continentes e culturas, retomando a perspectiva globalizante das navega-
ções do Século XV e consequentemente seus discursos sobre a divisão da Humanida-
de não apenas em raças, bem como em estágios de evolução e de civilização distintos.

A globalização e o advento das transformações sofridas no Século XX, mormente com


a Segunda Guerra Mundial, no entanto, trouxeram à tona novas questões que a socio-
logia clássica não tinha ferramentas para avaliar. Talvez a maior, a questão da identida-
de e da subjetividade dos indivíduos, que levaria a rediscussão de conceitos até então
intocados como modernidade, civilização, cultura, raça e gênero, abrindo novas ques-
tões principalmente nos chamados Estados Democráticos que adotam a perspectiva
dos Direitos Humanos, onde o acesso aos direitos e o respeito às subjetividades são
condição para a cidadania e a própria condição humana.

É assim que, sobretudo no Século XXI, somam-se às perguntas centrais da sociologia


clássica temáticas sobre o lugar e os direitos que cabem àqueles que não eram re-

6 7
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

2 NOÇÕES GERAIS DE
presentados pelo homem europeu da Era Industrial. Nesse contexto, esta disciplina
via ampliar o escopo do estudante para uma compreensão maior e, portanto, mais
próxima da realidade social das questões sociais mais relevantes acerca das relações
culturais étnicas e dos Direitos Humanos no contexto de nossa sociedade, a fim de SOCIOLOGIA
permitir um olhar crítico dos mesmo sobre os atuais problemas sociais.

A Sociologia surgiu como disciplina no século XVIII, como resposta acadêmica para
um desafio que estava surgindo: o início da sociedade moderna. Com a Revolução
Industrial e posteriormente com a Revolução Francesa (1789), iniciou-se uma nova era
no mundo, com as quedas das monarquias e a constituição dos Estados nacionais no
Ocidente. A Sociologia surge então para compreender as novas formas das socieda-
des, suas estruturas e organizações.

Atualmente, além de suas aplicações no planejamento social, na condução de progra-


mas de intervenção social e no planejamento de programas sociais e governamentais,
o conhecimento sociológico é também um meio possível de aperfeiçoamento do
conhecimento social, na medida em que auxilia os interessados a compreender mais
claramente o comportamento dos grupos sociais, assim como a sociedade com um
todo. Sendo uma disciplina humanística, a Sociologia é uma forma significativa de
consciência social e de formação de espírito crítico.

Sociólogos fazem uso frequente de técnicas quantitativas de pesquisa social (como


a estatística) para descrever padrões generalizados nas relações sociais. Isto ajuda a
desenvolver modelos que possam entender mudanças sociais e como os indivíduos
responderão a essas mudanças. Em alguns campos de estudo da Sociologia, as téc-
nicas qualitativas — como entrevistas dirigidas, discussões em grupo e métodos etno-
gráficos — permitem um melhor entendimento dos processos sociais de acordo com
o objetivo explicativo.

Mais que sua aplicação em planejamentos, pesquisas e programas de intervenção, o co-


nhecimento sociológico funciona também como uma disciplina humanística, no senti-
do de aperfeiçoamento do espírito, na medida em que compreende melhor o compor-
tamento dos outros, a sua própria situação e a sociedade como um todo. Sendo uma
disciplina humanística, a Sociologia é uma forma significativa de consciência social.

Assim, a Sociologia nasce da própria sociedade, e por isso mesmo essa disciplina pode
refletir interesses de alguma categoria social ou ser usado como função ideológica,
contrariando o ideal de objetividade e neutralidade da ciência. Nesse sentido, se ex-
põe o paradoxo das Ciências Sociais, que ao contrário das ciências da natureza (como

8 9
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

a biologia, física, química etc.), as ciências da sociedade estão dentro do seu próprio Em geral, as pessoas percebem que existe uma diferença entre o conhecimento do
objeto de estudo, pois todo conhecimento é um produto social. Se isso a priori é uma homem do povo, às vezes até cheio de experiências, mas que não estudou, e o conheci-
desvantagem para a Sociologia, num segundo momento percebemos que a Sociolo- mento daquele que estudou determinado assunto. E a diferença é que o conhecimen-
gia é a única ciência que pode ter a si mesma como objeto de indagação crítica. to do homem do povo foi adquirido espontaneamente, sem muita preocupação com
método, com crítica ou com sistematização. Ao passo que o conhecimento daquele
que estudou algo foi obtido com esforço, usando-se um método, uma crítica mais pen-
2.1 SENSO COMUM X CONHECIMENTO CIENTÍFICO sada e uma organização mais elaborada dos conhecimentos. (LARA, p. 56, 1983).

Porém, é importante destacar que o senso comum é uma forma válida de conhe-
cimento, pois o homem precisa dele para encaminhar, resolver ou superar suas ne-
2.1.1 O SENSO COMUM cessidades do dia-a-dia. Os pais, por exemplo, educam seus filhos mesmo não sendo
psicólogos ou pedagogos, e nem sempre os filhos de pedagogos ou psicólogos são

No seu dia-a-dia, o homem adquire espontaneamente um modo de entender e atuar so- educados melhor. O senso comum é ainda subjetivo ao permitir a expressão de sen-

bre a realidade. Algumas pessoas, por exemplo, não passam por baixo de escadas, porque timentos, opiniões e de valores pessoais quando observamos as coisas à nossa volta.

acreditam que dá azar; se quebrarem um espelho, sete anos de azar. Algumas confeitei-
Por exemplo: a) se uma determinada pessoa não nos agrada, mesmo que ela tenha
ras sabem que o forno não pode ser aberto enquanto o bolo está assando, senão ele “sola”.
um grande valor profissional, torna-se difícil reconhecer este valor. Neste caso, a anti-

Como aprenderam estas informações? Elas foram sendo passadas de geração a gera- patia por esta determinada pessoa nos impede de reconhecer a sua capacidade; b) os

ção. Elas não só foram assimiladas, mas também transformadas, contribuindo assim hindus consideram a vaca um animal sagrado, enquanto nós, ocidentais, concebemos

para a compreensão da realidade. Assim, se o conhecimento é produto de uma práti- este animal apenas como um fornecedor de carne, leite, entre outros. Por essa razão

ca que se faz social e historicamente, todas as explicações para a vida, para as regras de os consideramos ignorantes, pois tendemos a julgar os povos, que possuem uma cul-

comportamento social, para o trabalho, para os fenômenos da natureza, etc., passam a tura diferente da nossa, a partir do nosso entendimento valorativo.

fazer parte das explicações para tudo o que observamos e experimentamos.


Levando-se em conta a reflexão feita até aqui, podemos considerar o senso comum

Todos estes elementos são assimilados ou transformados de forma espontânea. Por como sendo uma visão de mundo precária e fragmentada. Mesmo possuindo o seu

isso, raramente há questionamentos sobre outras possibilidades de explicações para a valor enquanto processo de construção do conhecimento, ele deve ser superado por

realidade. Acostumamo-nos a uma determinada compreensão de mundo e não mais um conhecimento que o incorpore, que se estenda a uma concepção crítica e co-

questionamos; tornamo-nos “conformistas de algum conformismo”. São inúmeros os erente e que possibilite, até mesmo, o acesso a um saber mais elaborado, como as

exemplos presentes na vida social, construídos pelo “ouvi dizer”, que formam uma vi- ciências sociais.

são de mundo fragmentada e assistemática. Mesmo assim, é uma forma usada pelo
homem para tentar resolver seus problemas da vida cotidiana. Isso tudo é denomina-
2.1.2 CONHECIMENTO CIENTÍFICO
do de senso comum ou conhecimento espontâneo.

Portanto, podemos dizer que o senso comum é o conhecimento acumulado pelos Os Gregos, na Antiguidade, buscavam através do uso da razão, a superação do mito ou
homens, de forma empírica, porque se baseia apenas na experiência cotidiana, sem se do saber comum. O avanço na produção do conhecimento, conseguido por esses pen-
preocupar com o rigor que a experiência científica exige e sem questionar os proble- sadores, foi estabelecer vínculo entre ciência e pensamento sistematizado (filosofia, socio-
mas colocados justamente pelo cotidiano. Contudo, o senso comum é também um logia...), que perdurou até o início da Idade Moderna. A partir daí, as relações dos homens
saber ingênuo, vez que não possui uma postura crítica. tornaram-se mais complexas bem como toda a forma de produzir a sua sobrevivência.

10 11
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

Gradativamente, houve um avanço técnico e científico, como a utilização da pólvora, des prontas e acabadas. Neste caso, estaríamos refletindo sobre cientificismo e não ci-
a invenção da imprensa, a Física de Newton, a Astronomia de Galileu, etc. Foi no início ência, mas tê-la como um campo sempre aberto às novas concepções e contestações
do século XVII, quando o mundo europeu passava por profundas transformações, que sem perder de vista os dados, o rigor e a coerência e aceitando, que, o que prova que
o homem se tornou o centro da natureza (antropocentrismo). uma teoria é científica é o fato de ela ser falível e aceitar ser refutada.

Acompanhando o movimento histórico, ele mudou toda a estrutura do pensamento


e rompeu com as concepções de Aristóteles, ainda vigentes e defendidas pela Igreja, 2.2 O OLHAR SOCIOLÓGICO
segundo as quais tudo era hierarquizado e imóvel, desde as instituições e até mes-
mo o planeta Terra.
O olhar sociológico é um olhar de estranhamento e de desnaturalização das relações
O homem passou, então, a ver a natureza como objeto de sua ação e de seu conheci- sociais. Pressupõe um afastamento do objeto de estudo social para que se consiga
mento, podendo nela interferir. Portanto, podia formular hipóteses e experimentá-las uma análise crítica, profunda, não-imediatista e isenta de preconceitos da realidade
para verificar a sua veracidade, superando assim as explicações metafísicas e teológi- social observada. Problema: como estudar a nossa própria sociedade estando inseri-
cas que até então predominavam. O mundo imóvel foi substituído por um universo dos nela? Nossas crenças e valores não corromperiam a nossa análise, tirando-lhe a
aberto e infinito, ligado a uma unidade de leis. Era o nascimento da ciência enquanto objetividade
um objeto específico de investigação, com um método próprio para o controle da
Segundo o sociólogo britânico Anthony Giddens (2005),
produção do conhecimento.

Portanto, podemos afirmar que o conhecimento científico é uma conquista recente um sociólogo é alguém capaz de se libertar do quadro das suas circunstâncias
da humanidade, pois tem apenas trezentos anos. Ele transformou-se numa prática pessoais e pensar as coisas num contexto mais abrangente. A imaginação so-
ciológica implica, acima de tudo, abstrair-mo-nos das rotinas familiares da vida
constante, procurando afastar crenças supersticiosas e ignorância, através de métodos
quotidiana de maneira a poder olhá-las de forma diferente.
rigorosos, para produzir um conhecimento sistemático, preciso e objetivo que garanta
prever acontecimento e agir de forma mais segura.
O olhar sociológico permite-nos tomar consciência de que o mundo não é assim
Sendo assim, o que diferencia o senso comum do conhecimento científico é o rigor. porque sempre foi; que as pessoas não são como são porque assim nasceram, mas
Enquanto o senso comum é acrítico, fragmentado, preso a preconceitos e a tradições porque assim se tornaram. Isso nos permite ter a chamada consciência sócio-histórica,
conservadoras, a ciência preocupa-se com as pesquisas sistemáticas que produzam isto é, saber que somos fortemente influenciados pelas condições sócio-históricas em
teorias que revelem a verdade sobre a realidade, uma vez que a ciência produz o co- que vivemos. É um olhar que pode nos ajudar a compreender as diferenças culturais,
nhecimento a partir da razão. a avaliar efeitos de políticas e a desenvolver uma consciência crítica e racional.

Desta forma, o cientista, para realizar uma pesquisa e torná-la científica, deve seguir Estamos acostumados a encarar tudo como natural, inclusive as relações sociais; como
determinados passos. Em primeiro lugar, o pesquisador deve estar motivado a resolver se o mundo, as sociedades e as culturas fossem “naturais”. Tendemos a imaginar que
uma determinada situação-problema que, normalmente, é seguida, por algumas hi- sempre foram da forma como são e, portanto, sempre serão dessa forma. Para desen-
póteses. Usando sua criatividade, o pesquisador deve observar os fatos, coletar dados e volver um olhar sociológico é preciso quebrar tal forma de encarar a realidade e ad-
então testar suas hipóteses, que poderão se transformar em leis e, posteriormente, ser mitir a racionalidade e o relativismo nas questões sociais. Através do olhar sociológico
incorporadas às teorias que possam explicar e prever os fenômenos. podemos perceber a verdadeira intenção ou a essências das relações sociais que se
mostram apenas na aparência.
Porém, é fundamental registrar que a ciência não é somente acumulação de verda-

12 13
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

3 SOCIOLOGIA CLÁSSICA
tas atraíram os primeiros cientistas sociais para seu método de investigação. O próprio
Comte, antes de criar o termo “Sociologia”, chamou de “Física Social”.

A filosofia social positivista se inspirava no método de investigação das ciências natu-


reza, assim como procurava identificar na vida social as mesmas relações e procurava
3.1 O POSITIVISMO E A ORIGEM DA SOCIOLOGIA identificar na vida social as mesmas relações e princípios com as quais os cientistas
explicavam a vida natural. A própria sociedade foi concebida como um organismo
constituído de partes integradas e coesas, que funcionavam harmonicamente segun-
A primeira corrente de pensamento sociológico propriamente dita foi o Positivismo,
do um modelo físico ou mecânico.
que inicialmente organizou em termos de teoria alguns princípios a respeito do ho-
mem e da sociedade tentando explicá-los de maneira científica. Coube a ela definir
Nas palavras do autor
de forma clara e precisa o objeto dessa nova ciência social que surgia, estabelecendo
conceitos e uma metodologia de investigação própria e capaz de explicar a especi-
ficidade do estudo científico da sociedade. Seu primeiro representante e principal O positivismo se compõe essencialmente de uma filosofia e de uma política,
necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base, a outra a meta de um
sistematizador foi o pensador francês Auguste Comte.
mesmo sistema universal, onde a inteligência e a sociabilidade se encontram
intimamente combinados. De uma parte, a ciência social não é somente a
O nome positivismo tem origem no adjetivo “positivo”, que significa certo, seguro, de- mais importante de todas, mas fornece, sobretudo, o único elo, ao mesmo
finitivo. Como escola filosófica, derivou do “cientificismo”, isto é, da crença no poder tempo lógico e cientifico, que de agora em diante comporta o conjunto de

dominante e absoluto da razão humana em conhecer a realidade e traduzi-la sob nossas contemplações [...] (COMTE, 2000, p.71)

forma de leis, que seriam a base regulamentação da vida do homem, da natureza e


do próprio universo.
Ao propor uma reforma intelectual da sociedade, Comte sustenta que o desenvolvi-
mento do conhecimento humano se desenrolou num movimento histórico dividido
O positivismo reconhecia que os princípios reguladores do mundo físico e do mundo
em três etapas. No primeiro estágio, o teológico, conhecimento ancorava-se nas cren-
social diferiam quanto à sua essência: os primeiros diziam respeito a acontecimentos
ças e superstições. No segundo, denominado metafísico, baseava-se na lógica filosó-
e aos homens; os outros, à questões humanas. Entretanto, a crença na origem natural
fica, já no terceiro, o positivo, ao qual vivia, o conhecimento seria baseado na ciência.
de ambos teve o poder de aproximá-los. Além disso, a rápida evolução dos conheci-
mentos das ciências naturais – física, química, biologia - e o sucesso de suas descober-
A maioria dos primeiros pensadores sociais positivistas permaneceu presa a uma re-
flexão de natureza filosófica sobre a história e a ação humanas. Procedimentos de
natureza científica, análises sociológicas baseadas em fatos observados, com maior
Auguste Comte nasceu em Montpellier, França, de uma família sistematização teórica e metodologia de pesquisa, só seriam introduzidos por Émile
católica e monarquista. Viveu a infância na França napoleônica. Es-
tudou na Escola Politécnica. Tornou-se discípulo de Saint Simon, Durkheim, que estudaremos a seguir.
de quem sofreu enorme influência. Devotou seus estudos à filo-
sofia positivista, considerada por ele como uma religião da qual
era pregador. Segundo sua filosofia política, existiam na história

3.2 ÉMILE DURKHEIM


três estados: um teológico, outro metafísico e finalmente o posi-
tivo. Este último representava o coroamento do progresso da hu-
manidade. Sobre as ciências, distinguia as abstratas das concretas,
sendo que a ciência mais complexa e profunda seria a Sociologia.
Publicou Curso de filosofia positiva, Discurso sobre o espírito posi-
tivo, Discurso sobre o conjunto do positivismo, Sistema de política
positivista, Sistema de política positivista e Síntese subjetiva. Émile Durkheim foi um dos pensadores que mais contribuiu para a consolidação da
Sociologia como ciência empírica e para sua instauração no meio acadêmico, tornan-

14 15
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

das pelos homens, mas passam a funcionar independentemente deles, controlando


suas ações.
Émile Durkheim nasceu em Épinal, na França, descendente de
uma família de rabinos. Iniciou seus estudos filósofos na Escola Seu método funcionalista tem como primeira regra fundamental considerar os fatos
Normal Superior de Paris, indo depois para a Alemanha. Lecionou
Sociologia em Bordéus, primeira cátedra dessa ciência criada na sociais como coisas, que parte do princípio de que a realidade social é idêntica a reali-
França. Transferiu-se em 1902 para Sorbonne, reunindo-se num
grupo que ficou conhecido como escola sociológica francesa. Suas dade da natureza, pois as “coisas” da natureza funcionam de modo independente das
principais obras foram: Da divisão do trabalho social, As regras do
método sociológico, Formas elementares da vida religiosa, edu- ações humanas (assim como a sociedade).
cação e sociologia, Sociologia e filosofia de Lições de sociologia.

Os fatos sociais são o seu objeto de estudo. Eles são de caráter exterior (provém da
sociedade e não do indivíduo), objetivo (Existe independentemente do indivíduo) e
coercitivo (são impostos pela sociedade ao indivíduo). Sendo assim, eles são produtos
da sociedade. Esses fatos sociais existem porque cumprem uma função, explicá-los
do-se primeiro professor universitário da disciplina. O Sociólogo francês viveu numa
seria demonstrar a função que eles exercem. Durkheim comparava a sociedade como
Europa conturbada por guerras e em vias de modernização, e sua produção reflete a
um corpo vivo, no qual cada órgão cumpre uma função. Esses órgãos podem ser: o
tensão entre valores e instituições que estavam sendo corroídos e formas emergente
governo, a escola, a religião, a família, o exército, as leis, empresas, lazer, etc.
cujo perfil ainda não se encontrava totalmente configurado. Por isso, a retomada do
estudo científico da sociedade foi favorecida por este momento histórico pelo qual Além da criação do método funcionalista, Durkheim trabalhou como teoria da mo-
atravessava a Europa e principalmente a França. dernidade, a análise da função que a divisão social do trabalho (1893) exercia nas
sociedades modernas. Neste período, a sociedade passava por um processo de evo-
Motivado por essas mudanças Durkheim dedicou-se a um vasto repertório de temas
lução caracterizado pela diferenciação social. Esse processo se inicia na solidariedade
que vão da emergência do indivíduo à origem da ordem social, da moral ao estudo
mecânica e termina na solidariedade orgânica. Durkheim constrói sua teoria interpre-
da religião, da vida econômica à análise divisão social do trabalho, chegando à educa-
tando esses dois tipos de sociedade a partir de três componentes básicos: Os laços de
ção. Herdeiro também do positivismo, dedicou-se a constituir o objeto da sociologia
solidariedade existentes na comunidade, a sua organização e as suas leis. Assim temos
e as regras para desvendá-lo. A obra mais importante nesse sentido foi “As regras do
referente a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica:
método sociológico”, na qual o autor procurou instituir a fronteira entre a sociologia e
as demais ciências, dando-lhe autonomia e objetividade. No referido trabalho, definiu A consciência coletiva X divisão social do trabalho; Sociedades segmentadas X so-
o que entendi por fatos sociais, que de acordo com o autor constituiriam o objeto da ciedades diferenciadas; o Direito repressivo X Direito restitutivo. São três os fatores
sociologia. que Durkheim utiliza para analisar e explicar o processo de evolução da sociedade:
o volume, a densidade material e a densidade moral. Com a análise, Émile chega a
A Sociologia pode ser definida, segundo Durkheim, como a ciência “das instituições,
conclusão de que a sociedade orgânica dá lugar a mecânica quando há um cresci-
da sua gênese e do seu funcionamento”, ou seja, de “toda crença, todo comportamen-
mento populacional (volume), fazendo com que aja uma maior ocupação do espaço
to instituído pela coletividade” Na fase positivista que marca o início de sua produção,
demográfico (densidade material). Ocorre então uma necessidade de distribuição e
considera que, para tornar-se uma ciência autônoma, essa esfera do conhecimento
especialização de funções. Esse processo é chamado por Durkheim de divisão social
precisava delimitar seu objeto próprio: os fatos sociais.
do trabalho. Nessa sociedade orgânica que surge, devido a especialização de funções,
os indivíduos passam a depender mais uns dos outros, fazendo com que aja a coleti-
Conservador, seguidor do positivismo de Augusto Comte, tinha como teoria sociológi-
vidade. Durkheim afirma que a função primordial da divisão social do trabalho é uma
ca a Sociologia funcionalista, criada por ele mesmo. Durkheim parte da ideia de que
função moral, que está acima da intenção do aumento de produção da indústria. Essa
a sociedade (objeto) é superior ao indivíduo (sujeito), pois as estruturas sociais são cria-

16 17
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

função é a de criar um sentimento de solidariedade entre as pessoas. do modelo educacional que Weber apresenta, modelo este que atenta para a racio-
nalização e burocratização do ensino na modernidade.
Além da divisão social do trabalho, Durkheim fez outros estudos importantes da mo-
dernidade, como o suicídio e as formas elementares da vida religiosa. A partir desses À época de Max Weber, travava-se na Alemanha um acirrado debate entre a corrente
estudos, Durkheim pôde ressaltar elementos importantes do mundo moderno como até então dominante no pensamento social e filosófico, o positivismo, e seus críticos. O
o crescimento do individualismo no ocidente e a complexidade da sociedade. E são objeto da polêmica eram as especificidades das ciências da natureza e do espírito e,
essas as suas principais contribuições para o pensamento sociológico. no interior destas, o papel dos valores e a possibilidade da formulação de leis. Wilhelm
Dilthey (1833-1911), um dos mais importantes representantes da ala antipositivista,
O projeto político de Durkheim é conservador/positivista e a favor da sociedade mo- contrapôs à razão científica dos positivistas a razão histórica, isto é, a ideia de que a
derna (capitalista). A sua função era apontar os problemas passageiros e normalizar a compreensão do fenômeno social pressupõe a recuperação do sentido, sempre arrai-
situação. O lema dos teóricos do positivismo, era “ordem e progresso” e seu objetivo, gado temporalmente e adscrito a uma weltanschauung1 (relativismo) e a um ponto
como diz Sell (2001): era “a integração da sociedade em um todo ordenado e coeren- de vista (perspectivismo). Obra humana, a experiência histórica é também uma reali-
te, fundado em valores sólidos e eternos”. Sua política coloca toda ênfase no equilíbrio dade múltipla se inesgotável.
(das partes do corpo) e na integração social, e todas as formas de conflito ou de con-
testação são vistos como desvios e anomalias que precisam ser eliminados. Grande crítico da teoria positivista, influenciado pela filosofia neo-kantiana, Weber bus-
ca distinguir as ciências sociais das ciências humanas e delimitar a sua especificidade.
Ao contrário de Comte e Durkheim, o objeto é o indivíduo, que é objeto e sujeito ao
3.3 MAX WEBER mesmo tempo. A sua teoria sociológica é a teoria sociológica compreensiva, que tem
como objetivo compreender o significado da ação social.

As ciências sociais ganham um novo rumo com o advento da proposta da Sociologia


Sendo assim, seu objeto de estudo é a ação social, explicada por Sell (2001): “É na ação
Compreensiva de Max Weber , sobretudo na releitura da relação indivíduo -socieda-
dos indivíduos, quando orientada em relação a outros indivíduos (portanto, quando
de. Nesse capítulo, conheceremos os principais aspectos de sal teoria s, usa proposta
ela é social) que a sociologia tem o seu ponto de partida [...]”. Como as ações humanas
metodológica para a Sociologia e sua crítica à produção do conhecimento sobre a
são infinitas, Weber constrói a teoria dos tipos de ação. São elas: Ação social referente
sociedade no modelo positivista, enfatizando a importância de se compreender as
a fins, ação social referente a valores, ação social afetiva, e a ação social tradicional. Elas
transformações da racionalidade do capitalismo moderno. A compreensão das formas
podem ser em caráter comunitário (pessoais) ou societárias (impessoais) e devem ser
de dominação que permeiam as relações sociais é fundamental para a compreensão
legitimadas por uma ordem legítima.

Weber, não só expõe esses seus conceitos (os quais ele chama de tipos ideais), como
Max Weber nasceu na cidade de Erfurt (Alemanha), numa família
também se preocupa em esclarecer a função lógica e a estrutura deles. Para Max
de burgueses liberais. Desenvolveu seus estudos de direito, filoso-
fia, história e sociologia, constantemente interrompidos por uma
Weber o conhecimento humano não é uma reprodução da realidade e sim uma cap-
doença que o acompanhou por toda a vida. Iniciou a carreira de
professor em Berlim e em 1895, foi catedrático da Universidade de
tação de coisas (ou relações) existentes no contexto em que o indivíduo (portador do
Heidelberg. Na política, defendeu com afinco seus pontos de vista
conhecimento) está inserido e de acordo com a capacidade da sua mente.
liberais e parlamentaristas. Sua maior influência nos ramos espe-
cializados da sociologia foi o estudo das religiões, estabelecendo
relações entre formações políticas e crenças religiosas. Suas princi-
pais obras foram: Artigos reunidos de teoria da ciência: Economia Portanto, o sociólogo também não pode tratar os seus conceitos como se fossem uma
e Sociedade (obra póstuma) e A ética protestante e o espírito do
capitalismo. captação da realidade, pois o tipo ideal não se encontra de forma “pura” na realidade.
É apenas uma construção teórica elaborada pelo sociólogo para uma aproximação

18 19
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

mais objetiva da realidade e que está presente na sociedade de acordo com seu con- pessoas passou a ser movida pelo sistema econômico [...]”.
texto (social, político, religioso, etc.). Não encontramos, por exemplo, uma sociedade
que tenha apenas o tipo de ação social tradicional ou o tipo de ação referente a fins.
Uma vida metódica, dedicada ao trabalho, de forma disciplinada e ordenada: é
Todos esses tipos de ações estabelecidas por Weber, na verdade, aparecem todas jun- neste sentido que o comportamento do protestante representa uma forma ex-
tas no grupo social. O objetivo dos conceitos, como esclarece Sell (2001): é “[...] permitir tremamente racionalizada de vida. Quando a motivação religiosa do trabalho

às suas pesquisas clareza conceitual quanto aos objetos estudados, bem como um em busca da riqueza desaparece, mas esta forma ordenada de vida se perpe-
tua por força própria, a sociedade atingiu seu nível máximo de racionalização.
entendimento dos traços típicos que permitem entendê-los.”
A origem do capitalismo, portanto, faz parte de um processo mais amplo, cha-
mado por Weber de” desencantamento do mundo”. A racionalização da vida,
O conceito de modernidade em Weber parte da ideia de que a modernidade se representada pela influência do protestantismo e pela origem do capitalismo,
dá pelo processo de racionalização do ser humano. Por isso ele vai estudar a religião é uma de suas etapas finais. (SELL, 2001)

para entender a modernização. Para Weber, a razão trouxe vantagens e desvantagens


para a sociedade. Se por um lado ela trouxe a ciência e a técnica, do outro ela trouxe
Além do ocidente, Weber também estudou sobre quais os motivos do oriente não ter
a perda de sentido e a perda de liberdade. De acordo com ele, a ciência não pode
atingido a racionalização como nós, do ocidente. A posição política de Max Weber é
substituir a religião.
neutra. Para ele, o sociólogo não deve apontar um projeto político como sendo melhor

Weber então vai analisar a influência que a religião exerce na economia. Primeira- ou pior. A sua função é indicar as consequências da adoção de determinado sistema.

mente ele estuda o protestantismo X capitalismo, depois ele vai estudar as diversas
outras religiões de diferentes países, chegando a conclusão de que a racionalidade
está presente em todas elas, mas não houve um progresso dela como no ocidente.
3.4 KARL MARX
Então surge a questão que passa a orientar a sua pesquisa: Qual é o motivo específico
da evolução da racionalização no ocidente? Mesmo sem a pretensão de ser sociólogo, Karl Marx empreendeu uma das mais rele-
vantes análises sobre a sociedade industrial moderna, cujo reflexo se vê nas obras de
O sociólogo alemão então vai chegar a conclusão de que o protestantismo, não é a
pensadores das mais diversas áreas até hoje. Nessa unidade, conheceremos o método
única, mas a principal causa, a “mais poderosa alavanca da expressão dessa concepção
utilizado pelo autor para desenvolver uma análise social baseada na existência e luta
de vida” que é o capitalismo. A primeira contribuição para esse processo parte da igre-
de classes, baseada nas relações materiais de produção personificadas no seu concei-
ja Luterana com a sua concepção de “vocação”. Para Lutero, a vocação é o chamado
to de trabalho.
de Deus para determinadas práticas profissionais, por isso elas devem ser cumpridas
com determinação e disciplina para que possa alcançar a salvação.

Além dessa concepção luterana, algumas seitas como o calvinismo, pietismo, meto- Karl Marx nasceu na Alemanha, em 1836, matriculou-se na Uni-
versidade de Berlim, doutorando-se em filosofia, em Iena. Foi reda-
dismo e seitas batistas, que foram estudadas por Weber, também contribuíram para tor de uma gazeta liberal em Colônia. Mudou-se em 1842 para
Paris, onde conheceu Friedrich Engels, seu companheiro de ideias
o avanço do capitalismo devido a doutrina de predestinação, a qual os homens são e publicações por toda a vida. Expulso da França em 1845, foi para
Bruxelas, onde participou da recém-fundada Liga dos Comunistas.
predestinados por Deus para a salvação ou condenação, e a maneira de obter indícios Com o Malogro das revoluções sócias de 1848, Marx mudou-se
para Londres, onde se dedicou a um grandioso estudo crítico da
sobre a sua predestinação é obtendo sucesso no trabalho. economia política. Foi um dos fundadores da Associação Interna-
cional dos Operários ou Primeira Internacional. Morreu em 1883,
após intensa vida política e intelectual. Suas principais obras foram:
Mais do que a origem do capitalismo, Weber notou também que o protestantismo A ideologia Alemã, Miséria da filosofia, O manifesto Comunista,
Para a crítica da economia política e a luta de classe em O capital.
favoreceu a racionalização da vida, pois, Sell explica: “A partir deste processo, a vida das

20 21
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

Para Marx, o homem, principal elemento das forças produtivas é o responsável por O método dialético também permitiu a Marx repensar a relação entre indivíduo e so-
fazer a ligação entre a natureza e a técnica e os instrumentos. O desenvolvimento da ciedade, como aponta Sell: “Na teoria marxista, a relação do homem com a sociedade
produção vai determinar a combinação e o uso desses diversos elementos: recursos não é reduzida a um ou outro dos pólos, como faziam as teorias anteriores. Ou seja, o
naturais, mão de obra disponível, instrumentos e técnicas produtivas. A cada forma de homem não é fruto exclusivo da sociedade, nem esta resulta apenas da ação humana.
organização das forças produtivas corresponde uma determinada forma de relação Na perspectiva dialética, existe uma eterna relação entre indivíduo e sociedade, que
de produção. faz com que tanto a sociedade quanto o homem se modifiquem, desencadeando o
processo histórico-social.”
As relações de produções são as formas pelas quais os homens se organizam para
executar a atividade produtiva. Elas se referem às diversas maneiras pelas quais são No materialismo dialético a história é fruto do trabalho humano (enquanto do idealis-
apropriados e distribuídos os elementos envolvidos no processo de trabalho: matérias- mo dialético é o espírito), pois é o trabalho, que como meio de sobrevivência e satisfa-
-primas, os instrumentos e a técnica, os próprios trabalhadores e o produto final. As- ção de desejos e necessidades, estimula o processo histórico.
sim, as relações de produção podem ser num determinado momento, cooperativistas
(como um mutirão), escravistas (como na Antiguidade), servis (como na Europa feudal) A infraestrutura (economia) condiciona a superestrutura (política e cultura). Então, para
ou capitalistas (como na indústria moderna). explicar a sociedade, Marx vai analisar a economia, que é a base material, para saber
como ela estipula a vida política e ideológica da sociedade. Os dois elementos da in-
Forças produtivas e relações de produção são frutos das condições naturais e históricas fraestrutura são as forças produtivas e as relações de produção, e os dois elementos da
de toda atividade produtiva que ocorre em sociedade. A forma pela qual ambas exis- superestrutura são o Estado e a ideologia. Para Marx, a infraestrutura e a superestrutura
tem e são produzidas numa determinada sociedade constitui o que Marx denominou compõem o modo de produção. É quando se altera esse modo de produção, que a
“modo de produção”. sociedade se transforma.

Influenciado pelo idealismo dialético de Hegel, Marx cria o materialismo dialético, Mas o seu maior interesse era estudar os modos de produção capitalista para enten-
que é fielmente igual ao método do primeiro, porém o seu conteúdo é, na realidade, der o seu surgimento e criar um novo modo de produção que o supere. Abaixo vere-
contrário ao Hegelianismo. Enquanto para Hegel a Tese (afirmação) era o pensamento mos os principais conceitos formulados por Marx.
e a Antítese (negação) era a matéria, para Marx, a Tese era a matéria e a Antítese era o
pensamento. O elemento central para entender o desenvolvimento da sociedade, no • Mercadoria e dinheiro: A mercadoria tem seu valor de uso (conteúdo da mer-
materialismo dialético, é o trabalho (a ação do homem sobre a matéria). cadoria) e seu valor de troca (capacidade de troca por outra mercadoria). Mas o
que determina o valor de cada mercadoria? Marx diz que esse valor é o tempo de
trabalho socialmente necessário para produzir o valor de uso, e o dinheiro é o que
“[...] De acordo com o esquema dialético de Marx, é pelo trabalho que o ho-
intermedia a troca das mercadorias.
mem supera sua condição de ser apenas natural e cria uma nova realidade: a
sociedade. Assim, se a matéria (mundo natural) representa a tese, temos que
o trabalho representa a antítese da matéria, que uma vez modificada pelo
No entanto, enfatiza Marx, o segredo de sua teoria está no fato de que ela
homem gera a sociedade, que é a síntese. A sociedade é justamente a síntese
demonstra que dinheiro é mercadoria, logo mercadoria é trabalho. Quando o
do eterno processo dialético pelo qual o homem atua sobre a natureza e a
dinheiro perde sua relação com o trabalho e parece ganhar vida própria, Marx
transforma.” (Sell, 2001)
chama este fenômeno de “fetichismo de mercadoria”. O capital desvinculado
do trabalho aliena o ser humano da produção de sua existência social. A alie-
nação inverte o sentido das relações sociais: o homem (sujeito) se torna objeto,
O trabalho é o conceito fundamental de toda a teoria marxista, porque sem ele não enquanto o objeto (mercadoria) se torna sujeito. (SELL, 2001)
existiria vida social, não existiria nem ser humano.

22 23
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

4 SOCIOLOGIA NO SÉCULO XX
• A exploração e a mais valia: Uma característica do capitalismo é o lucro. Para Marx,
a troca de mercadorias não tem mais como objetivo o valor de uso da mercado-
ria. O seu objetivo é o lucro que será gerado com a troca das mercadorias. Mas de
onde vem o lucro? Marx diz que a origem do lucro ocorre no processo de produção
e não no processo de circulação (troca) das mercadorias. O lucro vem do tempo de
trabalho não pago ao trabalhador, isso é chamado por Marx de Mais Valia. Sendo
4.1 GEORG SIMMEL E A VIDA NA CIDADE
assim, o lucro se origina da exploração do trabalhador. É por isso que Marx dedica MODERNA
a sua vida a denunciar o sistema capitalista, um sistema que favorece a burguesia
e explora os trabalhadores.
Na virada do Século XX, o modo de vida da Europa Ocidental industrializada e cienti-
ficista já tinha se tornado a referência não só de modernidade, mas de contempora-
A sociedade sempre esteve segmentada em classes sociais, e de acordo com Marx, a
neidade, tornando-se o paradigma dos estudos sociológicos.
sociedade vai se dividindo cada vez mais em dois campos inimigos: Burguesia e Prole-
tariado. Ele diz que a burguesia foi importante para dissolver o feudalismo, mas agora,
Em 1902, quando escreve, “A metrópole e a vida mental”, Georg Simmel afirma que
é a vez do proletariado destruir o capitalismo.
os problemas mais graves da vida moderna nascem na tentativa do indivíduo de pre-
servar sua autonomia e individualidade em face das esmagadoras forças sociais. Esta
Para superar o capitalismo, Karl Marx cria um projeto político revolucionário: O Co-
seria a mais recente transformação da luta do homem com a natureza para sua exis-
munismo. Marx Indica as fases do desenvolvimento comunista: “No início combate
tência física.
as próprias máquinas; Depois passa a defender seus direitos (sindicalismo); Após, se
organiza enquanto classe social (partido político); Finalmente, desencadeia uma luta
Segundo o autor, o século XVIII exigiu a especialização do homem e de seu trabalho,
que termina com a revolução contra a burguesia.”
e conclamou que se libertasse de suas dependências históricas quanto ao Estado e à
religião, à moral e a economia. Dentre todas essas posições, o homem resistiria a ser
A abolição das classes sociais e a abolição do Estado são características fundamentais
nivelado e uniformizado por mecanismos sócio-tecnológicos. O autor pergunta então,
do comunismo. Mas antes de derrubar o Estado, é preciso derrubar a burguesia, então
como a personalidade se acomoda no ajustamento às forças externas.
Marx diz que é necessário um momento de transição do capitalismo para o comunis-
mo, e este momento é chamado de socialismo, no qual o proletariado irá utilizar do
Segundo Simmel, há um profundo contraste entre a vida na cidade e a vida no cam-
Estado para derrubar a burguesia.
po. O autor afirma que a metrópole extrai do homem uma quantidade diferente
de consciência, sendo que a vida da pequena cidade descansa mais sobre relacio-
Depois que Karl Marx morreu, o movimento socialista se dividiu. Surgiram então os
namentos profundamente sentidos e emocionais, ou seja, o homem metropolitano
Socialistas Revolucionários (O socialismo deveria ser implantado por meio de uma
reagiria com a cabeça em lugar do coração:
revolução) e os Socialistas Reformistas (O socialismo deve ser alcançado inicialmente
pela eleição, seguido gradualmente de diversos conjuntos de reformas).
“A reação aos fenômenos metropolitanos é transferida àquele órgão que é menos
sensível e bastante afastado da zona mais profunda da personalidade. A intelectuali-
Os Socialistas Revolucionários criaram a Revolução Russa. Já os Socialistas Reformistas
dade, assim se destina a preservar a vida subjetiva contra o poder avassalador da vida
ainda não conseguiram implantar definitivamente o Socialismo, mas conseguiram reali-
metropolitana”. (SIMMEL, 1984)
zar profundas mudanças (na Europa, por exemplo) melhorando a vida dos trabalhadores.

Entende-se, dessa forma, que a pessoa intelectualmente sofisticada é indiferente a


toda a individualidade genuína que resulta em relacionamentos e reações que não

24 25
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

podem ser exauridos com operações lógicas. Essa razão que dá lugar às emoções é Dessa forma entende-se a atitude blasé de determinados indivíduos e em especial
expressa no exercício de transformação de indivíduos em números, reduzindo assim das crianças metropolitanas – quando apresentam comportamento indiferente em
toda qualidade e individualidade à questão: quanto? relação às novidades do mundo sempre que comparadas às crianças de meios mais
tranquilos. Essa atitude, segundo Simmel, é um dos dois extremos do comportamen-
Este aspecto contrasta profundamente com a natureza da pequena cidade, em que to humano influenciado pela vida moderna, no qual a pessoa, em meio à economia
o inevitável conhecimento da individualidade produz diferentes tons de comporta- do dinheiro e controle rígido do tempo, mergulha em sua própria subjetividade sem
mento que vão além do mero balanceamento objetivo de serviços e retribuição. A se envolver com o ambiente externo.
metrópole, em contraste, é provida quase que inteiramente pela produção para o
mercado, ou seja, para compradores desconhecidos que nunca entram pessoalmente Além disso, há que se ressaltar o distanciamento cada vez maior dos concidadãos,
em contato com o produtor. muitas vezes através de uma espécie de desconfiança excessiva e de uma atitude de
reserva em face às superficialidades da vida metropolitana. Essa reserva seria o fator
Simmel ainda afirma que “através dessa anonimidade, os interesses de cada parte que, aos olhos de pessoas de cidades pequenas, nos faz parecer frios e até mesmo um
adquirem um caráter impiedosamente prosaico; e os egoísmos econômicos intelectu- pouco antipáticos.
almente calculistas de ambas as partes não precisam temer qualquer falha devida aos
imponderáveis das relações pessoais”. Esse caráter assumido pelas relações metropo- Simmel ainda apresenta a ideia de metrópole como ilustração do princípio da união
litanas estaria intrinsecamente ligado à economia do dinheiro. Como exemplo dessa em grupos sociais (partidos políticos, governos etc.). Esses grupos, inicialmente peque-
conjuntura Simmel cita um historiador inglês: “ao longo de todo o curso da história nos e coesos, por natureza, necessitam de regras para se manterem, diminuindo assim
inglesa, Londres nunca funcionou como o coração da Inglaterra, mas frequentemente as liberdades individuais. Com o crescimento do grupo, a tendência observada em
como seu intelecto e sempre como sua bolsa de dinheiro!”. todos os casos é das regras ficarem menos rígidas, dando uma maior liberdade aos
indivíduos que compõem o grupo.
“A mente do homem moderno se tornou mais e mais calculista”, afirma o autor. A
economia do dinheiro criou uma exatidão na vida prática – através da matematização A antiga polis é um exemplo que parece ter o próprio caráter de uma cidade peque-
da natureza – que nunca tanto se pesou, calculou, ou se reduziu tanto os valores quali- na. Eram constantes as ameaças externas, fazendo com que se desenvolvesse uma
tativos a valores quantitativos. Através da difusão dos relógios de bolso, desenvolveu-se estrita coerência quanto aos aspectos políticos e militares, uma supervisão de cidadão
um tamanho controle do tempo sobre os indivíduos, que seria impossível realizar os pelo cidadão, um ciúme do todo contra o individual, tendo, por fim, a vida individual
afazeres típicos dos homens metropolitanos sem essa mais estreita pontualidade. “As- suprimida. Segundo o autor “isto produziu uma atmosfera tensa, em que os indivídu-
sim, a técnica da vida metropolitana é inimaginável sem a mais pontual integração de os mais fracos eram suprimidos e aqueles de naturezas mais fortes eram incitados a
todas as atividades e relações mútuas em um calendário estável e impessoal”. pôr-se à prova de maneira mais apaixonada”.

Todo esse controle, expresso pela pontualidade, calculabilidade e exatidão são intro- Simmel ainda faz uma comparação interessante entre cultura objetiva, que seria a cul-
duzidos à força na vida pela complexidade e extensão da existência metropolitana. tura ligada a objetos, coisas, conhecimento, instituições; e a cultura subjetiva, que esta-
São instrumentos que favorecem a exclusão de traços e impulsos irracionais e instin- ria ligada ao indivíduo. Para o autor há uma diferença grande no ritmo de crescimento
tivos que visam determinar o modo de vida de dentro, em lugar de receber a forma das duas culturas. Enquanto a objetiva cresceu grandemente, motivada pela divisão do
de vida geral vinda de fora. Dessa forma, Simmel torna possível entender o ódio de trabalho e sua crescente especialização – como em “O trabalho alienado” de Karl Marx
homens como Ruskin e Nietzsche pela metrópole, pois descobriram o valor da vida – a cultura subjetiva cresceu lentamente ou pode até mesmo ter regredido em certos
fora de esquemas, passando então, a odiar também a economia do dinheiro e o inte- pontos como ética, idealismo, etc. “Não é preciso mais do que apontar que a metrópo-
lectualismo da existência moderna. le é o genuíno cenário dessa cultura que extravasa de toda vida pessoal”, afirma.

26 27
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

4.2 A ESCOLA DE CHICAGO E A SOCIOLOGIA O conceito de ecologia humana serviu de base para o estudo do comportamento hu-
mano, tendo como referência a posição dos indivíduos no meio social urbano.
URBANA
A abordagem ecológica questiona se o habitat social (ou seja, o espaço físico e as re-
lações sociais) determina ou influencia o modo e o estilo de vida dos indivíduos. Em
A Escola Sociológica de Chicago, ou Escola de Chicago, surgiu nos Estados Unidos,
outras palavras, a questão central é saber até que ponto os comportamentos desvian-
na década de 1910, por iniciativa de sociólogos americanos que integravam o corpo
tes (por exemplo, as várias formas de criminalidade) são produtos do meio social em
docente do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, fundado pelo
que o indivíduo está inserido.
historiador e sociólogo Albion W. Small.

O conceito de ecologia humana e a concepção ecológica da sociedade foram muito


Tanto o Departamento de Sociologia como a Universidade de Chicago receberam
influenciados pelas abordagens teóricas do “evolucionismo social” - marcante na so-
inestimável ajuda financeira do empresário norte-americano John Davison Rockefel-
ciologia em seu estágio inicial de desenvolvimento -, ao sustentarem uma analogia
ler. Entre 1915 e 1940, a Escola de Chicago produziu um vasto e variado conjunto de
entre os mundos vegetal e animal, de um lado, e o meio social integrado pelos seres
pesquisas sociais, direcionado à investigação dos fenômenos sociais que ocorriam es-
humanos (neste caso, a cidade), de outro.
pecificamente no meio urbano da grande metrópole norte-americana.

Considerando, então, a cidade como um amplo e complexo “laboratório social”, as


Com a formação da Escola de Chicago inaugura-se um novo campo de pesquisa so-
pesquisas sociológicas foram marcadas pelo uso sistemático dos métodos empíricos
ciológica, centrado exclusivamente nos fenômenos urbanos, que levará à constituição
(para coleta de dados e informações sobre as condições e os modos de vida urbanos).
da chamada Sociologia Urbana como ramo de estudos especializados .

A teoria de Robert Park sobre a ecologia humana e as áreas naturais pressupõe uma
O surgimento da Escola de Chicago está diretamente ligado ao processo de expansão
analogia entre o mundo vegetal e animal, de um lado, e o mundo dos homens, de ou-
urbana e crescimento demográfico da cidade de Chicago no início do século 20, re-
tro. Utiliza os conceitos de competição, processo de dominação e processo de suces-
sultado do acelerado desenvolvimento industrial das metrópoles do Meio-Oeste nor-
são, para explicar tal similaridade. A cidade é apreendida por meio de um referencial
te-americano. Como decorrência desse processo, Chicago presenciou o aparecimento
de análise analógico que tem por base a ecologia animal, daí identificar a Escola de
de fenômenos sociais urbanos que foram concebidos como problemas sociais: o cres-
Chicago como Escola Ecológica.
cimento da criminalidade, da delinquência juvenil, o aparecimento de gangues de
marginais, os bolsões de pobreza e desemprego, a imigração e, com ela, a formação
Louis Wirth , outro autor de destaque da Escola, afirma que a cidade produz uma
de várias comunidades segregadas (os guetos).
cultura urbana que transcende os limites espaciais da cidade, afirmação totalmente
inovadora. A cidade atua e se desdobra para além de seus limites físicos, através da
Todos esses problemas sociais (na época se utilizava o termo “patologia social”) se conver-
propagação do estilo de vida urbano, e torna-se o locus do surgimento do urbanismo
teram nos principais objetos de pesquisa para os sociólogos da Escola de Chicago. O mais
como modo de vida.
importante a destacar é que os estudos dos problemas sociais estimularam a elaboração
de novas teorias e conceitos sociológicos, além de novos procedimentos metodológicos.
O empirismo que marca a abordagem da Escola - que transforma a cidade de Chica-
go em um “laboratório social”- resulta do interesse de buscar soluções concretas para
Robert Ezra Park , considerado o grande ícone e precursor dos estudos urbanos, Ernest
uma cidade caótica marcada por intenso processo de industrialização e de urbaniza-
Watson Burgess e Roderick Duncan McKenzie elaboraram o conceito de “ecologia hu-
ção, que ocorre na virada do século XIX para o XX.
mana”, a fim de sustentar teoricamente os estudos de sociologia urbana.

Seu crescimento demográfico espantoso, seu imenso contingente imigratório, seus

28 29
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

guetos de diferentes nacionalidades geradores de segregação urbana, sua concentra- demais, porém devem ser pontuadas, em sua reflexão, algumas divergências ou disto-
ção populacional excessiva e suas condições de vida e de infraestrutura precaríssimas, nâncias. Em sua obra “Dialética Negativa”, Adorno enfrenta toda uma tradição históri-
favorecem a formulação pela Escola da ideia da cidade como problema, que dificulta co-filosófica, incidindo nela a desconstrução da concepção de “dialética”.
a articulação de um pensamento com maior grau de abstração acerca da cidade.
Em um texto clássico escrito em 1947, “Dialética do Iluminismo”, Adorno e Horkhei-
mer definiram indústria cultural como um sistema político e econômico que tem por
4.3 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA finalidade produzir bens de cultura - filmes, livros, música popular, programas de TV

CRÍTICA etc. - como mercadorias e como estratégia de controle social.

A ideia é a seguinte: os meios de comunicação de massa, como TV, rádio, jornais e por-
Qual é a influência de meios de comunicação de massa, como a TV, sobre uma so- tais da Internet, são propriedades de algumas empresas, que possuem interesse em
ciedade? Como as pessoas são mobilizadas a acompanharem um noticiário como se obter lucros e manter o sistema econômico vigente que as permitem continuarem lu-
estivessem assistindo a uma telenovela, como ocorreu no recente caso da morte da crando. Portanto, vendem-se filmes e seriados norte-americanos, músicas e novelas não
menina Isabella? Os primeiros filósofos que detectarem a dissolução das fronteiras como bens artísticos ou culturais, mas como produtos de consumo que, neste aspecto,
entre informação, consumo, entretenimento e política, ocasionada pela mídia, bem em nada se diferenciariam de sapatos ou sabão em pó. Com isso, ao invés de contribu-
como seus efeitos nocivos na formação crítica de uma sociedade, foram os pensado- írem para formar cidadãos críticos, manteriam as pessoas “alienadas” da realidade.
res da Escola de Frankfurt .
Como afirmam no texto: “Filmes e rádio não têm mais necessidade de serem empa-
Os estudos dos filósofos de Frankfurt ficaram conhecidos como Teoria Crítica, que se cotados como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia. Esta
contrapõe à Teoria Tradicional. A diferença é que enquanto a tradicional é “neutra” em deverá legitimar os refugos que de propósito produzem. Filme e rádio se autodefinem
seu uso, a crítica busca analisar as condições sociopolíticas e econômicas de sua apli- como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores-gerais tiram
cação, visando à transformação da realidade. Um exemplo de como isso funciona é a qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos.”
análise dos meios de comunicação caracterizados como indústria cultural.
Para Adorno, os receptores das mensagens dos meios de comunicação seriam vítimas
O pensamento crítico dos filósofos da Escola de Frankfurt tem em comum o direcio- dessa indústria. Eles teriam o gosto padronizado e seriam induzidos a consumir pro-
namento de suas críticas à ordem política e econômica do “mundo administrado”. dutos de baixa qualidade. Por essa razão, indústria cultural substitui o termo cultura
Essa ordem vigora aos moldes de um aparato tecnológico que, de certa forma, incide de massa, pois não se trata de uma cultura popular representada em novelas da Rede
na sociedade o seu condicionamento padronizado, homogêneo e, sobretudo, sem a Globo, por exemplo, mas de uma ideologia imposta às pessoas.
perspectiva de empreender a vida de cada indivíduo de forma autônoma.
E como a indústria cultural torna-se mecanismo de dominação política? Adorno e
Com isso, cada pensador dessa linha contribuiu para o fomento da Teoria Crítica. Das Horkheimer vislumbraram os meios de comunicação de massa como uma perversão
obras marcantes restritas a cada autor tem-se: Max Horkheimer concentrou seu pen- dos ideais iluministas do século 18. Para o Iluminismo, o progresso da razão e da tec-
samento em “Eclipse da Razão”, onde uma coletânea de textos perpetua assaz a sua nologia iria libertar o homem das crenças mitológicas e superstições, resultando numa
bagagem teórica, embora o filósofo sempre se encontrou produzindo artigos e outros sociedade mais livre e democrática.
textos que o identificou como um árduo intelectual engajado em âmbito acadêmico.
Mas os pensadores da Escola de Frankfurt, que eram judeus, se viram alvos da cam-
Teodor W. Adorno, que embora tenha se inserido na Teoria Crítica após o seu exílio, panha nazista com a chegada de Hitler ao poder nos anos 30, na Alemanha. Com
comprometeu-se em expor seu pensamento crítico na mesma perspectiva que os apoio de uma máquina de propaganda que pela primeira vez usou em larga escala

30 31
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

os meios de comunicação como instrumentos ideológicos, o nazismo era uma prova temporal humanitária, partindo de sua reflexão acerca da arte e da sociedade. No que
de como a racionalidade técnica, que no Iluminismo serviria para libertar o homem, concerne a sua crítica da arte, ele analisa o drama do século XVII, buscando nele uma
estava escravizando o indivíduo na sociedade moderna. concepção de História. Diante da crítica social, buscou na arte a situcionalidade histó-
rica para proferi-la, uma vez que sua ênfase à concepção de arte lhe permite elaborar
Nas mãos de um poder econômico e político, a tecnologia e a ciência seriam em- tal analogia. Seus ensaios estão sempre sintonizados a este viés, ou seja, através da arte
pregadas para impedir que as pessoas tomassem consciência de suas condições de de poder discursar sobre o conceito de História.
desigualdade. Um trabalhador que em seu horário de lazer deveria ler bons livros, ir ao
teatro ou a concertos musicais, tornando-se uma pessoa mais culta, questionadora e Posteriormente, entre os anos 70 e 80, os frankfurtianos foram muito criticados por
engajada politicamente, chega em casa e senta-se à frente da TV para esquecer seus uma visão reducionista dos receptores, graças a pesquisas que demonstraram que as
problemas, absorvendo a mesmos valores que predominam em sua rotina de traba- pessoas não são tão manipuláveis quanto Adorno pensava na época, sob o argumento
lho. É desta forma que a indústria cultural exerceria controle sobre a massa. Como de que nem toda produção cultural se resume à indústria.
resultado, ao invés de cidadãos conscientes, teríamos apenas consumidores passivos.
Apesar disso, Adorno e Horkheimer tiveram o mérito de serem os precursores da de-
Herbert Marcuse, assim como Adorno, passou a contribuir com a Teoria Crítica após núncia de um “totalitarismo eletrônico”, em que diversão e assuntos importantes são
seu exílio nos Estados Unidos. Sua fundamentação crítica preserva a base da negação “mixados” num só produto; em que representantes políticos são escolhidos como se
dialética, porém distancia-se de Adorno naquilo que julga, pela filosofia, uma forma fossem sabonetes. Neste sentido, a crítica permanece atual.
ideal de sociabilidade, uma vez que para Adorno, a barbárie já está posta, pois não há
como fugir do sistema da ordem estabelecida.
4.4 PIERRE BOURDIEU: PODER SIMBÓLICO E
Nesse sentido, Marcuse é mais ameno, confiando à tecnicidade de um progresso hu- VIOLÊNCIA SIMBÓLICA
manitário, ressaltando a necessidade de conscientizar a massa trabalhadora e torná-la
omissa à ordem vigente. Para ele, a emancipação já está dada, contudo não ocorre
em razão do aprisionamento da condição humana no “reino da necessidade”. Este Considerado um dos maiores sociólogos de língua francesa das últimas décadas, Pier-
reino, segundo o autor, abarca a situação social de um progresso técnico equivalente re Bourdieu é um dos mais importantes pensadores do século 20. Sua produção in-

ao suprimento das necessidades vitais do homem. Portanto, não caberia ao aparato telectual, desde a década de 1960, estende-se por uma extensa variedade de objetos

do mundo administrado condicionar a sociedade a dar um passo à frente e inserir-se e temas de estudo. Embora contemporâneo, é tão respeitado quanto um clássico.
Crítico mordaz dos mecanismos de reprodução das desigualdades sociais, construiu
no “reino da liberdade”. Isso não ocorre, devidamente por não condizer com a lógica
um importante referencial no campo das ciências humanas.
do aparato da sociedade industrial.

No entanto, mesmo sendo reconhecida pela originalidade, a obra de Bourdieu é ob-


Marcuse escreveu, além de artigos, sua obra de referência “Razão e Revolução”, em
jeto de grande controvérsia. A maior parte de seus críticos, numa leitura parcial de
que condensa grande parte de seu pensamento crítico. Editou também “Eros e Civi-
seus trabalhos, classifica-o como um teórico da reprodução das desigualdades sociais.
lização”, uma interpretação filosófica de Freud, cujo teor conceitual ilustra a noção de
Não obstante, a reflexão de Bourdieu se destaca por uma singularidade. Para ele, os
progresso, apontando o seu caráter retificador ou emancipatório da dominação social
condicionamentos materiais e simbólicos agem sobre nós (sociedade e indivíduos)
e, por outro lado, a sua perpetuação.
numa complexa relação de interdependência. Ou seja, a posição social ou o poder
que detemos na sociedade não dependem apenas do volume de dinheiro que acu-
Walter Benjamim, também exilado nos Estados Unidos, contribuiu fielmente para a
mulamos ou de uma situação de prestígio que desfrutamos por possuir escolaridade
propagação da TC. Benjamim escreveu inúmeros artigos que refletem a condição
ou qualquer outra particularidade de destaque, mas está na articulação de sentidos

32 33
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

que esses aspectos podem assumir em cada momento histórico. simplistas. Frequentar, por exemplo, um determinado estabelecimento, degustar um
prato, beber de um vinho raro, possuir um carro fora-de-série ou praticar uma modalida-
Para o autor, a sociologia deve aproveitar sua vasta herança acadêmica, apoiar-se nas de de esporte não significa uma distinção automática. Por exemplo, a virada de costume
teorias sociais desenvolvidas pelos grandes pensadores das ciências humanas, fazer de um “novo-rico” pode ser vista mais como ostentação do que um sinal de distinção.
uso de técnicas estatísticas e etnográficas e utilizar procedimentos metodológicos sé-
rios e vigilantes para se fortalecer como ciência. Bourdieu fez de sua vida acadêmica O campo esportivo é rico em exemplos de distinção. Um mesmo esporte pode ser
e intelectual uma arma política e de sua sociologia uma sociologia engajada, profun- praticado e assistido de modos diferentes. No riquíssimo circo da “Fórmula l” o ingresso
damente comprometida com a denúncia dos mecanismos de dominação em uma mais barato custa próximo de um salário-mínimo, enquadrando-se, talvez, dentro do
sociedade injusta. De acordo com sua perspectiva, a sociedade ocidental capitalista é padrão de consumo de funcionários públicos, pequenos comerciantes e trabalhado-
uma sociedade hierarquizada, organizada segundo uma divisão de poderes extrema- res qualificados. A entrada mais cara atinge cifras superiores a três mil dólares. Com
mente desigual. este ticket pode-se frequentar locais com serviços de buffet, transporte aéreo (helicóp-
teros), serviço de atendimento médico com urgência e, importantíssimo, livre acesso
Embora a reflexão sobre o sistema de ensino ocupe uma posição destacada no con- aos carros e pilotos oficiais. O paddock é o espaço dos profissionais liberais bem-su-
junto dos trabalhos deste sociólogo, principalmente em sua fase inicial, a sua intenção cedidos, das manequins internacionais, dos altos políticos, dos grandes industriais e
não é de construir uma sociologia do sistema escolar. Seu projeto científico foca-se dos comandantes das finanças. Isso mostra, de pronto, que o mesmo esporte destina
mais para a elucidação dos mecanismos de funcionamento dos diferentes espaços lugares na plateia totalmente distintos. As fronteiras, não seria necessário dizer, são
sociais, tais como o Estado, a Igreja, o esporte, a moda, a linguagem, a literatura, o siste- guardadas por rígidos esquemas de segurança.
ma de ensino, etc. Entendemos assim que sua principal preocupação está em analisar
a relação indivíduo –sociedade de forma mais concreta nos diferentes espaços sociais. Deste modo, o habitus então funcionaria como um esquema de ação, de percepção
e de reflexão, que está presente no corpo e na mente – como em posturas e gestos
Ao analisar a mediação entre estrutura e ator social, o autor introduz a noção de habi- (hexis), maneiras de ver e classificar da coletividade de um determinado campo, ope-
tus, que se origina na filosofia escolástica, como um sistema de disposições duráveis, rando distinções. As disposições presentes no habitus são plásticas e flexíveis, podendo
trata, portanto do resultado de um processo de aprendizagem social, produzido pelo ser fortes ou fracas e são adquiridas pela interiorização das estruturas sociais.
contato dos agentes em diversas estruturas sociais. As condições materiais caracterís-
ticas de uma determinada classe social e a incidência destas condições de existência Se o habitus orienta a prática dos agentes, esta somente se realiza na medida em que
no contexto familiar constituem, uma mediação fundamental na produção do habitus. as disposições duráveis dos atores entram em contato com a situação. Desta forma,
a prática é entendida por Bourdieu como uma relação dialética entre situação e ha-
De acordo com Bourdieu (1980) o habitus pode ser entendido como um bitus. Em seus trabalhos mais recentes, o que ele dedignava como situação, passou
a designar como campo. Tal noção consiste no espaço em que ocorrem as relações
sistema de disposições duráveis e transferíveis, estruturas estruturadas dispostas a fun-
entre os indivíduos, grupos e estruturas sociais, espaço este sempre dinâmico e com
cionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípios geradores e organizado-
uma dinâmica que obedece a leis próprias, animada sempre pelas disputas ocorridas
res de práticas de representações que podem ser objetivamente adaptados a seu fim
em seu interior, e cujo móvel é invariavelmente o interesse em ser bem-sucedido nas
sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações ne-
relações estabelecidas entre os seus componentes (seja no nível dos agentes, seja no
cessárias para atingi-lo, objetivamente reguladas e reguladoras, sem ser o produto da
nível das estruturas).
obediência de regras, sendo coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação
organizadora de um regente (p. 88-89) Tomemos como exemplo o campo do esporte, no qual as lutas travadas pelos atletas
para se afirmarem não é o mesmo tipo de luta que o professor deve realizar para se
De forma prática podemos entender que esse modelo pode induzir a esquematizações
afirmar no Campo Acadêmico. Tais lutas seguem regras diferentes devido ao fato de

34 35
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

5 SOCIOLOGIA
serem campos diferentes.

CONTEMPORÂNEA
Bourdieu postula ainda, a existência de diferentes tipos de capital, tal conceito discu-
te a quantidade de acúmulo de forças dos agentes em suas posições no campo. Os
capitais possuem volume (quantidade) e estrutura (tipo de capital) se dividindo em
quatro tipos principais:

a) Econômico: ligado aos meios de produção e renda. 5.1 A CRISE DOS PARADIGMAS SOCIOLOGICOS E
b) Cultural: se subdivide em 3 tipos – a saber: institucionalizado (diplomas e títulos), A PÓS-MODERNIDADE
incorporado (expressão oral) e objetivo (posse de quadros ou obras de arte).

c) Social: é o conjunto das relações sociais de que dispõe um indivíduo, sendo que, As múltiplas maneiras das quais o termo pós-modernidade tem sido usado tornam
é necessária a manutenção das relações sociais, das redes (convites recíprocos). impossível a tarefa de destacar alguns poucos ensaios, ou um livro específico, como
d) Simbólico: está ligado à honra, ao reconhecimento e corresponde ao conjunto exemplos inquestionáveis do pós-modernidade na sociologia. Reconhecendo que a
de rituais (etiquetas, protocolo) variedade de significados associados aos termos pós-modernidade e pós-moderno
tem suas raízes na polissemia do conceito de Modernidade, é mais frutífero destacar
Outro conceito de vital importância dentro da vasta obra de Bourdieu, trata da Vio- uma série de questões colocadas pelos autores eventualmente classificados como
lência Simbólica, que descreve o processo pelo qual a classe que domina economica- pós-modernos à teoria e à pesquisa social.
mente impõe sua cultura aos dominados. Juntamente com o sociólogo Jean-Claude
Passeron, partem do princípio de que a cultura, ou o sistema simbólico, é arbitrária, Embora os pós-modernos insistam numa proposta de desconstrução da Sociologia,
uma vez que não se assenta numa realidade dada como natural. O sistema simbólico na verdade, existem pontos que aproximam os diversos elementos da análise pós-mo-
de uma determinada cultura é uma construção social e sua manutenção é funda- derna dos principais constituintes da tradição sociológica. Em muitas de suas mani-
mental para a perpetuação de uma determinada sociedade, através da interiorização festações, aquela se direciona ao mesmo tipo de questões que inquietaram a ima-
da cultura por todos os membros da mesma. ginação sociológica, desde o surgimento da disciplina no século XIX. Essas questões
incluem as referentes à natureza e extensão das transformações em larga escala nas
Assim, a violência simbólica expressa-se na imposição “legítima” e dissimulada, com a
sociedades ocidentais, aos seus efeitos correspondentes sobre a natureza da interação
interiorização da cultura dominante, reproduzindo as relações do mundo do trabalho.
e a construção das identidades, e à necessidade de novas estratégias metodológicas.
O dominado não se opõe ao seu opressor, já que não se percebe como vítima deste
processo: ao contrário, o oprimido considera a situação natural e inevitável. Assim, é possível destacar como algumas das principais mudanças estruturais enfati-
zadas nas abordagens pós-modernas as seguintes: o declínio da eficácia política dos
A violência simbólica pode ser exercida por diferentes instituições da sociedade: o
Estados-Nação que apareceram na modernidade (tanto internamente quanto exter-
Estado, a mídia, a escola, etc. O Estado age desta maneira, por exemplo, ao propor
namente), as transformações econômicas nos processos de produção e na organiza-
leis que naturalizam a disparidade educacional entre brancos e negros, como a Lei de
ção das relações de produção, e, no campo da cultura, o progressivo estabelecimento
Cotas para Negros nas Universidades Públicas. A mídia, ao impor a indústria cultural
do consumismo, provavelmente a principal atividade social e simbólica das socieda-
como cultura, massificando a cultura popular por um lado e restringindo cada vez
des contemporâneas, mediada pelos meios de comunicação de massa. Tudo isso pro-
mais o acesso a uma cultura, por assim dizer, “elitizada”.
vocando algumas alterações na natureza das categorias sociológicas convencionais,
como as de classe, status, gênero e partidos políticos.

36 37
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

5.2 A QUESTÃO DA IDENTIDADE NA PÓS b) Sujeito Sociológico- reflete a complexidade do mundo moderno e a consciência de
que este núcleo moderno não era autônomo e autossuficiente, mas isto era formado
MODERNIDADE na relação com outras pessoas importantes para ele.

c) Sujeito pós-moderno- a identidade torna-se uma celebração móvel, formada e


Dentro da linha dos Estudos Culturais, Stuart Hall , analisa a crise na pós-modernidade,
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados
tomando como centrais as mudanças estruturais que fragmentam e desconstrói as
ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.
identidades culturais de classe, etnia, raça, nacionalidade e gênero.
A globalização é outro aspecto da questão da identidade que está relacionada ao
Se até no século XX tínhamos uma sociedade moderna sólida por conta das paisa-
caráter da mudança da modernidade. As sociedades modernas são constituídas em
gens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, traçados por
mudanças constantes, rápidas e permanentes, e isto a diferencia da sociedade tradi-
esta mesma sociedade, fornecendo-nos igualmente sólidas localizações como indiví-
cional. Nesta sociedade moderna, não há nenhum centro, nenhum princípio articula-
duo social. No final daquele tempo as paisagens culturais começaram a se fragmentar
dor ou organizador único e não se desenvolvem de acordo com o desdobramento de
e modificar, transformando também nossas identidades pessoais, abalando a ideia
uma única causa ou lei. Ela está constantemente sendo descentrada por forças fora
que temos de nós mesmos como sujeitos integrados. A essa perda de um “sentido de
de si mesmas.
si mesmo” estável, o autor denomina deslocamento ou descentração do sujeito.
As transformações associadas à modernidade tardia, diz Hall, libertaram o indivíduo de
A descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto
seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que estas eram
de si mesmo, constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. Esses processos de
divinamente estabelecidas; não estavam, portanto, sujeitas a mudanças fundamentais.
mudança tomados em conjunto, representam um processo de transformação e nos
leva a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo transformada. À medida que as sociedades modernas se tornavam mais complexas elas adquiriam
uma força mais coletiva e social. O indivíduo passou a ser visto como mais localizado
Distinguem-se três concepções de identidades:
e definido no interior de grandes estruturas e formações sustentadoras da sociedade.

a) Sujeito do Iluminismo- baseado numa concepção de pessoa humana como um


O que aconteceu à concepção do sujeito moderno, na modernidade tardia não foi
indivíduo totalmente centrado, unificado, e de ação cujo centro consistia num núcleo
simplesmente sua degradação, mas seu deslocamento.
interior, que emergia deste o nascimento e ao longo de toda sua vida, permanecendo
totalmente o mesmo. O descentramento final do sujeito cartesiano ocorreu por conta de cinco grandes
avanços na Teoria Social e nas Ciências Humanas:

• Tradições do pensamento marxista;


Stuart Hall nasceu em 3 de fevereiro de 1932 em Kingston, Jamai-
ca. É um teó-rico cultural que trabalhou no Reino Unido. Ele con- • Descoberta do inconsciente por Freud;
tribuiu com obras chave para os estudos da cultura e dos meios
de comunicação, assim como para o debate político. Trabalhou na
Universidade de Birmingham e tornou-se o personagem principal • Trabalhos do linguista estrutural Ferdinand de Saussure;
do Birmingham Center for Cultural Studies. Entre 1979 e 1997, foi
professor na Open University. Seu trabalho é centrado principal- • Trabalho de Michel Foucault sobre o poder disciplinar; e
mente nas questões de hegemonia e de estudos culturais a partir
de uma posição pós-gramsciana. concebe o uso da linguagem
como determinado por uma moldura de poderes, instituições,
• Impacto do feminismo.
política e economia. Essa visão apresenta as pessoas como “produ-
tores” e “consumidores” de cultura ao mesmo tempo. Outras obras
são Da Diáspora: Identidade e Mediações Culturais e Questões de As culturas nacionais se constituem em uma das principais fontes de identidade cul-
identidade cultural.
tural. Pensamos neste tipo de cultura como se fosse parte de nossa natureza essencial.

38 39
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

Porém as identidades nacionais não são coisas com as quais nascemos, mas são for- modernidade tardia apresentando uma afirmação de que as identidades modernas
madas e transformadas no interior das representações. estão sendo descentradas, transformando as identidades pessoais, abalando a ideia
que temos de nós mesmos como sujeitos integrados e promovendo uma “crise de
Em vez de pensar as culturas nacionais como unificadas, deveríamos pensá-la como identidade”.
constituindo um dispositivo discursivo que representa a diferença como unidade ou
identidade. Elas são atravessadas por profundas divisões e diferenças internas, sendo uni- A apresentação de um sujeito pós-moderno, com uma identidade formada e transfor-
ficadas apenas através do exercício de diferentes formas de poder cultural. As identidades mada continuamente em relação às formas pelas quais são representados nos sistemas
nacionais não subordinam todas as outras formas de diferenças e não estão livres do jogo culturais que os rodeiam, mostra a necessidade de adaptação deste sujeito em uma
de poder, de divisões e contradições internas, de lealdades e de diferença sobrepostas. sociedade que influi e é influenciada pela globalização libertando-se de seus apoios
estáveis nas tradições e nas estruturas, deslocando as identidades culturais nacionais.
Alguns teóricos culturais argumentam que a tendência em direção a uma maior inter-
dependência global está levando ao colapso de todas as identidades culturais fortes Hall destaca, como vimos, o efeito contestador e deslocador da globalização nas iden-
e está produzindo uma fragmentação de códigos culturais, uma multiplicidade de tidades centradas e fechadas de uma cultura nacional. Esse efeito verdadeiramente
estilos, uma ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente, na diferença e no pluralizante altera as identidades fixas, tornando-as menos fixas, plurais, mais políticas
pluralismo cultural. e diversas. É nesse movimento/deslocamento que emerge a concepção de culturas
híbridas (entre a tradição e a tradução) como um dos diversos tipos de identidades
Quando mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares destes tempos de modernidade tardia.
e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de
comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas,
A globalização não parece estar produzindo nem o triunfo do global nem a
de tempos, lugares histórias e tradições específicas.
persistência, em sua velha forma nacionalista, do local. Os deslocamentos ou os
desvios da globalização mostram-se, afinal, mais variados e mais contraditórios
No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, do que sugerem seus protagonistas ou seus oponentes (HALL, 2005, p.97).
que até então definiam a identidades, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca
internacional ou de moeda global, em termos das quais todas as tradições específicas
e todas as diferentes identidades podem ser traduzidas. Este fenômeno é conhecido Desse modo, o autor ao mesmo tempo que demonstra nos esclarece acerca da causa
como “homogeneização cultural”. da crise dos paradigmas da sociologia moderna em face das transformações sociais
havias na pós-modernidade, instigando o debate do movimento/deslocamento pro-
Ao lado da tendência em direção à homogeneização global, há também uma fascina- duzido pela globalização nas identidades culturais na modernidade tardia/pós-mo-
ção com a diferença e com a mercatilização da etnia e da alteridade. Há juntamente dernidade. Neste sentido, a concepção “descentramento do sujeito” ganha sentido,
com o impacto global um novo interesse pelo local, produzindo novas identificações pois diante desses intensos fluxos produzidos/introduzidos nas paisagens culturais,
globais e novas identificações locais. estas se fragmentam/pluralizam e com elas e a partir delas também o sujeito.

A globalização está tendo efeitos em toda parte, incluindo o Ocidente, e a “periferia” Além disso, sua noção de híbridos culturais pode em muito contribuir com a promo-
também está vivendo seu efeito pluralizador, embora num ritmo mais lento e desigual. ção da cidadania e o respeito à diversidade étnica e cultural de todos os grupos e
povos, tornando todos mais abertos aos fenômenos plurais e diversos que se manifes-
A tendência em direção à “homogeneização global” tem seu paralelo num poderoso tam nos respectivos saberes/fazeres dos sujeitos individuais e coletivos na sociedade
revival da etnia, algumas vezes de variedades mais híbridas ou simbólicas, mas tam- em que ela está inserida, levando a Sociologia a rever nossas formas culturais e nossa
bém frequentemente das variedades exclusivas ou essencialistas. capacidade de interpretação do mundo pós-moderno.

Sob essa perspectiva, o autor explora algumas questões sobre a identidade cultural na

40 41
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

6 RELAÇÕES ÉTNICAS E Edward Burnett Tylor (Londres, 2 de outubro de 1832 — Welling-


ton, 2 de janeiro de 1917) foi um antropólogo britânico filiado à

RELAÇÕES CULTURAIS
escola antropológica do Evolucionismo Social e é considerado o
pai do conceito moderno de cultura. Sua principal obra é Primitive
Culture (1871). Tylor é considerado um representante do evolu-
cionismo social. Em seus trabalhos Cultura primitiva e Antropo-
logia, ele definiu o contexto do estudo científico da antropologia,
baseado nas teorias uniformitárias de Charles Lyell. Ao contrário
do que comumente se pensa, a obra de Charles Darwin não de-
sempenhou grande influência no pensamento de Tylor, embora

6.1 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CULTURA ele de fato tenha lido Darwin. Ele acreditava que existia uma base
funcional para o desenvolvimento da sociedade e religião, que ele
determinou ser universal. Introduziu o termo animismo (a fé na
alma individual ou anima de todas as coisas e manifestações natu-
rais) no senso comum. Ele considerou animismo como o primeiro
estágio de desenvolvimento de todas as religiões.
Contudo, como bem ensina Roque de Barros Laraia em seu estudo aponta que os homens
sempre se preocuparam com a diversidade comportamental entre as mais distintas socie-
dades. Todos os homens possuem a mesma natureza, mas são separados por seus hábitos.
os diferentes povos sofreriam convergência de suas práticas culturais ao longo de seu
desenvolvimento, ideia que não é consenso hoje em dia.
Roque de Barros Laraia (Pouso Alegre, 15 de setembro de 1932) é
um antropólogo brasileiro. Concluiu seu bacharelado em história
na Universidade Federal de Minas Gerais, em 1959, e participou Kroeber diz não poder ignorar que o homem precisa do seu equipamento biológico,
da primeira turma do curso de Especialização em Teoria e Pesqui-
sa em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade para satisfazer funções vitais como alimentação, sono, respiração e atividade sexual.
Federal do Rio de Janeiro, em 1960. Em 1969 transferiu-se para
a Universidade de Brasília, onde dirigiu o Instituto de Ciências Hu-
Mas essas funções mudam de maneira conforme uma cultura para outra, porém es-
manas. Foi promovido a professor titular em 1982.Atualmente é
professor emérito da Universidade de Brasília, membro do Con-
ses comportamentos não são determinados biologicamente. A herança nada tem a
selho Nacional de Imigração e do Conselho Consultivo do Insti-
tuto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Com grande
ver com ações e pensamentos, já que esses são adquiridos através do processo de
experiência em questões indígenas, chegou a ocupar o cargo de
aprendizado, ou seja, as características qualitativas de cada ser nada têm a ver com a
presidente da Funai interinamente durante um mês. É também
membro de várias associações científicas do país e do exterior. Pre- hereditariedade. É questão adquirida com convívio. É preciso que cada ser desenvolva
sidiu a Associação Brasileira de Antropologia (1990-92) e foi eleito
presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa por exemplo sua inteligência que é acumulativa.
em Ciências Sociais (ANPOCS) em 2000.

Nesse sentido, o autor reformula o conceito inicial de cultura acrescentando as seguin-


tes características:
Segundo Edward Tylor , cultura inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costu-
mes, adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. A ideia de cultura • A cultura, mais do que herança genética, determina o comportamento do homem;
ganhou consistência, e com esse processo permanente de aprendizagem, conhece- • O homem age de acordo com os padrões culturais;
mos essa capacidade de endoculturação. Para enfatizar e ampliar, Jacques Turgot afir-
• A cultura é um meio de adaptação aos diferentes ambientes ecológicos.
ma em sua obra, que o homem é capaz de assegurar suas ideias eruditas, comunicá-
-las a outros, e partilhar aos seus descendentes como uma herança sempre crescente.
Desde então, uma das tarefas da antropologia moderna tem sido a reconstrução do
conceito de cultura que já fora fragmentado por inúmeras reformulações, utilizando-
Assim, os estágios existentes no processo evolutivo são resultado da diversidade. Nessa
-se de algumas categorias mais sucintas, tais como: Alguns conceitos sucintos:
perspectiva ciências como a Antropologia tinham por tarefa estabelecer uma escala
de civilização, na qual diferentes sociedades humanas seriam classificadas hierarqui-
• Culturas são sistemas de padrões de comportamentos socialmente transmitidos;
camente. O autor, no entanto, toma a cultura humana como única, pois defende que
• Mudança cultural é um processo de adaptação equivalente a seleção natural;

42 43
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

da humanidade, ou a única expressão.


Alfred Louis Kroeber (Hoboken, 11 de junho de 1876 — Paris, 5
de outubro de 1960) foi um antropólogo estadunidense. Após for-
mar-se em inglês pela Universidade de Columbia, em 1897, es-
tudou antropologia com Franz Boas e em 1901 apresentou tese Porém, comportamentos etnocêntricos podem resultar em apreciações negativas de
sobre o simbolismo decorativo dos Arahapo, tribo indígena de
Montana. No mesmo ano fundou o Departamento de Antropolo-
culturas de outros povos. Zelar para não catalogar como absurdas, deprimentes ou
gia da Universidade da Califórnia, em Berkeley, ao qual ficou ligado
até aposentar-se, em 1946. Foi depois professor visitante em diver-
imorais é importante.
sas Universidades norte-americanas (Chicago, Columbia, Harvard
e Yale). Kroeber tinha um campo de pesquisa amplo, incluindo
desde os índios da Califórnia, até estudos sobre índios das planícies O etnocentrismo é a visão onde o nosso próprio grupo é visto como centro de tudo,
e do povo primitivo zuñi. Deu importantes contribuições não so-
mente à arqueologia da Califórnia, do vale do México e do Peru, e todos os demais grupos são vistos e pensados de acordo com a nossa maneira de
como também aos estudos de linguística, folclore e estrutura social.
Sua obra teve grande interesse teórico, especialmente por sintetizar pensar. Essa tendência que o indivíduo tem de menosprezar a cultura alheia, carac-
e relacionar vários campos da Antropologia. Citado como um dos
maiores representantes da orientação culturalista na antropologia terizando-a como inferior a sua foi tomada por Herodoto, ainda na Grécia antiga, ne-
norte-americana, deve esta fama a um artigo publicado em 1917,
sob o título de O Superorgânico, onde procura mostrar a cultura
gando o seu uso. Ele afirma que se oferecêssemos aos homens a escolha entre todos
como um sistema independente da natureza. Sua obra caracter-
izou-se pela profundidade teórica e amplitude dos temas tratados,
os costumes do mundo ele certamente escolheria o seu atual, convencido de que ele
que abrangiam desde os sistemas classificatórios de parentesco,
categorias linguísticas, estilos de arte, mudança cultural, lingua-
é melhor que os demais.
gem por sinais, contos épicos e até mesmo moda feminina. Teve
enorme influência sobre os investigadores do seu tempo e deixou
alguns ensaios de grande importância, grande parte reunida em Ao fazer estudos sobre o povo Tupinambá Montaigne comenta que cada qual consi-
seu livro Natureza da cultura. Kroeber foi um dos fundadores da
Associação Antropológica Americana e seu presidente em 1917. dera bárbaro o que não é praticado em sua terra. Os ambientes físicos também foram
apontados como fatores que interferem nos comportamentos humanos. O arquiteto
• A tecnologia, a economia de subsistência e os elementos de organização social di- Marcus V. Pollio afirmava que os povos do sul tem uma inteligência profunda devido
retamente ligados à produção constituem o domínio mais adaptativo da cultura; estarem em uma área fria, enquanto os que viviam nas nações do norte possuem uma
mente preguiçosa, pois vivem em locais carregados e quentes.
• Os componentes ideológicos dos sistemas culturais podem ter consequências
adaptativas no controle da população, da subsistência, etc. Ibn Khaldun, também partilhava semelhantemente do conceito. Segundo ele habitan-
tes de climas quentes tinham natureza passional e os de climas frios faltava vivacidade.
Por fim, cabe lembrar que a participação do indivíduo em sua cultura é sempre limi-
Outro estudo semelhante foi o do filosofo árabe Jean Bordin, que aponta que os nórdicos
tada. Nenhuma pessoa é capaz de participar de tosos os elementos de suas culturas.
são “fiéis, leais aos governantes, cruéis, poucos interessados sexualmente, enquanto os do
É claro que a participação depende da idade e outros fatores. Existem limitações que
sul são maliciosos, engenhosos, aberto, orientados para ciências...” (LARAIA, 2008, pg 14).
determinam as atividades que cada ser fará parte.

Contudo, os povos possuem distintas formas culturais e que é preciso se desvincular de


seus próprios conceitos para entender costumes alheios. Assim, para os antropólogos o
6.2 ETNOCENTRISMO aspecto biológico não é determinante nas diferenças culturais (se fosse, seria um Deter-
minismo Biológico), ou seja, os genes não interferem nos comportamentos humanos.
Pessoas de culturas distintas usam lentes diferentes e por isso tem visões desencontra- Exemplificando a tese, tomamos como exemplo uma criança da Suecia transportada
das das coisas. Esse modo de ver o mundo são resultado da operação de uma deter- para o Brasil desde nascença. Ela terá os costumes da família que a criou. Falará a lín-
minada cultura. É preciso ter cuidado portanto, para não pensar que somente o seu gua brasileira e terá o sotaque da região que mora. Resumindo as diferenças genéticas
ponto de vista é o correto. hereditárias não constituem um fator essencial para a formação cultural do indivíduo.

O etnocentrismo é universal. É comum que creia que a própria sociedade é o centro A teoria do Determinismo Geográfico condiciona a diferença do ambiente físico à diver-
sidade cultural, sendo o clima é fator crucial no processo comportamental dos povos.

44 45
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

Em contraponto, antropólogos, dentre eles, Boas, Wisssler, Kroeber encontraram limita- Aliás, esta foi a lógica que norteou as ações de estratégia geopolítica das nações dentre
ção na tese. Eles acreditam que é comum existir diversidade cultural em um mesmo as quais nasceu o capitalismo como modo de produção. Esses países consideravam
ambiente físico. Um exemplo são os Esquimós e os Lapões. Eles vivem em condições a ampliação da produção em escala e o desenvolvimento do comércio, da ciência e,
climáticas semelhantes. Mas vivem, moram e se comportam de maneiras distintas. dessa forma, a adoção do modo de vida do europeu como “homem civilizado”, fato-
res necessários e urgentes. Logo, caberia a este último a função de civilizar o mundo,
Se a cultura no que tange aos valores e visões de mundo é fundamental para nossa argumento pelo qual se defendeu o neocolonialismo como forma de dominação de
constituição enquanto indivíduos (servindo-nos como parâmetro para nosso compor- regiões como a África.
tamento moral, por exemplo), limitar-se a ela, desconhecendo ou depreciando as de-
mais culturas de povos ou grupos dos quais não fazemos parte, pode nos levar a uma Tomar conhecimento do outro sem aceitar sua lógica de pensamento e de seus hábi-
visão estreita das dimensões da vida humana. O etnocentrismo, dessa forma, trata-se tos acaba por gerar uma visão etnocêntrica e preconceituosa, o que pode até mesmo
de uma visão que toma a cultura do outro (alheia ao observador) como algo menor, se desdobrar em conflitos diretos. O etnocentrismo está, certamente, entre as princi-
sem valor, errado, primitivo. Ou seja, a visão etnocêntrica desconsidera a lógica de fun- pais causas da intolerância internacional e da xenofobia (preconceito contra estrangei-
cionamento de outra cultura, limitando-se à visão que possui como referência cultural. ros ou pessoas oriundas de outras origens).
A herança cultural que recebemos de nossos pais e antepassados contribui para isso,
pois nos condiciona ao mesmo tempo em que nos educa. Basta pensarmos nas relações entre norte-americanos e latinos (principalmente me-
xicanos) imigrantes, entre franceses e os povos vindos do norte do continente africano
O etnocentrismo trata-se de uma avaliação pautada em juízos de valor daquilo que é que buscam residência neste país, apenas como exemplos. A visão etnocêntrica ca-
considerado diferente. Por exemplo, enquanto alguns animais como escorpiões e cães minha na contramão do processo de integração global decorrente da modernização
não fazem parte da cultura alimentar do brasileiro, em alguns países asiáticos estes dos meios de comunicação como a internet, pois é sinônimo de estranheza e de falta
animais são preparados como alimentos, sendo vendidos na rua da mesma forma de tolerância.
como estamos habituados aqui a comer um pastel ou pipocas. Assim, o que aqui é
exótico, lá não necessariamente o é. Contudo, a inevitabilidade do choque cultural é um fato, pois as culturas naturalmente
possuem bases e estruturas diferentes, dando significação à vida de formas distintas.
Outro exemplo, para além da comida, é a vestimenta, pois, tomando como base o cos- Prova disso estaria no papel social assumido pelas mulheres, que certamente não
tume do homem urbano de qualquer grande centro brasileiro, certamente a pouca possuem os mesmos direitos enquanto pessoa humana em sociedades ocidentais e
vestimenta dos índios e as roupas típicas dos escoceses – o chamado kilt – são vistas orientais. Este fato, aliás, tem sido objeto de longas discussões internacionais acerca
com estranheza. Da mesma forma, um estrangeiro, ao chegar ao Brasil, vindo de um dos direitos humanos e das questões de gênero. A complexidade dessa questão é
país qualquer com muita formalidade e impessoalidade no trato, pode, ao ser recep- muito clara, pois se para nós do lado ocidental algumas práticas são contra o direito à
cionado, estranhar a cordialidade e a simpatia com que possivelmente será tratado, vida e à emancipação; para outras culturas essas mesmas práticas devem ser aceitas
mesmo sem ser conhecido. com naturalidade, pois apenas reproduziriam uma tradição.

Estes são apenas alguns dentre tantos outros exemplos que ilustram as diferenças Dessa forma, a tolerância com relação à diferença é válida, mas seu limite não está cla-
culturais nos mais diversos aspectos. O ponto alto da questão não está apenas em se ro, pois como podemos aceitar pacificamente o apedrejamento de mulheres ou a mu-
constatar as diferenças, mas sim em aprender a lidar com elas. Dessa forma, no mo- tilação de seus corpos? Daí a necessidade da reflexão constante sobre tais limites, uma
mento de um choque cultural entre os indivíduos, pode-se dizer que cada um consi- vez que o maior objetivo sempre será o convívio harmonioso e a valorização da vida.
dera sua cultura como mais sofisticada do que as culturas dos demais.

46 47
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

6.3 RELATIVISMO CULTURAL tos para se justificar em diferentes momentos da história, já que consciência cultural
evoluía de acordo com o movimento presente.

No relativismo cultural o certo e o errado variam de sociedade para sociedade. Socie- Na época dos descobrimentos, a mente cristã e imperial ditava regras para a socieda-
dades com culturas diferentes têm uma moralidade diferente e nenhuma está mais de. Grupos se rebelaram contra esse “sistema” e uma série de massacres foram ocasio-
certa ou errada que as outras. Segundo o relativismo cultural, o bem e o mal morais nados. Foram chamados pagãos, aqueles que não se enquadraram nessa sociedade
são convenções estabelecidas em cada sociedade. alimentada pela criação de um grupo de missionários e conquistadores que vendiam
a ideia de que eles deviam ser libertos de satanás.
O relativismo cultural é uma teoria que defende que os padrões de comportamen-
to e os sistemas de valores das sociedades com os quais se entra em contato sejam No período do Iluminismo, o racionalismo triunfante e o deslumbramento anularam o
julgados e avaliados sem referência a padrões absolutos. Também apela à tolerância critério de seleção, agora não importa mais seu posicionamento, seja incréu ou gentio,
pelas diferenças (raciais, étnicas, religiosas, sexuais) e de respeito pelas outras culturas. o que vale é a atualização em relação à civilização ocidental, autoproclamada a “su-
O relativismo cultural critica a tendência para julgar como inferior, irracional e bizarro prema realização do espírito humano”. A motivação colonialista era o progresso, em
tudo o que é diferente dos próprios costumes.) nome disso a burguesia europeia praticava opressão política, econômica e cultural.
Com espaço para massacres e rebeliões históricas.
Imaginemos duas etnias tão antigas, distintas, mas que até hoje no século XXI ainda
são presentes em muitas sociedades distribuídas pelo mundo. O que faz uma socie- A supremacia espiritual do ocidente sublinhava o racismo, embora formulado com
dade achar que é superior a outra? Quais são os parâmetros usados para medir se pretensões científicas, ainda era a simples ideologia branca, só para mostrar a hege-
uma cultura é primitiva e outra evoluída? monia europeia (eurocentrismo). Que dominou a mente patriota de grandes filósofos
e teólogos destacados até hoje com argumentos que mostram sua opinião quanto à
As respostas das questões apontadas acima podem ser baseadas nas riquezas de superioridade europeia.
uma sociedade, na tecnologia que se tem em mãos, na construção civil, nos modos
de agir, de se alimentar, de se vestir e até mesmo na cor da pele e traços físicos. Mes- No evolucionismo cultural, os europeus e os americanos acreditavam ter culturas mais
mo comparando todos estes requisitos não podemos colocar na balança e ver qual se ricas em relação às outras, então eles tinham a pretensão de converter a cultura de
sobressai. Apontando isso podemos começar a explicar a diferença entre o etnocen- povos inferiores, para a cultura que eles acreditavam ser a perfeita. Então era feito um
trismo e o relativismo cultural. trabalho mais cauteloso em cima das crianças e adolescentes, com a intenção de
quando chegarem em fase adulta a cultura inserida não ser questionada.
Cabe retomar em alguma medida o conceito de etnocentrismo é a bagagem cultural
de uma sociedade, ela determina que o modo de vida adotado por eles seja o correto, O relativismo cultural, ao contrário, não julga uma cultura, afirmando que uma seja
e todas as outras culturas opostas incorretas. Ele também está muito ligado à superio- superior a outra como no etnocentrismo, é feito uma análise, onde se produz novos
ridade e a dominação, considerando a classe dos dominados como sub-humanos, e conhecimentos para entender o porquê determinada região age de forma distinta de
os enxergam como uma ameaça a sua maneira de ser, e a maneira que encontraram outra. Acredita-se que cada cultura é relativa ao lugar que está inserida, só faz sentido
para defender-se foi eliminar quem os ameaçava, de forma violenta e sangrenta. A para a sociedade que faz parte daquilo. Não se pode apontar o certo e o errado, o
outra forma de demonstrar seu poder sem eliminar, é oprimindo e explorando, dando bonito e o feio, porque os parâmetros usados para o julgamento são as bases culturais
o status de inferioridade e descriminação. que cada indivíduo carrega dentro de si, o que pode ser normal em nossa cultura, já
para outra pode ser completamente inaceitável e vice-versa.
Para o já mencionado Karl Marx as ideologias do etnocentrismo buscavam argumen-
Devido estes fatores o relativismo cultural afirma que todas as culturas são válidas,

48 49
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

que todas têm suas diferenças e que variam de acordo com o contexto a que se está ligados à adaptação do indivíduo aos diferentes meio ambientes.
inserido. Tudo que é construído pelo homem tem sua influência cultural, desde a fa-
bricação de móveis, casas, vestimentas, arte e até mesmo suas refeições, a única coisa No Brasil, Sergio Pena, da Universidade Federal de Minas Gerais, em conjunto com
que não tem influência cultural é a natureza. uma série de pesquisadores, publicou dezenas de artigos científicos na área.

Pode-se dizer então que no relativismo cultural se tem o respeito pelas diferenças, não
Nossos estudos revelaram que em nosso país, a cor avaliada pela aparência
cabendo a ninguém a julgar e sim compreender o modo de vida de cada civilização, das pessoas tem uma correlação fraca com o grau de ancestralidade africa-
sem descriminar ou ser superior. Assim, não é porque um determinado lugar possui na estimada geneticamente. em outras palavras, no brasil, a nível individual, a

hospitais, automóveis, fábricas, tecnologias entre outros que ela pode ser considerada cor, como socialmente percebida, tem pouca relevância biológica. importante-
mente, cada brasileiro tem uma proporção individual única de ancestralidade
superior a sociedades menos desenvolvidas.
ameríndia, europeia e africana.

6.4 ETNIA X RAÇA Para ele, a noção de raças humanas é tóxica porque

A discussão em torno do tema raça e etnia é um dos debates mais constantes na so- Como uma casca de banana, o conceito de raça é vazio e perigoso. Vazio, por-

ciedade contemporânea. Sobretudo porque esta questão está no cerne dos conflitos que sabemos que “raças humanas” não existem como entidades biológicas.
Perigoso, porque o conceito de “raça” tem sido usado para justificar discrimina-
que o mundo vem atravessando, sejam por causa das guerras entre os povos, os cons-
ção, exploração e atrocidades. (Idem)
tantes conflitos étnicos no Oriente Médio, por exemplo, sejam por causa da exclusão
social pela qual alguns grupos raciais passam em diversos países, aqui no brasil, negros
e índios, nos EUA os latinos dentre outros. O perigo é entendermos que se a raça biológica não existe, o racismo também não.
O conceito não faz sentido senão no âmbito de uma ideologia, pois não é necessário
O conceito de raça está intimamente relacionado com o âmbito biológico, as dife- reivindicar nenhuma realidade biológica das “raças” para fundamentar a utilização do
renças de características físicas que fazem daquele grupo social um grupo particular. conceito em estudos sociológicos”.
Pode-se compreender melhor o que se quer dizer quando fala-se de raça quando se
atenta para as questões de cor de pele, tipo de cabelo, conformação facial e cranial, Por outro lado, o problema é descontextualizar esses processos científicos do cenário histó-
ancestralidade e genética. rico que os está produzindo. Racismo como um fenômeno social e não um biológico, ou
seja, as raças não existem, mas a mentalidade relativa às raças foi reproduzida socialmente.
Se é inegável concluir que o racismo ainda existe – e tem força – a ideia de que a es-
pécie humana pode ser dividia em raças está cada vez mais obsoleta. Desde o final da A discussão é muito pertinente em um momento em que ações afirmativas baseadas
segunda guerra mundial, depois do nazismo, começaram a ser promovidos estudos em conceitos raciais, como a lei de cotas, surgem para tentar corrigir os problemas
que discutiam a ideia de raça na biologia e nas ciências sociais. sociais ligados ao racismo. Para os geneticistas, a conclusão de que a raça não está nos
nossos genes pode ser mais uma ferramenta no combate ao racismo, já que corrige o
A inexistência das raças biológicas ganhou força com as recentes pesquisas genéti- erro histórico dos cientistas do passado.
cas. os geneticistas descobriram que a constituição genética de todos os indivíduos
é semelhante o suficiente para que a pequena porcentagem de genes que se distin- Raça e etnia não são sinônimos, mas o conceito de raça é associado ao de etnia. Etnia
guem (que inclui a aparência física, a cor da pele etc) não justifique a classificação da é uma comunidade humana definida por afinidades linguísticas e culturais. A palavra
sociedade em raças. Essa pequena quantidade de genes diferentes está geralmente etnia é derivada do grego ethnos, que significa “povo”.

50 51
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

A diferença entre raça e etnia, é que esta última também compreende os fatores cul- costumes – logo, uma cultura – em comum. Temos que nesse conceito não importa
turais, como a nacionalidade, religião, língua e as tradições. A raça, no entanto, compre- somente o fato de as pessoas que compõem um a etnia compartilharem os mesmos
ende apenas os fatores morfológicos, como cor de pele, constituição física, estatura, etc. costumes, mas sobretudo o fato de elas acreditarem fazer parte de um mesmo grupo.
A palavra etnia muitas vezes é usada erroneamente como um eufemismo para raça.
Nesse sentido, a etnia é uma construção artificial do grupo, e sua existência depende
O conceito de etnia vem ganhando espaço cada vez maior nas ciências sociais a partir de seus integrantes quererem e acreditarem fazer parte dela. Toda etnia se identifica
das crescentes críticas ao conceito de raça e, em alguns casos, ao conceito de tribo. como um grupo distinto, considerando-se diferente de outros grupos, e baseia sua
Apesar disso, é ainda considerado por muitos uma noção pouco definida. O termo identidade em uma moralidade (religiosa ou não) e costumes e práticas que funcio-
Etnia surgiu no início do Século XIX para designar as características culturais próprias nam como rituais específicos. Assim, os judeus e muçulmanos dentro dos atuais Es-
de um grupo, como a língua e os costumes. Foi criado por Vancher de Lapouge, antro- tados europeus são, cada um por seu lado, etnias, por se identificarem culturalmente
pólogo que acreditava que a raça era o fator determinante na história. Para ele, a raça como grupos distintos e reivindicarem identidades próprias, baseadas nas crenças,
era entendida como as características hereditárias comuns a um grupo de indivíduos. práticas e costumes diferentes das sociedades em que estão inseridos.
Elaborou então o conceito de etnia para se referir às características não abarcadas pela
raça, definindo etnia como um agrupamento humano baseado em laços culturais Alguns sociólogos diferenciam etnia e grupo étnico, pois para eles um grupo precisa
compartilhados, de modo a diferenciar esse conceito do de raça (que estava associa- de uma interação entre todos os seus membros, enquanto a etnia abrange um núme-
do a características físicas). ro grande demais de pessoas para que haja relação direta entre todas elas. O grupo
étnico seria, então, um conjunto de indivíduos que apresenta uma interação entre
O já mencionado Max Weber, por sua vez, fez uma distinção não apenas entre raça todos os seus membros, além das características gerais da etnia. Por essa distinção,
e etnia, mas também entre etnia e Nação. Para ele, pertencer a uma raça era ter a os membros de uma vizinhança judaica em uma cidade do Ocidente, por exemplo,
mesma origem (biológica ou cultural), ao passo que pertencer a uma etnia era acre- onde todos os indivíduos frequentam a mesma sinagoga, constituem um grupo étni-
ditar em uma origem cultural comum. A Nação também possuía tal crença, mas co, ao passo que os judeus como um todo compõem uma etnia.
acrescentava uma reivindicação de poder político. A etnia é um objeto de estudo da
Antropologia, e se caracterizou desde cedo como tema principal da Etnologia, ciência Atualmente, os debates em torno da ideia de etnia continuam acirrados. Primeiro por-
que se propõe a estudar diferentes grupos étnicos, constituindo-se em torno da pró- que, como já vimos, a Antropologia não considera mais raça um conceito determina-
pria noção de etnia. do biologicamente. Hoje, raça significa a percepção das diferenças físicas pelos grupos
sociais, e como essa percepção afeta as relações sociais, aproximando-se bastante da
Durante o século XX, essas duas disciplinas multiplicaram as conceituações sobre o própria definição de etnia.
termo. Autores como Nadel e Meyers Fontes afirmam que uma etnia é um grupo cuja
coesão vem de seus membros acreditarem possuir um antepassado comum, além Por outro lado, alguns antropólogos franceses, no fim da década de 1980, afirmaram
de compartilharem uma mesma linguagem. Para essa definição, baseada em Weber, que o conceito de etnia era usado para as sociedades ditas primitivas com a intenção
uma etnia seria um conjunto de indivíduos que afirma ter traços culturais comuns, de apagar a historicidade delas. Para Amselle , por exemplo, o conceito de etnia, em
distinguindo-se, assim, de outros grupos culturais. como o de tribo, era usado em substituição ao conceito de Nação, para as “sociedades
primitivas”, passando a ideia de Nação servir de referência exclusivamente aos Estados
Nesse sentido, não importa se o grupo realmente descende de uma mesma comuni- europeus e colonizadores, ditos “civilizados”. Dessa forma, o conceito de etnia, curiosa-
dade original: o que importa é que os indivíduos compartilhem essa crença em uma mente, teria um sentido etnocêntrico bastante acentuado.
origem comum. Uma crença confirmada, a seu ver, pelos costumes semelhantes. As-
sim, uma etnia se sente parte de uma mesma comunidade que possui religião, língua, Apesar dessas controvérsias, a Antropologia trabalha também com a noção de etnici-
dade, que é um sentimento de pertencer exclusivamente a um determinado grupo

52 53
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

étnico. Um conceito próximo ao de identidade cultural, o que torna muito próximas


6.5 MULTICULTURALISMO
as noções de relações étnicas e relações culturais.

Podemos perceber, dessa forma, os intensos debates em torno do conceito de etnia, e Os intercâmbios culturais transitam em diferentes espaços, desde o campo da infor-
o quanto esse conceito ainda precisa ser aprimorado. Não obstante, os estudos etno- mação até as migrações e lutas das minorias. Tais intercâmbios conduzem a uma
lógicos têm crescido, principalmente porque, desde a década de 1960, muitas reivin- série de questionamentos relacionados aos “outros” e às diferenças. Surgem teorias
dicações políticas no mundo se apresentam como étnicas, baseadas em crenças em que procuram discutir e pensara cultura a partir da inclusão multicultural ou da trans-
uma identidade comum, contexto esse que motiva os cientistas sociais a continuarem formação das culturas por processos de diálogo e interação. Visando a utilizar novas
refletindo sobre o conceito. narrativas que incluam distintas abordagens culturais, desenvolvem-se teoricamente
no campo das Ciências Humanas e sociais, conceitos como multiculturalismo (multi-
É preciso ressaltar que se, por um lado, muitas comunidades se auto-afirmam positi-
cultural, multiculturalidade) e interculturalismo (intercultural e interculturalidade).
vamente a partir de seus costumes, por outro, a identidade étnica (a etnicidade) é um
elemento pode que contribui para a construção do etnocentrismo e do preconceito O multiculturalismo é o reconhecimento das diferenças, da individualidade de cada
ou até a segregação. Ao se identificarem como membros de uma cultura em comum, um. Daí então surge a confusão: se o discurso é pela igualdade de direitos, falar em
diferente dos que o cercam, um determinado grupo reage às culturas diferentes mui- diferenças parece uma contradição. Mas não é bem assim. A igualdade de que se fala
tas vezes com repulsa. O sentimento de superioridade diante de diferentes culturas é igualdade perante a lei, é igualdade relativa aos direitos e deveres. As diferenças às
pode ser, assim, criado na identidade étnica. quais o multiculturalismo se refere são diferenças de valores, de costumes etc, posto
que se trata de indivíduos de raças diferentes entre si. N
Dessa forma, os franceses se sentem superiores aos “árabes” (como classificam todos os
que professam a fé muçulmana, sejam árabes ou não) por acreditarem possuir uma No Brasil, o convívio multicultural não deveria representar uma dificuldade, afinal, a
origem diferente e uma cultura que os outros não compartilham. Isso acontece com sociedade brasileira resulta da mistura de raças - negra, branca, índia - cada uma com
os norte-americanos diante dos hispânicos, e já aconteceu em outras épocas da histó- seus costumes, seus valores, seu modo de vida, e da adaptação dessas culturas umas
ria, como entre os alemães e os judeus durante a Segunda Guerra Mundial. às outras, numa “quase reciprocidade cultural”. Dessa mistura é que surge um indiví-
duo que não é branco nem índio, que tampouco é negro, mas que é simplesmente
Em suma, a discussão sobre etnia nos leva a repensar o próprio conceito de etnocen-
brasileiro. Filhos desse hibridismo e tendo como característica marcante o fato de abri-
trismo. Para a compreensão das chamadas minorias no Brasil e boa parte dos atuais
gar diversas culturas, nós, brasileiros, deveríamos lidar facilmente com as diferenças.
movimentos sociais e reivindicações, conhecer o conceito de etnia é uma fundamental.
Mas não é exatamente isso o que ocorre.
Essas chamadas minorias são estudadas pela Antropologia como quase sempre como
etnias, mas algumas delas ainda se identificam muitas vezes como raças. É o caso dos Sendo as culturas produto de determinados contextos sociais, se determinada cultura
negros brasileiros. Enquanto os antropólogos discutem a validade de termos como é posta em contato com outra, necessariamente, sob pena de ser sufocada, uma delas
raça e etnia, o que é necessário apreender de todo esse debate é que, seja na raça ou
se adaptará à outra. Tal exigência de adaptação às necessidades sociais não é especifi-
na etnia, o fato de um indivíduo pertencer a um desses grupos é mais uma questão de
cidade do mundo globalizado. Historicamente tem se dado este confronto necessário
sentimento, de identidade, do que de determinação física ou mesmo cultural.
entre culturas diferentes. Adaptar-se é, enfim, sobreviver. A adaptação das culturas é
algo próprio de cada momento, uma vez que a sociedade se transforma conforme se
Vale lembrar ainda que tanto a concepção atual de raça quanto a de etnia são concei-
constrói a História. Cada sociedade busca para si aquilo de que necessita em dado
tos que buscam dar conta da multiplicidade de culturas, de hábitos e crenças que a
momento. Assim, se determinada cultura não lhe serve, então, deverá adaptar-se ou
Humanidade apresenta, e das implicações políticas dessas diferenças.
desaparecerá.

54 55
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

As sociedades contemporâneas, nas quais é preciso diferenciação dos indivíduos para cos os investigadores da comunicação, da antropologia, da sociologia e do marketing
que se identifiquem enquanto seres humanos e enquanto membros de determina- que já se debruçaram no mesmo. A noção distingue-se do multiculturalismo e do
do contexto social, e, sobretudo, diante das possibilidades postas pela globalização, o pluralismo pela sua intenção direta de fomentar o diálogo e a relação entre culturas.
conflito de culturas é inevitável e necessário. A globalização cada vez mais aproxima
grupos de culturas diferentes. Assim, a diversidade cultural passa a ser alvo de intensos Há que ter em conta que a interculturalidade depende de diversos fatores, como é o
debates. Um grande desafio frente colocado por essa realidade é que se pretende o caso das várias concepções de cultura, dos obstáculos comunicativos, da falta/debili-
igual, mas ao mesmo tempo, exige-se o diferente. dade de políticas governamentais, das hierarquias sociais e das diferenças económi-
cas. Também existe a interculturalidade interpessoal, que tem lugar quando pessoas
Sejam quais forem as exigências do mundo globalizado, atualmente se afirma a certe- de diferentes culturas entrem em contato direto através de algum meio electrónico,
za do necessário convívio em uma sociedade cuja realidade é multicultural. Para tan- como a Internet, a rádio ou ainda a televisão.
to, é preciso que se reconheça e se respeite as diferenças próprias de cada indivíduo.
O reconhecimento da diferença é ponto de partida para que se possa conviver em O enfoque intercultural consta sempre de três etapas: a negociação (a simbiose pro-
harmonia, não com os iguais, já que igualdade só deve existir do ponto de vista legal, duzida para alcançar a compreensão e evitar os confrontos), a penetração (sair do pró-
mas do ponto de vista humano, social, o que nos interessa é realmente ser diferentes. prio lugar para tomar o ponto de vista do outro) e a descentralização (uma perspectiva
de reflexão). Por outro lado, a interculturalidade consegue-se através de três atitudes
básicas, nomeadamente a visão dinâmica das culturas, o facto de acreditar que as re-
6.6 INTERCULTURALIDADE lações quotidianas têm lugar através da comunicação, e a construção de uma ampla
cidadania com igualdade de direitos.

A interculturalidade implica a integração de indivíduos e grupos étnicos minoritários


numa sociedade com uma cultura diferente. Defende a ausência de desvantagens
sociais e económicas ligadas a aspectos étnicos ou religiosos; a oportunidade de par-
ticipar nos processos políticos, sem obstáculos do racismo e da discriminação e o en-
volvimento de grupos minoritários na formulação e expressão da identidade nacional.

O modelo intercultural afirma-se no cruzamento e miscigenação cultural, sem impo-


sições. Trata-se da aceitação e o respeito pelas diferenças. Crer no interculturalismo
é crer que se pode aprender e enriquecer através do encontro com outras culturas.
Assim, a interculturalidade tem lugar quando duas ou mais culturas entram em in-
teração de uma forma horizontal e sinérgica. Para tal, nenhum dos grupos se deve
encontrar acima de qualquer outro que seja, favorecendo assim a integração e a con-
vivência das pessoas.

Este tipo de relações interculturais implica ter respeito pela diversidade; embora, por
razões óbvias, o aparecimento de conflitos seja inevitável e imprevisível, podem ser
resolvidos através do respeito, do diálogo e da concertação/assertividade.

Apesar de a interculturalidade ser um conceito recém-desenvolvido, não foram pou-

56 57
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

7 CONSIDERAÇÕES ACERCA
nos trinta direitos a que todas as pessoas têm direito.

DOS DIREITOS HUMANOS 7.1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS

Comecemos com algumas definições básicas: Em 539 a.C., os exércitos de Ciro, O Grande, o primeiro rei da antiga Pérsia, conquis-
taram a cidade da Babilónia. Mas foram as suas ações posteriores que marcaram um
• Humano: substantivo; um membro da espécie Homo sapiens; um homem, mu- avanço muito importante para o Homem. Ele libertou os escravos, declarou que todas
lher ou criança; uma pessoa. as pessoas tinham o direito de escolher a sua própria religião, e estabeleceu a igual-

• Direitos: substantivo; coisas às quais você tem direito ou que lhe são permitidas; dade racial. Estes e outros decretos foram registados num cilindro de argila na Língua

liberdades que são garantidas. Acádica com a escritura cuneiforme.

• Direitos Humanos: substantivo; os direitos que você tem simplesmente porque Conhecido hoje como o Cilindro de Ciro, este registo antigo foi agora reconhecido
é humano. como a primeira carta dos direitos humanos do mundo. Está traduzido nas seis lín-
guas oficiais das Nações Unidas e as suas estipulações são análogas aos quatro primei-
Se perguntasse às pessoas na rua: “O que são os direitos humanos?” obteria muitas res- ros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
postas diferentes. Elas diriam os direitos que conhecem, mas muito poucas conhecem
os seus direitos. Como se trata nas definições acima, um direito é uma liberdade de Com início na Babilónia, a ideia de direitos humanos espalhou–se rapidamente para a
algum tipo. É algo ao qual você tem direito por ser humano. Índia, Grécia e por fim chegou a Roma. Ali surgiu o conceito de “lei natural”, na observa-
ção do facto de que as pessoas tendiam a seguir certas leis não escritas no curso da vida,
Os direitos humanos estão baseados no princípio de respeito em relação ao indivíduo. e o direito romano estava baseado em ideias racionais tiradas da natureza das coisas.
A sua suposição fundamental é que cada pessoa é um ser moral e racional que merece
ser tratado com dignidade. Estes são chamados direitos humanos porque são universais. Os documentos que afirmam os direitos individuais, como a Carta Magna (1215), a
Enquanto as nações ou grupos especializados usufruem dos direitos específicos que se Petição de Direito (1628), a Constituição dos Estados Unidos (1787), a Declaração Fran-
aplicam só a eles, os direitos humanos são os direitos aos quais todas as pessoas têm cesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), e a Declaração dos Direitos dos
direito, não importa quem sejam ou onde morem, simplesmente porque estão vivos. Estados Unidos (1791) são os precursores escritos para muitos dos documentos de
direitos humanos atuais.
Contudo, muitas pessoas, quando se lhes pede para citarem os seus direitos, apenas
enumeram a liberdade de expressão e de crença e talvez um ou dois mais. Não há
dúvida que estes são direitos importantes, mas o alcance total dos direitos humanos é 7.1.1 A MAGNA CARTA (1215)
muito amplo. Significam a opção e a oportunidade. Significam a liberdade de conse-
guir um trabalho, adotar uma carreira, escolher um parceiro e criar crianças. Incluem o
Carta Magna, ou “Grande Carta”, assinada pelo rei da Inglaterra, em 1215, foi uma gui-
direito de viajar livremente e o direito ao trabalho remunerado sem perseguição, abuso
nada nos direitos humanos e foi possivelmente a influência inicial mais significativa no
e a ameaça de ser despedido de forma arbitrária. Eles até abarcam o direito ao lazer.
amplo processo histórico que conduziu à regra de lei constitucional hoje em dia no
Em eras passadas, não havia direitos humanos. Depois surgiu a ideia de que as pesso- mundo anglófono.
as deveriam ter certos direitos. E essa ideia, no final da Segunda Guerra Mundial, resul-
Em 1215, depois do Rei John da Inglaterra ter violado um número de leis antigas e
tou finalmente no documento chamado Declaração Universal de Direitos Humanos e

58 59
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

costumes pelos quais Inglaterra tinha sido governada, os seus súbditos forçaram–no a 7.1.3 A DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA DOS
assinar a Carta Magna, que enumera o que mais tarde veio a ser considerado como
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA (1776)
direitos humanos.

Entre eles estava o direito da igreja de estar livre da interferência do governo, o direito A 4 de julho de 1776, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Declaração de Inde-
de todos os cidadãos livres possuírem e herdarem propriedade, e serem protegidos pendência. O seu principal autor, Thomas Jefferson, escreveu a Declaração como uma
de impostos excessivos. Isto estabeleceu o direito das viúvas que possuíam proprieda- explicação formal do porquê o Congresso ter votado no dia 2 de julho para declarar a
de a decidir não voltar a casar–se, e estabeleceu os princípios de processos devidos e independência da Grã–Bretanha, mais de um ano depois de irromper a Guerra Revo-
igualdade perante a lei. Isto também contém provisões que proíbem o suborno e a
lucionária Americana, e como uma declaração que anunciava que as treze Colónias
má conduta oficial.
Americanas não faziam mais parte do Império Britânico.

Amplamente visto como um dos documentos legais mais importantes no desenvol-


O Congresso publicou a Declaração de Independência de várias formas. No começo
vimento da democracia moderna, a Carta Magna foi um ponto de viragem crucial na
foi publicada como uma folha de papel impressa de grande formato que foi larga-
luta para estabelecer a liberdade.
mente distribuída e lida pelo público.

Filosoficamente, a Declaração acentuou dois temas: os direitos individuais e o direi-


7.1.2 A PETIÇÃO DE DIREITO (BILL OF RIGHTS - 1628)
to de revolução. Estas ideias tornaram–se largamente apoiadas pelos americanos e
também se difundiram internacionalmente, influenciando em particular a Revolução
Em 1628, o Parlamento Inglês enviou esta declaração de liberdades civis do rei Char- Francesa. A Declaração dos Direitos da Constituição dos EUA protege as liberdades
les I. O seguinte marco miliário registado no desenvolvimento dos direitos humanos fundamentais dos cidadãos dos Estados Unidos.
foi a Petição de Direito, feita em 1628 pelo Parlamento Inglês e enviada a Charles I
como uma declaração de liberdade civis. Escrita durante o verão de 1787 em Filadélfia, a Constituição dos Estados Unidos da
América é a lei fundamental do sistema federal do governo dos Estados Unidos e
A rejeição pelo Parlamento de financiar a política exterior impopular do rei tinha cau- o documento de referência do mundo Ocidental. Esta é a mais antiga constituição
sado que o seu governo exigisse empréstimos forçados e aquartelasse tropas nas casas nacional escrita que está em uso e que define os órgãos principais de governo e suas
dos súbditos como uma medida económica. Prisão arbitrária e aprisionamento por jurisdições e os direitos básicos dos cidadãos.
oposição a estas políticas produziram no Parlamento uma hostilidade violenta a Char-
les e a George Villiers, o Duque de Buckingham. As dez primeiras emendas da Constituição, a Declaração dos Direitos, entraram em
vigor no dia 15 de dezembro de 1791, limitando os poderes do governo federal dos
A Petição de Direito, iniciada por Sir Edward Coke, baseou–se em estatutos e cartas Estados Unidos e para proteger os direitos de todos os cidadãos, residentes e visitantes
anteriores e afirmou quatro princípios:
no território americano.

(1) Nenhum tributo pode ser imposto sem o consentimento do Parlamento,


A Declaração dos Direitos protege a liberdade de expressão, a liberdade de religião, o
(2) Nenhum súbdito pode ser encarcerado sem motivo demonstrado (a reafirma- direito de guardar e usar armas, a liberdade de assembleia e a liberdade de petição.
ção do direito de habeas corpus), Esta também proíbe a busca e a apreensão sem razão alguma, o castigo cruel e insó-
(3) Nenhum soldado pode ser aquartelado nas casas dos cidadãos, e lito e a auto–inculpação forçada.

(4) A Lei Marcial não pode ser usada em tempo de paz. Entre as proteções legais que proporciona, a Declaração dos Direitos proíbe que o

60 61
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

Congresso faça qualquer lei em relação ao estabelecimento de religião e proíbe o Os princípios fundamentais foram estabelecidos na Convenção e foram mantidos pe-
governo federal de privar qualquer pessoa da vida, da liberdade ou da propriedade las Convenções posteriores de Genebra especificando a obrigação de ampliar o cuida-
sem os devidos processos da lei. Em casos de crime federal é requerida uma acusação do, sem discriminação, ao pessoal militar ferido ou doente, mantendo o respeito para
formal por um júri de instrução para qualquer ofensa capital, ou crime infame, e a ga- com eles e com a marca de transportes de pessoal médico e equipa distinguidos pela
rantia de um julgamento público rápido com um júri imparcial no distrito em que o cruz vermelha sobre um fundo branco.
crime ocorreu, e proíbe um duplo julgamento.

7.1.6 A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU -


7.1.4 A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E 1945)
DO CIDADÃO (1789)
Em abril de 1945, delegados de cinquenta países reuniram–se em San Francisco
Em 1789 o povo de França levou a cabo a abolição da monarquia absoluta e o estabe- cheios de otimismo e esperança. O objetivo da Conferência das Nações Unidas na
lecimento da primeira República Francesa. Somente seis semanas depois do assalto à Organização Internacional era formar um corpo internacional para promover a paz e
Bastilha, e apenas três semanas depois da abolição do feudalismo, a Declaração dos prevenir futuras guerras.
Direitos do Homem e do Cidadão foi adotada pela Assembleia Constituinte Nacional
como o primeiro passo para o escrito de uma constituição para a República da França. A Segunda Guerra Mundial tinha alastrado de 1939 até 1945, e à medida que o final
se aproximava, cidades por toda a Europa e Ásia estendiam–se em ruínas e chamas.
A Declaração proclama que todos os cidadãos devem ter garantidos os direitos de Milhões de pessoas estavam mortas, milhões mais estavam sem lar ou a passar fome. As
“liberdade, propriedade, segurança, e resistência à opressão”. Isto argumenta que a forças russas estavam a cercar o remanescente da resistência alemã na bombardeada
necessidade da lei provém do facto que “… o exercício dos direitos naturais de cada capital alemã de Berlim. No Oceano Pacífico, os fuzileiros estado-unidenses ainda com-
homem tem só aquelas fronteiras que asseguram a outros membros da sociedade o batiam firmemente as forças japonesas entrincheiradas em ilhas tais como Okinawa.
desfrutar destes mesmos direitos”. Portanto, a Declaração vê a lei como “uma expres-
são da vontade geral”, que tem a intenção de promover esta igualdade de direitos e A 24 de outubro de 1945, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, as Nações Unidas
proibir “só ações prejudiciais para a sociedade”. surgiram como uma organização intergovernamental com o propósito de salvar as
gerações futuras da devastação do conflito internacional. Representantes das Nações
Unidas de todas as regiões do mundo adotaram formalmente a Declaração Universal
7.1.5 A PRIMEIRA CONVENÇÃO DE GENEBRA (1864) dos Direitos do Homem em 10 de dezembro de 1948.

A Carta das Nações Unidas estabeleceu seis corpos principais, incluindo a Assembleia
O documento original da primeira Convenção de Genebra, em 1864, estipulava o cui-
Geral, o Conselho de Segurança, o Tribunal Internacional de Justiça, e em relação aos
dado de soldados feridos. O documento original da primeira Convenção de Genebra,
direitos humanos, um Conselho Social e Económico (ECOSOC).
em 1864, estipulava o cuidado de soldados feridos.
A Carta da ONU concedeu à ECOSOC o poder de estabelecer “comissões para os as-
Em 1864, dezesseis países europeus e vários estados americanos assistiram a uma
suntos económicos e sociais e para a proteção dos direitos do homem.” Uma delas foi
conferência em Genebra, a convite do Conselho Suíço Federal, com a iniciativa do Co-
a Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, que, sob a presidência de
mité de Genebra. A conferência diplomática foi celebrada com o objetivo de adotar
Eleanor Roosevelt, viu a criação da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
uma convenção para o tratamento de soldados feridos em combate.

62 63
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

Os ideais da organização foram declarados no preâmbulo da sua carta de proposta: nações democráticas, como por exemplo o Brasil, que e membro fundador da ONU.

A Declaração foi redigida por representantes de todas as regiões do mundo e abarcou


Nós, os povos das Nações Unidas, estamos determinados a salvar as gerações
todas as tradições legais. Inicialmente adotada pelas Nações Unidas a 10 de dezembro
futuras do flagelo da guerra, que por duas vezes na nossa vida trouxe incalculá-
vel sofrimento à Humanidade. (CARTA DA ONU, 1945) de 1948, é o documento dos direitos humanos mais universal em existência, deline-
ando os direitos fundamentais que formam a base para uma sociedade democrática.

Desde então, comemora-se no dia 24 de outubro, todos os anos, como o Dia das Na- A seguir a este ato histórico, a Assembleia exigiu a todos os países membros que pu-
ções Unidas. blicassem o texto da Declaração e que “fizessem com que fosse disseminada, exibida,
lida e explicada principalmente nas escolas e noutras instituições educacionais, sem
qualquer distinção baseada no estatuto político dos países ou territórios”.
7.1.7 A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
HUMANOS (1948) Hoje em dia, a Declaração é um documento vivo que foi aceite como um contrato
entre um governo e o seu povo em todo o mundo. De acordo com o Livro de Recordes
Mundiais do Guinness, é o documento mais traduzido no mundo.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem tem inspirado um número de outras leis
e tratados de direitos humanos em todo o mundo. No seu preâmbulo e no Artigo 1.º, a
Declaração proclama inequivocamente os direitos inerentes de todos os seres humanos:
7.2 DIREITOS HUMANOS E CIDADANIA

O desconhecimento e o desprezo dos direitos humanos conduziram a atos


de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade, e o advento de um
As crises econômicas e políticas, a crescente violência e desigualdade induzem, inú-
mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do meras vezes, o questionamento da validade e legitimidade dos órgãos e poderes de
terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem... governo, dos instrumentos que permitem aos cidadãos apresentarem suas demandas
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
e necessidades, bem como das garantias aos direitos mais básicos e “naturais” aos se-
res humanos.

Em 1948, a nova Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas tinha captado a
Não são poucas as situações em que se ouve que “justiça só para os ricos” e “cadeia
atenção mundial. Sob a presidência dinâmica de Eleanor Roosevelt, a viúva do presi-
para os pobres”, que “a polícia é só para os pobres e negros”, que reclamar “direitos é
dente Franklin Roosevelt, uma defensora dos direitos humanos por direito próprio e
coisa de gente encrenqueira”, e outras tantas demonstrações de pouca confiança no
delegada dos Estados Unidos nas Nações Unidas, a Comissão elaborou o rascunho do
que podemos identificar como as raízes do que entendemos como cidadania. Ainda
documento que viria a converter–se na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
estão enraizados em nossa cultura alguns “preconceitos” que inibem o pleno desen-
Roosevelt, creditada com a sua inspiração, referiu–se à Declaração como a Carta Mag-
volvimento das dimensões da cidadania.
na internacional para toda a Humanidade. Foi adotada pelas Nações Unidas no dia 10
de dezembro de 1948.
Contudo, é possível identificar que, mesmo em passos lentos, a sociedade civil, as ins-
tituições e os próprios indivíduos estão assumindo seu papel de protagonistas, modifi-
Os Estados Membros das Nações Unidas comprometeram–se a trabalhar uns com os
cando essa postura conformista, desatenta, desiludida por uma nova, com anseios de
outros para promover os trinta artigos de direitos humanos que, pela primeira vez na
participação e reivindicação. Vários movimentos sociais têm surgido nos últimos anos:
história, tinham sido reunidos e codificados num único documento. Em consequên-
alguns efêmeros e voltados para interesses bem particularizados; outros, perenes, vol-
cia, muitos destes direitos, de várias formas, são hoje parte das leis constitucionais das

64 65
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

tados ao interesse público e responsáveis por ações de informação, conscientização e 7.2.1 A CIDADANIA SEGUNDO A TEORIA CLÁSSICA DE
prática dos verdadeiros valores de solidariedade e cidadania.
T. H. MARSHALL
A cidadania, no dizer da filósofa alemã Hannah Arendt, é direito a ter direitos, e pres-
supõe a igualdade, a liberdade e a própria existência e dignidade humanas. Este re- T.H. Marshall justifica seu interesse pela questão da cidadania e classe social em razão da
conhecimento ainda não é o bastante para torná-la efetiva e reconhecida entre seus identificação de um problema: o impacto sobre a desigualdade social. Ao estabelecer o
titulares. Muitas discussões e estudos têm sido realizados, especialmente em face das conceito de cidadania, divide-o em três partes: civil, política e social. Frise-se que Marshall
condições definidas como “pós-modernidade” e “globalização”, bem como das suas utilizou, em seus estudos e reflexões, o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra.
manifestações concretas: a reconfiguração de classes, o aparecimento de novos regi-
mes de governo internacional, das racionalidades de governo e regimes de acumu- O elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liber-
lação de diversas formas de capital, novos movimentos sociais e suas batalhas por dade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, direito à propriedade e de
reconhecimento e redistribuição. concluir contratos válidos e o direito à justiça. Identifica os tribunais de justiça como as
instituições mais intimamente associadas com os direitos civis.

Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder


político, como membro de um organismo investido da autoridade política ou como
Hannah Arendt (nascida Johanna Arendt; Linden, Alemanha, 14
de outubro de 1906 – Nova Iorque, Estados Unidos, 4 de dezem- um eleitor dos membros de tal organismo. As instituições correspondentes são o par-
bro de 1975) foi uma filósofa política alemã de origem judaica,
uma das mais influentes do século XX. A privação de direitos e lamento e os conselhos do governo local.
perseguição na Alemanha de pessoas de origem judaica a partir
de 1933, assim como o seu breve encarceramento nesse mesmo
ano, fizeram-na decidir emigrar. O regime nazista retirou-lhe a Já o elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-
nacionalidade em 1937, o que a tornou apátrida até conseguir a
nacionalidade norte-americana em 1951. -estar econômico até a segurança ao direito de participar, por completo, na herança
social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem
na sociedade. O sistema educacional e os serviços sociais são as instituições que mais
representam esses direitos.

É importante ressaltar que essa articulação de direitos como reivindicações por reco- Neste contexto deve-se salientar que a cidadania é por definição nacional, ou seja,
nhecimento sempre evocou o ideal de cidadania, o que tem exigido a redefinição e pressupõe o pertencer, pelo vínculo da cidadania, a algum tipo de comunidade juri-
reconfiguração da cidadania em suas três dimensões fundamentais, quais sejam, a
extensão (regras e normas de inclusão e exclusão), o conteúdo (direitos e responsabi-
lidades) e a profundidade (profunda ou superficial).
Thomas Humphrey Marshall (1893-1981) foi um sociólogo

Para exata compreensão desta reconfiguração, é necessário analisar alguns pressu- britânico, conhecido principalmente por seus ensaios, entre os
quais se destaca Citizenship and Social Class (“Cidadania e Classe

postos e conceitos indispensáveis, partindo da análise de T.H. Marshall e comparando Social”), publicado em 1950, a partir de uma conferência proferida
no ano anterior. Analisou o desenvolvimento da cidadania como
suas conclusões com as novas teorias descritas em vários artigos que compõem a obra desenvolvimento dos direitos civis, seguidos dos direitos políticos e
dos direitos sociais, nos séculos XVIII, XIX e XX, respectivamente. In-
organizada por Brian Turner. troduziu o conceito de direitos sociais, sustentando que a cidada-
nia só é plena se é dotada de todos os três tipos de direito e esta
condição está ligada à classe social.

66 67
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

dicamente organizada – Estado-nação. A cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma co-
munidade: todos aqueles que possuem o status são iguais em direitos e obrigações.
Historicamente, surgem os direitos civis, os direitos políticos e dos direitos sociais, nesta
ordem. O período de formação dos direitos civis é caracterizado pela adição gradativa Já a classe social constitui um sistema caracterizado por desigualdades, quer quando
de novos direitos a um status já existente e que pertencia a todos os membros adultos assentada numa hierarquia de status com diferenças entre uma classe e outra em
da comunidade. Esse caráter democrático ou universal do status se originou natural- termos de direitos, quer quando as diferenças se estabelecem a partir da combinação
mente do fato de que era essencialmente o status de liberdade. Nas cidades, os ter- de fatores educacionais, econômicos e relacionados à propriedade. É possível consta-
mos liberdade e cidadania eram semelhantes: quando a liberdade se tornou universal, tar que à medida que a consciência social desperta, a influência das classes diminui o
a cidadania se transformou de uma instituição local numa nacional. que não constitui propriamente dito um ataque ao sistema de classes.

Quando os direitos políticos fizeram sua primeira tentativa de vir a tona (1832), os direi- Mesmo nos momentos e formas iniciais, a cidadania já carregava em si a ideia de
tos civis já eram uma conquista do homem e, tinham em seus elementos essenciais a igualdade. Partindo do pressuposto de que todos os homens eram livres, em teoria, e
mesma aparência que têm hoje. Sobre aquela fundação sólida, construíram-se todas capazes de gozar direitos, a cidadania se desenvolveu pelo enriquecimento do con-
as reformas subseqüentes. No início do séc. XIX, a cidadania na forma de direitos civis junto desses direitos que não estavam em conflito com as desigualdades da socieda-
era universal, os direitos políticos não estavam incluídos nos direitos de cidadania e de capitalista. Ao contrário, eram necessários para a manutenção daquela determina-
constituíam privilégio de uma classe econômica limitada. Em sua formação os direitos da forma de desigualdade, explicada principalmente porque o núcleo da cidadania,
políticos consistiam não na criação de novos direitos para enriquecer o status já goza- nesta fase, se compunha dos direitos civis.
do por todos, mas na doação de velhos direitos a novos setores da população, ou seja,
nesta fase os direitos políticos eram deficientes não em conteúdo, mas na distribuição Assim, o status diferencial, associado com classe e função, foi substituído pelo status uni-
conforme os padrões de cidadania democrática. forme de cidadania que ofereceu o fundamento da “igualdade” (ainda que apenas formal)
sobre a qual a estrutura da desigualdade foi edificada. Esse status era dominado pelos
No entanto, a cidadania não era vazia em termos de significado político, pois, apesar direitos civis que conferem a liberdade de lutar pelos bens que o indivíduo gostaria de pos-
de não conferir um direito, reconhecia uma capacidade. No séc. XX associou-se os suir, sem, no entanto, garantir nenhum deles. Pode-se concluir que essas desigualdades
direitos políticos direta e independentemente à cidadania como tal com a adoção do gritantes não eram resultantes das falhas dos direitos civis, mas à falta dos direitos sociais.
sufrágio universal, transferindo a base dos direitos políticos do substrato econômico
para o status pessoal. A cidadania pressupõe um sentimento direto de participação na comunidade basea-
do na lealdade a ela, reconhecendo tratar-se de um patrimônio comum. Seu desen-
No que diz respeito aos direitos sociais, a participação nas comunidades locais e as- volvimento é estimulado tanto pela luta para adquirir direitos quanto pelo gozo dos
sociações funcionais constituem a fonte original desses direitos. O sec. XIX foi, em sua mesmos, uma vez adquiridos.
maior parte, um período em que se lançaram as fundações dos direitos sociais, mas o
princípio desses direitos como parte integrante do status de cidadania ou foi expres- Essa participação, alicerçada pela aquisição e exercício dos direitos políticos, consti-
samente negado ou não admitido definitivamente. Um exemplo disso é a “Poor Law” tuía ameaças potenciais ao sistema capitalista, o que não ocorria com os direitos civis.
que desligava do status da cidadania os direitos sociais mínimos; ela tratava as reivindi- Desta forma, a reivindicação e a extensão dos direitos políticos não ocorreram tão fa-
cações dos pobres não como parte integrante de seus direitos de cidadão, mas como cilmente. No que tange aos direitos sociais, não é demais lembrar que a forma natural
uma alternativa deles, ou seja, reivindicações que poderiam ser atendidas somente se de assegurá-los é pelo exercício do poder político, pois esses direitos pressupõem um
deixassem inteiramente de ser cidadãos. “direito absoluto a um determinado padrão de civilização” que depende do cumpri-
mento das obrigações gerais da cidadania.

68 69
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

O período inicial de desenvolvimento da cidadania, apesar de substancial e marcante, políticas e sociais por reconhecimento e redistribuição como instâncias do direito de
caracterizou-se pela pouca influência sobre a desigualdade social, isto é, pela modi- reivindicação e tem sido modificado pelos apelos da pós-modernidade e globalização.
ficação ou redução desses patamares. Pode-se citar que os direitos civis concederam
poderes/capacidades legais cujo uso foi drasticamente prejudicado em razão do pre- Retomando, as dimensões da cidadania incluíam os direitos civis (liberdade de expres-
conceito de classe e pela falta de oportunidade econômica. são e movimento e obediência à lei), políticos (votar, candidatar-se) e sociais (bem-es-
tar, segurança no emprego e cuidados médicos). Vale lembrar que a teoria de Marshall
No que diz respeito aos direitos políticos, o exercício do seu poder potencial exigia sobre a cidadania enfoca os interesses dos grupos e a criação de direitos de cidadania
experiência, organização e uma mudança de ideias quanto às funções próprias de go- pelo Estado e sustenta, com base nos estudos sobre a sociedade inglesa, que esses
verno. Já os direitos sociais compreendiam um mínimo, cuja finalidade das tentativas direitos tendem a progredir do âmbito legal para o político, e então para os direitos
voluntárias e legais era diminuir o ônus da pobreza sem alterar o padrão de desigual- sociais. Mesmo que ele tenha sido duramente criticado por essa teoria, há evidência
dade e não faziam parte do conceito de cidadania. considerável de que, quando um país salta de direitos políticos para direitos sociais
ou de participação, haverá problemas para garantir os direitos legais e desenvolver os
Atualmente, o objetivo dos direitos sociais repousa na questão da redução das diferen- direitos políticos.
ças de classe, não mais na mera tentativa de eliminar o ônus evidente que representa
a pobreza nos níveis mais baixos da sociedade, mas assumindo aspecto de ação mo- Atualmente, em lugar de somente focalizar-se como direitos legais, agora é certo que
dificadora do padrão total da desigualdade social. a cidadania também deve ser definida como um processo social pelo qual os indi-
víduos e grupos sociais se ocupam reivindicando, expandindo ou perdendo direitos.
Desta forma, Marshall pretendia justificar não uma sociedade sem classes, mas uma
sociedade na qual as diferenças de classe fossem legítimas em termos de justiça so- Estar politicamente comprometido significa praticar cidadania substantiva, atuando
cial e as classes colaborassem mais intimamente para o benefício comum de todos. quer em âmbito interno ao Estado ao qual está vinculado, quer em âmbito transnacio-
Observado esse objetivo sob outra perspectiva, o direito do cidadão nesse processo é nal, envolvendo interesses que superam as fronteiras. Essas novas configurações condu-
representado pelo direito à igualdade de oportunidades (direito igual de ser reconhe- ziram a uma definição informada socialmente acerca da cidadania, na qual a ênfase
cido como desigual), cujo resultado é uma estrutura de status desiguais distribuídos, se dá menos em regras legais e mais nas normas práticas, significados e identidades.
de modo razoável, a habilidades desiguais.
A identidade sempre foi um aspecto importante da cidadania, que habilita os excluí-
É relevante tratar da utilização da expressão “status” que, para os juristas, denota a dos a se organizarem em movimentos sociais e em grupos de interesse, de forma que
participação num grupo com direitos ou deveres distintos, capacidades ou incapaci- possam participar como cidadãos com direitos legais, políticos e sociais. Os direitos de
dades, determinadas e amparadas por lei. No sentido social, é empregado mais am- cidadania são o resultado de movimentos sociais que objetivam se expandir ou de-
plamente para descrever qualquer posição numa estrutura social associada com um fender a definição de agrupamento social e as consequências, a longo prazo, desses
determinado papel (posição em função dos valores sociais correntes na sociedade). movimentos sociais foram o incentivo e a universalização dos direitos de cidadania
para um conjunto crescente de pessoas.

7.2.2. NOVAS CONFIGURAÇÕES DO CONCEITO DE Destarte, nos tempos modernos, a cidadania tem sido um importante componente
CIDADANIA para que os movimentos sociais possam expandir os direitos sociais. Contudo, eles de-
vem enfrentar a oposição de teorias que tentam restringir o alcance dessas conquistas,
quer em termos de participação, quer em garantias dos direitos já conquistados.
O conceito moderno de cidadania como meramente um status sob a autoridade
do Estado tem sido questionado e ampliado, passando a incluir as várias batalhas As várias teorias pós-modernas sobre cidadania são recentes e controversas. Enquanto

70 71
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

algumas afirmam que a cidadania já não existe, outras aceitam cidadania e política, A cidadania formal não é necessariamente condição suficiente para a cidadania subs-
modificando-as segundo sua orientação se dirija a direitos particulares ou coletivos. tantiva, isto é, o simples reconhecimento dos direitos de cidadania não pressupõe o seu
Dentre elas, cabe destacar duas: as teorias do pluralismo radical e as teorias de cida- exercício, bem como não modifica as disparidades sociais, nem promove a justiça social.
dania multicultural.
Na tentativa de alcançar estes objetivos, os direitos sociais, expressão da igualdade no
O pluralismo radical rejeita tanto o pluralismo liberal quanto o comunitarismo con- conceito de cidadania, têm sido desenvolvidos para, pelo menos, minimizar os riscos
sensual e considera o conflito existente no qual o antagonismo é transformado em dos indivíduos de sofrer problemas relacionados com a pobreza e a desigualdade
consenso por meio de procedimentos e valores democráticos, mesmo que certa dis- bruta nas sociedades capitalistas modernas. Os modelos capitalistas de bem-estar
sensão seja permitida quanto à implementação e interpretação dessas posições. Nes- podem ser apreciados, por um lado, em termos de eficiência e desempenho econô-
te contexto o cidadão é ativo e protestante. micos e, de outro, em termos de sua atuação para melhorar a vida das pessoas, pro-
movendo autonomia social, por meio da igualdade, integração e estabilidade sociais
Já a cidadania multicultural assinala uma preocupação geral com a reconciliação do e do pleno desenvolvimento dos indivíduos (cidadãos).
universalismo de direitos e da associação de membros em Estados-nações liberais
com o desafio da diversidade étnica e demais aspirações de identidade atribuídas.

O instituto da cidadania tem múltiplas dimensões e somente algumas delas podem


ser ligadas intrinsecamente ao Estado nacional. Por esta razão, as teorias de cidadania
expandiram-se da relação cidadão-Estado em direção a tudo que os cidadãos pode-
riam fazer para mudar as circunstâncias, quer o Estado esteja ou não envolvido.

Ressaltando a forte vinculação da cidadania com o Estado nacional, Hannah Arendt


afirmou que aos apátridas e refugiados eram negados os direitos mais básicos (huma-
nos) em face de sua desvinculação de um Estado e que somente recuperavam certa
visibilidade e direitos de cidadania ao cometerem algum delito previsto no Código
Penal do país em que se refugiaram.

Diante dessa afirmação e de exemplos de desrespeito aos direitos humanos perpetra-


dos pelos Estados é possível concluir que estes direitos não são passíveis de imposição,
ou melhor, não são “tutelados” ou garantidos efetivamente, de modo que, sob o ponto
de vista legal, na prática as pessoas geralmente reivindicam direitos humanos a partir
de um direito de cidadania pré-existente.

Já na dimensão da atuação dos cidadãos além das fronteiras dos Estados, retomou-se
a noção de cidadania cosmopolita ao defender o forte senso do coletivo e responsabi-
lidade individual para com o mundo como um papel de suporte para desenvolver as
efetivas instituições globais a fim de aliviar a pobreza e desigualdade, degradação do
meio ambiente e violação aos direitos humanos.

72 73
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

8 DIREITOS HUMANOS
No século XX, o caso mais conhecido de perseguição às minorias ocorreu na Alema-
nha na época em que Adolf Hitler assumiu o poder. Neste período, o partido nazista

E RELAÇÕES ETNICO-
encarcerou e exterminou milhões de judeus com a justificativa de que eles não faziam
parte da superioridade biológica e racial ariana. Entre outros grupos, os nazistas perse-

CULTURAIS NA SOCIEDADE guiram comunistas e ciganos, o que configura a reação contra minorias de cunho não
apenas religioso, mas ideológico e social.

Porém, o termo não deve ser associado a grupos em menor número em uma socie-
dade, mas, sim, ao controle de um grupo majoritário sobre os demais, independente
8.1 A IDEIA DE MINORIA da quantidade numérica. Ao longo da história, diversos acordos e tratados tiveram o
objetivo de resolver a questão dos grupos minoritários. Durante o Século XVI, a Paz
Minorias são grupos marginalizados dentro de uma sociedade devido aos aspectos de Augsburgo reivindicou os direitos das minorias no que se refere à prática livre dos
econômicos, sociais, culturais, físicos ou religiosos. Contudo, seu conceito é tão polêmi- cultos religiosos que não fossem oficiais nos países.
co que até a Organização das Nações Unidas não conseguiu formalizar um conceito
No período após as duas grandes guerras mundiais, que evidenciaram a extrema vio-
universalmente aceito.
lência contra as minorias, estimulada pelo nacionalismo, foram estabelecidos tratados
Vale salientar que sempre houve muita hesitação sobre o assunto: a Declaração Uni- de proteção aos grupos minoritários. Por meio da Liga das Nações, fundada no ano de
versal não tratou particularmente dos Direitos das Minorias, de modo que o Pacto In- 1919, poderia haver intervenções caso alguma minoria fosse novamente perseguida.
ternacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966 foi o primeiro instrumento normativo
Com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, a questão foi
internacional da ONU, a tratar sobre o tema, ainda assim, sem fornecer uma definição
novamente levantada. Porém, não aparece na Declaração dos Direitos do Homem.
de minoria, apenas exigindo o respeito aos direitos dos grupos minoritários, como evi-
Outra medida tomada neste aspecto foi a Carta de Paris, de 1990. Neste documento
denciado em seu artigo 27.
foi apontada a necessidade de proteção à identidade religiosa, linguística, cultural e
Segundo Alves (1997), as argumentações para tamanha hesitação provinham da di- étnica das minorias. Dois anos depois, houve a criação de uma das entidades mais im-
ficuldade de conciliação das posições assimilacionistas dos Estados do Novo Mundo portantes para a questão das minorias: o Alto Comissariado para as Minorias Nacionais,
(formados por populações imigrantes) e as dos Estados do Velho Mundo, com grande que apresentou uma Declaração mais direta e urgente sobre a situação destes grupos.
gama de grupos distintos em seus territórios nacionais.
Dada a necessidade de uma definição de minoria, a Subcomissão para a Prevenção
O mesmo autor adverte, porém, que as razões mais profundas para as hesitações nes- da Discriminação e a Proteção das Minorias, criada pela ONU, encomendou ao perito
sa área acham-se expostas no Prefácio de Francesco Capotorti ao seu estudo sobre italiano Francesco Capotorti (anteriormente citado) um estudo que resultou na seguin-
minorias em 1977 (para a regulamentação do artigo 27 do Pacto dos Direitos Civis e te definição de minoria: “Um grupo numericamente inferior ao resto da população de
Políticos), a saber: desconfianças dos Estados em relação aos instrumentos internacio- um Estado, em posição não-dominante, cujos membros - sendo nacionais desse Esta-
nais de proteção dos direitos das minorias, vistos como pretextos para interferência do - possuem características étnicas, religiosas ou linguísticas diferentes das do resto da
em assuntos internos; ceticismo quanto ao fato de se abordar, em escala mundial, as população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de solidarieda-
situações distintas das diversas minorias; a crença na ameaça à unidade e à estabilida- de, dirigido à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua. ”
de interna dos Estados pela preservação da identidade das minorias em seu território
Cabe aqui salientar que há duas definições com que caracterizar minorias, envolvendo
e, finalmente, a ideia de que a proteção a grupos minoritários constituiria uma forma
as concepções sociológica e antropológica. Segundo Moonen :
de discriminação.

74 75
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

Na sociologia o termo minoria normalmente é um conceito puramente quan- Delimitadas essas considerações, passemos aos critérios de identificação das minorias,
titativo que se refere a um subgrupo de pessoas que ocupa menos da metade
que envolvem aspectos objetivos e subjetivos. O aspecto objetivo envolve a observação
da população total e que dentro da sociedade ocupa uma posição privilegiada,
neutra ou marginal.
da realidade concreta das minorias, tendo provados seus laços étnicos, linguísticos e
culturais através de documentos históricos e testemunhos comprovadamente verídi-
cos dos fatores característicos distintivos.
No aspecto antropológico, por sua vez, a ênfase é dada ao conteúdo qualitativo, refe-
rindo-se a subgrupos marginalizados, ou seja, minimizados socialmente no contexto O critério subjetivo envolve o reconhecimento da minoria (de existência já objetiva-
nacional, podendo, inclusive, ser uma maioria em termos quantitativos. Uma das pri- mente demonstrada ) pelo Estado, sendo importante observar que o não reconheci-
meiras definições nesse sentido foi a do já mencionado membro da escola de Chica- mento, por parte do Estado, de uma minoria, não o dispensa de respeitar os direitos
go Louis Wirth, sendo minoria: do grupo minoritário em questão, conforme visão de Capotorti, também compartilha-
da por Luciano Maia : “nem membros de um grupo nem o Estado podem, discricio-
nariamente, arbitrar se o grupo possui os fatores característicos distintivos, e se incide
um grupo de pessoas que, por causa de suas características físicas ou cultu-
rais, são isoladas das outras na sociedade em que vivem, por um tratamento
no conceito de minoria.”
diferencial e desigual, e que por isso se consideram objetos de discriminação
coletiva. (WIRTH, 1979)
8.2 GÊNERO E SUBJETIVIDADE
Verifica-se, portanto, que, no conceito antropológico, a diferença não está em termos
quantitativos, mas no tratamento e no relacionamento entre os vários subgrupos, nas No texto “Regulações de gênero”, Judith Butler (2006: 57-73) considera que vários tra-
relações de dominação e subordinação. Sem nos pautarmos em números, o grupo balhos realizados no campo dos estudos feministas ou dos estudos de gays e lésbicas
dominante é a maioria, sendo minoria o grupo dominado. partem do pressuposto de que o gênero é uma forma de regulação social.

Assim, permanecem as dificuldades para o alcance de uma definição consensual para Dispositivos específicos de regulação – legais, institucionais, militares, educacionais, so-
o termo minorias. Nem a Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a ciais, psicológicos e psiquiátricos – são evocados no intuito de refletir sobre a maneira
Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas (a ser tratada mais adiante no pela qual tais regulações são engendradas e impostas aos sujeitos. Em geral, tende-se
presente trabalho) se propõe a uma definição, nem em seu preâmbulo, nem em sua a pensar que existe uma separação entre o poder da regulação – entendido como
parte dispositiva. Entretanto, a criação de um Grupo de Trabalho pela Subcomissão uma estrutura unificada e autônoma – e o próprio gênero, como se o primeiro agisse
para Prevenção da Discriminação e Proteção às Minorias (através da Resolução 1994/4,
de 19 de agosto de 1994) promete avanços nessa área conceitual.

Judith Butler (24 de fevereiro de 1956, Cleveland, Ohio) é uma filó-


As minorias étnicas são grupos que apresentam entre seus membros, traços históricos, sofa pós-estruturalista estadunidense, uma das principais teóricas
da questão contemporânea do feminismo, teoria queer, filosofia
culturais e tradições comuns, distintos dos verificados na maioria da população. Já as política e ética. Ela é professora do departamento de retórica e
literatura comparada da Universidade da Califórnia em Berkeley
minorias linguísticas são aquelas que usam uma língua (independentemente de ser (Maxine Elliot Professor).[1] Desde 2006 Judith Butler atua como

escrita) diferente da língua da maioria da população ou da adotada oficialmente pelo Professora de Filosofia no European Graduate School (EGS), Suíça.
Obteve seu Ph.D. em filosofia na Yale University em 1984, e sua
Estado. Vale salientar que não é considerado língua mero dialeto com sutis diferenças dissertação foi publicada como Subjects of Desire: Hegelian Reflec-
tions in Twentieth-Century France. Em fins da década de 1980, en-
em relação à língua predominante. Minorias religiosas, por sua vez, são grupos que tre diversas designações de ensino e pesquisa (tais como no Centro
de Humanidades na Johns Hopkins University), ela envolveu-se nos
professam uma religião distinta da professada pela maior parte da população, mas esforços de crítica ao estruturalismo presente na teoria feminista
ocidental (Claude Lévi-Strauss), questionando os “termos pres-
não apenas uma outra crença, como o ateísmo. suposicionais” do feminismo vigentes.

76 77
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

reprimindo e moldando os sujeitos sexuados, transformando-os em masculinos ou Porém, diferentemente de Foucault, Butler considera que as regulações de gênero
femininos. No entanto, para a autora, o problema é mais sutil. Não haveria uma regula- não são apenas mais um exemplo das formas de regulamentação de um poder mais
ção anterior ou autônoma em relação ao gênero, pois, ao contrário, o sujeito gendrado extenso, mas constituem uma modalidade de regulação específica que tem efeitos
só passa a existir na medida de sua própria sujeição às regulações (Butler, 1997:1-31). constitutivos sobre a subjetividade.

Esta concepção deriva fundamentalmente da teoria de poder formulada por Michel As regras que governam a identidade inteligível são parcialmente estruturadas a par-
Foucault, na qual o poder não atua simplesmente oprimindo ou dominando as subje- tir de uma matriz que estabelece a um só tempo uma hierarquia entre masculino e
tividades, mas opera de forma imediata na sua construção. Assim, o caráter formativo feminino e uma heterossexualidade compulsória. Nestes termos o gênero não é nem
ou produtivo do poder estaria totalmente vinculado aos mecanismos de regulação e a expressão de uma essência interna, nem mesmo um simples artefato de uma cons-
disciplina que ele instaura e procura conservar (Peixoto Júnior, 2004). O que faz com trução social. O sujeito gendrado seria, antes, o resultado de repetições constitutivas
que os discursos reguladores que formam o sujeito do gênero sejam os mesmos res- que impõem efeitos substancializantes. Com base nestas definições, a autora chega a

ponsáveis pela produção da sujeição. afirmar que o gênero é ele próprio uma norma (Butler, 2006:58).

Com efeito, ao propor uma analítica do poder, Foucault considera que a partir da era Sujeitado ao gênero, mas subjetivado pelo gênero, o “eu” nem precede, nem
moderna, o poder não pode mais ser tomado como um fenômeno de dominação segue o processo dessa “criação de um gênero”, mas apenas emerge no âmbi-
maciço e hegemônico de um indivíduo sobre os outros ou de um grupo sobre os to e como a matriz das relações de gênero propriamente ditas (Butler, 1993:7).

outros, tal como se pode constatar no modelo da Soberania. O poder problematizado


como biopoder seria, antes, algo que circula, que funciona em rede, fazendo com que
Um dos exemplos mais notáveis da naturalização dos processos de construção da
o indivíduo não seja o outro do poder, mas um dos seus primeiros efeitos.
identidade decorrentes da repetição das normas constitutivas seria a interpelação mé-
dica. Nesse caso, através do procedimento da ultra-sonografia, transforma-se o “bebê”
A principal forma de exercício do poder, que aparece na passagem do séc. XVIII para
antes mesmo de nascer em “ele” ou “ela”, na medida em que se torna possível um
o século XIX, é a do regime disciplinar, o qual produz um discurso que não é o da lei
enunciado performativo do tipo: “é uma menina”! A partir desta nomeação, a menina
ou da regra jurídica, mas aquele das ciências humanas que se constituirá enquanto
é “feminizada” e, com isso, inserida nos domínios inteligíveis da linguagem e do paren-
norma (Foucault, 1992:183). Esta normatividade opera de forma imanente às práticas
tesco através da determinação de seu sexo.
históricas e sociais, produzindo efeitos duradouros de territorialização no campo subje-
tivo. Atuando como ideal regulador, ela estabelece fronteiras entre determinadas prá-
Entretanto, essa “feminização” da menina não adquire uma significação estável e per-
ticas tidas como inteligíveis, lícitas e reconhecíveis e outras consideradas ininteligíveis,
manente. Ao contrário, essa interpelação terá que ser reiterada através do tempo com
ilícitas e abjetas, as quais constituem o território dos anormais (Foucault, 1999).
o intuito de reforçar esse efeito naturalizante. Certamente seria estranho, diante da
imagem de um bebê numa ultra-sonografia, afirmar que “se trata de uma lésbica”.
Como este enunciado não faz parte de nossa inteligibilidade cultural, ele serve antes
Michel Foucault (Poitiers, 15 de outubro de 1926 — Paris, 25 de de tudo para demonstrar de maneira muito precisa como o ato de nomear é, ao mes-
junho de 1984) foi um filósofo, historiador das ideias, teórico social,
filólogo e crítico literário. Suas teorias abordam a relação entre pod- mo tempo, a repetição de uma norma e o estabelecimento de uma fronteira.
er e conhecimento e como eles são usados como uma forma de
controle social por meio de instituições sociais. Embora muitas vezes
seja citado como um pós-estruturalista e pós-modernista, Foucault Dessa forma, a nomeação do sexo é um ato performativo de dominação e coerção
acabou rejeitando esses rótulos, preferindo classificar seu pensamen-
to como uma história crítica da modernidade. Seu pensamento foi que institui uma realidade social através da construção de uma percepção da corpo-
muito influente tanto para grupos acadêmicos, quanto para ativistas.
reidade bastante específica. A partir dessa perspectiva pode-se entender que o gê-
nero é uma “identidade tenuamente construída através do tempo” por meio de uma

78 79
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

repetição incorporada através de gestos, movimentos e estilos (Butler, 2003:200). se recorre para pensar a diferença entre os sexos na psicanálise, é o modelo – historica-
mente construído nos séculos XVIII e XIX – da hierarquia entre o masculino e o femi-
Porém, se os atributos de gênero são performativos e não uma identidade pré-existen- nino e da exclusão da homossexualidade (Arán, 2001). Nesse sentido, levar em conta
te, a postulação de um “verdadeiro sexo” (Foucault, 1994) ou de uma “verdade sobre a historicidade do sexual não é apenas uma questão ética e política, mas, sobretudo,
o gênero” revela antes uma ficção reguladora. Além disso, se para que essa ficção per- uma questão teórica da maior importância. Se existe um território sexual “fora” ou “ex-
maneça é necessária uma repetição reiterativa, podemos pensar que a aproximação cluído” do simbólico, em relação ao qual o próprio simbólico se constitui, é fundamen-
de um ideal de gênero – masculino ou feminino – nunca é de fato completa, e que tal reconhecer como as contingências históricas e políticas podem promover neste
os corpos nunca obedecem totalmente às normas pelas quais sua materialização é mesmo território deslocamentos subjetivos, ampliando as possibilidades existenciais.
fabricada. Nesse sentido, é justamente pelo fato de a instabilidade das normas gênero
estarem abertas à necessidade de repetição do mesmo que a lei reguladora pode ser Não é difícil perceber que a o caráter fixo da norma estruturalista estabelece as posi-
reaproveitada numa repetição diferencial. Assim, afirma Butler: ções consideradas legítimas através da imposição de uma matriz heterossexual. Todo
o resto, então, torna-se incompreensível, caso não corresponda a um esquema binário
Assim, gênero é o mecanismo pelo quais as noções de masculino e feminino são pro- hierárquico, e permanece como um excesso impossível de ser inscrito no âmbito sim-
duzidas e naturalizadas, mas ele poderia ser muito bem o dispositivo pelo qual estes bólico. Os conceitos de identificação e sexuação na psicanálise, por exemplo, estão de
termos são descontruídos e desnaturalizados (Butler, 2006:59). Ou seja, se por um lado tal forma adstritos a uma lei estabelecida a priori, que acabam por fixar e restringir as
ele funciona como norma social, para os movimentos sociais feministas e de outras manifestações das sexualidades a duas posições normativas: “masculino” e “feminino”:
sexualidades (gays, lésbicas, transexuais e cissexuais, entre outros), ele também pode
ser fonte de resistência. Se compreendermos essa normatividade como uma estrutura anterior e transcen-
dente às manifestações sociais, políticas e, necessariamente, históricas, o simbólico
Se o gênero é uma norma, não podemos deixar de lembrar o que há de frágil na sua será apresentado como uma força que não poderá ser modificada e subvertida sem
incorporação pelas subjetividades. Há sempre uma possibilidade de deslocamento, a ameaça da psicose ou da perversão. Ao contrário, se compreendermos a normati-
pensando como já vimos na descentração do sujeito identificada por Stuart Hall, no vidade lei como algo que é vivido e constantemente reiterado de forma imanente às
primeiro bimestre, que é inerente à repetição do binarismo masculino-feminino. Não relações de poder, as possibilidades de modificação e subversão, inclusive do simbóli-
é à toa que, como afirma Butler, expressões tais como “problemas de Gênero”, “gender co, não necessariamente significarão uma ameaça à cultura e à civilização (Arán, 2006;
blending”, “transgêneros” e “cross-gender” já sugerem o ultrapassamento deste bina- Peixoto Júnior, 2004a).
rismo naturalizado (Butler, 2006:60).
É preciso, portanto, um certo estremecimento dessas fronteiras excessivamente rí-
Ainda assim, para formular uma nova concepção de subjetivação que acompanhe gidas e fixas da identificação e do desejo para que outras formas de construção do
a reelaboração das normas de gênero, é importante salientar a diferença entre uma gênero possam habitar o mundo viável da sexuação e sair do espectro da abjeção (da
interpretação estruturalista da subjetividade – que pressupõe a permanência da hie- exclusão enquanto orientação sexual aceita).
rarquia, do binarismo, da heterossexualidade e da diferença sexual como condição da
cultura –, e uma concepção histórica e contingente, que permita pressupor a ultrapas- Conforme acreditamos ter indicado, pressupor a instabilidade das normas de gêne-
sagem subversiva dessas fronteiras normativas. Mesmo que se queira mantê-las numa ro permite afrouxar a relação entre a assunção do sexo e a escolha do objeto sexual.
relação de tensão, é importante não perder de vista a necessidade de uma leitura Nesse sentido, cabe perguntar o que acontece quando as proibições primárias contra
crítica mais apurada dos pontos de vista sobre gênero e desejo fundados numa pers- o incesto produzem deslocamentos e substituições que não se ajustam aos modelos
pectiva estrutural. supostamente normais da sexuação.

Não são poucos os trabalhos que demonstraram como o modelo tradicional, ao qual Segundo Butler, na realidade, uma mulher pode encontrar a imagem que corres-

80 81
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

ponderia à figura paterna em outra mulher ou substituir seu desejo pela mãe por um Nesse contexto, a política queer torna-se emblemática, já que condensa em si tanto
homem e, neste momento, se produz um certo entrecruzamento de desejos heteros- uma degradação passada como uma afirmação presente, demonstrando de forma
sexuais e homossexuais. Se admitirmos a suposição psicanalítica de que as proibições radical a contingência das normas de gênero. A resignificação da sexualidade gay e
primárias não apenas produzem desvios do desejo sexual, mas também consolidam lésbica através da abjeção e contra abjeção pôde significar uma proliferação e uma
um sentido psíquico de “sexo” e de diferença sexual, precisamos nos dar conta de uma subversão do próprio simbólico, estendendo e alterando a normatividade dos seus ter-
consequência fundamental implícita neste ponto de vista. mos. Ao introduzir as homossexualidades no terreno da simbolização, novas formas de
subjetivação, assim como novas formas de sociabilidade, tornaram-se possíveis. Daí a
Daí parece decorrer que os desvios coerentemente heterossexualizados requerem necessidade de continuarmos a repensar os parâmetros a partir dos quais abordamos
que as identificações se efetuem sobre a base de corpos igualmente sexuados, e que o desejo, a sexualidade e as subjetividades no mundo contemporâneo. Nesse sentido,
o desejo se desvie através da divisão sexual para membros do sexo oposto. Mas, se um a subversão do desejo também é uma abertura para novas possibilidades de existên-
homem pode identificar-se com sua mãe e desejar partindo dessa identificação, de cia até hoje consideradas impensáveis por certos autores.
algum modo, ele já confundiu a descrição psíquica do desenvolvimento de gênero es-
tável. E se esse mesmo homem deseja outro homem ou uma mulher, será que o seu
desejo é homossexual, heterossexual ou mesmo lésbico? E o que significa restringir 8.3 AÇÕES AFIRMATIVAS E AÇÕES
qualquer indivíduo dado a uma única identificação? (Butler, 1993:99). TRANSFORMATIVAS
Se tais fantasias podem saturar um lugar de desejo, não estamos em posição de ou
bem nos identificarmos com um sexo dado, ou bem desejar alguém deste sexo; na Para podermos ter uma compreensão do papel social das ações afirmativas e transfor-
realidade, de um modo mais geral, não estamos em posição de considerar que a iden- mativas promovidas pelo governo ou pelos movimentos sociais em rol da ampliação
tificação e o desejo sejam fenômenos reciprocamente excludentes. Identificar-se não dos diretos humanos, sobretudo nas relações étnico-culturais, é necessário compreen-
é opor-se ao desejo, afirma Butler. A identificação é, ao mesmo tempo, uma trajetória dermos as bases teóricas que justificam as justificam, o que nos leva a ter que incial-
fantasmática, uma resolução de desejo e uma assunção de lugar: trata-se da territoria- mente compreender o Dilema entre Redistribuição e Reconhecimento proposto pela
lização de um objeto que possibilita a identidade mediante a temporária resolução do autora e cientista política Nancy Fraser .
desejo, que ainda permanece sendo um desejo, mesmo sob a sua forma repudiada.
Ao abordar o tema da justiça, notadamente em From Redistribution to Recognition?,
A referência da autora à identificação múltipla não equivale a sugerir que todos se ensaio de 1995 publicado na New Left Review e, mais recentemente retomando o
sintam compelidos a ser ou ter tal fluidez identificatória. A sexualidade é tão motivada tema em Redistribution or Recognition?, discussão com Axel Honneth que obteve
pela fantasia de recuperar objetos perdidos quanto pelo desejo de permanecer prote- grande repercussão pública, Nancy Fraser pensa as relações entre as dimensões do
gido da ameaça de punição que tal recuperação poderia ocasionar.

Também pode ocorrer que se estabeleçam certas identificações e afiliações, certas


conexões complacentes amplificadas, precisamente para instituir uma desidentifica-
ção com uma posição que pareça excessivamente saturada de dor e agressão, posi- Nancy Fraser (Baltimore, 20 de maio de 1947) [1] é uma filósofa afili-
ada à escola de pensamento conhecida como Teoria Crítica. Estudou
ção que, em consequência, só poderia ser ocupada imaginando-se conjuntamente a Filosofia na City University of New York. É titular da cátedra Henry A.

perda de uma identidade viável. As identificações, portanto, podem proteger contra and Louise Loeb de Ciências Políticas e Sociais da New School Uni-
versity, também em Nova York.

certos desejos ou atuar como veículos para o desejo; para facilitar certos desejos talvez
seja necessário proteger-se de outros: a identificação é o lugar no qual ocorrem, de
modo ambivalente, a proibição e a produção do desejo (Peixoto Júnior, 2005).

82 83
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

Enquanto ações de redistribuição tendem a nivelar grupos distintos, destruindo em-


Axel Honneth (Essen, 1949) é um filósofo e sociólogo alemão. Des- pecilhos econômicos que impeçam um grupo determinado de prosperar financeira-
de 2001, é diretor do Instituto para Pesquisa Social da Universidade
de Frankfurt (Universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt),
mente e buscando igualdade a partir do paradigma econômico, políticas de reconhe-
instituição na qual surgiu a chamada Escola de Frankfurt. Também é
professor de Filosofia Social na mesma universidade, desde 1996. No
cimento propendem a criar diferenciação entre grupos, a partir de quando fomentam
campo da filosofia social e prática, está ligado ao projeto de relança- a particularidade para fins de superar determinada deficiência simbólica de um grupo
mento da tradição da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, através de
uma teoria do reconhecimento recíproco, cujo programa está conti- (FRASER, 1995, p. 74).
do em seu livro publicado no Brasil como Luta por reconhecimento -
A Gramática Moral dos Conflitos Sociais, em 2003. Publicou também
em português Sofrimento de indeterminação: Uma reatualização da
Ambas as demandas, por reconhecimento e por redistribuição, argumenta Fraser, são
filosofia do direito de Hegel, em 2007.
mutuamente imbricadas, não podendo uma subsumir-se na outra. Todos os proble-
mas de injustiça social possuem essa característica bidimensional. Embora possamos
imaginar situações ideais em que grupos possuem demandas unicamente por redis-
reconhecimento e a da redistribuição para a elaboração um conceito de justiça social. tribuição ou por reconhecimento—a autora ilustra hipoteticamente com a noção de
Karl Marx, já vista no primeiro bimestre, acerca da luta de classe, baseada unicamente
A filósofa estadunidense argumenta que, no mundo contemporâneo—pós-fordista, na exploração material, portanto enfrentando problemas de ordem sócio-econômica,
pós-comunista e globalizado—as reivindicações de justiça se dividem em dois tipos: e a intolerância sexual, baseada inteiramente na falta de reconhecimento social—prag-
demandas por reconhecimento e por redistribuição, sem que uma se subsuma na maticamente não faz sentido tratar ambos os aspectos como totalmente dissociados.
outra. A primeira, originária da filosofia hegeliana, é tida como pertencente à ordem “[...] Portanto, superar injustiças em virtualmente todos os casos requer tanto redistri-
ética (Sittlichkeit). A segunda, oriunda principalmente da tradição liberal angloameri- buição quando reconhecimento” (FRASER, 2003, p. 25).
cana, representada principalmente por John Rawls e Ronald Dworkin, em oposição à
primeira, tem a ver com a ordem moral (FRASER, 2003, p. 9-10). Essa aparente aporia entre um conceito de injustiça que envolve carências de redis-
tribuição e de reconhecimento, o primeiro visando a liquidação da diferença entre
Para entendermos o uso que a autora faz dos termos reconhecimento e redistribuição, grupos e o segundo fomentando-a, é o que a autora chama de dilema redistribuição-
é necessário termos em mente sua classificação do injusto, dividido entre injustiças -reconhecimento (FRASER, 1995, p. 74), e é em suma o que implicará na importante
socioeconômicas de um lado e injustiças culturais, ou simbólicas, de outro. Injustiças divisão entre políticas afirmativas e políticas transformativas.
socioeconômicas são aquelas que têm sua origem na estrutura político-econômica
da sociedade, na estratificação social, sendo exemplos a exploração do trabalho e a Para explicar tal dilema, Fraser usa o exemplo das demandas das mulheres. Entende
marginalização econômica (FRASER, 1995, p. 70). Diferentemente destas, as injustiças o desenvolvimento da segunda onda feminista como sendo dividida em três “atos”: O
culturais são baseadas nos “padrões sociais de representação, interpretação e comu- primeiro, nascido no período pós-guerra com inspirações tanto liberais como socialis-
nicação”. São injustiças derivadas essencialmente de problemas de reconhecimento, tas, tinha como fim a denúncia e transformação do androcentrismo capitalista; Mais
como dominação cultural, não-reconhecimento, carência de representação e desres- tarde, no segundo ato, o movimento partia para a discussão de políticas de identida-
peito social (FRASER, 1995, p. 71). de. Nesse momento, ela identifica a guinada das demandas por redistribuição para
demandas por reconhecimento, voltado a políticas culturais e de fomento à diferença.
Dessa forma, injustiças sócioeconômicas têm como remédio políticas redistributivas, No terceiro ato, ainda em desenvolvimento, a autora vê a retomada de um espírito
que podem incluir mudanças desde a redistribuição de renda até profundas altera- revolucionário conjugado com o aprofundamento de suas críticas antigas ao andro-
ções nas estruturas econômicas básicas. Estas medidas serão tratadas sob o termo centrismo capitalista (baseado no sujeito como masculino em posição ao feminino),
genérico de redistribuição. Enquanto injustiças culturais devem ser remediadas com sua análise da dominação masculina e suas propostas de revisão dos conceitos de
o também genérico termo reconhecimento, que envolve mudanças simbólicas em democracia e justiça por uma ótica feminista (FRASER, 2013, p. 1).
geral, como a valoração positiva de um grupo étnico/social/cultural específico ou, mais
profundamente, a total revaloração dos padrões sociais de representação. A autora defende que a construção do conceito de gênero segue a mesma lógica bi-

84 85
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

dimensional. A concepção androcêntrica de gênero da sociedade ocidental, por um cimento e redistribuição através da reestruturação de suas estruturas econômicas e
lado, subordina culturalmente a figura feminina e lhe relega a segundo plano em se sociais geradoras. O desaparecimento do problema deve se dar pela aniquilação de
tratando de estima social. Tal sujeição simbólica pertence ao campo do reconhecimen- sua causa, através da mudança das relações e dos fenômenos que lhe dão origem.
to. Por outro lado, talvez por consequência da primeira dimensão, as demandas origi- Em vez de delimitar e valorar positivamente um grupo específico, as diferenciações de
nadas em função de gênero também possuem uma faceta social, na medida em que grupo são apagadas (FRASER, 1995, p. 82).
resta à mulher, se não o trabalho doméstico, não remunerado, a ocupação das mes-
mas funções masculinas, mas com um salário injustificadamente menor. As duas di- O tratamento transformativo do problema do androcentrismo em uma determinada
mensões são distintas e não podem subsumir-se uma à outra, por isso, para a autora, a sociedade e a consequente disparidade de estima entre pessoas do gênero mas-
justiça social só será efetiva se tiver caráter bidimensional (FRASER, 2013, pp. 161-163). culino e feminino, por exemplo, envolveria a desconstrução dos históricos papéis de
gênero e reconfiguração das dinâmicas que os geram, o que, grosseiramente falando,
O conceito bidimensional de justiça proposto por Nancy Fraser tem como chave a no- pode ser considerado o objetivo da teoria queer de maneira geral.
ção de paridade de participação. O argumento de Fraser é de que para haver justiça,
“todos os membros (adultos) de uma sociedade devem interagir uns com os outros A diferença entre as formas de abordagem não está na progressão gradual da primei-
como pares” (FRASER, 2003, p. 36) e, para isso, duas condições devem ser satisfeitas: ra em oposição à radicalidade imediata da segunda, mas essencialmente em seus
“a distribuição dos recursos materiais deve ser tal que garanta a independência e ‘voz’ focos diversos. Pode-se dizer, não sem ressalvas, que a primeira mira na reconstrução
dos participantes” e “os padrões institucionalizados de valor cultural [devem] expressar da infraestrutura social, enquanto a segunda almeja mudanças na superestrutura (no
igual respeito a todos os participantes e garantir a igual oportunidade de atingirem modelo de Marx).
estima social” (FRASER, 2003, p. 36). A satisfação dessas condições, explica, podem, da
mesma forma, ser satisfeitas através de duas abordagens distintas: afirmativamente ou Dessa forma, a abordagem afirmativa dos problemas de injustiça social, especifica-
transformativamente. mente de redistribuição, vincula-se historicamente à proposta da forma liberal do Wel-
fare State, enquanto as ações transformativas são reconhecidas pela sua proximidade
A abordagem afirmativa busca tratar topicamente o problema, sem alterar suas causas,
ao ideário socialista. No âmbito do reconhecimento, a abordagem afirmativa liga-se,
mas buscando remediar suas consequências. Ações afirmativas, dentro deste conceito,
argumenta a autora, à corrente multiculturalista e a transformativa, à desconstrutivista.
não questionam o sistema gerador dos conflitos e problemas sociais, mas almejam sua
solução através de uma abordagem paliativa de suas decorrências. Exemplos de abor- Fraser elabora um critério para identificar demandas legítimas por reconhecimento e
dagem afirmativa à problemática da discriminação sexual são as políticas de valoração redistribuição. Seguindo sua ideia de paridade de participação, os demandantes de
positiva da homossexualidade, tratando gays e lésbicas como grupo distinto e merece- reconhecimento e de redistribuição devem mostrar, respectivamente, que os padrões
dor de reconhecimento adicional. Cria-se então um grupo diferenciado em relação ao
institucionalizados de valor cultural e o modelo econômico vigente lhe negam as con-
qual se dirigem políticas específicas de resolução de injustiças (FRASER, 1995, p. 74).
dições subjetivas e objetivas para que haja paridade de participação. Em fazendo isso,
suas demandas estão justificadas (FRASER, 2003, p. 41).
A recente abertura na Índia de um banco voltado para mulheres, na tentativa de
buscar empoderamento feminino, remediar problemas de gênero e promover acesso
Concluindo, a partir do enfretamento do Dilema Redistribuição-Reconhecimento, Fra-
feminino a meios de financiamento, é um caso de abordagem afirmativa da deman-
ser argumenta que a melhor forma de reparar injustiças sociais em situações de gru-
da feminina por reconhecimento na Índia. Não se busca aqui remodelar os padrões
pos bivalentes, ou seja, que enfrentam tanto problemas de redistribuição quanto de
sociais daquele país e desconstruir a histórica sujeição social feminina, mas somente
reconhecimento, como os casos discriminação racial ou sexual, por exemplo, é sem-
tratar uma consequência do problema, no caso, a falta de acesso serviços bancários
pre a abordagem transformativa: socialista quanto à redistribuição e desconstrutivista
por essa parcela da população.
quanto ao reconhecimento (FRASER, 1995, p. 91)
Por outro lado, a abordagem transformativa procura resolver problemas de reconhe-

86 87
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

9 REFERÊNCIAS
__________. The psychic life of power – theories in subjection. California, Stanford University
Press, 1997.

__________. Bodies that Matter. On the discursive limits of “sex”. New York, Routledge, 1993.
ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura dos direitos humanos. São Paulo: FTD. 1997
FOUCAULT, Michel. Les anormaux, Cours au Collège de France (1974-1975). Paris, Gallimard, 1999.
ARÁN, Márcia. A Transexualidade e a gramática normativa do sistema sexo-gênero. Revista Ágo-
ra. Estudos em Teoria psicanalítica, vol. IX, nº1, Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, janeiro-junho, __________. Sujeito e poder. In: DREYFUS, Hubert & RABINOW, Paul. (orgs.) Michel Foucault
2006, pp.29-63. Uma Trajetória Filosófica. Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro, Fo-
rense Universitária, 1995, pp.231-249.
__________. Políticas do desejo na atualidade; o reconhecimento social e jurídico do casal ho-
mossexual. Lugar Comum, Estudos de Mídia, Cultura e Democracia Homossexual, nºs 21-22, __________. Le vraie sexe [1980]. In: Dits et écrits IV. Paris, Gallimard, 1994.
Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, julho-dezembro, 2005, pp.73-90.
__________. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro, Graal, 1992.
__________. Sexualidade e política na cultura contemporânea: as uniões homossexuais. In:
COMTE, A. Discurso preliminar sobre o conjunto do positivismo. São Paulo: Nova Cultural, 2000.
Loylola, Maria Andréa. (org.) Bioética, reprodução e gênero na sociedade contemporânea. Rio
de Janeiro/Brasília, ABEP/Letras livres, 2005, pp.211-229.
COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 1987

__________. O Avesso do Avesso: Feminilidade e novas formas de subjetivação. Tese de Douto-


DURKHEIM, E. Las formas elementales de Ia vida religiosa. Buenos Aires: Schapire, 1968.
rado, Saúde Coletiva, Instituto de Medicina Social da UERJ, 2001.

_______. As regras do método sociológico. Tradução de Maria Isaura P. Queiroz. São Paulo:
ARAN, Márcia; PEIXOTO JUNIOR, Carlos Augusto. Subversões do desejo: sobre gênero e subje-
Companhia Editora Nacional, 1974.
tividade em Judith Butler. Cadernos Pagu [online]. 2007, n.28, pp. 129-147. ISSN 1809-4449.
Disponível em http://dx.doi.org/10.1590/S0104-83332007000100007.
_______. Sociología y filosofía. Tradução de M. Bolafío Hijo. Buenos Aires: Kraft, 1951.

ARENDT, Hannah. Compreender: Formação, Exílio e totalitarismo. Trad. Denise Bottmann. São
_______. De la división del trabajo social. Tradução de David Maldavsky. Buenos Aires: Schapire, 1967
Paulo: Companhia das Letras, 2008.
FRASER, Nancy. From Redistribution to Recognition? Dilemmas of Justice in a “Post-Socialist”
BOURDIEU, Pierre. In: ORTIZ, Renato Org. Pierre Bourdieu: Sociologia . São Paulo: Editora Ática. 1983.
Age. New Left Review , n. I/212, jul-aug 1995, pp. 68-93.

_______. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil. 2002.


_______. Rethinking Recognition. New Left Review, n. 3, may-jun 2000, pp. 107-120.

BUTLER, Judith. Défaire le Genre. Paris, Éditions Amsterdam, 2006.


_______. Redistribution or recognition? A political-philosophical exchange. New York: Verso, 2003.

__________. Problemas de Gênero. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.


_______. Fortunes of Feminism: From State-Managed Capitalism to Neoliberal Crisis. New York:
Verso, 2013a.
__________. Subjects of desire: Hegelian reflections on twentieth-century France. New York,
Columbia University Press, 1999.
_______. How feminism became capitalism’s handmaiden - and how to reclaim it. The Guardian
[online]. 14 out. 2013b. Disponível em: <http://www.theguardian.com/commentisfree/2013/

88 89
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

oct/14/feminismapitalisthandmaiden-neoliberal?commentpage=1>. Acesso em: 23 jan 2016. __________. Sujeição e singularidade nos processos de subjetivação. Revista Ágora – estudos
em teoria psicanalítica, vol. VII, n° 1, Contracapa/UFRJ, 2004, pp.23-38.
INDIA PM Singh opens bank for women. BBC News, [s.l.], 19 nov 2013. Disponível em: <http://
www.bbc.co.uk/news/world-asia-india-24997277>. Acesso em: 20 jan. 2016 __________. A Lei do desejo e o desejo produtivo: transgressão da ordem ou afirmação da dife-
rença? Physis. Revista de Saúde Coletiva, vol. 14, nº 1, Rio de Janeiro, IMS/UERJ/CEPESC, 2004a,
FREITAG, Bárbara. A teoria crítica ontem e hoje. São Paulo: Editora Brasiliense, 3ª ed. 2004. pp.109-127. [ Links ]

GIDDENS, Anthony. Sociologia, Porto Alegre: Artmed, 2005. QUINTANEIRO, Tânia; BARBOSA, Maria Ligia de Oliveira; OLIVEIRA, Márcia Gardênia Monteiro de.
Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber. 2. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: UFMG, 2002
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade/ tradução Tomaz Tadeu da Silva, Gua-
cira Lopes Louro-11. Ed.- Rio de janeiro: DP&A, 2006. ROUDINESCO, Elisabeth. A Família em desordem. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2003.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 24 ed. Rio de Janeiro: Jorge ROUSSEAU, Jean-Jacques. (1978) Do contrato social; Ensaio sobre a origem das línguas; Dis-
Zahar Ed, 2009. curso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; Discurso sobre as
ciências e as artes. São Paulo: Abril Cultural. (Os Pensadores)
LAFER, Celso. “A Reconstrução dos Direitos Humanos: capítulo V - Os Direitos Humanos como
construção da igualdade – A cidadania como o direito a ter direitos”. Editora: Companhia das SAAVEDRA, G. A. & SOBOTTKA, E. A. Introdução à teoria do reconhecimento de Axel Honneth.
Letras, 1998. Civitas. Porto Alegre v. 8 n. 1, jan.-abr. 2008.

MARSHALL, Thomas Humphrey. “Cidadania, classe social e status”. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. SELL, Carlos Eduardo. Sociologia Clássica: Durkheim, Weber e Marx. Itajaí: Vozes, 2001.

MARX, K. Manuscritos: economía y filosofía. Tradução de Francisco Rubio Llorente. Madrid: SIMMEL, Georg. A metrópole e a vida mental. In: VELHO, Otávio G. (Org.). O fenômeno urbano.
Alianza Editorial, 1974. Rio de Janeiro: Guanabara, 4a. ed., 1987.

______. Miseria de Ia filosofía. Respuesta a ia filosofía de la miseria del senor Proudhon. Buenos SOBOTTKA, Emil Albert. “A Escola de Frankfurt nos anos 1930. Sobre a teoria crítica de Max
Aires: Siglo XXI, 1974. Horkheimer. In: MIGLIEVICH RIBEIRO, A. M. et al. A modernidade como desafio teórico. Ensaios
sobre o pensamento social alemão. Porto Alegre: Edpucrs, 2008, p. 207-226.
MARX, K; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. In: __ . Obras escogidas de Marx y Engels.
Madrid: Fundamentos, 1975. 2 V. TURNER, Brian; ISIN, Engin. “Handbook of citizenship studies”. London: Sage Publications, 2002.

MARX, K. Manuscritos: economía y filosofía. Tradução de Francisco Rubio Llorente. Madrid: WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 2a edição, Rio de Janeiro, Zahar, 1971.
Alianza Editorial, 1974.
______. A ciência como vocação. In: GERTH, Hans; MILLS, Wright. Max Weber. Ensaios de Socio-
______. Prefácio. In: __. Contribuição para a crítica da economia política. Lisboa: Estampa, 1973. logia. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

PEIXOTO JÚNIOR, Carlos Augusto. Sexualidades em devir e subversão das identidades. Revista WIRTH, Louis: O urbanismo como modo de vida. In Velho, Otávio (org.), O Fenômeno Urbano,
Ethica – cadernos acadêmicos, vol. 12, n°s 1/2, Rio de Janeiro, UGF, 2005, pp.131-155. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979.

90 91
SOCIOLOGIA E RELAÇÕES ÉTNICO-CULTURAIS E DIREITOS HUMANOS

MULTIVIX.EDU.BR
92

Você também pode gostar