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LÓGICA

Elvis Amsterdã do Nascimento Pachêco

A Lógica é a disciplina que estuda as leis do raciocínio humano, as regras,


os fundamentos, as estruturas imutáveis de nosso pensamento. Não há homem que,
dentro da normalidade psicológica, não busque raciocinar logicamente. Não há este
que não se proponha obter a verdade utilizando-se do encadeamento devido em
seus pensamentos. Esta é a ciência da musculatura argumentativa, é a ginástica
necessária que nos introduz no mundo da demonstração.

Ela pesquisa as regras que governam o ser, o pensar e o falar. Assim, podemos nos
referir às dimensões ontológica, psicológica e lingüística desta disciplina.

(1) As coisas (os entes, os seres) possuem logicidade, pois não podemos de modo
algum assegurar que uma palmeira seja e não seja uma palmeira, que um cofo seja e
não seja um cofo, que um homem seja e não seja ele mesmo; ora, isto violaria o
princípio de identidade e levar-nos-ia a afirmações de coisas sem sentido, pois a
simples indicação de que uma palmeira é e não é uma palmeira acusaria um discurso
que contradiz a natureza deste vegetal. O que seria um homem que não é homem?
O que seria um leão que se recusa a ser leão? Uma lebre que se recolhe do ser
lebre? Enunciados semelhantes ferem de morte a natureza das coisas, isto é,
transgridem os princípios ontológicos.

(2) Também não podemos violar determinadas leis que regem nosso pensamento.
Estamos limitados por relações que não nos permitem fugir de nossa condição de
animal que busca a verdade. Tente, por exemplo, pensar em um homem que está e
não está sentado ao mesmo tempo, em uma águia que voa e não voa sob o mesmo
aspecto ou em uma flecha que foi lançada e não foi lançada sob o mesmo aspecto e
ao mesmo tempo. O nosso pensamento repele semelhantes disparates, pois julga
impossível que algo de assombroso se dê. Destarte, os mecanismos de nossa
psicologia requerem o respeito à lógica que os governa e, em todo caso de ataque a
esses princípios evidentes, nossa mente tenta afastar de si semelhantes absurdos.

(3) A nossa linguagem também é presidida por princípios, de maneira tal que não
podemos discursar de qualquer maneira, pois corremos o risco de cair em
contradição. Não é possível que alguém, ao enunciar que o tigre é tigre e não-
tigre, tenha a mínima pretensão de ser levado a sério, pois seu juízo, conforme
expresso por essas palavras, não é possível de ser verdadeiro. Qualquer um que
atribua um predicado a um sujeito e retire esse atributo põe-se a apresentar um
discurso sem sentido. Por exemplo: quem afirma que a farinha é d’água e não é
d’água, simultaneamente e sob o mesmo aspecto, simplesmente não definiu a
natureza da farinha e a ela predicou duas características que não podem ser
simultâneas, isto é, ser e não ser d’água, pois temos por certo que algo ou é ou não

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é farinha d’água, mas nunca as duas coisas simultaneamente e sob o mesmo aspecto.
Eis o caráter lingüístico da lógica.

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A Lógica é a disciplina que propõe a higiene do pensamento. Assim, como


um médico esteriliza seus instrumentos antes de uma operação a fim de evitar
infecções de toda sorte, a lógica purifica os instrumentais do pensamento humano
com o objetivo de evitar as inflamações de absurdos argumentativos, as infecções
mentais, os vírus e bactérias da falta de sentido.

Devemos a Aristóteles (384 a 322 antes de Cristo) a fundação desta


disciplina. Em sua obra Órganon encontramos a reunião de seis textos que são de
incontornável importância para o desenvolvimento desta matéria, a saber:
Categorias, Da Interpretação, Analíticos Anteriores, Analíticos Posteriores,
Tópicos e Refutações Sofísticas. A partir destes livros, as mais variadas
investigações puderam desdobrar-se: estudo das falácias, dos silogismos, dos
juízos etc.

Podemos assegurar que a Lógica, em seu mister sanitarista, desempenha


essencial função no combate aos sofismas, às falácias, isto é, aos argumentos que
têm aparência de verdadeiros encadeamentos lógicos, mas não os são; raciocínios
que, por vezes, têm incrível força psicológica, mas sem validade lógica. Dentre
estes, encontramos alguns tão sutis que nem mesmo suspeitamos de sua invalidade.
Ex.: “Algum brasileiro é maranhense; algum ludovicense é brasileiro; logo, algum
ludovicense é maranhense.” Este raciocínio é falso, pois desobedece a uma das oito
regras do silogismo: nada se conclui de duas premissas particulares. A conclusão é
um fato, pois os ludovicenses são maranhenses, mas o raciocínio usado não é válido.

Outro caso clássico é o PARADOXO DO MENTIROSO: “Mentiroso pode


declarar-se mentiroso. Ora, se tal declara, diz verdade. Quem diz verdade não é
mentiroso. Logo, mentiroso não é mentiroso.” (ver: Mário Ferreira dos Santos, em
Grandezas e Misérias da Logística). Soluciona-se a questão quando se tem em
vista que quem mente pode, por vezes, dizer a verdade e, assim, afirmar
verdadeiramente que mentira em outros momentos. Outros casos mais podem ser
citados, exemplos de argumentos que possuem força psicológica, mas sem validade
efetiva – como um argumento amoroso ou mesmo o apelo à violência. Temos por
certo que um cafuné, um simples dengo, um sorriso afetuoso não têm valor
argumentativo, não possui vigor lógico, mas persuasório; uma criança que aparece
em alguma propaganda televisiva não goza de força lógica para alcançar a verdade,
mas de poder psicológico para alcançar o convencimento do cliente para a compra
do produto; igualmente, o recurso à força física, à ambigüidade de termos, à
malícia no ato da construção de um argumento são exemplos mais de falsos
raciocínios lançados pela Lógica no sanitário do pensamento pelo seu impulso
higienizador...

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PRINCÍPIOS DA LÓGICA

O princípio de uma disciplina é o ponto a partir do qual ela pode começar,


ele é seu início, impulso e sustento. Nenhuma disciplina pode “principiar-se sem
princípios”, digamos assim, pois careceria de fundamento. O princípio é uma
verdade sobre a qual não pode pairar a menor dúvida, ele é óbvio, comum, evidente,
imediato e não tem o caráter de simples hipótese. Princípio não é hipótese. Ele é
uma verdade tão manifesta, clara, patente que a simples tentativa de ridicularizá-
lo torna ridícula a própria tentativa.

Costumamos falar de princípios éticos, como o amor a Deus e ao próximo.


Asseguramos que aqueles que consideram que o “não matarás” não seja uma norma
do agir não passam de simples propugnadores do assassínio. Por isso, não soa
estranho afirmar que quem mata o inocente não tem princípios. Assim como temos
regras que governam nossa conduta em sociedade, possuímos igualmente leis que
regem a marcha de nosso pensamento.

Os princípios são imediatos, pois não precisamos de maiores explicações


para fundamentá-los; eles não precisam de demonstração. Percebemo-los
imediatamente, sem mediação. Eles são óbvios, pois não convém iniciar uma ciência
com afirmações passíveis de dúvidas, mas sim com verdades que sejam
inquestionáveis, pois, se assim não fizermos, começaremos a investigação em meio a
disputas. Além disso, os princípios que enunciaremos abaixo valem para todo o
sempre, são imperecíveis, perenes, verdades inatacáveis, são o ponto arquimédico
sobre o qual a lógica se sustenta.

Os três princípios fundamentais da lógica são: identidade, não-


contradição e terceiro excluído.

1. O princípio de identidade afirma que “A é A”, “pedra é pedra”, “Sócrates é


Sócrates” e isto não pode ser diferente. Destarte, não podemos negar a A o
predicado A, senão perpetraríamos um absurdo. Não podemos negar a nossa mãe o
predicado nossa mãe. Alguém pode, no máximo, querer afirmar que considera que
pedra é não-pedra e pão é não-pão, mas, na prática, quem confundiria pedra com
pão, a ponto de ingerir pedra e construir um alicerce de pão? Assim, enquanto A é
tomado como A, pedra é tomada como pedra, pão enquanto pão e Sócrates é
tomado como Sócrates, não podemos negar a A ser A, pedra ser pedra, Sócrates
ser Sócrates etc. Agora, se o pão, por algum processo químico, se petrifica, ele
pode vir a ser tomado enquanto algo que não mais é pão; mas quando o pão era pão,
ele não podia ser algo diferente dele mesmo.

2. O princípio de não-contradição foi enunciado desta maneira por Aristóteles em


sua obra Metafísica: “É impossível que a mesma coisa, ao mesmo tempo, pertença e
não pertença a uma mesma coisa, segundo o mesmo aspecto”. Expliquemo-lo! O que

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Aristóteles afirmou foi que não podemos sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo
aplicar um predicado a uma coisa (o sujeito) e retirar o predicado aplicado, isto é,
não podemos atribuir e retirar o mesmo atributo simultaneamente e sob o mesmo
aspecto. Não podemos, por exemplo, afirmar que “a moça é imperatrizense” e “a
moça não é imperatrizense” sob o mesmo tempo e aspecto, pois é impossível que
alguém seja e não seja imperatrizense. Não podemos, igualmente, afirmar que “o
imperatrizense é maranhense e não é maranhense”, que “o ludovicense é bonito e
não é bonito”, que “o coco é babaçu e não é babaçu”, que “Aristóteles é estagirita e
não é estagirita”; todos os exemplos sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo.
Quem aplica um predicado a um sujeito e retira o atributo aplicado cai em
contradição.

É impossível que sejam verdadeiros dois juízos contraditórios, pois não é possível
que algo seja sujeito de atribuições que se excluem. Um gato não pode receber o
predicado persa e no mesmo instante perder o predicado. O que seria um gato que
é e não é persa? — Simplesmente não seria coisa alguma, porque SER e NÃO SER
PERSA é impossível. Em síntese: não podemos aplicar um predicado e retirar o
predicado aplicado a um sujeito sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo.

3. O princípio do terceiro excluído consiste no seguinte: “não é possível que exista


um termo médio entre os contraditórios, mas é necessário ou afirmar ou negar, do
mesmo objeto um só dos contraditórios, qualquer que seja ele” (Aristóteles,
Metafísica). Isto quer dizer que não há meio termo entre receber um atributo e
não receber o mesmo atributo, entre ser e não ser. Ou a um sujeito é aplicado o
predicado imperatrizense ou não o é, não há meio termo entre ser imperatrizense
e não ser imperatrizense, ou é ou não é, não há terceira alternativa. Ou
Aristóteles nascera em Estagira (na Macedônia) ou Aristóteles não nascera em
Estagira, não há outra opção: ou o filósofo é estagirita ou não é estagirita; entre
contraditórios não existe meio termo.

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Esses três princípios valem universalmente para todo e qualquer discurso,


para todo e qualquer raciocínio, para todo e qualquer ser. Um homem que ensaiasse
uma fala sem ter em conta os princípios de identidade, não-contradição e terceiro
excluído ridicularizar-se-ia, pois diria coisas sem nexo. O que seria um
imperatrizense que é não-imperatrizense, um estagirita não-estagirita? Quem
acreditaria que há meio termo entre ser siamês e não ser siamês? Ou é ou não é,
vetada a terceira alternativa! Deste modo, todo homem, ainda que não tenha
estudado lógica, tem senso lógico; Aristóteles não inventou a lógica, apenas
evidenciou-nos seus princípios. Os químicos não inventaram H2O, apenas
conseguiram evidenciar, na água, aquilo que é da água, como os filósofos apontam,
nos nossos pensamentos, as leis que são ínsitas aos próprios pensamentos.

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